terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)


Foto nº 1 > Guiné-Bissão >Região de Quínara > Buba > Esquadrão de morteiro 81 >

Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabarl > Pasta: 05360.000.325 > Espaldar de morteiro, mais provavelmente do Pel Mort 2138 [e não 2139], que esteve em Buba (1969/71). Como o espaldão está desativado, a foto deve ser posterior ao 25 de abril de 1974.


Citação: (1963-1973), "Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139, do exército português.", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_44169 (2018-01-20)


Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara > Buba > CCAÇ 2382 (1969/71) > Posição do espaldão do morteiro 81, na embocadura do rio Grande de Buba [poste P18231]


Fotos (e legendas): © Fernando Oliveira ("Brasinha") (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  > ATAQUE A BUBA EM 12 DE OUTUBRO DE 1969  (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138): OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC


por Jorge Araújo



1. INTRODUÇÃO

Como tive a oportunidade de referir na anterior narrativa sobre este tema, uma foto de um “espaldão de morteiro” localizada na Casa Comum - Fundação Mário Soares - na pasta: 05360.000.325, com o título/assunto: “Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2138, do exército português… estrutura militar portuguesa à beira de um rio [?]: ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2138” [poste P18223] deu lugar a uma nova investigação, tendo duas questões de partida [foto nº1]:

(i) como chegou ela (foto do espaldão) às mãos da guerrilha e/ou aos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973);

(ii) em que aquartelamento das NT teria ele sido construído?

Quanto à primeira questão, creio ser difícil, quase impossível, obter uma resposta fiável, a não ser que o seu autor tomasse a iniciativa de se identificar. Quanto à segunda, foram várias e imediatas as respostas, dando-nos conta tratar-se do «Espaldão do morteiro 81», colocado na embocadura do rio Grande de Buba, junto ao arame farpado do Aquartelamento de Buba. [foto nº 2]

Para além da preciosa ajuda dos nossos camaradas tertulianos que por lá passaram, destaco aqui o contributo do Fernando Oliveira (Brasinha) do Pel Mort 2138, que fez o favor de nos mandar algumas fotos desse local [poste P18231] … com história, e que muito agradecemos.

Para que conste, apresentamos acima duas fotos desse espaldão, a primeira, talvez de 1973 ou princípios de 1974 [ou mais tarde] (a do arquivo de fotos de Amílcar Cabral), a segunda do tempo do Pel Mort 2138 (1969/1971), do baú de memórias do camarada “Brasinha”.



2. O ATAQUE A BUBA EM 12 DE OUTUBRO DE 1969


A análise ao modo como o PAIGC planeou este ataque ao aquartelamento de Buba em 12 de Outubro de 1969, domingo, deu origem à elaboração de um “Relatório do Ataque” por parte do comandante da CCAÇ 2382 (1968/1970), ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo, bem como o competente croqui sobre a distribuição das forças IN. Este foi redigido a partir da informação obtida através da leitura dos documentos apreendidos ao capitão cubano Pedro Rodrigues Peralta, na sequência da sua captura por tropas paraquedistas do CCP 122/BCP 12, em 18 de Novembro’69, durante a «Operação Jove» [vidé poste P18223].

Recorda-se que este ataque foi liderado por Pedro Peralta e 'Nino' Vieira. De acordo com as informações do camarada Fernando Oliveira, este ataque foi lançado pela parte superior da pista de aterragem de aeronaves, tendo o IN estado muito próximo do arame farpado. O especial desempenho vai para o Esquadrão de Morteiros, junto à pista. Este ataque foi o baptismo de fogo do Pel Mort 2138, coincidindo com a despedida da CCAÇ 2382, comandada pelo Cap Carlos Nery Araújo.

Na infogravura abaixo, retirada do livro «Guerra Colonial», do Diário de Notícias, p. 295, as setas a amarelo servem para referenciar a zona onde se iniciou o ataque.




3. RELATÓRIO DO PAIGC SOBRE O PRIMEIRO ATAQUE A BUBA

- 12 DE OUTUBRO DE 1969

Como instrumento de investigação histórica «do outro lado do combate», visando encontrar eventuais elementos contraditórios entre versões, recorremos, uma vez mais, à principal fonte de consulta (privilegiada) que são os Arquivos de Amílcar Cabral, localizados na Casa Comum – Fundação Mário Soares.

Aí encontrámos referência a este ataque a Buba, realizado em 12 de Outubro de 1969, que pode ser consultado em: (1969), “Relatório das operações militares na Frente Sul”, 
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20).

Nas primeiras duas páginas desse relatório de um total de vinte e três, cujo autor se desconhece, e que abaixo se apresenta dividido em pequenos fragmentos, é referido:

Na introdução:

“Após um longo período de minucioso reconhecimento e preparação das condições para a actuação da artilharia (tiro directo e indirecto) distribuída por 3 posições de fogo distintas, dedicou-se especial atenção em encontrar as vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição. No cumprimento desta última missão de reconhecimento temos a lamentar a morte de um camarada e o ferimento de outros dois, entre os quais o camarada CAETANO SEMEDO, em consequência da detonação duma mina antipessoal”.




Efectivos:

Dispunhamos para a operação dos seguintes efectivos:

Artilharia

- 9 canhões sem recuo B-10, com 90 obuses;

- 9 morteiros 82, com 180 obuses;

- 2 peças GRAD, com 7 foguetes;

Infantaria

- 5 bi-grupos para o assalto ao quartel;

- 3 bi-grupos para isolar Buba dos visinhos;

- 1 bi-grupo para a segurança da artilharia;

Defesa anti-aérea

- 12 DCK



Desenvolvimento da acção:

A operação devia ter início no dia 12 de Outubro [1969] às 17 horas, mas devido a atrasos na instalação dos canhões, só foi possível iniciá-la às 17h30.

Os canhões efectuariam tiro directo a uma distância de 1.200 metros; os morteiros 82 e GRAD estavam em ligação telefónica com o posto de observação, situado a 800 metros do quartel. A posição dos morteiros estava a 2.200 metros e a das peças de GRAD a 3.950 metros do quartel.

Primeiro abriram fogo os canhões B-10, que falharam completamente, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metralhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 + Pel Milícia], concentrando sobre o posto de observação (possivelmente já descoberto por ele), sobre a posição do fogo dos canhões e sobre o itinerário percorrido pela linha telefónica; como resultado da explosão dos obuses o fio telefónico foi cortado em 7 [sete] lugares diferentes, ficando a ligação interrompida.

Além disso, unidades inimigas de infantaria cruzaram o rio, pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros.


Conclusão:

Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo.

Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria.

Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente.



Fonte: Casa Comum >  Fundação Mário Soares >  Arquivo Amílcar Cabral

Pasta: 07073.128.011. Título: Relatório das operações militares na Frente Sul. Assunto: Relatório das operações militares do PAIGC contra Buba, Bedanda, Bolama, Cacine, Cabedu, Empada, Mato Farroba, Cufar. Utilização dos foguetes. Algumas impressões sobre a utilização da arma especial (GRAD) na Frente Sul durante os meses de Outubro e Novembro de 1969. Data: c. Novembro de 1969. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969. [Guileje]. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


Em jeito de conclusão, podemos dizer que os dois relatórios se complementam, pela adição dos detalhes particulares observados em cada um dos lados do combate.


Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

22JAN2018.

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18086: (D)o outro lado do combate (16): razões e circunstâncias da prisão e condenação do arcebispo católico de Conacri, Raymond-Marie Tchidimbo (1920-2011), na sequência da Op Mar Verde: de "santo" a "diabo", aos olhos do "guia iluminado", Sékou Touré: o testemunho do mais célebre prisioneiro político do sinistro campo de Boiro (excerto com tradução de Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália



Austrália > 29 de outubro de 2016 > Melbourne,  centro da cidade


Austrália > 29 de outubro de 2016 > Melbourne, Flinders Street, o coração da cidade


Austrália > 29 de outubro de 2016 > Melbourne,  plataforma de helicópteros que transportam fãs do Melbourne Spring Cup, a corrida de cavalos mais importante do ano.



Austrália > 29 de outubro de 2016 > Melbourne, uma cidade de 4,3 milhões de habitantes, 




Austrália > 29 de outubro de 2016 > Melbourne > Royal Botanic Gardens, > Shrine of Remembrance [, Memorial aos Antigos Combatentes]

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.  

Prepara-se, entretanto,  para servir de guia em mais uma viagem à China, organizada pela agência Em Viagem, de parceria com a Fundação  do Oriente, de 14 a 29 de março de 2018. As inscrições estão abertas até 26 de janeiro.
 Acrescente-se que o proghrama é muito interessante ma so preço é proibitivo para um pobre ex-combatente da Guiné: 4370,00€  por pessoa, em quarto duplo, tudo incluído...

{Comtacto: +351 966 478 509
Morada: Av. 25 Abril, Loja 8C | 2750-511 Cascais, Portugal
E-mail: andreia.machado@emviagem.pt ]


2. Sinopse da série Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias:

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016;

(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:

(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália.


   
3. Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália


O navio chega às oito da manhã [ do dia 29 de outubro de 2016] ao Station Pier, o cais de cruzeiros de Melbourne. Meia hora depois já estou fora do porto em busca da cidade considerada uma das mais civilizadas e com melhor qualidade de vida em todo o mundo. 


Compro o cartão Myki, 14 dólares australianos, 10 euros, que me possibilita viajar durante 24 horas em todos os transportes públicos. Trezentos metros adiante estou no eléctrico 109 que vai atravessar o centro de Melbourne e tem por destino Box Hill, a “Colina da Caixa” que não faço a mínima ideia do que seja ou onde se situa.


Atravesso mais de meia cidade, subindo lentamente aí durante uns dois quilómetros por Collins Street que deverá ser a rua central. Antevejo o que me interessará conhecer na viagem de regresso desde Box Hill. Levo já uns quinze quilómetros no eléctrico, verde e branco, rápido e funcional a avançar agora por Victoria Pde., uma infindável avenida com casas baixas dos dois lados, lojas, pequenas oficinas e fabriquetas. Box Hill nunca mais aparece, estarei já num arrabalde no leste de Melbourne e não vim à segunda maior cidade da Austrália, com 4,5 milhões de habitantes, para me estender por subúrbios desconhecidos, com pouquíssimo interesse. 

Olho o mapa, saio e tomo novamente o eléctrico 109, mas na direcção oposta, rumo ao centro. Desço junto à catedral católica de St. Patrick construída em estilo neo-gótico em finais do século XIX. São nove da manhã, ainda não anda quase ninguém pelas ruas mas a igreja já está aberta. Entro. Apenas eu e um chinês nos entretemos a fotografá-la. Ao lado fica o edifício do Parlamento, de 1856, imponente e sóbrio, e quase em frente dois teatrinhos clássicos, o Princess e o vitoriano Her Majesty Theatre. 

Vou descendo a pé, para o centro. O Windsor Hotel é outra estrutura do século XIX na correnteza da rua, um cinco estrelas onde já dormiram reis e príncipes, muita gente boa, excelsas meretrizes e bastantes patifes, enfim, a nata do mundo. À porta do hotel vejo um grupo de pessoas impecavelmente vestidas, as senhoras com chapéuzinhos pretos de veludo e laçarotes com flores no alto da cabeça, os homens aperaltados em fatos de gala. Devem ir para um casamento, penso.

Avanço na rua que conduz à Chinatown. Tinha de ser, há quarenta anos que a China faz parte do meu quotidiano, por isso tudo quanto é chinês funciona para mim como um íman. Edifícios sóbrios, dois pailous (os pórticos) de entrada pintados em vermelhão e dourado, simples e bonitos, e depois os restaurantes, etc. Continuo a descer para Collins Street onde se localizam os melhores hotéis, bancos e as lojas e armazéns mais caros de Melbourne.

À porta do Hotel Sheraton estão a entrar para um autocarro mais umas dezenas de cidadãos e cidadãs “de luxo”, outra vez com farpelas de espantar. As ladies, jovens, ou com idade indefinível, ostentam jóias e os tais chapéus quase todos pretos, com tules e flores de seda como decoração, alguns gentlemen, também de todas as idades, vestem arrebitados fraques e calças de lista. Se vão para o mesmo casamento acredito que deverá ser festa de arromba, ou talvez se trate de uma qualquer recepção ou cerimónia de Estado. A trezentos metros da gente rica, num esconso entre prédios altos, a gente pobre testemunha que a igualdade entre os homens não é deste mundo. Uma dúzia de sem abrigo, ou drogados, cobertos de mantas esfarrapadas estão deitados no chão de pedra protegidos por uns largos guarda-chuvas, a servir de tecto. Desta vez não tirei fotografias, aprendi em Long Beach, EUA, a deixar estas pessoas em paz.

Desço por Swanston Street, chego ao que será o coração de Melbourne, a Flinders Street com a sua icónica e longuíssima estação dos caminhos-de-ferro pintada de amarelo e vermelho, mais a catedral protestante de S. Paulo e a velha ponte sobre o rio Yarra. São onze da manhã, já há pessoas, quase todas jovens, enchendo as ruas e cafés. Tomam um pequeno almoço, nada pequeno, a puxar para um substancial almoço e conversam, cruzam opiniões, exercitam-se na arte de bem falar com os amigos.

Continuo a perambular ao longo do rio e vejo adiante uma plataforma para pousarem helicópteros. Dois deles, brancos, vermelhos e azuis, levantam e aterram quase à vez, aí de cinco em cinco minutos. Penso que estarão transportando turistas para uma breve vista aérea sobre a cidade. Aproximo-me. Afinal os passageiros, umas trinta pessoas em fila, aguardando a sua vez de voar, são semelhantes às que já encontrei atrás na cidade, luxuosamente vestidas a rigor, os espaventosos chapelinhos de veludo nas senhoras, mais trajes de seda de espantar e, nos homens, os fatos e fraques caríssimos.

Qual casamento, qual recepção de Estado?! A um dos jovens, integrado naquela disciplinada molhada de requintada gente, perguntei para onde iam, agora de helicóptero. Muito simples, “horse racing”, a Melbourne Spring Cup, a corrida de cavalos mais importante do ano. Ah, afinal trata-se de perpetuar, ao modo australiano com uma festa grande e chique, a herdada tradição britânica de adorar cavalos e de os pôr a correr, com gente fina a assistir e a apostar.

Da parte da tarde, visita ao Museu de Melbourne, com uma interessante abordagem aos aborígenes, os povos autóctones do território australiano, que nos séculos XVIII e XIX foram vítimas de um quase genocídio por parte dos recém chegados ingleses, irlandeses, escoceses. A História não está esquecida e hoje, absolutamente minoritários, os aborígenes sobrevivem como podem, integrados na malha multi-étnica australiana.

Uma ronda pelos parques e jardins de Melbourne. Nos Alexander Gardens, na margem esquerda do rio Yarra, mesas e bancos para picnics e, ao lado, grelhadores eléctricos. Basta ligar o fogão para estar tudo preparado para uma valente churrascada à moda da Austrália, com uns suculentos lombinhos de porco, umas pequeninas costoletas de borrego, uns celestiais bifinhos de vaca, tenra e gostosa. Dizem-me que este tipo de grelhadores se encontra espalhado por muitos lugares e parques da Austrália.

Mais a sul, no Royal Botanic Gardens, levanta-se, na ondulação dos jardins, um pesado monumento, de 1930, construído em honra dos australianos mortos em combate na I Guerra Mundial. É uma cópia do que terá sido uma das sete maravilhas do mundo antigo, o Mausoléu de Halicarnasso, com um telhado tipo pirâmide e a larga fachada com colunas gregas. Chama-se Shrine of Remembrance, algo como “Altar da Memória” à direita do qual foi acrescentada uma pira com uma chama sempre a arder evocativa dos australianos falecidos na II Guerra Mundial e até na guerra do Vietname, na mesma altura em que nós, portugueses, andávamos pelas guerras de África.

Subo a escadaria. No interior do monumento, bandeiras da Austrália e muitas flores em volta de um quadrado no chão, de mármore negro, onde estão gravadas a letras de ouro GREATER LOVE HATH NO MAN, um versículo do Evangelho Segundo S. João, 15, 13, que significa, em tradução livre “ninguém tem maior amor pelos seus amigos (do que quem dá a sua vida por eles).”



Chego no momento do cornetim de silêncio. Toda a gente em volta, de pé, em sentido. No meu Portugal e na Guiné-Bissau, por causa das “malhas que o império tece”, há muitos anos, também fui soldado numa guerra(*). O toque de silêncio. Uma lágrima a descer pelo rosto.

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Nota do autor:

(*) Eis o testemunho: António Graça de Abreu, Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura, Lisboa, Guerra e Paz Ed., 2007.

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Guiné 61/74 - P18242: Parabéns a você (1380): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73), Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18237: Parabéns a você (1379): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67) e Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo "Os Diabólicos" (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18241: Convívios (839): 35º almoço-convívio da Tabanca da Linha, Algés, 18/1/2018 - As fotos do Manuel Resende - Parte II: Tudo gente magnífica... "Caras novas", com destaque para o pessoal da CART 1689, camaradas dos escritores Alberto Branquinho e José Ferreira da Silva


Foto nº 1 > O Armando Pires, de pé, o Jorge Rosales e o Mário Magalhães... Não sei se aquele dedo é "desafiador"... No final, até houve um cheirinho de fado, mas não na voz do "fadista de Bissorã"...


Foto nº 2 > O Armando Pires e uma "cara nova", o José Ferreira (, que vive no Barreiro, não confundir com o José Ferreira  da Silva,  do Bando do Café Progresso, Porto)...


Foto nº 3 > João Lourenço, uma "cara nova"... É membro da ONG Ajuda Amiga. Nasceu em 1944 e viveu na Guiné-Bissau até 1997 (se não erro). Fala crioulo, estudou no liceu de Bissau. O pai era empregado de uma da mais importantes casas comerciais.  Tem um irmão que foi alferes. Ele também a fez a tropa (e a guerra) no CTIG.  Fez o CSM em 1961.Foi convidado a integrar a Tabanca Grande.



Foto nº 3 > Sei que o primeiro, da esquerda, é o nosso grã-tabanqueiro Luís [Cândido Tavares] Paulino, de Algés, ex-Fur Mil da CCAÇ 2726 (Cacine e Cameconde, 1970/72)... Está a organizar um encontro de arromba, 4 dias, com os seus camaradas açorianos. E foi quem nos ajudou a identificar o camarada da direita: "Chama-se Joaquim Grilo e é um beirão meu conterrâneo de Gouveia, residindo há muitos anos em Lisboa. É também um ex-combatente da Guiné, aliás, já tem estado presente noutros convívios da Tabanca da Linha. Vou-te mandar o email dele".

Foto nº 4 > O Alberto Branquinho, um dos nossos talentosos escritores,ex-alf mil op esp, da "mítica" CART 1689...


Foto nº 5 > Luís Graça, editor deste blogue, e Alice Carneiro, "não tão assíduos quanto gostariam"...


Foto nº 6 > Germana (, espos do Cralos Silva, régulo da Tabanca dos Melros), Elisabete e Francisco Silva (cirurgião ortopedista, depois de passar à "peluda")


Forto nº 7 > Tenho dificuldade em  dizer "quem é quem": o casal Santos, de Lisboa, e mais uma cara nova...


Foto nº 8 > José Miguel Louro e Maria do Carmo, que também não costumam faltar


Foto nº 9 > Os inseparáveis Gina e António Marques, membros vitalícios da Tabanca da Linha... Com muita pena nossa, vão falhar este ano o XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande: é que em 5 de maio, sábado, há a festa de anos do neto mais velho... Como sempre todos os anos, o António não se esquece do fatídico dia 13 de janeiro de 1970 em que caímos os dois numa mina A/C, com o nosso Gr Comb, em Nhabijões... Pediu-me desculpa por não me ter telefonado... O mais importante é que ele não se esqueceu da trágica efeméride...



Foto nº 10 > O Zé Carioca (que fez anos no dia 21...) e a esposa, Ilda (que, pela expressão, está a "torcer o nariz" ao bacalhau à minhota...)


 Foto nº 11 >  Os magníficos  Helena e Mário Fitas


Foto nº 12 > Helder Pontes, ex-fur muil CART 1689/ BART 1913, camarada de Alberto Branquinho, José Ferreira da Silva, Francisco Machado e Alberto Sousa. A CART 1689 era conhecidaomo "Os Ciganos", tendo demabulado por toda (ou quase toda) a Guiné. Tem mais de 120 referências no nosso blogue.  Andaram por sítios como , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, entre 1967 e  1969, dando e levando porrada da grossa. Só temos um Hélder (e é Sousa, de apelido) na Tabanca Grande, e para mais nunca pegou numa... G3, era um TSF... O Pontes vai ajudar-nos a compar a secção dos H, que está muito desfalcada...



Foto nº 13 > Francisco Machado, ex- fur mil da CART 1689 / BART 1913, igualmente camarada de Alberto Branquinho e José Ferreira da Silva. Fica convidado, o nosso camarada Francisco Macahdo, a sentar-se também à sombra do poilão da Tabanca Grande.


Foto nº 14 > Alberto Sousa, mais outro ex-fur mil da CART 1689 / BART 1913... É uma boa altura para convidar o Alberto a integrar as fileiras da Tabanca Grande.


Foto nº 15 > O Carlos Silvério, meu amigo, camarada, vizinho e conterrâneo... Veio com a Zita. O casal é lourinhanense... "Periquitos", na Tabanca da Linha. Ele andou pelo Olossato e por Bissau, antes de a gente fechar as portas da guerra. A Zita esteve com ele em Bissau... Já o convidei meia dúzia de vezes para se sentar à sombra do nosso poilão... Mas ele diz que prefere o sol...Lugares ao sol..., não temos na Tabanca Grande, só à sombra... Espero que ele ainda entre ao 7º convite... Ficou a ponderar: parece que o problema é a foto... fardada. Enfim, temos que compreender e respeitar quem tem alergias às fardas...


Oeiras > Algés > Restaurante "Caravela de Ouro" > 35º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > 18 de janeiro de 2018 > Reuniu 78  dezenas de comensais (,estavam inscritos 80, houve duas desistências de última hora, por motivos de saúde)...

Publicam-se mais umas fotos do fotógrafo oficial da Tabanca da Linha, o Manuel Resende (cargo que acumula com outros: secretariado, comunicação & marketing, logística & operações, contabilidade & finanças...). Destaque para algumas caras novas, em especial do pessoal da CAT 1689,  sem esquecer os nossos "casalinhos".

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 61/74 - P18240: Ser solidário (209): Construção de Escola em Candamã, iniciativa da Associação Humanitária Resgatar Sorrisos (Mário Beja Santos / Luís Branquinho Crespo)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018:

Meus estimados, 

Sou de opinião que se devia publicitar este pedido sobre os "Diferentes" e os "Viriatos", é nestas coisas que sinto imenso orgulho em ser português. 
Mário

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2. Mensagem de Luís Branquinho

Enviada a 19 de Janeiro
Para: Beja Santos
Assunto: Envio do desenho da Escola da Guiné

Dr Beja Santos
Primeiro que tudo a sua saúde e a dos seus e um Bom ano de 2018.
Suponho que se lembra de mim (escrevi o livro “Guiné - Um Rio de Memórias”) e dou-lhe a conhecer a escola que a Associação Humanitária Resgatar Sorrisos (ONGD) vai começar a construir em Candamá, próximo de Bambadinca: duas salas de aula, casas de banho e cozinha).
Iremos em, Março próximo oito homens em Missão Humanitária concluir a primeira fase da obra que já está marcada no terreno com as fundações já efectuadas.

Como sei que andou por esses sítios (eu andei mais abaixo pelo Xitole e Saltinho) pode informar-me quem esteve nessa zona para além da companhia dos Diferentes e dos Viriatos? Gostaria de os contactar e talvez possa deles obter apoio para a Obra Humanitária que a Resgatar Sorrisos leva a efeito.
Aguardo as suas informações.

Um abraço e ao dispor
Atentamente
Luís Branquinho Crespo








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3. Aqui fica o apelo do nosso camarada Luís Branquinho Crespo (ex-Alf Mil Art da CART 2413, Xitole e Saltinho, 1968/70), sensibilizando os "Diferentes"(?) e os "Viriatos" (CART 2339 dos nossos camaradas Carlos Marques Santos, Ernesto Ribeiro e Torcato Mendonça), assim como outros camaradas que passaram por aquele sector, para ajudarem nesta acção humanitária com origem na ONGD Associação Humanitária Resgatar Sorrisos.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18053: Ser solidário (208): Tabanca de Porto Dinheiro: unidos pela educação em Timor: convívio com o João e a Vilma Crisóstomo, o Rui Chamusco, o Gaspar e a Maria da Glória Sobral, o Eduardo Jorge Ferreira, a Alice Carneiro e o nosso editor Luís Graça...Vem aí um novo projeto, o LAMET - Luso American Movement for Education in Timor Leste...

Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,

Não se põe em causa o entusiasmo e a vontade de investigar deste doutor em Ciência Política. Mas há enviesamentos e erros crassos que bradam aos céus. Como é que é possível um júri de um doutoramento deixar passar em branco Cacheu como capital da Guiné?

Recorde-se que foi a 4 de Agosto de 1914 que se deu às vilas de S. José de Bissau e de Bolama a categoria de cidade, e de vila às povoações de Cacheu, Farim e Bafatá.

Como é que é possível passar em branco a ligeireza de dizer que Amílcar Cabral era mestiço, não se tem em conta a definição de mestiço?

Como é que é possível um júri aceitar num doutoramento afirmações como as de que Amílcar Cabral era um pau-mandado do PCP?

A despeito destes dislates, a despeito de termos que tragar 100 páginas iniciais nada convidativas para a substância em análise, o doutor Livonildo trabalhou, foi pena não ter sabido resistir a especular e a fazer afirmações sem fundamento.

Vamos continuar.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política, foi ele quem acompanhou o programa do curso do doutorando e tece-lhe aqui os maiores elogios:

“A extensa obra do doutor Livonildo engloba, além da descrição e explicação de vários conceitos inerentes ao domínio do objeto de estudo da Ciência Política, uma análise histórico-sociológica do povo (dos povos) da Guiné-Bissau, uma caraterização fundamentada e aprofundada das dimensões política e social deste país, uma crítica ao sistema de governo que tem vigorado na Guiné-Bissau desde a sua independência e a proposta de um novo sistema político de governo para estabelecer e garantir a paz e a concórdia neste país africano de língua oficial portuguesa.

Esta obra, pela natureza e dimensão da sua substância, pela originalidade do seu propósito e pelo rigor concetual da sua terminologia, reveste-se de importância relevante (…) A sua leitura atenta ajudará a desfazer muitos equívocos terminológicos e ajudará também os cientistas políticos a prosseguir com o rigor concetual da Ciência Política".

Antes de mais, é sempre de questionar se se deve publicar na íntegra uma dissertação de doutoramento, que é alvo de formato próprio, com indicações metodológicas e uma carga expositiva que, dada à estampa como livro, pode assumir uma enorme carga dissuasora para a leitura. É este um dos casos, e convém explicar porquê. Quando o leitor está à espera das razões que suscitaram a proposta do investigador, segue-se uma revoada de nomes ligados à epistomologia da ciência, seguindo-se, também despropositado, um apanhado de conceitos básicos de ciência política, nisto já estamos em 100 páginas, o leitor a arder em curiosidade.

Quer-se lembrar ao autor e ao professor catedrático que o orientou que Cacheu nunca foi capital da Guiné, tal designação é pura fantasia, é verdade que foi uma vila com enormíssima importância mas não há um só documento histórico em que o nome de Cacheu apareça conotado com a designação de capital. A Constituição Liberal nem mesmo referia a existência da colónia na Guiné, falava em Cacheu e Bissau, todos sabemos que a presença portuguesa foi durante séculos diminuta, assentava no Litoral e em pontos aprazíveis dos rios, aí se fazia tráfico de escravos e outros negócios; a missionação foi um falhanço rotundo, a obra missionária não recebeu os estímulos necessários nem podia contar com populações amigáveis; recorde-se a questão de Bolama, recorde-se a Convenção Luso-Francesa, a Conferência de Berlim e o imperativo de ocupar o território que nos fora cedido como enclave na África Ocidental francesa.

Estamos agora no enquadramento histórico da Guiné-Bissau, são indicados os povos que compõem o mosaico étnico, o historial imperial que precede a presença portuguesa é relatado à luz dos conhecimentos atuais, e tem cabimento o que o autor refere sobre os podres locais e as suas tradições, que sofreram profundas alterações com a chegada dos Mandingas, Fulas e dos portugueses. O autor fala permanentemente na Guiné-Bissau, o termo não tem nenhum rigor, quanto muito pode falar em Senegâmbia, rios da Guiné de Cabo Verde ou na colónia na Guiné, a Guiné-Bissau é termo a usar para o país independente. Estamos agora noutra vertente do estudo, a guerra colonial, o autor abre polémica desnecessária quando discreteia sobre as causas da guerra de libertação:  

“Os causadores da guerra colonial foram, na sua esmagadora maioria, os opositores portugueses do Estado Novo em conluio com as chefias africanas, em especial as que comungava a ideologia socialista baseada no comunismo do tipo marxista-leninista (…) Uma primeira leitura leva-nos a dizer que o PCP e os países comunistas usaram alguns cabo-verdianos e estes, por sua vez, usaram alguns guineenses, sendo o PCP um intermediário nestas relações.

Uma segunda leitura diz-nos que neste estabelecimento de alianças, alguns guineenses/grupos étnicos esclarecidos viram nesta situação a oportunidade de se sujeitaram a curto e médio prazo para, a longo prazo, quando a vitória estava próxima, começaram a inverter a relação de ordem hierárquica da aliança. Estas duas leituras podem enquadrar-se em algumas teorias clássicas. Só na fase final, para prevenir que a queda do regime fosse associada apenas à guerra colonial, estes agentes intervieram em Portugal com um pequeno gesto, o golpe militar de 25 de Abril”.

Não sabemos onde é que o doutor Livonildo foi buscar argamassa para tanta especulação, não indica a conveniente bibliografia que ponha este fantasma comunista na boca de cena. As especulações agravam-se quando, logo a seguir, encontra fortes analogias entre Amílcar Cabral e Honório Pereira Barreto. Não sabemos como é que o doutor Livonildo descobriu que Amílcar Cabral era mestiço, dava a sua ascendência de dois cabo-verdianos, a não ser que tenha provas de algum bisavô branco, mulato ou guineense, e fica-se perplexo como este despautério passa no júri de doutoramento.

Para quem já segue esta leitura de vias sinuosas reticente, o que se segue é de assombração: a guerra colonial, vista pelo autor, é uma quase repetição das antigas alianças de Portugal (Cabo Verde, Mancanhas, Manjacos, Papéis e individualidades) contra as alianças Mandinga do Império de Gabu (Beafadas, Balantas, Fulas, etc) na antiga Guiné. Leia-se com todo o sangue frio possível:

“A guerra colonial na Guiné-Bissau foi, em grande parte, da autoria do PCP (e também da FPLN) responsável pela esmagadora maioria de instruções que Amílcar Cabral executou. Sozinho, Cabral teria tido dificuldade de reunir as condições necessárias para enfrentar o poderoso colonialismo português”.

O doutor Livonildo comprovadamente que não estudou a formação ideológica de Cabral, o seu itinerário político, a organização do PAIGC a partir de 1959 e os apoios que o movimento de libertação recebeu. Tivesse feito essa investigação e não se atreveria a escrever estas barbaridades. Refere que a primeira operação militar contra posições portuguesas foi realizada pela FLING, não é verdade, o ataque a S. Domingos e a vandalização de Varela, em 1961, foi obra do MLG – Movimento de Libertação da Guiné, comandado por François Mendy, um Manjaco que se movimentava bem em Ziguinchor e Koldá, arregimentou um grupo de homens e fez duas incursões a partir do Senegal.

Aceita-se o que o autor refere quanto à escolha, para base das guerrilhas do PAIGC, da República da Guiné Conacri. Mas não se contém e lança tiradas levianas como se a ciência política se permitisse andar a pôr a História em tribunal, e encontrar sem fundamento analogias entre o presente e o passado, como se exemplifica:

“Portugal prejudicou a Guiné Conacri e beneficiou o Senegal ao aceitar a troca de Casamansa por Cacine – este era mais um motivo para os senegaleses se manterem cautelosos face ao PAIGC e aos seus aliados Felupes que desejavam recuperar o Casamansa".

Fiquemos ora por aqui. O que a seguir se vai escrever sobre o assassinato de Amílcar Cabral é uma efabulação sem limites, tudo palpites, temos que questionar a toda a hora se a tese de doutoramento se tornou num romance de espionagem.

(Continua)

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Sobre o autor, Livonildo Francisco Mendes:


(i) Livonildo Francisco Mendes (Ildo) nasceu a 28 de Julho de 1974 em Cacheu (Guiné-Bissau), cidade que é considerada o berço da civilização dos guineenses e a primeira capital da Guiné-Bissau;

(ii) conheceu muitas zonas da Guiné-Bissau, graças ao trabalho que o pai, empregado comercial, exerceu desde o período anterior à luta armada até a década de 1990;

(iii) terminado o ensino secundário, foi convidado pelo Ministério da Educação para dar a sua contribuição ao país, tendo trabalhou na Região de Cacheu como Professor de Língua Portuguesa no Liceu Regional Hô-Chi-Minh, em Canchungo e como Professor contratado de Filosofia no Liceu Unidade Escolar 23 de Janeiro, em Bissau;

(iv) frequentou até ao terceiro ano a Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Bissau;

(v) em 2001 ganhou uma Bolsa de Estudo para Portugal;

(vi) fez o  12º ano na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (Caldas da Rainha), após o que foi para Coimbra, onde concluiu a Licenciatura e o Mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – com uma Dissertação de Mestrado intitulada “Democracia na Guiné-Bissau: por uma mudança de mentalidades”; 

(vii) depois do Mestrado, sentiu necessidade de complementar a sua formação na área da Ciência Política e, por esta área de formação não existir em Coimbra, mudou para a Universidade Lusófona do Porto;

(viii) em 2014, terminou o Doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto, com uma Tese intitulada “Modelo Político Unificador - Novo Paradigma De Governação Na Guiné-Bissau”.;

(ix) A Dissertação e a Tese serviram de base a ao livro “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau” (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 594 pp.)

Fonte: Adapt. de Chiado Editora  > Autores > Livonildo Francisco Mendes

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18227: Notas de leitura (1033): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (18) (Mário Beja Santos)