Sociedade de Geografia de Lisboa > Sala de Portugal, uma magnificência da arquitetura de ferro

Queridos amigos,
Numa tentativa de ir ao fundo do espólio (riquíssimo!) guardado na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, para melhor conhecer o que aqui se guarda sobre a Guiné e quem a estudou, depois de percorrer aquele itinerário clássico de visitar os autores consagrados, o que oferecem os Reservados, o próprio boletim da Sociedade de Geografia, chegou a hora de bater à porta dos volumes das atas das sessões, estou agora entre 1876 e 1881, emana o entusiasmo dos fundadores, fala-se na criação do Instituto Colonial para dar base científica e rigor aos quadros da Administração, fala-se mesmo em fazer uma subscrição para apoiar as explorações ao interior africano, discute-se o trabalho do indígena, as potencialidades económicas, aqueles primeiros anos a África de que se fala é mais o Litoral de Angola, só mais por adiante se falará de Moçambique. Nem uma só palavra sobre a Guiné. Discute-se o papel do missionário e há quem se atire criticamente aos degredados civis e militares, são considerados uma desgraça da colonização.
E vamos continuar.
Um abraço do
Mário
O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (1)
Mário Beja Santos
Para se entender a mentalidade dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição criada em 1875, e que se veio a tornar a matriz do conhecimento do interior das colónias africanas, tendo mesmo gerado, pela agregação de figuras exemplares da política e da ciência, não só explorações audaciosas como estudos geográficos e coreográficos que se revelaram da maior importância para a fundamentação dos ideais do III Império, é preciso ler nos documentos da época. Nada melhor que ler as atas das sessões da Sociedade de Geografia, ir ao volume I onde estão coligidas as reuniões que ocorreram entre 1876 e 1881.
Estamos em 7 de julho de 1876, aberta a sessão presidida pelo Visconde de S. Januário, alguém propõe que se apresente ao governo de Sua Majestade a conveniência científica, económica e política de se empreender uma expedição portuguesa através do sertão africano, de costa a costa, prestando-se a sociedade a promover uma subscrição nacional para auxiliar este empreendimento. A alocução de Luciano Cordeiro, figura capital da Sociedade de Geografia e seu primeiro secretário durante anos a fio, é extremamente reveladora:
Um abraço do
Mário
O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (1)
Mário Beja Santos
Para se entender a mentalidade dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição criada em 1875, e que se veio a tornar a matriz do conhecimento do interior das colónias africanas, tendo mesmo gerado, pela agregação de figuras exemplares da política e da ciência, não só explorações audaciosas como estudos geográficos e coreográficos que se revelaram da maior importância para a fundamentação dos ideais do III Império, é preciso ler nos documentos da época. Nada melhor que ler as atas das sessões da Sociedade de Geografia, ir ao volume I onde estão coligidas as reuniões que ocorreram entre 1876 e 1881.
Estamos em 7 de julho de 1876, aberta a sessão presidida pelo Visconde de S. Januário, alguém propõe que se apresente ao governo de Sua Majestade a conveniência científica, económica e política de se empreender uma expedição portuguesa através do sertão africano, de costa a costa, prestando-se a sociedade a promover uma subscrição nacional para auxiliar este empreendimento. A alocução de Luciano Cordeiro, figura capital da Sociedade de Geografia e seu primeiro secretário durante anos a fio, é extremamente reveladora:
“O Sr. Luciano Cordeiro disse que uma das ideias principais que haviam presidido à fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa fora o reconhecimento da urgente necessidade e do imperioso dever imposto a Portugal pelas suas tradições, pela sua situação de segunda potência colonial da Europa, pelos seus interesses económicos e políticos além-mar, de entrar definitivamente no movimento espantoso que as ciências, os estudos e as explorações geográficas estão exercendo lá fora; e que sendo uma das fases mais interessantes e mais acentuadas desse movimento o problema africano, desde os primeiros passos no trabalho desta Fundação, ele e outros fundadores da Sociedade tinham reconhecido e assentado que uma sociedade geográfica portuguesa deveria necessariamente começar por ocupar-se vivamente daquele problema que encerrava para a nossa pátria uma questão vital (…)
Que era necessário levantar o espírito público à compreensão dos grandes interesses e dos impreteríveis deveres que o problema africano significava para nós. Que a necessidade de Portugal empreender urgentemente uma expedição científica ao interior africano, no intuito de o conhecer melhor e de o abrir ao comércio, ao prestígio português e à civilização europeia, era por tal forma axiomática que ele se dispensava de fundamentar a proposta que acabava de ler”.
Noutras sessões irão ser levantados problemas e situações para os quais os sócios da Sociedade de Geografia entendem dever encontrar resposta mediante sugestões para o governo de Sua Majestade. Um sócio, numa sessão em 1878, fala da qualidade da administração colonial, revelava-se indispensável preparar um centro de estudos para preparar tais funcionários:
“O Sr. J. M. Pereira declarou que tinha estado por algum tempo na costa ocidental de África, e por isso a experiência o levava a fazer algumas considerações. Que a circunstância de nos termos limitado a ocupar somente o Litoral fazia com que a língua portuguesa não estivesse ali mais desenvolvida; e que não sucederia assim se tivéssemos alguns estabelecimentos comerciais mais para o Interior. Que era certo não serem suficientemente habilitados os funcionários que vão para o Ultramar, porém, julgava como principal motivo disso a má remuneração que lhes dá o Estado; e que as empresas particulares nacionais e estrangeiras ofereciam um bom exemplo, pois elas tinham ali empregados tão hábeis como os melhores dos países civilizados. Que se havia aludido ao vexame e ao prejuízo que o Estado sofria por os seus empregados não conhecerem as línguas coloniais, e sem querer negar as vantagens resultantes do conhecimento dessas línguas, afirmava que, se metermos em linha de conta o estado da nossa civilização e o da civilização africana, havemos de concordar que nós é que vexamos os indígenas e não são eles que nos vexam a nós”.
Interveio seguidamente Adolfo Coelho que juntava uma proposta sua à de Teixeira de Vasconcelos para a criação de um instituto colonial onde se ministrasse o ensino das seguintes matérias: Geografia e Etnografia de África e da Ásia; Geografia e História das Colónias Portuguesas; Gramática Comparada das Línguas bantu e Ensino Prático do nbundo e zulu; Gramática Comparada dos Dialetos Modernos da Índia; Fauna e Flora das Colónias Portuguesas, Agricultura com Aplicação às Mesmas; Direito Administrativo Colonial. Luciano Cordeiro juntou o seu nome aos de Adolfo Coelho e Teixeira de Vasconcelos.
Curiosas serão as intervenções que se seguem, vale a pena registá-las:
“O Sr. Gastão Mesnier declarou de discordar da opinião de muitos consócios, pois estava convencido de que a África só se podia civilizar por meio dos missionários. A religião católica era a que melhor se podia implantar ali; e quer os mais acreditassem quer não, ele orador estava convencido de que o catolicismo tinha a representar um grande papel no continente africano. Pôs em paralelo o missionário da crença e o missionário da ciência; e concluiu afirmando que uma nação pequena como a nossa não se podia reger pelas mesmas leis das grandes nações, e que as cadeiras que se criassem teriam de fechar-se mais tarde por não haver discípulos para elas.
O Sr. Batalha Reis declarou que não se preocupava e que nem a sociedade nem o governo se deviam preocupar com o que se dizia de não haver discípulos para as novas cadeiras. Que uma nação civilizada e colonial tinha o rigoroso dever de conhecer as suas colónias; e que não havia nações pequenas nem nações grandes perante o desenvolvimento científico”.
Constituiu-se uma comissão de redação e a sugestão do Instituto Colonial foi por diante.
Nesta digressão pelas atas iniciais das sessões da Sociedade de Geografia nos seus primeiros anos de atividade, o que se pretende mostrar ao leitor eram as principais preocupações dos fundadores, logo conhecer o interior africano, está latente o sentimento da cobiça de várias potências, dentro de alguns anos haverá a Conferência de Berlim e Portugal já se debate com as ambições da Bélgica sobre o Congo, da Alemanha com o Sudoeste africano e o Norte de Moçambique, as viagens de Capelo e Ivens e Serpa Pinto, de costa a contracosta, irão exacerbar a posição britânica de que não quer intrusões na linha entre o Cabo e o Cairo, chegaremos assim ao Ultimatum de 1890, com gravosas consequências para o regime monárquico.
Da leitura que iremos tentar fazer destas atas iniciais não surpreende não haver uma qualquer referência à Guiné, as primeiras reuniões estão polarizadas das explorações africanas em Angola e até Moçambique; haverá intervenções sobre a ocupação angolana, só mais tarde se irá falar de Moçambique; Cabo Verde e S. Tomé terão referências avulsas e pouco representativas nestes primeiros anos.
Constituiu-se uma comissão de redação e a sugestão do Instituto Colonial foi por diante.
Nesta digressão pelas atas iniciais das sessões da Sociedade de Geografia nos seus primeiros anos de atividade, o que se pretende mostrar ao leitor eram as principais preocupações dos fundadores, logo conhecer o interior africano, está latente o sentimento da cobiça de várias potências, dentro de alguns anos haverá a Conferência de Berlim e Portugal já se debate com as ambições da Bélgica sobre o Congo, da Alemanha com o Sudoeste africano e o Norte de Moçambique, as viagens de Capelo e Ivens e Serpa Pinto, de costa a contracosta, irão exacerbar a posição britânica de que não quer intrusões na linha entre o Cabo e o Cairo, chegaremos assim ao Ultimatum de 1890, com gravosas consequências para o regime monárquico.
Da leitura que iremos tentar fazer destas atas iniciais não surpreende não haver uma qualquer referência à Guiné, as primeiras reuniões estão polarizadas das explorações africanas em Angola e até Moçambique; haverá intervenções sobre a ocupação angolana, só mais tarde se irá falar de Moçambique; Cabo Verde e S. Tomé terão referências avulsas e pouco representativas nestes primeiros anos.
E pelo adiante se verificará, até com a chegada de novos sócios declaradamente ligados a negócios, de que há grandes preocupações em ensinar o preto a trabalhar. Não faltarão referências às condições higiénicas e climáticas, os problemas das comunicações serão versados de forma continuada, e não faltarão críticas aos degradados enviados para África, como alguém sublinha:
“E que ele orador pudera verificar em África que o preto que não tinha convivência com um branco era muito mais honrado do que aquele que estava em contato com os europeus; devendo ainda assim ser muito boa a índole do negro para não estar completamente pervertida, visto que os condenados a degredo pelos mais horrorosos crimes são como que os professores que nós mandamos para ali. Se queremos introduzir a civilização em África, é urgente que se estabeleçam colónias penais, pois não pode nem deve consentir-se que o degredado tenha a mais completa liberdade. Tem dado péssimos resultados este sistema; e não é raro ver-se ali o condenado na melhor sociedade, e adquirir uma influência que por vezes embaraça o exercício do governo local.
Devia também acabar-se por uma vez com o costume de mandar para o exército de África os soldados incorrigíveis do exército da metrópole; e que ele orador, quando estava em Luanda, passava sossegado e tranquilamente pelos negros indígenas que encontrava, não lhe sucedendo o mesmo quando tinha de passar por entre os soldados brancos do serviço policial, porque estes eram, na grande maioria, degredados e incorrigíveis”.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 19 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22214: Historiografia da presença portuguesa em África (263): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (5) (Mário Beja Santos)
(continua)
Uma imagem clássica do explorador Serpa Pinto
Uma das traves-mestras da Sociedade de Geografia de Lisboa, Luciano Cordeiro
____________Nota do editor
Último poste da série de 19 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22214: Historiografia da presença portuguesa em África (263): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (5) (Mário Beja Santos)
3 comentários:
O degredado mais célebre na história de Angola foi o Zé do Telhado.
Colonizar não é connosco, fomos obrigados a isso por causa dos acordos de Berlim, em África, e na India os ingleses nos obrigaram a fazer alguma coisa parecida para não perdermos o pé, e ficámos com aqueles pequenos refúgios de Goa, Damão e Diu, e chegava.
Connosco é bom é viajar, navegar, mapear, comerciar, conviver e acasalar e pouco mais.
E assim é que era bom. Mesmo missionários, sabemos que São Francisco Xavier e a companhia de Jesus inicialmente não teve nada a ver com Portugal, Portugal apenas serviu como meio de o Papa expandir o cristianismo.
Em Angola, no 25 de Abril estavam mais espalhadas missões americanas, alemãs, protestantes, do que o missionário português.
Fizemos o que pudemos, e que não nos culpem com o resultado final, embora pudesse ser ainda pior...se fosse à nossa maneira.
Havia mais à maneira das nossas terras , o tradicional pároco para batizar e casar e vá lá.
Há a piada, penso que brasileira sobre "português": O Manuel chega, prega os socos de madeira atrás do balcão, e só tira os pés do socos, quando a "mulata" lhe diz que está à espera.
Permite-me, meu caro Antº Rosinha, que discorde de ti. Escreveste que «colonizar não é connosco» (os portugueses), mas eu lembro que no Brasil não se fez outra coisa senão colonizar, desde que D. Manuel I criou as primeiras capitanias ao longo da costa, até à independência do Brasil, que foi proclamada pelo... rei de Portugal D. Pedro (isto, sim, é uma originalidade!). Foi uma colonização pura e dura, eu diria mesmo feroz, que consumiu milhões de vidas de escravos, índios primeiro e africanos depois, nos engenhos de açúcar, na extração de ouro, no abate de árvores de pau-brasil ou no que quer que fosse. Terminada a colonização do Brasil, deu-se então início à de África com caráter de urgência, face à cobiça de outras potências europeias. Foi o tempo das expedições através do continente, não só portuguesas, mas também inglesas (Livingstone e Stanley), francesas (Pierre de Brazza), etc.
Há muitos anos, tentei ler os livros de Serpa Pinto e de Brito Capelo e Roberto Ivens sobre as suas expedições em África, mas desisti, em face do racismo e do profundo desprezo pelos africanos que esses livros refletiam, sobretudo o livro de Capelo e Ivens "De Angola à Contra-Costa". Em compensação, fiquei muitíssimo agradado com a obra escrita pelo capitão Henrique de Carvalho sobre diversos aspetos do Reino da Lunda, como a vida na corte do Muatiânvua (o rei da Lunda), os cantos populares e até uma gramática da língua lunda. Henrique de Carvalho escreveu vários volumes de grande diversidade e profundidade e merecia ser mais conhecido por isso.
Julgar a história....
Ter julgamentos e fazer juízos de valor sobre factos históricos à luz da ética e moral atual para não falar da componente jurídica, normalmente dá asneira (salvo melhor opinião).
Fomos colonizadores, esclavagistas e outros istas..fomos.
Se fomos mais ou menos violentos que os outros o assunto já é discutível, até porque éramos menos, logo não podíamos ocupar grandes extensões territoriais e cometer genocídios de milhões de pessoas.
Um jornalista e historiador brasileiro (Eduardo Bueno) que descreve a história sempre em tom irónico e jocoso , diz que onde os "empresários" tugas e posteriormente os brasucas foram competentíssimos foi no tráfico de escravos onde chegavam a ter 3000 % de lucro.
Não sei se uma "aventesma" da nossa praça ainda quer destruir o Padrão dos Descobrimentos.. depois admiram-se que os os "populismos" avançam a velocidade de cruzeiro.
AB
C.Martins
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