quinta-feira, 27 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22227: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte VII: Peru, Lima, fevereiro de 2020


Foto nº 1



Foto nº 2


Foto nº 3



Foto nº 4

Peru > Lima > Fevereiro de 2020


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (escialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de  275 referências no blogue.


Lima, Peru, fevereiro de 2020



António, que fazes nesta terra?

Nada, ou melhor, oscilo entre o meio nada e o meio tudo, em dois dias à solta pela capital do Perú.

De Callao, porto de Lima, onde o barcalhão da volta ao mundo nos deixou, Fevereiro de 2020, quase em tempo de Covid universal, avanço rumo às inconsequentes descobertas da cidade, por espaços de maravilha e de dez mil vilanias, sobretudo, para abrir as mãos e parte do coração, o meu deficiente entendimento da arte dos mil artifícios de (sobre)viver.

Avisado para potenciais assaltos ao turista de passagem, caminho pela avenida ao lado do Pacífico. Há gente na praia, em cima dos pedregulhos e dos grandes seixos da beira-mar, os callaos, fruindo as delícias do Verão, com temperaturas de 22 graus. (Foto nº 2)

Pergunto a um polícia, por certo ali colocado para segurança da estranha e rica gente dos cruzeiros, sobre o que havia para ver. Falou-me numa lagoa abrigada, a dois quilómetros de distância, uma reserva natural de pássaros. Diz-me que basta tomar o mini-bus. Não tenho soles, o dinheiro peruano. Nenhum problema. O polícia manda parar o primeiro autocarro que passa, paga o bilhete com mini notas sebentas do seu bolso e deseja-nos boa estadia em Lima. 

É a primeira vez na vida que um agente da autoridade toma conta de mim. Adiante, as avezinhas, gaivotas, gaivinas, pelicanos, albatrozes, na restinga de areia grossa, chilreiam, grasnam, cacarejam aos milhares.

Um táxi e estou no centro de Lima. Agora, a cidade por minha conta (Foto nº 1). A Plaza Mayor, o convento e igreja de São Francisco, as catacumbas, a Casa da Literatura, o Palácio do Congresso. Tudo bem cerzido pelos mestres do passado, vindos das espanhas e do mundo. Hoje, em cada esquina, segurança, polícia e militares armados, mais viaturas anti-motim. Uma pátria, como tantas outras, insegura, dilacerada pela soberba e ganância dos homens.

Encaminho os meus passos para a enorme confusão do Barrio Chino. Os chifas, os restaurantes chineses. Lima tem centenas de chifas, os tascos da China cujo nome tem origem na palavra 吃饭 chifan, que significa «comer» em chinês e que os imigrantes chineses no Peru utilizaram, outrora, para denominar os seus restaurantes.

Descanso na Biblioteca Nacional, onde o pessoal de serviço foi amabilíssimo. Uma sala, com sofás e tudo, para sossegadamente termos wi-fi, a ligação à net no tablet e no telemóvel. Notícias de Portugal e da China. O coronavírus não dá tréguas, com navios de cruzeiro infectados no Japão e em Hong Kong. Que susto!

Em Lima, há favelas que pululam pelos arredores e que agora, por via do politicamente correcto, se passaram a denominar pueblos jóvenes ou barrios jóvenes. Verão, muitas casas têm diante das portas, quase fechando as ruas estreitas, piscinas desmontáveis naquele plástico azul meio aborrachado, piscinas que se enchem com mangueiras, tipo tanques portáteis, redondos e quadrados, que fazem as delícias da criançada e de alguns adultos. Os miúdos parecem patos chapinando na água não muito limpa que serve também de banheira para meninas e meninos de numerosas famílias.

Tempo de atravessar toda a malha urbana em direcção ao mar, desta vez em Miraflores, bairros mais modernos com casas alindadas para gente rica e considerada importante, com luxuosos apartamentos, onde a qualidade de vida dos cidadãos se situa a milhas de distância dos quotidianos das pessoas dos pueblos jóvenes. A zona até conta com um jardim pendurado na falésia, sobre o mar, que dá pelo nome de Parque do Amor, com uma estátua alusiva, a condizer, de dois amantes abraçados, na posição horizontal, num longo e ternurento beijo, e algo mais. Coisas de ricos, coisas de pobres.

De regresso ao centro da cidade, por puro acaso, apanho o final de um fabuloso desfile folclórico, (Fotos nº 3 e 5). No parque de La Muralla, os grupos começam a dispersar. Cansados, suados, satisfeitos, abanam-se com leques, fotografam-se uns aos outros, as mulheres descalçam os sapatos, algumas de saltos altos que lhes magoam os pés. Vaidosas, mostram os seus vestidos, entretecidos com mil cuidados por elas próprias, ou pelas costureiras das suas terras. Há raparigas bonitas, elegantes e guapas, outras nem por isso, gordas e avantajadas, todas ataviadas a rigor com trajes da cordilheira dos Andes, ou das pampas e florestas do Paraguai ou da Bolívia, da Colômbia ou da Argentina. Mas sempre femininas, perfeitas criações da natureza, dos deuses e dos seus pais.

António Graça de Abreu

[Texto recebido em 26/5/2021]

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