segunda-feira, 13 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21164: Tabanca Grande (498): Manuel Rei Vilar, líder do projeto Kasumai, irmão do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941 - Suzana, 1970)...Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 812

1. Mensagem de Manuel Rei Vilar, nosso leitor e amigo, líder do projeto Kassumai, presidente da direção da Associação Anghilau:

Date: sábado, 4/07/2020 à(s) 12:38

Subject: Luís Reis Vilar (1941-1970), o Projeto Kasumai e a Tabanca Grande

Caríssimo Luís Graça:

Obrigado pelo convite [, vd. ponto 2, mensagem, de 4 do corrente, do nosso editor LG]. 

Fico muito honrado por me sentar à sombra do vosso poilão e pertencer à vossa Tabanca que também representa um fantástico acto de Paz e de confraternização entre os povos, e em especial entre os povos assombrosos da Guiné e a nossa Pátria. Contem comigo! Agradeço muito o vosso honroso convite e aceito.

Também podemos dizer que a Tabanca Grande teve um grande papel no início da nossa Ação em Suzana pois, devido ao pedido inicial que vos transmiti pedindo informações sobre o nosso irmão Luís [Rei Vilar, Cascais, 1941 - Suzana, 1970], o meu nome ficou associado ao vosso Blog. (**)

Um outro Luís, mas esse Luís Costa,  [antropólogo,] há quatro anos esteve em Suzana durante vários meses e ouviu falar do nosso irmão e da recordação que ele deixou nessa Tabanca!

Por isso, também deixo aqui o meu agradecimento à Tabanca Grande!

Neste momento estamos precisamente a preparar a ficha de inscrição na nossa nova Associação Anghilau (criança em língua felupe). Podemos transmiti-la à Tabanca Grande.

De facto, estamos a ser solicitados por novos desafios agora noutra aldeia do Cacheu, Batau, que visitámos durante a nossa viagem e onde a população precisa de arranjos na Escola e de um debulhador de arroz. (*)

Neste momento temos 35 apadrinhamentos, o que começa a ser demasiado pouco para todas as solicitações de ajuda que nos foi pedida no decurso da nossa viagem. Obras na Escola secundária de Susana, construção de uma residência para Professores etc...

Talvez a Tabanca Grande nos possa dar uma ajuda nesta nova campanha de apadrinhamento. Seria possível?

Logo que tiver uma informação mais completa, posso-vos enviar. A vossa ajuda ser-nos-ia preciosa!

Se há uma coisa que nunca nos poderemos esquecer na vida, é o investimento educacional que damos para que estas crianças da Guiné possam ser os homens e mulheres que este magnifico Pais, um dos mais pobres do Mundo, precisa para desenvolver o seu futuro.

Um grande abraço... e, na linguagem dos nossos amigos felupes,

Kassumai!
Manuel Rei Vilar




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 18 de fevereiro de 2020 > Os irmãos Rei Vilar (da esquerda para a direita, Manuel, Miguel e Duarte), em dia de homenagem ao seu irmão mais velho, o cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva.



Foto ( e legenda): © Manuel Rei Vilar (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Mensagem do nosso editor LG:

Data - 04/07/2020 à 12:36,

Obrigado, Manuel, Miguel e Duarte:

publiquei e comentei no nosso blogue [os  Relatório de Atividades do Projeto Kassumai, a  constituição da Associação Anghilau, além de reportagem  da viagem dos irmãos Rei Vilar à Guiné-Bissau que se realizou no passado mês de fevereiro que teve como objetivo reinaugurar o Jardim-Escola de Suzana depois do restauro e dar a conhecer a realidade do Chão Felupe, de Suzana e também da Guiné-Bissau.] (*)

Bolas, que "inveja"!... Que grande exemplo!...

É a mais sentida e bela homenagem que uma família enlutada pode fazer a um dos seus entes queridos, vítima da insanidade mental da guerra, voltando ao "local do crime" para, através das crianças felupes, erigir um monumento à paz e à solidariedade humana, contra a estupidez, a violência gratuita, o ódio...
Luis Rei Vilar, enquanto
cadete da Academia Militar.
Foto: cortesia de cor Morais da Silva

Eu gostava que um dos irmãos, talvez o Manuel, por ser o mais velho, aceitasse o nosso convite para integrar, formalmente, a nossa Tabanca Grande, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar do seu saudoso irmão e nosso camarada Luís Rei Vilar... Faz todo o sentido, sendo ele para mais o presidente da nova associação Anghilau...

O nosso blogue (e a comunidade de amigos e camaradas da Guiné que o suportam) foi criado, há 16 anos, em 23/4/2004, justamente para construir pontes com uma terra e um povo que continuam no nosso coração, apesar de todos os erros e crimes ocorridos durante a nossa história comum.

Um grande abraço, Manuel, Miguel e Duarte... O vosso/nosso Luís estará sempre presente na nossa memória.

O editor Luís Graça


3. Comentário do editor LG:

Manuel, podemos tratar-nos por tu, mesmo não tendo sido camaradas de armas. Sou amigo e antigo colega de curso do teu mano mais novo. Somos académicos, eu já aposentado. Enfim, já nos conhecemos, ser pessoalmene, daqui, do blogue, desde há  uns largos anos e temos em comum o mesmo amor por aquela terra martirizada, que é a Guiné, e a mesma esperança de que o precioso sangue derramado por todos os antigos combatentes da guerra de 1961/74 não tenha sido em vão.  O teu mano Luís, que eu não conheci pessoalmente, foi meu comporâneo no CTIG, embora eu tenha estado no setor L1 (Bambadinca). 

Recordo-me bem do pedido que nos formulaste, publicado em 30/7/2007 (***):

(...) O  meu irmão foi morto em Fevereiro de 1970. Era Capitão de Cavalaria e chamava-se Luis Filipe Rei Vilar. Ele estava localizado em Susana.

Gostava de saber mais pormenores deste trágico acontecimento que a minha família viveu, além dos que nos foram transmitidos pelas vias oficiais.

Não sei quem me poderia ajudar. Pensei dirigir-me a si. Se me pudesse dar alguma informação ou então onde ou a quem me dirigir, agradecer-lhe-ia muito. Conto visitar a Guiné-Bissau para o ano e com os meus irmãos fazer uma romagem a Susana. (...)


 E a resposta que na altura eu te dei,  foi esta (***):


(...) Querido amigo e camarada, irmão de um camarada nosso: É de grande nobreza o seu gesto. Vamos seguramente ajudá-lo na pesquisa da informação que nos pede. De momento, não tenho grandes elementos na minha posse, para além da carta de Susana. É verdade que também não tem aparecido muita gente que tenha estado naquela zona do noroeste da Guiné. Mas nós temos aqui alguns especialistas na áerea do reconhecimento e informações... Seguramente que vamos encontrar alguma pista que nos leve ao conhecimento, mais detalhado, das circunstâncias em que morreu o seu irmão. Se souber qual era a sua unidade (companhia ou batalhão), melhor ainda. Até breve.(...)

Treze anos depois (!), vais-te tentar no lugar nº 812, à sombra do poilão da Tabanca Grande (****). E vais continuar a ter, tu e os teus irmãos, o nosso blogue à vossa disposição para divulgar as atividades solidárias da vossa Associação Anghilau (, criança, em felupe), e continuar a pesquisar, se for caso disso e se for essa a vossa vontade, as circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas em que morreu o vosso irmão e nosso camarada. (Estranhamente, ainda não temos nenhum camarada da CCAV 2538, a  sentar-se aqui ao nosso lado, na Tabanca Grande, à sombra do nosso poilão.)

Deixo-te aqui um link com as nossas 10 regras editoriais que todos os membros da Tabanca Grande devem conhecer, aceitar e respeitar.

4. De acordo com a sua página no Facebook, Manuel Rei Vilar é ou foi:

(i)  presidente da direção da Associação Anghilau (*);

(ii) professor auxiliar no  Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisoa;

(iii) maître de conférence na Université Paris 7 - Denis Diderot;

(iv) ingénieur de recherche na Université Paris 6 - Pierre et Marie Curie;

(v) ingénieur de recherche no  Centre national de la recherche scientifique (CNRS);

(vi) diretor na Residência André de Gouveia_Cité internationale universitaire de Paris;

(vii) engenheiro química  pelo Instituto Superior Técnico;

(viii)  estudante nos Salesianos Estoril;

(ix) natural de  Cascais, vivendo em Paris;

(x)  o seu irmão, mais velho, Luis Rei Vilar, cap cav, comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876 (Susana, 1969/71), foi morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21138: Ser solidário (233): Viagem à Guiné-Bissau (de 15 a 28/2/2020), homenagem em Suzana ao cap cav Luis Filipe Rei Vilar (1941-1970), relatório e contas do projeto Kasumai, e a nova associação Anghilau (criança, em felupe) (Manuel Rei Vilar)


(**) Vd. postes de:


16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4962: In Memoriam (31): Cap Cav Luís Rei Vilar, meu irmão e meu herói (Miguel Vilar)


14 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6592: In Memoriam (44): A última foto do Cap Cav Luis Rei Vilar e o agradecimento da família ao blogue (Duarte Vilar)


18 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20745: Ser solidário (229): Projecto Kasumai e homenagem ao cap Luís Rei Vilar (1941-1970), em Susana, 50 anos depois da sua morte (Duarte, Manuel e Miguel Rei Vilar)

4 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20703: Ser solidário (226): Projeto Kassumai: almoço de convívio, seguido de reunião para aprovar os estatutos e eleger os órgãos sociais da nova Associação AGNHILAU: Restaurante da Quinta de Stº António, Alcabideche, Cascais, domingo, 8 de março de 2020, às 12h30 (Manuel Rei Vilar)


14 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6592: In Memoriam (44): A última foto do Cap Cav Luis Rei Vilar e o agradecimento da família ao blogue (Duarte Vilar)

Guiné 61/74 - P21163: Parabéns a você (1838): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21160: Parabéns a você (1837): António Dâmaso, SMor Paraquedista Ref das CCP 122 e CCP 123 (BCP 12 / Guiné)

domingo, 12 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21162: (Ex)citações (361): Lendas e narrativas: nós, os víquingues e os suecos (Manuel Luís Lomba / José Belo)



Mapa da expansão víquingue (séc. VIII - séc. XI), mostrando os assentamentos escandinavos nos séculos VIII (roxo), IX (vermelho), X (laranja) e XI (amarelo). O verde indica áreas sujeitas a frequentes ataques víquingues 

Fonte: Wikimedia  (com a devida vénia...)



1. Comentários aos poste P21155(*):
Manuel Luís Lomba


(i) Manuel Luís Lomba:

Enquanto amigo de portugueses "especiais", como Mário Soares e a sua malta (, Sá Carneiro preferiu a Snu), Olof Palm foi mais que adversário, foi inimigo de Portugal. Talvez por mágoa atávica dos suecos - digo eu.

No alvorecer da fundação da Nacionalidade, os suecos ou víquingues  (tanto vale o diabo como a mãe dele) começaram a desembarcar nas praias da minha região, entre as fozes do Ave e do Cávado, vinham pelas mulheres, pelo vinho e para assaltar e delapidar castelos e mosteiros. 

Esses bárbaros assaltaram Braga, mas não chegaram a assaltar Guimarães, porque a nossa trisavó e sua condessa Mumadona [Dias] se fortaleceu, com castelo, igreja e muralhas.

Descendente de celtas, gregos, fenícios, cartagineses, gregos, romanos, alanos, suevos, godos, visigodos, mouros, etc., a malta recusou mais ADN e começou a tramá-los: a pintura de preto fazia-lhes notar as suas embarcações, escondiam as mulheres, franqueavam-lhes vinho e liquidavam-nos à paulada, quando eles, cambaleantes, as procuravam. 

No referido ao feminino, evidências residuais, bem visíveis entre as Caxinas e Esposende: avantajadas, aloiradas, com sardas e de olhos azuis...

Os suecos ou víquingues arrogam-se a primeiros a vadiar as costas do Canadá, etc., com os seus barcos negros, etc, mas os louros foram para os portugueses e suas esbeltas caravelas, os fidalgos Corte-Real, um "labrador" dos Açores de nome João Fernandes e um meu conterrâneo e mestre-pedreiro, de nome Pêro de Barcelos.

No século XVIII, com o conceito (ou preconceito) do "colonialismo" ainda longe de germinar na América, os suecos começaram a vadiar as costas da Guiné, a entrar na disputa de escravos, negócio altamente rentável, para a exportação para o seu grande mercado, criado pela sua colonização económica. 

Então o rei de Bissau mandou emissários ao rei D. José: se não fizeres aqui uma fortaleza, perdemos o mercado. Foi por isso que nasceu o forte de S. José da Amura, que será o meu (nosso) primeiro quartel na Guerra da Guiné.

E se esse forte inibiu a Suécia de transaccionar escravos da futura Guiné-Bissau, as "coroas suecas" muito estimularam o PAIGC a infernizar-nos a vida.

Terão sustentado a sua libertação de Portugal, mas também terão constituído um dos factores da demora na libertação do seu Povo.

Sou recorrente em referir o insuspeito testemunho de Luís Cabral, pag. 322 do livro "Crónica da Libertação". A sua colheita de "coroas suecas" foi tão próspera que,  na viagem de regresso via Zurique, Amílcar Cabral comprou 6 relógios "Rolex", para presentear o Conselho de Guerra ou os 6 magníficos do PAIGC: o próprio, Aristides Pereira, Osvaldo Silva, Francisco Mendes, Nino Vieira e Pedro Pires - os mesmos que se dedicaram 2 anos a infernizar-nos a vida, que poderia ter decorrido tão feliz, no belo chão guineense.

J. Belo: aqui, em Barcelos os termómetros registam 36º! E muito me apraz saber que só te puseste ao fresco para a Suécia depois de teres servido na Guiné.

Abr.
Manuel Luís Lomba

José Belo
(ii) José Belo:
Interessante, e quase diria, “levíssima",  maneira de analisar “historicamente” os multifacetados Vikings [ou víquingues].


Os Vikings dos ataques às costas atlânticas e mediterrâneas eram originários das áreas geográficas da Dinamarca e actual Noruega.

Os Vikings originários da área geográfica que hoje constitui o reino da Suécia, então não existente como entidade política, faziam prioritariamente as suas razias nas costas do Mar Báltico,ou navegando os grandes rios europeus rumo ao Mar Negro.

Etnicamente as mesmas gentes, mas itinerários distintos, assim como método de actuação. 
Nalgumas costas do Báltico, e principalmente nas rotas fluviais europeias até ao Mar Negro e Turquia, os intercâmbios comerciais eram mais lucrativos do que as violentas razias.

Gostei francamente da frase “puseste ao fresco para a Suécia”.


Tem algo de verdade literal nos 40 graus negativos dos Invernos... mas pouco mais!

Depois de ter servido (com orgulho) na Guiné, tive ainda durante a minha vida militar (não tão curta como isso) as oportunidades de ter estado mobilizado para comandar um Esquadrão do Regimento de Cavalaria, de Santa Margarida para Angola, e de ter feito parte de posterior lista de embarque para Timor.

Em ambos os casos de “malas feitas” para os embarques, cancelados quase nos últimos minutos pelos responsáveis militares de então.

Terão preferido manter-me na “bagunceira “ das golpadas dos anos 74/75 ( e foram muitas!) ....que sabe um ingénuo, como eu?

Como certamente todos os portugueses , sentiria orgulho em o descobrimento do continente norte-americano ter sido efectuado por navegadores portugueses. 
Mas infelizmente o “julga-se”,”diz-se”,”pensa-se “ quando não cabalmente documentado, não chega.

Por outro lado, as fantásticas e heróicas viagens de descobrimento que realmente (!) fizemos,  são mais do que suficientes para sentirmos profundo orgulho na nossa História.

Sempre ao dispor quanto às sagas Vikings da Escandinávia; detalhes (incríveis ) quanto às golpadas dos anos de 74/75 no nosso querido Portugal; tarimba profissional nos States; criação de renas já bem dentro do Círculo Polar Arctico, (não menos as dificuldades técnicas quanto às castrações dos machos com temperaturas de dezenas de graus negativos!),e análises sexo-pedagógicas das mitológicas....suecas. (**)

Um abraço
J.Belo


[Revisão / fiixação de texto, para efeitos de edição neste blogue: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21155: Da Suécia com saudade (76): A propósito dos 'elefantes brancos' da cooperação sueca com a Guiné-Bissau: o caso do laboratório de saúde pública... (José Belo)

Vd. também poste de 6 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21145: Da Suécia com saudade (75): Pedagogias várias para proveito do macho-ibérico: as representações sociais das... suecas, "muito dadas" (José Belo)



(**) Último poste da série > 20 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21092: (Ex)citações (369): Cherno Baldé por ele mesmo: uma antologia autobiográfica, ao km 60 da picada da vida: "Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava 'Ó Chiiico, já limpaste as minhas botas?', eu respondia de imediato: 'Sim senhor, já limpaste' e depois?".

Guiné 61/74 - P21161: Blogpoesia (685): "A coragem de escolher", "Pinhais de Melides" e "Quando me toca a mim...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


A coragem de escolher

Entre o sim e o não vai quase o infinito.
Ser ou não ser “eis a questão”.
Determinar o caminho.
É sempre pôr de lado outro caminho.
É chegar a outro lado.
É ganhar ou perder.
O tempo é de oiro.
Não se pode perder.
Como estaria eu agora se, lá atrás, tivesse seguido noutra direcção?
Nunca se sabe.
É um drama mesmo.
O reencontro é improvável.
Ser-se limitado é nossa natureza.
O verdadeiro sentido disto transcende infinitamente nossa condição humana.
No fundo, há Alguém a tanger nossos passos pelo caminho que nos tocou.
Essa verdade deve serenar-nos…

Ouvindo Ennio Morricone - The Best of Ennio Morricone
Ericeira, 10 de Junho de 2020
22h3m
Jlmg

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Pinhais de Melides

São verdes e extensos os pinhais de Melides.
O silêncio e o vento os agitam.
O chão é de areia revestida de musgo e feno seco.
Pelo meio, há casinhas brancas e montes ermos.
Tudo caminha calmo.
Até o burrico só se sente bem neste entardecer.
Nunca lhe falta a paparoca e isso basta.
Os fretes são poucos e não há grandes ladeiras para ele atacar de patas.
Sabe bem vir aqui visitar os nossos amigos e quebrar-lhes a quietude.
Eles ficam felizes e nós também.
Pró ano há mais…

Ericeira, 9 de julho de 2020
17h10m
Jlmg

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Quando me toca a mim…

Se o mal cai na casa alheia, se lamenta e a vida segue.
Porém, se cai sobre o meu telhado, tudo é diferente.
A percepção é outra.
Porquê a mim?
Destino ingrato.

Somos todos assim.
Só se aprende bem e certo, sentindo na pele.
Ainda bem que não se pode comprar a sorte nem o destino.
Coitados dos pobres…
Cairiam na escravidão do mal.
A insegurança geral é um freio.
Um acicate.
Morigera os costumes e dá moral ao viver.

Ouvindo melodia do filme – Lista de Schindler.
Ericeira, 6 de Julho de 2020
14h37m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21141: Blogpoesia (684): "Noite negra...", "Renascer..." e "Se, de repente...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21160: Parabéns a você (1837): António Dâmaso, SMor Paraquedista Ref das CCP 122 e CCP 123 (BCP 12 / Guiné)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21153: Parabéns a você (1836): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2412 (Guiné, 1968/70) e Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Meânico Auto (Guiné, 1968/70)

sábado, 11 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21159: Os nossos seres, saberes e lazeres (401): Tapada da Ajuda: Obrigatório visitar e fruir (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
A Tapada da Ajuda é uma das espetacularidades que a cidade de Lisboa oferece, situa-se num ponto cimeiro, são cerca de cem hectares com hortas, cultivo de cereais, minas de água, uma portentosa alameda de oliveiras, uma pequena aldeia, há cavalos garranos, uma pateira, pomares, um parque botânico, isto para não falar já no belíssimo edifício principal da conceção do arquiteto Adães Bermudes, o pavilhão de exposições, que data de 1884, o Observatório Astronómico de Lisboa, os jardins, e muito mais. Até temos o banco do Junot, o representante de Napoleão, ao que consta, sentava-se num determinado banco, os franceses portaram-se como aves rapinas, até levaram material que hoje se encontra no Jardim Botânico de Paris. Um jardim cheio de história, não é por acaso que ele está entalado entre o Palácio Nacional da Ajuda e Alcântara.
O conjunto intramuros da Tapada está classificado como imóvel de interesse público.

Um abraço do
Mário


Tapada da Ajuda: Obrigatório visitar e fruir (1)

Beja Santos

Entalada entre o Palácio da Ajuda e Alcântara, ocupando cerca de cem hectares, com soberbos edifícios, áreas florestais, hortícolas e agrícolas, uma flora de espécies domésticas e silvestres e com uma fauna diversificada, temos a Tapada da Ajuda onde funciona o Instituto Superior de Agronomia e onde qualquer cidadão pode percorrer um espaço admirável e respirar o ar do campo no meio da cidade de Lisboa. Era este o apelo ou convite proveniente de um artigo publicado na Revista da Universidade de Lisboa, ULisboa, número de outubro de 2019. É um espaço cheio de história e memórias. Em 1645, o rei D. João IV decretou a criação da Tapada Real de Alcântara, usada como parque de caça e de criação de gado da família real. Quando esta mudou de residência para o Alto da Ajuda, a Tapada Real de Alcântara passou a denominar-se Tapada Real da Ajuda. O ensino agrícola em Portugal foi criado em 1852, no reinado de D. Maria II. O Instituto Superior de Agronomia foi fundado em 1910 e está, desde 1917, sediado na Tapada da Ajuda. O seu edifício principal foi projetado pelo arquiteto Adães Bermudes.

Uma das escadarias do belo edifício.

Um pátio interior devidamente arborizado.

Um corredor de ligação de edifícios.

Fachada principal.

Quem por aqui passeia desfruta de plantações de citrinos, de hortas onde se inserem vários projetos de interesse para estes estudos universitários, há uma impressionante avenida das oliveiras, e muito mais. Mas além deste património natural, a Tapada possui um património edificado muito rico: o Chalé da Rainha D.ª Amélia, o Pavilhão de Exposições, o Jardim da Parada e o Jardim da Rainha.

Chalé da Rainha D.ª Amélia.



Azulejaria do Jardim da Parada, de autoria de Jorge Colaço.

Pormenor da vegetação do jardim

Busto do professor Motta Prego

Estes belíssimos dragoeiros estão implantados nas proximidades do Observatório Astronómico de Lisboa, mandado criar por D. Pedro V, meteu arquiteto francês e está hoje incorporado no Museu Nacional de História Natural e da Ciência


Duas imagens do Observatório Astronómico de Lisboa

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21139: Os nossos seres, saberes e lazeres (400): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (11) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21158: Tabanca Grande (497): José Maria da Silva Valente (1946-2020), natural de São Roque, Oliveira de Azeméis, ex-fur mil, CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69): senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 811


José Maria Silva Valente (1946-2020), fur mil,
CART 1689 / BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel 
e Canquelifá, 1967/69). 
Foto: José Ferreira da Silva (2020)


1. A notícia da sua morte chegou-nos ontem, por email de um amigo e camarada de armas, o José Ferreira da Silva:

Aconteceu hoje, pelas onze horas, no Hospital de Oliveira de Azeméis. Foi um dos seus filhos gémeos quem me deu a notícia. Fiquei chocado e um pouco desorientado, com a notícia deste desfecho inesperado.

Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné! Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!

Pois, é esse mesmo, o José Maria da Silva Valente que tanto se dedicava à pesca e que há 4 anos caiu na Barragem de Castelo de Bode, de onde foi preciso tirá-lo quase inconsciente. Nunca mais ficou bem, devido ao ferimento sofrido na cabeça.

Para que conste no património das minhas memórias, caracterizei-o e registei-o no segundo livro que publiquei. E é esta pequena homenagem que lhe presto, através do texto que vai junto, pois quero recordá-lo na força da vida. (*)



2. Comentário de outros camaradas (*);

(i) Alberto Branquinho:

Não posso deixar de escrever duas ou três palavras porque o Valente foi um dos dois furriéis do meu pelotão [, o 1º Gr Comb / 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel  e Canquelifá, 1967/69).

O outro, também já falecido e também lembrado aqui pelo Silva, foi o António Pedro Carneiro de Miranda.

Pois o Valente era destemido, temerário até,  e arrastava com ele, agachado e aos berros, os soldados da secção que lhe estavam mais próximos, mesmo em situações de fogo frontal.

Tive, muitas vezes, que lhe moderar os ímpetos ou chamar-lhe, depois, a atenção, porque achava que se deveria, antes, fazer uma análise mínima das situações. Por essa razão (e outras,  de comportamento) as nossas relações não eram as melhores, ao contrário do que acontecia com o furriel Miranda.

Há que referir que, quando embarcámos para a Guiné, ele tinha acabado de ser pai de dois gémeos, só com alguns meses de vida.

A pesca era para ele uma paixão e, na parte final da sua vida, um descanso e uma fuga dos muitos problemas que teve na vida empresarial.

Deixa uma lembrança muito forte e muito grande. Adeus, Valente!


(ii) José Marcelino Martins:

Condolências à família e aos amigos.

Ocupa o teu lugar no poilão, Valente, o lugat dos combatentes da Guiné, também é neste local de encontro. Até sempre. 

(ii) Hélder Sousa:

O Valente já fez a sua última caminhada entre nós. Certamente outros se seguirão, pois é esse o nosso "destino comum".

No entanto a sua memória perdurará enquanto os amigos (e familiares, naturalmente) quiserem, com a preciosa ajuda deste tipo de homenagens em que o Zé Ferreira é um bom construtor.

Que descanse em paz.




3. Em 15 de janeiro de 2011,   o Hélder Sousa havia seguinte, em comentário a esta "história boa da minha memória",do José Ferreira,  o seguinte (*):

Caro camarigo J. Ferreira da Silva

Esta tua história, que pretende homenagear a valentia do Valente, faz ressaltar também outras coisas. Por exemplo, a necessidade de se ser firme ao enfrentar os superiores e demonstrar a justeza da nossa razão, quando caso disso.


E também ressalta a importância de se ter um bom relacionamento com os comandados para a partir daí se poder ir, como escreves, 'até ao inferno'.


4. O Silva  foi talvez o camarada mais próximo do Valente: embora tendo personalides diferentes e  pertencessem a grupos de combate diferentes,  eram amigos, iam sozinhos à caça e à pesca juntos,  gostavam de fazer os seus petiscos (, um caçava, o outro pescava), andavam juntos pelas tabancas... e  sobretudo conviveram bastante nos últimos anos. 

O Silva ganhou o gosto da pesca (nos rios e albufeiras) com o Valente, e nomeadamente a pesca do achigã. Além disso, eram vizinhos: o Valente, de São Roque, Oliveira de Azeméis,  o Silva, de Fiães, Vila da Feira...

Ao telefone, o Silva confidenciou-me que o Valente era um militar, como qualidades e defeitos, como qualquer um de nós, com uma deficente instrução militar, etc., mas inegavelmente destemido e um graduado capaz de galvanizar os homens da sua secção.

Depois na vida civil, procurava destacar-se em tudo o que fazia, deste o futebol e aos negócios e até na pesca. Tinha o gosto pela competição e subestimava os riscos. Foi um pequeno empresário da indústria de calcado, com relativo sucesso até à crise de 2008/09...  Um acidente na pesca há uns quatro anos afetou-o muito, o Silva ainda o trouxe a um convívio com os seus camaradas da CART 1689. Todavia a sua morte, mesmo esperada, não deixa de ser pesarosa, para os amigos e camaradas que o estimavam.

O Silva relembra ainda o Valente nestes termos (**):

(...) Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. 

Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça” uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na CArt 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso. (...)


5. Por proposta do nosso editor Luís Graça, o Valente passa a sentar-se, simbolicamente, à sombra do nosso poilão no lugar nº 811. (***)

O Valente foi um dos nossos, e vai continuar a sê-lo: graças ao Zé Ferreira da Silva e ao nosso blogue, não vai ficar na vala comun do esquecimento. 

Uma das suas paixões era a pesca. Como muitos outros camaradas, não tinh email pessoal, nem página no Facebook, nem muito menos terá visitado alguma vez o nosso blogue. Como ele haverá 99 em cada 100 dos homens que passaram pelo TO da Guiné entre 1961 e 1974.

Mais uma razão para o Valente passar a ser lembrado, aqui, ao nosso lado. 

Para mais morre em plena pandemia de COVID-19, sendo o seu funeral condicionado pelas restrições em vigor, e pela vontade expressa da família, não podendo contar por isso  com a presença  dos amigos e camaradas que gostariam de poder despedir-se dele.

Esta é, em alternativa,  a maneira dos seus camaradas da Guiné lhe dizeram adeus.  Nós, bem como os seus filhos e netos, e demais amigos, vamos continuar a ter orgulho nele e a recordá-lo,

Obrigado, Zé, pela singela, mas sentida e fraterna  homenagem que fazes ao Valente, que travou ontem o seu último combate: 'Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné! Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!'

Um abraço de solidariedade na dor aos filhos e demais familiares do Valente, em nome de toda a Tabanca Grande.



S/d  ], anterior a 2016] > O Grande Valente, numa “bolanha do vale do Mondego”,  prepara-se para dar mais uma aula de bem pescar ao colega, amigo e vizinho Silva, companheiros de grandes lutas pela honra e dignidade dos militares da Cart 1689. Em 2016 sofreu um acidente grave, quando pescava na albufeira da barragem de Castelo Bode (****)


S/d  [, anteriror a 2016] > O Silva com o Valente nas pescarias do rio Douro, Porto Antigo, Cinfães




Guiné > Região de Tombali > Catió > CART 1689 > Convívio “meio balanta”, na messe de sargentos. O Valente está de cachimbo.



Guiné > Região de Tombali > Catió > CART 1689 >   Messe de sargentos. O Valente   é o sorridente de camisa branca. O Valente brilhou também como o melhor gerente da messe de sargentes. Durante um mês,  comeu-se bem e do melhor (manga de bom peixe fresco, pescado à granada).


Guiné > Bissau > CART 1689 > Grupo de furriéis, no fim da comissão. O Valente é o 3º, de pé, da esquerda para a dieita.

Fotos: Cortesia do José Ferreira (2020)



Vila Nova de Gaia > Crestuma > 10 de junho de 2016 > Da esquerda para a direita, o Valente, o Zé Ferreira, o Neves  e o Jorge Portojo. Os quatro passaram por Catió.  Recordes-se que o  o nosso querido e saudoso Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017) oi vur mil  do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió (1968/70). O Neves, por sua vez, pertencia à CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69), tal como o Victor Condeço (1943-2010), furriel mecânico de armamento.  A CART 1689 também pertencia ao BART 1913.


 Foto do Jorge Teixeira (Portojo) (2016).




Vila Nova de Gaia  > Crestuma  >  17 de dezemrbo de 2016 >  Apresentação do 1º volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra". O Valemte, de pé.


 Vila Nova de Gaia  > Crestuma  >  17 de dezemrbo de 2016 >  Apresentação do 1º volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra" > O Valente, à esquerda.
As fotos são da autoria do nosso saudoso  Jorge Portojo (2016) (*****)





Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 2016 > O Valente, já debilitado junto do ex-Cap Manuel Maia (hoje General  reformado Manuel Maia), no almoço do pessoal da CART 1689.


Foto: Cortesia do José Ferreira (2020)

(***ª) Vd. poste de 9 de agosto de  2016 > Guiné 63/74 - P16374: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): Relatório de Operações do último almoço-convívio da CART 1689


(...) A certa altura, abeirei-me do Valente, que eu havia ido buscar a Oliveira de Azeméis e que já não pode conduzir viaturas em virtude de um acidente sofrido numa pescaria na Barragem de Castelo de Bode, e perguntei-lhe:
- Está tudo bem? Porque estás tão calado?
- Olha, Silva, desta vez estou para aqui a observar a malta e verifico que o nosso fim está próximo. Lembras-te de quantos homens tinha a nossa Companhia? 153!... Sabes quantos estão aqui? 19! A maioria são familiares e a gente nem repara. Cada vez vêm mais familiares a acompanhar-nos, e sabes porquê? Porque nos vêm trazer e amparar. Andam a dar-nos as últimas alegrias.

Logo o tentei animar:
- Deixa-te de merdas, a malta está contente, vê se pensas em coisas boas e se tratas do “isco especial”, para voltarmos a pescar. (...)

Guiné 61/74 - P21157: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (10): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Temos aqui mais uma porção dos primeiros meses no Cuor, Annette Cantinaux insiste em saber mais pormenores, chegará mesmo ao requinte de pedir informações sobre a fauna e a flora, pede informações sobre Malam Soncó, aquele régulo do Cuor que não se deixou intimidar pelas ameaças do PAIGC, pede ao jovem alferes que lhe descreva o quotidiano, as obrigações, como subsiste a população, não hesita em perguntar a natureza da guerra, faz comentários em função do mapa do Cuor, das movimentações do autor daquelas linhas que ela recebe regularmente na Rua do Eclipse.
Da curiosidade em saber mais, a correspondência já não esconde que aquelas duas figuras da ficção que se acordara num almoço de cantina, na Rue Froissart, meses atrás, estão numa rota de aproximação, não há carta, não há telefonema que mate a sede de um reencontro em Bruxelas, e quanto mais cedo melhor.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (10): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Chère Annette, fiquei felicíssimo quando ontem à noite me disse que está a pôr num caderno estes primeiros meses da minha vida na Guiné. Já que pretende um registo pormenorizado do que a minha memória alcança, recapitulo e continuo, a todas as dúvidas que subsistirem, a minha querida amada belga de romance pede esclarecimento, que haja toda a transparência na Rua do Eclipse…
Entrei no Cuor em 4 de agosto de 1968, já contei a profunda inquietação de ter dois destacamentos com segurança precária, tanto Finete como Missirá, abrigos apodrecidos, infraestruturas como o refeitório ou o balneário num estado deplorável, não havia gerador de eletricidade, trabalhávamos com petromax para garantir uma curta visibilidade à volta dos aquartelamentos. O régulo do Cuor ofereceu-me uma morança de piso térreo, pôs-se brita, pintaram-se os ferros da cama que tinha pertencido a um eminente cartógrafo que por ali andara a trabalhar em plantações de palmeiras de Samatra, vi o fruto do seu trabalho dias depois de chegar a Missirá, patrulhámos a região de Gambiel e eu vi um palmar paradisíaco, árvores altíssimas, quase justapostas, uma natureza frondosa atravessada pelas águas murmurantes do rio Gambiel, nesse mesmo dia vi uma linda ponte de madeira destruída pelos guerrilheiros, assim se impedindo a possibilidade de circular entre Bafatá, Geba, Missirá, Enxalé, Porto Gole, até Bissau. Foram dias, semanas, direi sem hesitação que foi um período de adaptação que durou cerca de três meses até conhecer o Cuor, ficando a uma escassa dezena de quilómetros de Madina/Belel, região onde vivia um grupo significativo da população civil e, supunha-se, um contingente militar de pequena dimensão, 60 homens com espingardas metralhadoras, bazucas e morteiros. Ninguém me informava sobre itinerários percorridos pelas gentes do PAIGC, demorei esse tempo a encontrar provas que havia circulação para lá do Geba, para localidades que davam pelo nome de Mero e Nhabijões, encontrei trilhos, granadas e carregadores de armas perdidas, e a partir destas provas iria começar um sangrento confronto, com perdas para ambas as partes.

A Annette pergunta-me como é que eu me dava com a população e com os meus soldados. Começo por lhe falar do relacionamento com os meus militares. Como se recordará, o meu Pelotão de Caçadores Nativos e a responsabilidade pelos dois pelotões de milícias estava a cargo de um furriel, com muito boas provas dadas no campo militar, vim a verificar no terreno. Mas entre nós houve imediatamente uma grande tensão.
Zacarias Saiegh
Logo na primeira noite, Zacarias Saiegh convidou-me a visitar o seu abrigo, queria oferecer-me um uísque, eu estava com o estômago praticamente vazio, tinha simulado à hora de jantar uma indisposição, pura mentira, repugnara-me a galinha quase crua e o arroz espapaçado, comera avidamente uma papaia e comprara uma lata de leite achocolatado e um pacote de bolachas. No abrigo de Saiegh deparei-me com uns frascos que me lembraram os nossos laboratórios escolares de Ciências Naturais e de Física, e com o ar mais calmo deste mundo Saiegh explicou-me que gostava de trazer relíquias quando nas operações ficavam guerrilheiros mortos, trazia um dedo, uma orelha… Sem erguer a voz, mas falando-lhe com firmeza, dei-lhe conta que tais práticas tinham acabado neste dia, viera para comandar e combater segundo normas civilizadas, em circunstância alguma consentiria em comportamentos de barbárie. Iniciava-se aqui um estado de afrontamento, passámos a ter relações respeitosas e pouco mais. No final do ano, Saiegh pediu o fim da sua comissão, voltou para Bissau, confessou-me mais tarde que não se adaptara à vida civil, assim que soube que o Comandante-Chefe, Spínola, estava a preparar a criação de uma primeira Companhia de Comandos Africana ofereceu-se como voluntário, foi promovido a alferes, encontrámo-nos várias vezes em Bambadinca, em 1969, essa Companhia de Comandos estagiava em Fá.
A despeito de tudo o que nos separava, chorei amargamente a sua morte, quando soube que tinha sido fuzilado em Porto Gole, creio que em novembro de 1977.

Deslocação na bolanha de Finete, dia de abastecimento, Zacarias Saiegh sentado no capô do burrinho

Durante este período de adaptação, fora das obrigações inquestionáveis, quis conversar com todos os militares, fossem elementos dos caçadores nativos ou das milícias. Chamara-me a atenção alguém dizer que Paulo Semedo, considerado um exímio apontador de dilagrama, era cristão de Geba. Mordido pela curiosidade, chamei-o à minha morança e conversámos. O seu português era perfeitíssimo, era estudioso, revelava uma calma inquebrantável, uma voz ciciante, um olhar direto, alguém cheio de autoconfiança.

Eu quero que saiba, agora que a nossa intimidade vai crescendo, e dado o dever que assumi com a Annette que deve estar completamente informada de tudo quanto se passou, que jamais esquecerei o dia em que o Paulo Ribeiro Semedo se acidentou. A fotografia que tem aí presente é de alguém a quem a cirurgia plástica escondeu horríveis destruições, o que mais avulta na imagem é o olhar do Paulo, houve um milagre da Oftalmologia, um dos olhos perdeu-se irremediavelmente, é aquele olho de vidro que nos olha fixamente, o outro foi sendo recuperado, daquele globo ocular saíram até pedaços de metal. Então o que se passou para ter havido tão tremendo acidente?

1.º Cabo Paulo Ribeiro Semedo
Um dia, durante um patrulhamento de reconhecimento, na região de Chicri, pode ver no mapa que entreguei, não está muito longe de Mato de Cão, ainda por cima num outro local frondoso que lembra Gambiel, com um palmar parece caminhar para o rio Geba e mais à frente uma mata densíssima. Percorríamos um terreno alcantilado quando o meu guia, o Soldado Cibo Indjai, detetou um trilho, começámos a percorrê-lo, a mata a adensar-se, pouquíssima luz entrava naquela floresta de galeria, caminhámos cautelosamente, procurando sinais de vida, ouvir vozes, mas a quietude era total, nem pássaros, nem javalis, parecia mundo abandonado, e subitamente avisto um grupo que caminha em passo estugado, à frente alguém que traz cofió na cabeça e espingarda a tiracolo, fixei a imagem de alguém que veste uma djilaba amarelada, Cibo Indjai e José Jamanca, que seguiam à minha frente, atiram-se para o lado, eu e aquele homem puxamos pela arma, inicio a fuzilaria, outros elementos atrás de mim avançam prontamente, é um tiroteio atordoador, o grupo que viera porventura de Madina dispersou, deixou o chão cheio de esteiras e sacos de alimentos, procurei iniciar uma perseguição, apanhou-se a arma daquele homem que deve ter conseguido fugir, deixou poças de sangue, aguentou os seus ferimentos e é quando estamos a tentar capturar esse e outros feridos que houve um estrondo medonho, seguida de uma enorme algazarra. Paulo Ribeiro Semedo terá cometido a negligência de ter misturado no seu carregador balas reais com balas fulminantes, ao disparar com bala real o dilagrama, não teve morte instantânea por milagre. Não lhe vou contar por carta os momentos horríveis que se seguiram, deu para perceber o ódio visceral entre guineenses e cabo-verdianos, o que é importante agora contar-lhe é que se salvou a vida do Paulo, chegou todo retalhado, crivado de estilhaços a Bissau, perdeu os músculos do braço esquerdo, braço inerte, em Lisboa salvaram-lhe um olho, recompuseram-lhe os traços da face, iremo-nos encontrar muitas vezes, nunca, repito, nunca, iremos falar do que se passou naquela manhã em Chicri. Talvez porque quando atravessamos aquela linha vermelha entre cá e lá, emerge uma atitude de pudor e profundo respeito sobre a vitória à morte, deixou de ter razão debater os comos e os porquês.

José Jamanca
Uma palavra sobre um amigo muito querido, José Jamanca, um jovem ávido de ler, vinha-me pedir livros, queria conversar, aspirava ser professor, prometi-lhe enviar uma carta para Bissau para ele ser chamado para um curso do Magistério Primário, demorou bastante tempo a resposta, o que permitiu cimentarmos uma estima mútua. Com a independência, perdi o rasto das minhas gentes, mais tarde contarei à Annette o meu regresso, vinte anos depois. Concluídos os meus estudos em Lisboa, ingressei no Ministério da Economia e um dia tive a grata surpresa de ser chamado à entrada, o contínuo anunciava que um senhor chamado José Jamanca me queria ver. Que alegria este reencontro! Depois da independência, o Zé conseguira uma bolsa para tirar em Leninegrado um curso de eletricista, era a sua profissão, na Guiné tinha um baixíssimo rendimento, viera para Lisboa, agora emprego não lhe faltava. Visitava-me com regularidade, e um dia desapareceu. Falando deste meu desapontamento a um outro querido amigo que a Annette irá ouvir falar muitas vezes, Cherno Suane, que fora meu guarda-costas por decisão dele, com o ar mais natural do mundo ele disse-me que o Zé morrera tuberculoso no Hospital da Ajuda. Continuo a contemplar esta fotografia que está no meu escritório e só vejo um homem bom, afável, belíssimo conversador, falando comigo de igual para igual, que desejava singrar, estudando afincadamente, era tão pedagógico que me dava detalhes sobre a montagem de uma instalação elétrica de um prédio que estava em construção no fundo da Calçada de Carriche. Todos os nossos amigos são insubstituíveis, é um lugar comum, é por isso que dói muito esta perda de alguém que pausada mas entusiasticamente queria que eu soubesse como é que a eletricidade se instala nos nossos prédios.

Gostava que a Annette fixasse estas duas fotografias que agora deixo. Este homem que sobraça uma bazuca dos tempos da II Guerra Mundial chama-se Adulai Djaló, mas é conhecido por Campino, faz questão de passear nas horas vagas em Missirá com um barrete de campino que alguém lhe ofereceu. A cobiça por um sem-número de objetos extravasa tudo o que a Annette puser na sua imaginação. Um dia bateu-me à porta o Soldado Mamadu Camará que me disse placidamente que gostava muito de uns sapatos que eu ali tinha, já que eu tinha dois pares de sapatos e só usava botas de lona ou botas de cabedal, perguntava se me podia comprar o par de sapatos a prestações, via-se à légua que ambos tínhamos uma patorra enorme. Desatei a rir, levou o par de sapatos de borla.

Quanto à última fotografia, vou a caminho do Xime, não chega o que faço no Cuor, temos que participar em operações. Neste dia, partimos para chegar a um local que dá pelo nome de Burontoni, uma boa estopada, o guia perdeu-se, andámos meio dia debaixo de uma chuva diluviana, a meio da tarde lá da avioneta recebemos instruções para voltar à base. Pela primeira vez na minha vida, subi para a caixa de um Unimog, e mesmo com a viatura aos saltos dormi uma boa soneca.

Minha querida Annette, não sabe a felicidade que me dá perceber que me entende, me quer acompanhar e que tem muitas saudades minhas, em breve estarei aí, permita-me que não lhe diga quanta alegria sinto em estar consigo. Bien à toi, chère Annette, Paulo Guilherme

 Adulai Djaló, bazuqueiro e grande destroçador de corações das bajudas de Missirá

A caminho de uma operação na região do Xime

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21133: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (9): A funda que arremessa para o fundo da memória

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21156: In Memoriam (366): José Maria da Silva Valente (1946-2020), ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (José Ferreira da Silva)

 IN MEMORIAM

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de hoje, dia 9 de Julho de 2020, com a triste notícia do falecimento de mais um dos nossos camaradas que combateram na Guiné, desta vez o ex-Fur Mil José Maria da Silva Valente, camarada de Companhia do José Ferreira e seu amigo para o resto da vida.

Caros Camaradas
Faleceu o Valente!


Aconteceu hoje, pelas onze horas, no Hospital de Oliveira de Azeméis. Foi um dos seus filhos gémeos quem me deu a notícia. Fiquei chocado e um pouco desorientado, com a notícia deste desfecho inesperado.
Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné!
Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!

Pois, é esse mesmo, o José Maria da Silva Valente que tanto se dedicava à pesca e que há 4 anos caiu na Barragem de Castelo de Bode, de onde foi preciso tirá-lo quase inconsciente. Nunca mais ficou bem, devido ao ferimento sofrido na cabeça.

Para que conste no património das minhas memórias, caracterizei-o e registei-o no segundo livro que publiquei. E é esta pequena homenagem que lhe presto, através do texto que vai junto, pois quero recordá-lo na força da vida.

Nota: A família aconselha a que não nos desloquemos, pois que o funeral terá lugar somente com a presença de familiares próximos.

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2. Recordemos então, em jeito de homenagem póstuma, o que escreveu o José Ferreira acerca do seu camarada e amigo, José Maria Valente, em 13 de Janeiro de 2011[*]:


Outras memórias da minha guerra (6)

O Valente era mesmo valente

Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça”, uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na Cart 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso.

Silva, Valente, Faria e Jaime - Passeando na Av. de Bissau


Valente também era dançarino


Em Bissau, vindos de férias. O Valente triste no regresso a Catió

Em zona de combate era normal distribuírem-se rações de reforço, para as refeições. Eram diferentes das rações normais. Dizia-se que na contabilidade da Companhia as rações normais eram pagas como refeição normal e as outras não. Ora isto dava azo a um lucro jeitoso, mas isso não era tão mau para os militares que, como eu, até preferia as rações de reforço. O problema maior surgia quando, estando fora do quartel, tínhamos a percepção de que não regressaríamos mais cedo, para não reivindicarmos a refeição quente. Alguns barafustavam, em surdina, mas isso era perigoso.

Estávamos instalados no cruzamento de Camaiupa, perto de Cufar. A coluna auto de abastecimento a este quartel já havia terminado há mais de duas horas e, portanto, a segurança ao itinerário já não era necessária. Nós aguardávamos ali o regresso das viaturas que nos transportariam para Catió. Elas só sairiam ao nosso encontro, depois da ordem do nosso capitão, que estava ali sentado, segundo se suponha, a empatar o tempo. Era o período mais quente do dia e já passava das 14 horas. O Valente, como o alferes estava ausente, reclamava junto do capitão que estava muito calor e que deveríamos regressar. Porém, o capitão aconselhava a esperarmos mais um bocado.

- Meu capitão, saímos de madrugada, estamos cansados e o que queremos é ir embora, para tomar banho, refrescar e descansar – reclamava o Valente. – Pois todos nós também – refutava o capitão. E pouco tempo depois, voltava o Valente: - Mas, ó meu capitão, nós não queremos comer, porque já nem temos fome e não estamos aqui a fazer nada. Isto é que não tem jeito nenhum.

O capitão apercebeu-se, pelo apoio geral, de que o Valente estaria a mexer numa ferida sensível e não deixou agravar mais a situação. Virou-se para o Valente e disse-lhe num tom mais elevado: - Se Você está assim com tanta pressa, não quer ir andando? - pensando que o Valente se calaria.

- Pensa que temos medo, meu capitão? - Atenção à minha Secção – gritou logo o Valente - Formem aqui imediatamente. – E continuou: - Firme, Sê..ooope. Meu capitão dá licença? O capitão já estava de boca aberta ao ver a reacção, parecia não ter outra alternativa, e respondeu: - Sim. E o Valente ordena: - Esquerda, aaarche… E lá seguiram.

Do cruzamento de Camaiupa até ao quartel de Catió eram cerca de oito quilómetros, com perigo de emboscadas.

O capitão, já preocupado, accionou logo a mensagem para as viaturas começarem o movimento.
Todos nós ficámos também preocupados com a situação, embora existissem militares emboscados, ao longo da estrada, em alguns locais estratégicos e mais perigosos, para protecção à passagem das colunas auto.

Quando alcançámos o Valente já ele estava às portas de Priame, a povoação dos milícias comandados pelo João Bacar Jaló, encostada a Catió.

E quando os carros pararam junto deles para entrarem, tiveram a resposta: - Agora? F...-se!

Silva da Cart 1689

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À família e amigos do nosso malogrado camarada José Maria Valente, os editores e a tertúlia deste blogue endereçam as suas mais sentidas condolências.
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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 13 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente

Último poste da série de 5 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21042: In Memoriam (365): António Lúcio Vieira (1943-2020), ex-Fur Mil Cav da CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67) (Carlos Pinheiro)