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sábado, 8 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27399: Notas de leitura (1861): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte V: "Tenho um papel na gaveta", disse-lhe o Salazar, na véspera de partir para o CTIG, como capelão-chefe, em fevereiro de 1966... Era o papel que criava a capelania militar, a meio da guerra...



Padre Bártolo Paiva Pereira,
alferes graduado capelão,
Cabinda, 1962

1. Só em 1966, com a criação da Diocese Castrense,passou a existir a figura jurídica do capelão militar (Decreto Lei nº 47 188, de 8 de setembro).


Este diploma que vem promulgar "a estruturação da assistência religiosa nas forças armadas": embora já revogado (em 1991), tem interesse para a história da capelania militar e da guerra colonial. Até então os capelães mobilizados para os 3 teatros de operações eram todos, teoricamente, voluntarios, como foi o caso do padre Bártolo.

No seu artigo 10º (de um total de 23), o Decreto-Lei noº  47 188 determinava a realização de um curso, a ser regulamentado por portaria conjunta do Ministro da Defesa Nacional e dos Ministros e Secretário de Estado de cada um dos departamentos das forças armadas. Diz o nº 1 do art. 10º

(...) "Após a incorporação, os sacerdotes frequentam um curso destinado a ministrar-lhes os necessários conhecimentos de natureza militar e pastoral." (...)

O nosso autor diz que o primeiro curso realizou-se na Academia Militar, em Lisboa, logo em 1967. Foi frequentado por 58 sacerdotes, graduados no posto de aspirante miliciano (pág. 46). Entre eles, o nosso conhecido padre Mário de Oliveira, já falecido, que foi alferes g
aduado capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, entre novembro de 1967  e em março 1968).

De 1967 a 2017, realizaram-se 43 cursos de capelães militares, frequentados por total de 877 sacerdotes Bártolo Paiva Pereira, op. cit., pág. 47).

O curso e a participação na guerra colonial ajudaram a "arrumar a casa".


 Capa do último livro de Bártolo Paiva Pereira, padre da diocese de Braga, capelão militar, capelão-chefe do CTIG (1965/67); nascido em 1935, em Santo Tirso,  foi ordenado sacerdote em 1959, em Braga; foi capelão militar desde 1961, em Angola, e serviu nas Forças Armadas durante 30 anos (um caso raro de dedicação á Pastoral Castrense; é hoje major do exército na situação de reforma;  também exerceu o seu múnus espiritual no seio da diáspora portuguesa na Suíça; é autor de uma dezena de livros; vive em Vila do Conde, é vizinho e amigo do nosso camarada Virgílio Teixeira.

Esta última obra, que acaba de sair,  é edição de autor (Vila do Conde, 2025, 120 pp.). A capa é de Joaquim António Salgado de Almeida. Depósito legal nº 548769/25. Não tem ISBN. Impressão: Gráfica São João, Fajozes, Vila do Conde. ~(*)


(pág. 48)


O abandono do sacerdócio terá sido mais dramático com a guerra.

 O autor diz que de 1967 a 1971, em nove cursos e num total de 305 capelães, houve um em cada três que pediu a redução ao estado laical. 

 Não se percebe como é que o padre Bártolo calculou a taxa de 10% de abandono para o total dos 877 capelães , formados no período de 1967 a 2017.

Há aqui dois factores a considerar na análise deste fenómeno:

 (i) a realização do Concílio Vaticano II (que se reunuiu em 4 outonos,de 1962 a 1965); e 

(ii)  a experiência da guerra colonial. 

Valeria a pena ir mais longe na especulação sobre as razões (sociológicas, teológicas, éticas, psico9lógicas,  etc.) que levaram à crise náo só do clero como das vocações sacerdotais, em Portugal, nos anos 60/70/80.

 "Se a farda militar ajudou alguns sacerdotes a despirem a batina, (...) foi saudável" (pág. 49).

Por outro lado, há que reconhecer que apenas dois capelães foram "expulsos do Exército", por coincidència dois membros da Tabanca Grande, um deles o já supracitado Mário da Lixa (sic) e o Arsénio Puim. Falaremos destes dois caso em próximo poste.

Mas também morreram dois capelões durante os 13 anos de guerra: um em combate, o padre Lomba, da diocese de Braga, e o padre Manuel Cunha, em acidente de viação (pág. 53).
 

O padre Bártolo, que não nos lê, nem tem acesso à Net, náo deve ter lido a excelente e bem documentada reportagem sobre os capelães militares e a guerra do ultramar / guerra colonial. da autoria do jornalista António Marujo (do jornal digital 7Margens), publicada na revista do semanário Expresso, edição nº 2673, de 12/5/2023,  

O destaque é dado à figura do açoriano  Arsénio Puim  Mas o autor acabou por descobrir "pelo menos outros 11 padres católicos que se opuseram à guerra colonial e não quiseram ser capelães", para além dos dois que foram expulsos do CTIG e exonerados das suas funções de capelania (Mário de Oliveira, em 1968 e Arsénio Puim, em 1971):

  • José Maria Pacheco Gonçalves, 
  • José Alves Rodrigues, 
  • Domingos Castro e Sá, 
  • Serafim Ferreira de Ascensão, 
  • Manuel Joaquim Ribeiro, 
  • António de Sousa Alves, 
  • José Domingos Moreira, 
  • José Lopes Baptista, 
  • Joaquim Sampaio Ribeiro 
  • Carlos Borges de Pinho,
  • José Carlos Pinto Matos.

Eram todos da diocese do Poto, com exceçáo do último que oertencia à diocese de Viseu. "

Destes nomes destaque-se o do Carlos Manuel Valente Borges de Pinho, que foi capelão da CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74), no curto período de 16/3 a 16/9/73. Foi amigo pessoal do nosso tabanqueiro José Teixeira. que deixou de ter notícias dele. hoje leigo (para saber mais ler aqui o poste P19055.).


2. Surpreendente ou talvez não, é a "inconfidència" ou a partilha de um pequeno segredo do padre Bártolo, na véspera de partir para a Guiné, em fevereiro de 1966. Teve ensejo de fazer uma visita inusitada, de conversar durante 20 minutos  e de inclusive tomar chá com o homem mais poderoso do país naquela época

Registe-se a opinião (ou a imoressão ) do autor:  

"Salazar era o único governante que se opunha à oficialização do Serviço de Assistência Religiosa às Forças Armadas. 

"Já a guerra colonial ia a meio, quando foi criada a Diocese Castrense. Saiu o 'papel da gaveta' e o Serviço Religioso das Forças Armadas e de Segurança foi legalmente instituído" (pág. 49). 

Porquê ? O autor não aprofunda as razões da má-vontade, reserva, se não mesmo "antipatia" e até "oposição" de Salazar à ideia da oficialização do serviço de assistência religiosa nas forças armadas, já há, de resto,  muito reclamado pelas chefias militares.

Acrescenta apenas que, apesar de uma pretensa amizade entre ele e o Cardeal Cerejeira,  Salazar sempre terá cultivado,  com a Igreja enquanto instituição,  "uma cautelosa diplomacia" (pág. 50). 

A história do "papel na gaveta" vem a seguir. É uma "petite histoire":


(pp. 50/51)

Quanto ao número de capelães mobilizados terão sido mais de mil pelas contas do autor:
  • c. 500 para Angola;
  • c. 400 para Moçambique;
  • 113 para a Guiné.
(Continua) (**)

____________________

Notas do editor LG:

 (*) Vd. postes anteriores da série:




7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Leia-se o preâmbulo do diploma legal:

1. O serviço dos capelães nas forças armadas encontra-se muito deficientemente estruturado, do que resultam grandes anomalias de procedimento dentro de cada ramo das forças armadas e de uns em relação aos outros.


2. Extinto o corpo de capelães militares com o advento da República, a assistência religiosa às forças armadas deixou pràticamente de existir. Mas essa assistência religiosa manteve-se sempre como necessidade iniludível da consciência católica do povo português, que nas forças armadas tem a sua melhor e mais completa expressão.


3. Por isso, a Lei n.º 1961, de Setembro de 1937, estabeleceu o princípio de que os sacerdotes e clérigos da religião católica são obrigados à prestação do serviço militar, desempenhando funções de assistência religiosa e, cerca de três anos mais tarde, a Concordata celebrada entre Portugal e a Santa Sé consagra solenemente este princípio.


4. Com base nele, os departamentos das forças armadas, procurando satisfazer necessidades próprias, começaram a recrutar sacerdotes para o desempenho das funções de capelães através da boa vontade, sempre demonstrada, dos superiores eclesiásticos.


5. Passaram assim os capelães militares a ser administrados segundo a legislação existente ou estabelecida em cada departamento, como contratados, como graduados ou como equiparados a oficial, percebendo remunerações diferentes, com direitos e deveres nem sempre bem definidos, sem instrução preparatória conveniente, e com uma duração do tempo de serviço variável consoante as circunstâncias.


6. Mas, sobrepondo-se a todas estas anomalias, uma havia que só teria solução com a criação do Ordinariato ou Vicariato Castrense. Tratava-se do problema da hierarquia e da disciplina militares, alicerce das instituições militares, que se encontrava largamente afectada pelas exigências do direito canónico, segundo as quais os capelães militares, qualquer que fosse o local e as circunstâncias em que prestavam serviço, continuavam inteiramente subordinados às dioceses ou institutos religiosos a que pertenciam, com todas as limitações que daí resultavam para a sua conveniente administração no aspecto militar.


7. Conforme acordo entre o Governo Português e a Santa Sé, para instauração do Ordinariato ou Vicariato Castrense, pode-se agora dar conveniente organização à assistência religiosa nas forças armadas no momento em que o número de sacerdotes ao serviço como capelães militares atinge, por força das necessidades de defesa do ultramar, cerca de centena e meia de indivíduos.


8. A organização que se estabelece no presente decreto-lei respeita a autonomia dos serviços de assistência religiosa existente em cada ramo das forças armadas, mas coloca-os, para efeitos de coordenação, sob a superintendência de um órgão superior, a Capelania-Mor, que trabalha ao nível da defesa nacional. Nos termos do aludido acordo entre o Governo Português e a Santa Sé, a Capelania-Mor desempenha também, no foro canónico, as funções de cúria do Ordinariato ou Vicariato Castrense..


(Continua)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Continuação. Preâmbulo do dipçloma legal:

(...) 9. Não se reconhece vantagem em retomar o corpo de capelães nem tão-pouco em criar um quadro de capelães. Mas julga-se que cada um dos serviços de assistência religiosa deve possuir um alicerce sólido que permita a continuidade e a eficiência do serviço. São os capelães titulares, hierarquizados por postos e funções, nas quantidades mínimas para satisfazerem as necessidades de tempo de paz e prestando o seu serviço militar efectivo por tempo limitado. Com esta limitação tira-se o carácter de permanência e favorece-se, sob o ponto de vista militar, o refrescamento dos postos e das funções e, sob o ponto de vista religioso, a recuperação a curto prazo dos sacerdotes para o serviço exclusivo da Igreja.


10. Como as necessidades de mobilização obrigam à utilização de capelães militares em número muito superior às necessidades de tempo de paz, criam-se os capelães militares eventuais.


Os capelães militares eventuais, além de preencherem as necessidades de mobilização, constituem a fonte de recrutamento dos capelães titulares.


11. Toda a mecânica de recrutamento, de ingresso na categoria de titulares, das graduações e da selecção para o desempenho de funções assenta no princípio da escolha. De facto, julga-se que não pode ser outro o critério a seguir, dada a delicadeza e a importância das funções a desempenhar pelos capelães militares, em que está constantemente em jogo o prestígio da Igreja e a vida moral dos militares.


12. Por motivos de economia de pessoal e sem afectar a necessária eficiência, estabelece-se o princípio de os capelães militares de qualquer ramo das forças armadas poderem prestar assistência religiosa a núcleos militares de outros ramos quando as circunstâncias o aconselhem. Parece indiscutível a validade e a aplicação deste princípio num serviço em que a especialização respeita à cura das almas.


13. Outro ponto saliente do presente decreto-lei é o da dependência e competência disciplinares dos capelães militares no foro militar.


Se é certo que como oficial o capelão militar deve ficar sujeito ao Regulamento de Disciplina Militar e portanto pode ser louvado ou punido como qualquer outro oficial, também parece razoável aceitar-se que a execução da punição seja rodeada de certas cautelas com vista a respeitar a dignidade sacerdotal. Assim, à semelhança do que estabelece a legislação de outros países, a execução da punição far-se-á no local e nas circunstâncias acordadas entre a autoridade militar e o Ordinário Castrense. A mecânica deste procedimento será estabelecida em regulamento próprio de cada serviço.


14. Procura-se dar aos capelães militares, quando em serviço efectivo, direito e regalias idênticas às dos oficiais do quadro permanente. Não é possível, no entanto, incluí-los como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, dado o regime especial em que prestam o serviço ao Estado. A análise do que se estabelece no presente decreto-lei quanto às idades de incorporação, duração de tempo de serviço e limite de idade máximo consentido para o serviço efectivo, comparada com a lei geral sobre aposentações, fàcilmente explica a impossibilidade que há em dar aos capelães militares o direito de aposentação como servidores do Estado.


Mas, em contrapartida, julga-se justo e devido incluir os capelães como possíveis beneficiários da pensão de invalidez nas condições expressas no Decreto-Lei n.º 45684, de 27 de Abril de 1964.


15. Finalmente, procura-se através de disposições transitórias evitar soluções de continuidade que seriam prejudiciais à assistência religiosa nas forças armadas.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

O que este diploma não quis (ou não pôde) prever é que as Forças Armadas também já tinham (e iriam ter mais) militares de outras confissões religiosas, incluindo muçulmanos (nomeadamente no CTIG, mas também em Moçambique) e cristãos, não católicos, apostólicos, romanos. E ateus e agnósticos e não-crentes. Curiosamente, esta questão não é sequer abordada pelo padre Bártolo. Nem a descristianização crescente da juventude portuguesa, ao tempo da guerra colonial.