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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27138: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (8): A deliciosa laranja de casca verde ("Citrus sinensis var. dulcis" ou "laranja-lima" no Brasil)




Laranja verde da Guiné-Bissau (Citrus sinensis, var. dulcis). Imagens fornecidas pela IA / ChatGPT. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



Joaquim Caldeira, hoje e ontem...


1. Mais um  pequeno texto, este "deliciosos", do Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69); vive em Coimbra; é autor do livro "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)


A laranjeira de frutos verdes

por Joaquim Caldeira (*)

Já aqui referi (no meu livro) a emboscada de abelhas africanas que deixaram o alferes Pio em coma e, para sua recuperação, teve que ser evacuado para o hospital de Bissau. Isto passou-se ao largo de Fulacunda, na direcção de Nova Sintra - Tite.

Certa vez, numa operação que efectuei para esses lados, dei com uma laranjeira carregada de frutos verdes e segui adiante. Era uma árvore de porte médio e estava cercada por mato. Era mesmo muito difícil a nossa aproximação. Segui adiante e não pensei mais no assunto.

Meses mais tarde fiz o mesmo percurso para repetir nova operação de qualquer coisa. De novo a laranjeira carregada de frutos de cor verde. Não me contive. Então, passados meses, ainda não tinham amadurecido? 

Quis ir ver. Mandei fazer o cerco de segurança e à catanada cortei o mato que me separava do tronco. Depois foi só puxar um ramo e colher uma laranja. Estava maduríssima e era de uma doçura sem igual. 

Só havia uma forma de colher todos os frutos. Era subir à árvore. E assim foi feito. Desde ramos partidos para ser mais rápido e fácil a abanar os troncos para fazer cair laranjas, tudo valeu. Tivemos que tirar os blusões, puxar os cordões das mangas e enchê-las. Depois o mesmo para o cordão da cintura e toca a encher o blusão até ao pescoço, depois de abotoado. No final, carregar com aquilo, somado às munições e às armas. Não foi fácil mas valeu a pena. 

Não ficou uma peça de laranja na pobre laranjeira e decerto que, se não tivéssemos feito a colheita, ainda agora lá estavam. Barrigada geral.

(Revisão / fixação de texto, título do poste: LG)



Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo: Frutas e  legumes da época" (é sempre um regalo para a vista...). Do lado direito, parecem-nos ser laranjas limas verdes...

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor LG:

De acordo com o "Sabe-Tudo", o assistente de IA do ChatGPT, trata-se de  uma árvore de fruto tropical que dá laranjas... de casca verde. Nome científico, Citrus sinensis, var. dulcis.  

A sua origem deve ser China e nordeste da Índia.  Deve ter sido levada para o Brasil e para a Guiné pelos "tugas".

Muito interessante o teu testemunho, Joaquim Caldeira! Pelo que tu descreves, não se trata de uma laranjeira comum (Citrus sinensis), mas sim de uma laranja de maturação “permanentemente verde”, muito típica das variedades cultivadas (e espontâneas) na Guiné-Bissau. E que encontravámos facilmente nos mercados locais no nosso tempo. Quem tinha preconceitos (etnocêntricos...) e pouca ou nenhuma curiosidade, nunca a provou...e não sabe o que perdeu. 

Digam-me lá quem é que tinha a curiosidade e a pachorra do Joaquim Caldeira ? No meio de um patrulhamento ofensivo, quis ir ver que raio de árvore era aquela: "Mandei fazer o cerco de segurança e à catanada cortei o mato que me separava do tronco. Depois foi só puxar um ramo e colher uma laranja. Estava maduríssima e era de uma doçura sem igual".

Eis alguns pontos a ter em conta para uma melhor descrição  deste citrino tropical:

(i) Frutos verdes mesmo quando maduros:

Nas regiões tropicais húmidas, como a Guiné-Bissau (a região de Quínara incluída), o citrino pode não adquirir a coloração alaranjada típica do nosso Algarve e do Mediterrâneo em geral.

Isso acontece porque  nos trópicos, as noites não arrefecem o suficiente para quebrar a clorofila da casca; a mudança de cor exige noites abaixo de ~13–15 °C, coisa rara na região de Quínara. As noites são, portanto,  quentes: não há o contraste de temperaturas (calor de dia / frio de noite) que desencadeia a degradação da clorofila e o aparecimento da cor laranja. Logo, a casca mantém-se verde ou verde-amarelada, mesmo estando o fruto já doce e pronto a comer. 

(ii) Doçura excecional:

Muitos relatos coloniais (como este do nosso camarada Joaquim Caldeira)  falam da “laranja da Guiné” ou “laranja de casca verde”, extremamente doce, sumarenta, e que amadurece sem mudar de cor. É um tipo de Citrus sinensis var. dulcis (ou var. tropical),  muitas vezes chamado simplesmente sweet orange tropical ("laranja doce", em português do Brasil).

(iii) Ciclo de frutificação:

Nas condições tropicais, algumas laranjeiras dão fruto quase todo o ano, com várias florações. Isso explica o espanto do narrador: meses depois quando lá voltou a passar, mpo subsetor de Fulacunda na zona de Nova Sintra -Tite,  a árvore parecia sempre “carregada de frutos de cor verde", quando na verdade já havia frutos maduros, apenas sem coloração visível. A laranja "estava maduríssima" e tinha "uma doçura sem igual".

Portanto, o que foi encontrado na zona de  Nova Sintra-Tite em 1968/69. pelo narrador era muito provavelmente a “laranja verde da Guiné” (Citrus sinensis, var. tropical), um citrino comum no país, de porte médio, muito doce, e cuja maturação não se denuncia pela cor da casca.

Esta laranja doce, de baixa acidez, adaptada e cultivada em climas tropicais,  é também conhecida no Brasil  como laranja lima verde. Quem não conhece o livro do José Mauro de Vasconcelos, "O Meu Pé de Laranja Lima", uma verdadeira obra-prima da literatura infanto-juvenil, em língua portuguesa ?

O assistennte de IA / Perplexity também confirma que a Citrus sinensis var. dulcis corresponde à laranja lima verde encontrada e consumida no Brasil (o maior ptrodutor do mundo de laranjas...). É também conhecida popularmente como laranja-doce.

É uma fruta bastante apreciada por seu sabor suave, pouco ácido e adocicado, indicada especialmente para crianças e pessoas com sensibilidade gastrointestinal. De polpa doce, poucas sementes, casca fina e geralmente esverdeada ou levemente amarela quando madura.

A laranja lima verde é considerada uma variedade de maturação tardia, comum em algumas regiões do Brasil, e faz parte da ampla diversidade de laranjas doces cultivadas no país. Além dela, existem outras variações regionais, como a "laranja lima do céu". Todas pertencem à espécie Citrus sinensis, grupo das laranjas doces, e não devem ser confundidas com limas ácidas ou outros citros.

___________________

Nota do editor LG:

4 comentários:

Alberto Branquinho disse...

Gostei deste texto.
Muitas mais "coisas" foram transportadas de outras terras longínquas para o Brasil. O coqueiro, p.ex..
Cpts.
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caros amigos,

Efectivamente, na Guine-Bissau, do Norte ao Sul, assim como em todos os paises da regiao (Africa Ocidental), as laranjas sao uma das frutas mais comuns e apreciadas que, em determinado periodo do ano (De novembro a marco), invadem o mercado para logo a seguir dar lugar a chegada da epoca do caju e das mangas (marco-junho), pelo que, sem sombra de duvidas, podemos considerar, sem exagero algum, que a GBissau eh um pais muito rico em biodiversidades e frutas que a natureza e o trabalho dos camponeses fornece todos os anos em abundancia, mas que apresentam ao mesmo tempo um grande desafio, pois que sendo pereciveis e muito pouco transformadas, sao sazonais e nao duram por muito tempo.

Mas ha um pormenor a ter em conta, as laranjeiras bem como muitas outras arvores de frutas e diversos produtos agricolas, nao sao nativas da regiao nem do continente, pelo que nao sao expontaneas ou selvagens como se poderia pensar, o local onde o Joaquim e seus companheiros encontraram a arvore era, de certeza quase absoluta, uma aldeia abandonada (tumbum em mandinga e fula) devido a guerra ou por outras razoes. A cor normal eh a verde, mas que vai mudando de coloracao para verde amarelado conforme vai amadurecendo e no Sul do pais demoram mais a amadurecer, sao quase sempre verdes e sao mais saborosas devido a pluviosidade e a riqueza dos solos.

Em Bissau e em todo o Nordeste, a vida das laranjeiras eh muito curta, precisamente, devido a pobreza dos solo em certos nutrientes organicos de que, certamente, precisam, no Sul as laranjeiras duram por muitas geracoes, pois em casa dos familiares da minha esposa (Quitafine) ainda podem-se encontrar algumas do periodo anterior a guerra colonial e que teriam sido abandonadas durante um largo periodo, depois recuperadas juntamente com as arvores de rendimento mais tipicas da zona que sao as coleiras.

Um pormenor nao menos importante sobre a historia dos primeiros contatos e das chamadas "descobertas" e das fases subsequentes, eh que durante muito tempo os interesses dos navegadores/exploradores nao seria a colonizacao, que cronologicamente, so vai aparecer mais tarde, mas sim o intercambio comercial (mesmo se desigual) e seria nesse periodo que ocupou alguns seculos que a disseminacao da maior parte de plantas e produtos se teria desenvolvido e os portugueses teriam desempenhado um papel importantes nessas trocas e expansao de culturas exoticas de um pais a outro e/ou de um continente a outro.

Em conclusao, e sem querer branquear Portugal e os portugueses, podemos afirmar que nem sempre foi um pais "colonialista" como comumente se julga e que a colonizacao que aconteceu em alguns paises, para alem de tardia, durou pouco tempo, contrariamente ao periodo que no estudo da historia eh conhecido por 'mercantilista' e em que Portugal se teria distinguido dos outros paises seus vizinhos e rivais.

Cordialmente,

Cherno AB

Anónimo disse...

Comprava muita fruta no mercado em Bissau, anos 84/85, era quase a minha alimentação ao preço da chuva.
Quando Nao há mais nada tudo é uma maravilha.
Comprava e comia depois no quarto, mangas deliciosas, ananás doce, laranjas melhores que o Algarve, Limões, Bananas, e tanta fruta que nem sei os nomes.
Abria com uma faca de mato, e comia uma peça toda de uma assentada.
Não me esqueço mais disso, e tudo por tuta e meia....
Virgilio Teixeira


Antº Rosinha disse...

Em conclusao, e sem querer branquear Portugal e os portugueses, podemos afirmar que nem sempre foi um pais "colonialista", Cherno, isso para uns pode ter sido negativo, para outros pode ter sentido positivo.
Mas essa realidade, que como eu constantemente também repito, quase não se colonizou nada, só se "comercializou" (eu vi isso na Guiné e em Angola e no Brasil).
Daí a piada à brasileira que o portuga chegava, pregava os socos atrás do balcão onde enfiava os pés de manhã e de onde saía à noite.
E estava feita a colonização.
Cherno, mas como corroboras com este teu comentário parcialmente um dos meus pontos de vista, vou criar um post, em que vou afirmar que de todas as tribos de Angola e Guiné que conheci, houve apenas uma que foi realmente bastante "cutucada" e "chateada" com o chato do colonialismo português, e que foi talvez por isso que se revoltou contra a presença do "branco".
Nenhuma outra tribo se revoltou da mesma maneira como essa, antes pelo contrário, o comerciante era sempre bem vindo.
Cumprimentos