sexta-feira, 14 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22200: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (52): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Durante uns bons anos, correspondi-me com John Yong, sempre no período natalício, era aquele que seguramente nos unia, depois das atribulações que ele viveu em Roma. Foi rigoroso no cumprimento da sua promessa, mal chegou a Selangor enviou-me o que me devia, com mil agradecimentos. Visitei Roma mais algumas vezes, mas nada substitui o turbilhão emocional da primeira visita, a Pietà ainda não tinha sido escaqueirada por um louco, podia ser contemplada a curtíssima distância, é impressionante a anatomia de Cristo e o ângulo escolhido para sua mãe suportar o tronco, não conheço golpe de génio igual. Frente ao túmulo de São Pedro tive um acesso de choro, toda a tensão acumulada por aqueles meses de trabalho deu de si, e mais aliviado andei por ali às voltas até observar a grandiosidade do baldaquino de Bernini. À entrada dos Museus Vaticanos apareceu-me Yong, e começaram aquelas peripécias que aqui se contam. E tudo culmina com aquele acaso feliz, o encontro com Antonio Galli, que vai visitar Samba Silate, encontro mais inesperado não podia haver, durante anos procurei interpretar aquele sinal, sem sucesso. Foi a mais bela prenda de Natal de 1985, fora os beijos e abraços da família que não via há quase seis meses.

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (52): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Ma très adorée Annette, infiniment adorée, procuro trabalhar dia e noite para que possamos ter uns bons dias juntos, de Bruxelas a Ypres, de Ypres a Pas de Calais e regresso à Rua do Eclipse. Não te deves escandalizar, mas haverá um desses seis ou sete dias que está reservado para reunião da Direção da minha associação, aguardamos entrevistas com funcionários da Comissão, são três: Ludwig Krämer, Jean-Marie Courtois e Jeremy Shean, tudo por causa dos projetos que com eles estamos a discutir, há que estabelecer rigorosamente os termos e propósitos da investigação, enquadram-se nos programas que esta Direção-Geral que tutela os consumidores pretende apoiar sobre o comércio justo, o consumo responsável e a responsabilidade social e ambiental. Será em função desta data que tu e eu estabeleceremos as viagens, pode dar-se o caso de termos de repartir a ida aos cemitérios de Ypres e aos de Pas de Calais.

Surpreende-me a tua capacidade de análise de todo este vasto dossiê que aceitaste a incumbência de organizar a minha comissão da Guiné. Procurei dar-te os esclarecimentos que me pediste, penso em próximo correio pormenorizar aquele rodopio de atividades que terá facilitado o quadro de depressão que tu questionas, como te enviei o diário das minhas atividades, deves ter reparado em nomadizações quase alucinantes, de manhã e à tarde, e poucas eram as noites em que não havia emboscadas (odiosas, a desobedecer a toda a lógica da segurança, andando à volta de uma pista de aviação com os holofotes apontados, teria sido um regalo de morticínio se os guerreiros do PAIGC soubessem daquela operação a todos os títulos imprudente…), as estadias noturnas nos Nhabijões, onde estava em curso um ordenamento, como é evidente nós não percebíamos patavina onde e como os ali residentes se encontravam com os guerrilheiros para troca de mercadorias e informações. E de repente tu introduzes um elemento novo, perguntas se depois da guerra, independentemente das estadias de 1990 e 1991, houve um ou mais momentos em que a Guiné entrou inopinadamente no teu estado de alma, e não pretendes ainda saber o relacionamento estabelecido ao longo dos anos com os feridos que ficaram a viver em Portugal ou que fugiram da Guiné e pediram nacionalidade portuguesa.

Dei voltas à cabeça e ocorreu-me contar-te um estranhíssimo episódio que vivi em Roma, nas vésperas do Natal de 1985. Fora contatado no verão desse ano pela Divisão de Alimentação da FAO, pretendiam que eu fosse numa missão para São Paulo, era um programa de Educação do Consumidor em meio extremamente pobre. Houvera anos antes, sobretudo na região de São Bernardo do Campo, motins e assaltos aos supermercados pela multidão esfaimada. O Brasil já não fazia parte do quadro da cooperação da FAO, esta estava virada para apoiar programas de países muito pobres, não havia razão de ser para cooperar com o Brasil. Mas atendendo ao apelo lancinante de ajuda, lançara-se um programa com peritos de várias áreas, escolhera-se um reputado professor chileno para coordenar a missão, Hugo Amigo, eu ficaria a trabalhar às suas ordens. Mesmo pensando nos filhos pequenos, era uma oportunidade de conhecer programas internacionais, vivia a contar tostões, pagavam 100 dólares por dias e mais 60 para ajudas de manutenção. Breve, trabalhei como um mouro, a organização dos contatos nas favelas teve bastante aspereza inicial, era olhado com desconfiança, colaboravam comigo várias técnicas da Coordenadoria do Abastecimento do Estado de São Paulo, formámos uma bela equipa, preparámos formadores locais, organizou-se um conjunto de encontros com os responsáveis das favelas, incluindo a realização de vários menus, e numa segunda fase fizemos reuniões com professores e alunos. Trabalhava de manhã à noite, dava-me descanso duas noites por semana em que calcorreava o Bixiga, o bairro italiano de São Paulo, visitava as livrarias abertas à noite ou procurava os concertos no Teatro Municipal, a Ópera estava fechada para obras. E os meses passaram, enviava obrigatoriamente telexes para responsável desta missão em Roma, François Sizaret, juntava todos os elementos da missão e com Hugo Amigo preparei na antevéspera de regressar um documento completo para a elaboração do meu relatório. E assim chego a Roma a 20 de dezembro ao nascer do dia, arrumo os meus trastes num albergue e parto para a sede da FAO, na Viale delle Terme di Caracalla, apresento-me a meio da manhã. O Sr. Sizaret ouve-me com atenção e pede-me para ter pronto o documento até 23 à tarde. Replico que venho literalmente esgotado, não vejo a família há seis meses, gostaria de ter um dia para visitar São Pedro e um pouco de Roma, peço-lhe a amabilidade de me deixar entregar-lhe o relatório em português até 22 à tarde, regresso a Portugal a 23 à noite, comprometo-me a enviar a tradução até 15 dias depois, proposta aceite. A única folga nesses dias era contemplar nas varandas do refeitório as vistas de Roma, as Termas de Caracalla num lado e o Circo Máximo em frente, espetáculo deslumbrante que jamais esqueci. Despeço-me do coordenador a 22 à noite, a 23 ao raiar da aurora avanço para São Pedro, era a primeira vez que ali entrava. E segui para os Museus Vaticanos, à porta um jovem de traços malaios, um tanto franzino, olhos como azeitonas, cabelo em asa de corvo, bigodinho recurvado sobre a comissura dos lábios, sorriso gentil, apresenta-se, chama-se John Yong, é engenheiro de mármores, veio de Pisa, segue amanhã para Singapura, e dali para a sua terra, Selangor, quando lhe digo que sou português, logo me fala em Malaca. Aceito acompanhá-lo, mas digo-lhe que o que me leva a este museu é sobretudo a Capela Sistina, alguns quadros de Rafael, há duas ou três salas que selecionara, tenho compras para fazer, ando a fazer ginástica com o tempo, ainda gostaria na manhã do dia seguinte de visitar o Fórum Itálico, ir a uma igreja conhecer a estátua de Moisés, escultura de Michelangelo. Pede para andar comigo, é a primeira vez que vem a Roma, naturalmente que desconfio de tanta solicitude, felizmente que trago um casaco com bolsos interiores com fechos de segurança, era o que mais me faltava agora ser empalmado por este jovem, sozinho ou com companhia atrás. Depois do esplendor da visita, proponho uma refeição rápida, apanhamos autocarro, saímos perto da Piazza Navona, ao saltar do autocarro o jovem dá um grito, tinham-lhe levado passaporte e bilhete de avião. Pede-se ajuda a um polícia para procurar numa cabine telefónica o número da Companhia Aérea de Singapura e também da Embaixada. Da companhia aérea afirmam preparar uma nova via para o bilhete, e da embaixada pedem para ir imediatamente buscar uma declaração. Nova viagem de autocarro para a morada indicada, novo insólito: John Yong parece blasfemar, mostra-me o interior da bolsa presa ao cinto completamente vazio, parece que desta vez lhe tinham limpo tudo. O jovem está completamente transtornado, procuro sossegá-lo, entramos na embaixada, meia hora depois dali saímos com uma declaração que permitirá que ele passe o Natal em Selangor. Agora há que remediar o quadro de miséria em que Yong se encontra, novo autocarro e pago-lhe no hotel as duas noites, anoiteceu, as lojas estão abertas até às sete da tarde e na Via del Corso tive sorte, foi farto o fornecimento de lembranças para o Natal de Lisboa. Adianto mais uns milhares de liras a Yong, não sei se tem pai e mãe, mulher e filhos, ele agradece e novamente enfatiza que me reembolsará até ao final do ano. Escolheu-se um local simpático para o jantar de despedida, pergunto de novo a Yong se o dinheiro lhe chega, ele confirma que sim, à cautela vou pô-lo no hotel, ele abraça-me comovido, e comovido eu estava, dia mais insólito não podia ter acontecido.

Repete-se a maratona turística na manhã de 24, olho constantemente para o relógio, há só aquele avião para Lisboa, vou buscar toda a minha bagagem e sigo para o Aeroporto Fiumicino. Entro no avião ajoujado de sacos natalícios, já houve responso no check-in, são malas a mais, lá mostrei os papéis de que vinha do Brasil, a menina fechou os olhos aos quilos a mais, e nem quis ver os sacos que me acompanharam ao avião.

E agora chega o momento em que procuro responder à tua questão, minha adorada Annette. Meto o que posso na bagageira, mas há imensa tralha aos meus pés, mal posso mexê-los. Vou junto à janela. É nisto que se senta ao meu lado um homem de estatura média, de idade incerta entre os 50 e 60 anos, de barba de missionário, senta-se discretamente e lá vamos a caminho de Lisboa. Puxo de uma revista, mas a fadiga é superior às minhas forças, fecho os olhos. Quando desperto, vejo o passageiro a meu lado, pasme-se, com o mapa da Guiné, mapa enorme, o dedo indicador da sua mão direita segue pelo rio Geba acima e parece afagar um ponto, ali se detém. A minha surpresa é total, não resisto em fazer conversa, digo-lhe que estive na Guiné-Bissau, peço-lhe licença também para pôr o meu dedo nos locais onde estive, observo que o meu companheiro parece sorrir, é um sorriso cúmplice, apresenta-se, diz que o seu nome é Antonio Galli, é missionário, diz mesmo a Ordem a que pertence que eu não consegui fixar, vai em romagem de saudade a um local onde deixou muitos amigos, Samba Silate. Atropelamo-nos na conversa, eu conheço Samba Silate, um imenso terreno fértil, talvez a bolanha mais fértil da Guiné, perto dos Nhabijões, e explico ao missionário que ia ali com alguma frequência à procura de indícios da presença de guerrilheiros, pelo menos duas vezes ali encontrei pirogas. O rosto dele está iluminado, toma-me como um confrade, como é que é possível este tipo de coincidência, os dois conhecemos Samba Silate, António Galli ali deixou cristãos, missionou entre Balantas, e num dado momento perguntou-me se naquele tempo de guerra não vira nada que lhe falasse da sua missão, fiz um esforço de memória, como se andasse, passo a passo, a caminhar por picadas entre os Nhabijões e Samba Silate e depois subindo por Amedalai, e subitamente surgiu-me uma cruz em cimento no meio do mato agreste, e perguntei a Antonio Galli se aquela cruz lhe dizia alguma coisa. Novo sorriso, era como se eu lhe estivesse a confirmar um sinal de Deus, ele que fora expulso pela polícia portuguesa, procurou explicar-me que estava entre dois fogos, era procurado pelos guerrilheiros, o seu apostolado impedia-o de tomar partido, alguns daqueles homens que tinham partido para a guerrilha eram cristianizados, assim ele acreditava, nunca fora maltratado, a polícia política considerava intolerável a manutenção de Antonio Galli em Samba Silate. E assim chegamos a Lisboa, ofereço-lhe hospedagem, agradece, tem irmãos religiosos à sua espera, percebi que ia para um convento ali para os lados de Carnide. E assim nos despedimos, para nós os dois, e graças a Samba Silate, o Deus Menino nascera umas horas antes. Espero que gostes desta história, agora vou dar voltas à memória quanto à vida tumultuosa que eu levava em Bambadinca e como deprimi, foi coisa de pouca monta, mas tive medo.

(continua)
Fotografia tirada no beliche de cima da nossa caserna conhecida por “a capela”. Uns preparavam-se para sair, alguém mostra a meia rota, eu e o Paulo estamos em farda de trabalho, havia que estudar as matérias da tática, que eu odiava, tanto como desmanchar e limpar a Mauser.
Balantas trabalhando na construção de um orique. Fotografia restaurada depois das destruições da guerra de 1998/1999, constava dos arquivos do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa
Vista aérea do quartel de Bambadinca, fotografia do blogue
Interior da Capela de Bambadinca, fotografia do blogue
De Bambadinca até ao Xitole, pode muito bem ter acontecido eu ter andado por ali, fui várias vezes nestas colunas de caráter logístico com a CCAÇ 12, a paisagem tinha momentos de esplendor e quando regressávamos trazíamos laterite da cabeça aos pés
A cruz em Samba Silate, obra do tempo da missionação do padre António Galli, imagem do blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22179: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (51): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22199: Memória dos lugares (421): O Café Ronda (que também era pensão... e "casa de câmbio"), e outras "espeluncas" de Bissau (João Candeias / Valdemar Queiroz)


Guiné > Bissau > Café Ronda > Esplanada com cobertura de chapa de zinco > s/d> Fotos de Francisco Carrola (, da página do Facebook), recolhidas por Hélder Sousa, com a devida vénia. O Cafe Ronda situava-se na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste, segundo informação do Abílio Magro (*).


1, Comentários de João Candeias e de Valdemar Querioz sobre o Café Ronda (*)


(i) João Candeias Silva  [ ex-fur mil at inf, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama, 1973/74]

O Café Ronda não era apenas café, era também pensão com quartos colectivos, tipo caserna, onde pernoitavam muitos militares de passagem a caminho da metrópole, de férias, ou de regresso à província. O que foi o meu caso em Novembro de 1972.

Era um ponto de encontro dos militares colocados em Bissau e também de malta como eu, vindos do mato. No tal balcão para o exterior, além das cervejas, café, etc,.  vendia-se  sorvetes muitos procurados por serem bons e porque o calor estimulava o consumo.

Sobre a explosão no café , em 26 de fevereiro de 1974 e no autocarro da Força Aérea , em 22, a notícia correu por toda a província causando alarido especialmente na tropa sediada em Bissau. O autocarro passou a ser vasculhado antes de entrar em serviço.

Embora sendo da Força Aérea,  o autocarro era muito utilizado pelo pessoal do Exército, principalmente por quem estava no QG e ia assistir ao cinema na base aérea [BA 12, Bissalanca]. O que foi várias vezes o meu caso.  receio de o usar não durou muito tempo.

O caso da piscina do QG   [, em Santa Luzia], numa sessão de cinema, foi uma consequência da estado de espírito dos militares. A piscina que podia ser utilizada, com condicionalismos, pelos sargentos,  era em algumas noites usada como cinema ao ar livre e foi numa desses sessões que o pânico se generalizou com a caixa de fósforos a arder. Uns diziam que foi uma brincadeira parva,  outros que foi um acidente a caixa começar a arder.

Como a malta tinha 20 e poucos anos,  em poucos tempo tanto o Café Ronda como a piscina voltaram à normalidade.

Ainda sobre o Café Ronda que eu conheci e frequentei, acrescento que  era um ponto de encontro de militares, do exército,  e paraquedistas, na sua grande naioria,  e em passagem de ida ou regresso à metrópole ou às respectivas unidades.

Mas destacava-se pelas dormidas tipo caserna,  onde fiquei umas noites em Novembro de 1972 a quando da minha vinda de férias a Portugal ao fim de 7 meses em Cabuca,  e por ser simultaneamente Casa de Câmbio. 

O dono cambiava a 110% o escudo da metrópole pelo "peso" da Guiné. No fim da comissão em maio de 1974 o câmbio já estava a 20%. Muitos militares usaram o estatuto e trocar em Lisboa, ali para o lado da Estefânia, a ela por ela. Eram os comerciantes que a troco da comissão  usavam os militares no negócio.

No fim da comissão com a entrega da guia de marcha,  recebiamos uma boa maquia de patacão que, no meu caso, usei uma parte para comprar bilhete na TAP, o restante cambiei em Lisboa.

Concluindo,  o Café Ronda não era um lugar muito aprazível em comparação com o Café Bento, batizado pelos militares como a 5ª REP onde, à sombra de árvores frondosas, passávamos algumas horas em tertúlia, bebendo enquanto nos engraxavam as  botas e os sapatos.

Noutro estilo, tínhamos o Pelicano, na orla marítima com ementa extensa e lugar obrigatório para jantar.


(ii) Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Candeias: em 1969 e 1970, também em passagem para férias, lembro-me de ficar numa Pensão em frente das instalações da  Metereologia [, devia ser o Chez Toi, sito na Rua Eng Sá Carneiro , (***) ] , mas julgo não ter nenhum Café-Esplanada, só se o Café Ronda era afastado da casa da Pensão ou era noutro sítio. Não me lembro desse Café Ronda, ou então ainda não existia. [O Carlos Pinheiro não menciona o Café Ronda no seu roteiro de Bissau, pelo que não deveria existir no seu tempo, 1968/70. (**)]

A Pensão parecia uns adidos da tropa: camas da tropa, lençóis da tropa, falta de almofadas como na tropa e o dono também era um tropa. Parece que funcionava como se fosse em comissão de serviço e quando acabava havia o "trespasse" a outro tropa interessado que chegava.

Sobre o câmbio do escudos do BNU (pesos),  também funcionava os 10%, mil escudos do BdP custavam mil e cem do BNU. No avião TAP no regresso, no fim da comissão,  foram esturradas as últimas notas de mil do BNU em compras no avião e julgo que o comissário de bordo não fazia acertos de câmbio no preço dos produtos.

Sobre Cabuca, por lá passei várias vezes e foram Pelotões da minha CART 11 "Os Lacraus" que, além de segurança a colunas e de operações na vossa zona, montaram a segurança durante o período de tempo da construção dos vários pontões da estrada que ligava até à de Nova Lamego-Piche.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

(iii) João Candeias:

Valdemar.

Ao ler o teu comentário recordei - me que o dono  [do Café e Pensão Ronda ].era um militar de carreira, da marinha, nós milicianos dávamos-lhes outro nome. A espelunca e o recheio condizem, camas da tropa, os lençóis não recordo. Utilização era tipo cama quente e, como a malta preferia dormir na cidade, ia ficando e pagando.

Eu só fiquei dessa vez. Nas outras vezes que vim a Bissau,  fiquei na pensão no primeiro andar por cima da Casa das Ostras um pouco mais cara, sem ser luxo, mas nada tinha em comum. (****)

Um abraço, João Candeias 

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(**) Vd. poste de 9 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18908: Estórias de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22198: Blogues da nossa blogosfera (159): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (4): Descrição das Operações realizadas na zona de Bula no dia 5 de Maio de 1973 (José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML do EREC 3432)



Do blogue PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963-1974), que estamos a seguir e que é editado pelo nosso camarada José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974.


DESCRIÇÃO DAS OPERAÇÕES REALIZADAS NA ZONA DE BULA – GUINÉ BISSAU

NO DIA 05 DE MAIO DE 1973


1 - A descrição dos factos ocorridos na Zona de Acção do Batalhão de Cavalaria 8320, sito em BULA (GUINÉ BISSAU) no dia 05 de Maio de 1973 foi em tempos motivo de publicação nas redes sociais e, a sua autoria atribuída ao então Capitão Salgueiro Maia.

Conhecendo bem Salgueiro Maia tendo tido oportunidade de com ele conviver desde 1965 na AM (Academia Militar), EPC (Escola Prática de Cavalaria) e, mais tarde na GUINÉ na qualidade de Comandante da Companhia de Cavalaria 3420 (Intervenção) colocados em BULA afirmei em comentário que mantenho e reitero:-

“ NÃO ACREDITO QUE SALGUEIRO MAIA SEJA O AUTOR DESTE ARTIGO “

“O MAIA pela sua conduta e serviços prestados na sua intensa actividade operacional não necessita de chamar a SI o protagonismo de uma Operação em que não teve intervenção, mas sim colaborou voluntariamente e de forma relevante no auxílio à recolha e evacuação de mortos e feridos”.

2 - Já este ano 2021 foi novamente publicado o mesmo texto acrescentando actividade em GUIDAGE.

Tomei a mesma posição acima descrita com a diferença de não me referir à actuacão de CCav 3420 quando da missão que lhe foi atribuída – ESCOLTAS para GUIDAGE (quando aguardava embarque por ter terminado a comissão) não porque dela não tivesse conhecimento.

Situação idêntica aconteceu ao então, também Capitão Infantaria Manuel Ribeiro de Faria. Se a elas me referisse, ou por aí enveredasse, teria que fazer referência a outros intervenientes que tiveram acções muito relevantes e, não esquecidas como tive oportunidade de o verificar pelo pedido de contacto telefónico de um camarada do meu curso Joaquim Reis (ao tempo Tenente e Comandante da Escolta de Segurança - Viaturas AML/PANHARD) por parte do hoje Coronel Manuel Ribeiro Faria.

3 - Em tempos tive oportunidade de fazer uma descrição dos acontecimentos numa página do Faceebook – AML/PANHARD e foi com alguma admiração que na sua transcrição/publicação é referido que “embora não tivesse o valor do que publicado em livro…………”.

Tal descrição (embora ligeira) teve única e simplesmente a intenção prestar a MINHA HOMENAGEM aos MILITARES da “METRÓPOLE” e naturais da GUINÉ-BISSAU que nessa Operação perderam a VIDA, foram FERIDOS e CAPTURADOS.

4 -Tendo plena consciência de que as interpretações variam com os observadores não envolvidos directamente (alguns sem conhecimento técnico-militar necessário e da situação) entendam fazê-lo “romanceando”; outros conhecedores das circunstâncias que conduzem a Operações desta envergadura, mas também desconhecendo tudo (informações, movimentação, indícios, etc, etc a que ela conduziu) decidam descrever com menos precisão a realidade.

Mesmo nestas condições o maior respeito quanto mais não seja por terem deixado uma referência a situações que NUNCA devem ser ESQUECIDAS.

Importa agora debruça-nos sobre as OPERAÇÕES realizadas no dia 05 de Maio de 1973 em simultâneo.


OPERAÇÃO GRANDE BURACO EM PONTAMATAR E OPERAÇÃO REALEZA NO CHOQUEMONE.

Não elaborando uma Ordem de Operações (que à época existiu) por forma a facilitar uma melhor e mais fácil compreensão (evitando terminologia militar com a qual nem todos estão identificados) não posso deixar de pontualmente a ter que utilizar.

1 - SITUAÇÃO GERAL

a. NT (Nossas Tropas)

Há época durante o período houve uma modificação sensível no dispositivo do Sector:-

Assim com a ida da CCav 3420 para BISSAU por haver terminado a Comissão de Serviço, a 1.ª CCav /BCav 8320 assumiu a posse do Sub-Sector de PETE destacando para os Destacamentos pertencentes a este Sub-Sector (PETE, CAPUNGA, JOÃO LANDIM), continuando os pelotões de Milicias em PONTA CONSOLAÇÃO E AUGUSTO BARROS.

Chegada da Companhia de Cavalaria 8353 (Intervenção) para rendição da Companhia de Cavalaria 3420.

b. IN ( Inimigo)

Neste período o IN mostrou-se particularmente activo aumentando os efectivos habituais nas suas bases/refúgios na Zona do CHOQUEMONE.

2 - SITUAÇÃO PARTICULAR

Em Março de 1973 assume as funções de Oficial de Operações do BCAV 8320 o então Tenente de Cavalaria Rui Santos Silva por designação do Comando do Batalhão.

Em Abril foram recebidas no Batalhão espingardas FN recondicionadas destinadas ao rearmamento dos Pelotões de Milícias.

Foram submetidas a verificação tendo sido detectadas diversas e frequentes avarias que na maioria dos casos não permitiam mais do que um tiro.

Seleccionadas as consideradas em condições foram distribuídas a um pelotão de 30 homens (Mílicias).

Quando da saída de qualquer força para qualquer tipo de acção o Comandante de Batalhão e Oficial de Operações estavam ser presentes podendo estar apenas um dependendo apenas efectivo e importância da missão.

Nesse dia coube ao Oficial de Operações que deparou com a seguinte situação. Pelas 03h00 (hora de saída) dos 30 homens do Pelotão de Milícias compareceram apenas 14 “armados” com paus de vassouras ou semelhantes. Situação resultante da desconfiança que as armas FN recondicionadas tinha provocado.

Decidi mandar abrir uma arrecadação e armar os 14 homens com o melhor armamento disponível acompanhando-os na missão.

Tratou-se da montagem de uma emboscada no CHOQUEMONE sem contacto. Retiramos do local efectuando uma pequena incursão pela zona do PETABE e HORTA DO ANANASES tendo sido recolhidos na estrada BULA – BINAR (junto a um local designado por Placa) por duas viaturas UNIMOG escoltadas por duas AML/PANHARD.

Uns dias depois sou informado pelo Senhor Comandante de Batalhão TENENTE-CORONEL ALFREDO FERREIRA DA CUNHA que nesse dia tínhamos sido observados por um Grupo do PAIGC (com efectivo de cerca de 150 homens) que só não reagiu dada a proximidade do Destacamento de CAPUNGA.

O efectivo normalmente presente no CHOQUEMONE era substancialmente mais baixo.

Tratava-se dum local de refúgio/base muito importante, um local de passagem para OESTE da GUINÉ com destino à CABOIANA e outros refúgios/bases ou para preparação de ataques a aquartelamentos do sector de BCav sito em BULA e, com alguma probabilidade a tentativa de aproximação a BISSAU fazendo a travessia no Rio MANSOA.

Equacionadas estas modalidades/intenções entendeu o COMANDO DO BATALHÃO actuar.

3 - MISSÃO

Executar acções tendo como objectivos as bases do IN no CHOQUEMONE e PONTAMATAR

À CCav 8353 atribuir a zona de PONTAMATAR. Designada por “OPERAÇÃO GRANDE BURACO”

Na zona do CHOQUEMONE actuação de tropas conhecedoras do terreno e com elevada experiência operacional. Designada por “ OPERAÇÃO REALEZA”

4  - EXECUÇÃO

OPERAÇÃO GRANDE BURACO

A CCav 8353 (a 2 pelotões) reforçada com um pelotão da 1ª CCav/BCav 8320 ( 1 ano de actividade operacional ) deslocou-se para a zona de PONTAMATAR cerca das 03h00 do dia 05 de Maio iniciando a actividade cerca das 07h00 que foi dada por terminada pelas 10h30. Não houve contacto com o IN.

OPERAÇÃO REALEZA

As informações do possível aumento dos efectivos presentes no CHOQUEMONE obrigaram ao planeamento de uma Operação de Grande Envergadura com Unidades que conhecessem muito bem a zona e tivessem grande experiência de Combate recorrendo aos Pelotões de Milícias sob a dependência do Batalhão, bem como à Companhia Africana sediada em BINAR.

A CCav 3420 comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (ainda em quadrícula) estava a aguardar a ida para BISSAU por ter terminado a sua Comissão. A não ser em última instância é que o Comando do Batalhão a aplicaria na Operação.

Assim a missão foi atribuída aos Pelotões de Milícias 291, 293, 341 (a 35 homens cada) e à Companhia de Caçadores 17 (Africana) sita em BINAR com 2 pelotões posicionadas de forma a evitar uma possível incursão/acção sobre o Aquartelamento em Binar.

DESENROLAR DA OPERAÇÃO

Montado o dispositivo, cerca das 07h00 foram ouvidos alguns disparos e conjuntamente com o Comandante de Batalhão ( com quem me preparava para tomar o pequeno almoço) fomos de imediato para a Sala de Operações e do Posto Rádio – anexo à Sala – entrei em contacto rádio procurando saber o que se estava a passar.

O radiotelegrafista responde-me solicitando um instante porque se preparava para disparar sobre um elemento IN (elemento participante de patrulha de segurança ao Grupo IN acampado na zona).

De imediato ouviu-se um tiroteio de alguma intensidade fruto do contacto com o Pelotão de Milícias 341 (coord. Bula 5 B4.51) sem consequências para as NT. IN resultados desconhecidos. Pelas 07h30 novo contacto com IN desta vez com enorme intensidade em consequência da fuga para Norte do Grupo IN (em acampamento provisório com um efectivo calculado em cerca de +/- 100 elementos ) que deparou com o Pelotão de Milícias 293 ( coord. Bula 5 A4.64 ).

NT 03 mortos e 01 desaparecido e desmembramento do pelotão.

IN mortos prováveis e feridos confirmados.

Conseguiu-se novo contacto rádio e fui informado pelo radiotelegrafista que estava sozinho, mas avistando ainda alguns camaradas.

Informei-o de que se deviam dirigir ao SOL (Sul) e aguardassem recolha na Estrada para BINAR.

Com a concordância do Comandante do Batalhão foi solicitado o apoio ao ESQUADRÃO AML/ PANHARD para que se dirigisse à Estrada BULA-BINAR que de imediato se deslocou para o local.

Dado o distanciamento do Posto de Comando em BULA sugeri que fosse criado um Posto de Comando Avançado (PC 2), sito em CAPUNGA – aquartelamento de um dos pelotões da CCav 3420 a uma distância da área de acção de cerca de 3 km e, por decisão e delegação do Comando do Batalhão desloquei-me para o local onde permaneci até ao final da Operação.

Em coordenação com o PC 1 e, como conhecedor do posicionamento das NT (coube-me o planeamento da Operação com a aprovação do Comando) iniciei as acções necessárias por forma a ter uma noção o mais exacta possível das NT tendo como intenção o pedido de utilização da Artilharia o que se tornou impossível após os contactos já referidos e ao desmembramento do Pelotão de Milícias 293.

Pelo Pelotão 341 foi localizado o acampamento da Força IN ( entre as coordenadas Bula 5 B4.51 e Bula 5 A4.64 ).

Informando o PC 1 foi solicitado o apoio da Força Aérea (Fiat’s), mas como à época já era utilizado o míssil Terra-Ar STRELA a nossa Força Aérea dava apoio a 5.000 pés de altitude.

Chegados ao local estabeleceu-se dialogo com um dos pilotos a quem dei as coordenadas e me solicitou informação de que não haveria NT num raio de 3 Km em relação ao OBECTIVO.

Foi efectuado um único lançamento (penso de bomba de 750 libras) que foi observado no PC 2. Da eficácia falarei mais à frente.

Entretanto os contactos já com menos intensidade iam acontecendo havendo necessidade de reforços.

Assim pelas 10h30 da manhã o Comando do Batalhão deu por terminada a Operação GRANDE BURACO em PONTAMATAR e com o apoio uma vez mais do Esquadrão AML/PANHARD foram recolhidos na Estrada BULA – S. VICENTE com destino a CAPUNGA.

Pelas 13h00 compareceu em CAPUNGA o 2.º Comandante de Batalhão (MajCav César Monteiro) que recebeu a CCav 8353 comandada pelo Capitão Miliciano Calado.

O estado de espírito da Companhia depois de uma Operação que apesar de não ter tido consequências não deixou de ser o primeiro contacto com a mata e a realidade da Guerra não era o melhor para enfrentar uma situação de risco elevado. É tomada a decisão de um Grupo de Combate entrar em acção perto de um local denominado Horta dos Ananases.

Em situações desta natureza em que o IN se encontra “encurralado” é sabido que para se protegerem se aproximam das NT ou dos nossos Aquartelamentos procurando evitar a acção da Artilharia e Morteiros.

Também quando em retirada após emboscada nunca fugiam na perpendicular, mas sim para as zonas laterais (esquerda ou direita).

Cerca das 13h30 chega a CAPUNGA o Capitão Salgueiro Maia vindo de PETE (sede da Ccav 3420) que comandava. Atento, Solidário e Incapaz de se manter como observador veio fazendo jus à sua experiência operacional dar o apoio possível à situação que se vivia que se veio a tornar imprescindível e muito relevante.

Pelas 14h00 o Grupo de Combate da Ccav 8353 inicia o movimento para o local atrás indicado. A distância era pequena com pouca arborização e deparam com um Grupo com pessoal branco e camuflados idênticos aos nossos (NT).

Os segundos de hesitação e infelizmente a inexperiência foram fatais. Tratava-se de um Grupo IN que de imediato reagiu causando 04 mortos (1 furriel) e 08 feridos (05 graves).

IN com mortos e feridos prováveis.

O Capitão Salgueiro Maia foi com 2 Unimog’s resgatar os feridos e mortos. Procurámos por todos os meios fazer um garrote a um dos feridos, mas todos os esforços foram em vão.

Mais uma vez a Força Aérea esteve presente com 3 Heli-Canhões, mas nada puderam fazer.

A evacuação de feridos fez-se a partir da pista ou heliporto de BULA.

A OPERAÇÃO continuava e cerca das 16h30 novo contacto em Bula (Coord. A4.64) após entrada no acampamento (bombardeado pela Força Aérea) onde foram recolhidos peças de fardamento e equipamento, utensílios, diversos documentos, munições de armas ligeiras e acessórios de armamento.

Encontrados também muitos géneros alimentícios que foram destruídos e observadas grandes manchas de sangue.

Na ausência de evacuações pela Força Aérea da mata deslocou-se à zona integrado num Grupo de Combate o médico do Batalhão, Alferes Ribeiro que assistiu no local o ferido resultante do contacto acima referido. Com o aproximar do fim do dia foi decidido fazer regressar todos os efectivos empenhados dando como terminada a OPERAÇÃO REALEZA.

Pelas 18h50 BULA foi flagelada com 08 foguetões 122 com provável base de fogos localizada em Bissauzinho.

Reagimos com Artilharia 14, morteiros 10,7 e um Pelotão do Esquadrão AML/ PANHARD deslocou-se para a Estrada BULA – S. Vicente impedindo qualquer aproximação de BULA que só podia ser feita antes do km 4 ou após o km 10 ( do Km 4 ao Km 10 existia um campo de minas com 100 metros de profundidade ).

Todos os foguetões caíram na periferia do Aquartelamento provocando 05 feridos (graves) população e incendiando algumas tabancas.

À chegada ao aquartelamento em BULA tive conhecimento da permanência de uma Companhia de Paraquedistas ( enviada para reforço ), mas que não chegou a intervir.

Cerca das 0h00 fui acordado pelo Comandante de Batalhão para me deslocar novamente a CAPUNGA onde foi colocada a Companhia de Paraquedistas que aí pernoitou.

No dia seguinte 06 de Maio fomos visitados pelo Comandante do COP 1 (Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO), sito em MANSOA de quem o BCav 8320 dependia manifestando a sua admiração pela brilhante actuação do BCav e de todas as Forças empenhadas.

Autor
Rui Borges Santos Silva
Coronel de Cavalaria na Reforma (ao tempo Oficial de Operações do Batalhão 8320)
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Notas do editor

Poste anterior de 21 de Janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21792: Blogues da nossa blogosfera (147): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (3): Nos dias da guerra: As Panhard em Guidage (José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML do EREC 3432)

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22139: Blogues da nossa blogosfera (158): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (67): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22197: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (10): Dia da espiga... para que não nos falte o pão (espiga de trigo), a alegria (videira), a paz (oliveira), a saúde (alecrim), o amor (papoila) e a sorte (malmequer)...






Lourinhã > Tabanca do Atira-te Ao Mar > 13 de maio de 2021 > Dia da Espiga


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já foi, nos anos 30 e 40 do séc. XX, um mar de searas e de vinhas, o concelho da Lourinhã... E havia meia dúzia de moinhos de vento em cada aldeia. Hoje é difícil encontrar uma seara  de trigo (por muito pequena que seja) ou até uma vinha (, mesmo que seja aqui que se produz a famosa aguardente DOC Lourinhã). 

Mas hoje é Dia da Espiga, 5ª Feira da Ascensão. a ascensão de Jesus Cristo ao Céu, segundo a liturgia cristã, 40 dias depois da Ressurreição...Curiosamente, hoje é também, para os muçulmanos, o fim do Ramadão. Saúdo o Cherno Baldé e nossos amigos da Guiné que são crentes e praticantes.

A 5ª Feira da Ascensão deixou de ser feriado (religioso) há quase 70 anos, em 1952, se não erro. Mas ainda sou do tempo de se ir colher a espiga neste dia... Logo pela manhã, ia-se em alegre passeio pelos campos colher espigas, de modo a formar um ramo que devia  incluir  cereais (, com destaque para o trigo), flores campestres (papoila, malmequer, alecrim...) mas também   um pedacinho de  oliveira e de videira,,, 

Os nossos pais e avós ensinavam-nos que cada elemento do ramo do Dia da Espiga tinha um significado ou simbologia próprios: (i) espiga=pão; (ii) videira=alegria; (iii) alecrim = saúde; (iv) oliveira=paz; (v) papoila=amor; (vi) malmequer= sorte, fortuna...

Os povos, e nomeadamente em meio rural, marcados pelo ciclo do solstício do inverno e o solstício do verão,   precisavam destas "festividades cíclicas"... Hoje, citadinos (e globalizados), o nosso "imaginário" é outro... se é que ainda temos "imaginário".  

Recordo-me ainda, na casa dos meus tios da aldeia do Nadrupe e da Quinta do Bolardo,  de o ramo da espiga ser colocado por detrás da porta de entrada, para dar sorte, devendo ser substituído por um novo no ano seguinte. No campo respeitava-se este feriado, não trabalhando. Nalguns concelhos do País, e nomeadamente na Estrmadura e no Ribatejo, ainda hoje é feriado municipal.

Hoje a Alice Carneiro e a Maria do Céu Pinteus, mulheres grandes da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo!),  no seu passeio matinal, foram colher a espiga da tradição. Para que não falte,  a todos os tabanqueiros das tabancas da Tabanca Grande,  sorte, saúde, amor, alegria, paz e pão neste ano de 2021...e se realize o nosso desejo de voltar à normalidade das nossas vidas depois de um ano e tal de pandemia de Covid-19, que fez estragos na nossa saúde, nas nossas vidas e nas nossas fileiras!... (LG).

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22196: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III A: Depois de Estremoz, fomos “despejados” para Portalegre, aguardando embarque para o CTIG

 


Foto nº 1 > Portalegre > Convento de S. Bernardo - Séc. XVI > 2021


Foto nº 2 > Portalegre> Arcadas do Convento de S. Bernardo (séc. XVI) > Os belíssimos painéis de azulejos (séc. XVIII), fazendo lembrar a belíssima Estação de S. Bento, Porto) > 2021 > A Isabel apontando um pormenor para as esposas de outros camaradas num dos encontros da companhia, neste caso em Portalegre, organizado pelo camarada Parola 

Fotos (e legendas): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex- furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III A (*)

 
Depois de Estremoz fomos “despejados” para Portalegre, aguardando embarque para a Guiné (**)

   

Portalegre, de passagem... com direito a fotografia...e discurso

 


Foto nº 3 > Portalegre > 1972 > Uma “carinha” de Lobito 
e um boné de “General”. Foto tirada com o boné do sargento Redondeiro.



Foto nº 4  > Portalegre > 1977 > Resquícios do efeito do “cacimbo” da Guiné... 
Com a minha Diane percorri “seca e meca” no Alentejo


 

Com o fim da instrução em Estremoz (RC3) (**), fomos “despejados” para o quartel de Portalegre,  instalado no Convento de São Bernardo, do Século XVI, com belíssimos painéis de azulejos (séc. XVIII), a maior parte deles apresentando cenas da vida de São Bernardo (fazendo lembrar a bela e “mui nobre”, estação de S, Bento no Porto), para permitir o início da instrução de novas companhias.

Permanecemos neste magnífico convento muito pouco tempo (antes que nos transformássemos em monges!!!) a aguardar embarque para a Guiné. O tempo suficiente para tirarmos umas fotografias, com o boné do sargento Redondeiro, que enchemos com folhas de jornal para o mesmo não se enterrar até ao pescoço nas nossas cabeças, para o nosso novo cartão de militar. (Foto nº 3).

Foi aqui que o mesmo sargento, de fisionomia a condizer com a patente, grande e gordo, com uma avantajada barriguinha, decidiu, dado a sua experiência de outras comissões, fazer o discurso de despedida, antes de rumarmos a Lisboa para o embarque. Era suposto um discurso a chamar ao patriotismo mas ao mesmo tempo de ânimo e de tranquilidade e de que tudo iria correr pelo melhor. Contudo o discurso saiu completamente ao lado ao começar logo por dizer:

- Caros militares, infelizmente, alguns de vocês não voltarão a casa…

O moral de todos aqueles rapazes bateu no fundo, pelo que a nossa tarefa, durante e todo o dia, recorrendo aos nossos conhecimentos de psicologia (que não eram nenhuns) e também afetados por aquele discurso, de alguém que sabia do que estava a falar, foi tentar recompor-se e recompor o pessoal.

O Redondeiro, juntamente com um seu colega Pereira (únicos militares de carreira apenas com tarefas logísticas), foram sempre bons camaradas. O Redondeiro desde o primeiro dia assumiu o papel de “paizinho” da companhia. Recordo-o aqui com muita saudade e ternura.

O pouco tempo que aqui permanecemos não deu para conhecer esta bela região alentejana e o seu fantástico triângulo: Portalegre, Marvão, Castelo de Vide. (Vd. fotos da nossa visita em 2021: Nºs 1,2, 5,6,7,8)

Só me lembro da nossa infantilidade ao entrarmos na escola secundária, em frente do quartel, “matando o tempo”, deliciando-nos com os nomes, para nós, invulgares, mesmo bizarros, dos alunos afixados nas pautas, e, quem sabe, arranjar uma (ou mais) madrinha de guerra…

Esta ida à escola foi premonitório já que no ano letivo de 1977/78, fui colocado nesta mesma escola (nesta cidade lecionou José Régio – reclamado por Vila do Conde onde nasceu e por Portalegre onde viveu, sempre no meio da sua imensa coleção de Cristos), onde conheci a minha mulher (na altura professora de matemática de uma das minhas turmas), pelo que esta região ficou para sempre marcada, pela positiva, nas nossas vidas. Em 72 não houve madrinha de guerra mas em 79 houve casamento…

O contacto com os invulgares nomes dos alunos afixados nas pautas no ano de 1972 não me livrou de pequenos percalços em 1977:  logo no primeiro dia de aulas, como era habitual, promovi as respetivas apresentações, com um aluno, de sorriso rasgado, apresentando-se como (V)Bagina. Fiquei à espera de um “bruaá” na sala, que não aconteceu. Como bom nortenho, escrevi Vagina na minha caderneta;

Na apresentação dos professores do meu grupo disciplinar, um dos mais efusivos apresenta-se como Lacão. Devido à minha surdez do ouvido direito (ainda hoje penso que devido aos disparos do canhão sem recuo no fogo real para a ilha de Tavira) entendi “Lacrau”. Passei todo o meu tempo de Portalegre a chamar Lacrau ao homem e ele, como bom alentejano, nunca nada me disse!

Nada me tira o meu Minho (… e o meu Douro vinhateiro e...) mas o Alentejo e os Alentejanos estão no meu coração, inclusive o homem que “deitou abaixo” o meu pequeno garrafão de verde tinto nos longínquos anos 60 a caminho de Ermidas Sado. (**)

Na passagem em trânsito para a Guiné, em 1972, não deu para conhecer a bela região do Alto Alentejo, desforrando-me “à tripa forra” em 1977/78.

Jamais esquecerei:

• as tertúlias na esplanada do Tarro, depois do jantar, até que os funcionários arrumando as mesas vazias e limpando o lixo debaixo dos nossos pés nos davam ordem de saída;

• o cimbalino (termo que sempre fiz questão de utilizar, com o empregado sempre retorquindo: uma bica?) depois do almoço no café “Facha”, em frente ao imponente plátano, lendo as gordas do jornal da casa;

• uma ou outra vez tomando o cimbalino, depois do jantar, no café Central, a meio da rua direita, mas que é muito “torta”, onde grandes jogadores de xadrez se juntavam;

• um pingo (com o empregado sempre a retorquir: um garoto?) e uma nata, a meio da tarde, no lindo e histórico café Alentejano (felizmente hoje ainda aberto e mantendo o mesmo “glamour”), em frente à estátua do “Semeador” namorando […]; 

• as tardes mais quentes passadas debaixo do frondoso plátano (hoje quase monumento nacional), namorando […];

• o lanche com um grupo de amigos habituais (no qual se incluía o “Lacrau”!), depois dos jogos de futebol, na tasquinha do Marchão, bebendo umas espetaculares imperiais (que eu insistia em chamar finos) acompanhadas com perninhas de rã (que eu nunca fui capaz de comer) e umas divinais empadinhas de frango, que eu devorava com sofreguidão;

• as idas a um magnífico restaurante na Serra de S. Mamede, do qual já não me lembro o nome, com paragem obrigatória no magnífico miradouro...para namorar;

• a Pensão 21 onde me instalei com outro colega e amigo de Viana do Castelo. Aqui fomos tratados como filhos pelo proprietário (o Sr. Mourato) e pela simpática empregada que nos servia as refeições. No dia em que decidimos fazer um estendal, na varanda do quarto, com as nossas cuecas a secarem ao sol, foi o dia em que não só o proprietário e a empregada bem como todos os hóspedes ficaram definitivamente rendidos aos jovens e prendados professores do Minho!;

• as refrescantes idas a uma fonte de água pura e fresca; nos dias de maior calor, a caminho da serra, onde sempre éramos alertados por simpáticas mulheres que aí vendiam fruta; que no alto da sua sabedoria espelhada nos seus cabelos brancos, que bebendo água da fonte o feitiço o ligaria ao Alentejo pelo casamento; o meu amigo de Viana do Castelo casou com uma jovem e simpática professora de Marvão (Escusa) e eu com a Isabel, uma alfacinha de Alcântara,  (embora natural de Idanha), professora também deslocada na cidade, ou como diz o provérbio, “Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia fica lá a asa”!!!

• as idas às tasquinhas da Serra de S. Mamede, onde aprendi a letra do “Fado do Embuçado” (2);

• o calcorrear, milímetro a milímetro das ruas e tasquinhas de Marvão e Castelo de Vide;

• as incursões a , Elvas, Alegrete, Monforte, Nisa, Vila Viçosa, Campomaior, etc.;

• um fim de semana passado na casa de um colega de Évora, comendo uma divinal sopa de Cação preparada pela sua simpática esposa; a  noite passada numa taberna, estilo Zé d’Alter (2), onde o fado aparecia de onde menos se esperava devorando um magnífico gaspacho; terminando a noite a ver nascer o Sol numa das zonas altas da cidade;

• a abordagem de uma patrulha da polícia, às 4 horas da manhã quando esperava-mos o nascer do sol, pedindo-me a carta de condução, que tinha ficado na pensão, o BI, o título de propriedade da minha Diane, que também não tinha - com o polícia já desesperado a pedir, qualquer documento com fotografia que também não tinha. Dada a minha calma, adocicada com algum humor nortenho, o polícia esboçou um sorriso dizendo: parecem boas pessoas aproveitem bem o fim de semana em Évora;

• uma incursão a Badajoz com o regresso já com a fronteira fechada (chegamos 5 minutos depois da meia noite), voltando a Badajoz, esperando a abertura dos primeiros cafés para o pequeno almoço e acelerar para a primeira aula da manhã;

• assistir ao dérbi da cidade entre os Estrelas de Portalegre e o Desportivo Portalegrense com as rivalidades levadas ao extremo durante o jogo, mas logo esvaziadas nas inúmeras tabernas da cidade;

• participar numa manifestação contra a Lei Barreto, já com o PREC a perder força, com direito a carga policial (e tudo o mais a que tinha-mos direito nestas manifestações…) com fuga ao cassetete com o meu amigo deixando a sua mala de engenheiro para trás;

• as viagens de comboio (sempre adorei viajar de comboio) a caminho de casa nas pausas escolares na direção: Chança, Mata, Crato… e no regresso ao Alentejo na direção: Crato, Mata, Chança...como gostavam de dizer os portalegrenses;

Viajo de comboio sempre com o mesmo entusiasmo como se fosse a primeira vez. Com o comboio cheio de gente sinto-me personagem de um filme no meio de um turbilhão de cenas do quotidiano. Sozinho sinto-me numa sala de cinema vendo passar o mundo lá fora pela janela do comboio como se de uma tela se tratasse.

Durante as viagens faço sempre um esforço tremendo para não adormecer, já que um minuto dormido é um minuto não vivido.

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui há procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.


Foto nº 5 > O famoso Plátano de Portalegre. Candidato, em 2021, a árvore da Europa > 2021

 

Foto nº 6 > Castelo de Vide > 2021


Foto nº 7 > Marvão > 2021 > A Isabel, minha esposa



Foto nº 8 > Portalegre > Café Alentejano, um dos “ex libris” da cidade > 2021 (1)

Fotos (e legendas): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do autor:

(1) O Alentejano não é apenas um café mas um museu. Um museu vivo, que recupera memórias de gentes e de acontecimentos. O Café Alentejano foi concebido pelo pintor e decorador Benvindo Ceia, o maior artista de Portalegre, embora tenha sido depois ligeiramente alterado o projeto original. É precisamente o Alentejano, aquele que José Régio mais frequentou, de onde há notícia mais exata pelo relato escrito de David Mourão-Ferreira sobre os belos bifes que ali saboreavam, é precisamente o Alentejano que se mantém quase idêntico a esses tempos distantes mais de meio século.

(2) ...Aproveitando o descanso de um dia de instrução, reunimos um pequeno grupo de amigos e lá fomos à taberna do tão falado Zé D’Alter , para beber uns canecos e ouvir o afamado fado espontâneo. Entramos, e logo nos apercebemos que não estávamos a entrar em mais uma taberna mas sim numa casa onde estavam reunidos um grupo de amigos, tal a cumplicidade dos presentes: pessoal da terra e muitos militares. Todos falavam com todos ninguém servia ninguém cada um servia-se, da pipa, do garrafão, do tacho, da frigideira etc. Ao terceiro copo já um representante da terra dava o mote ao tocar uns acordes na sua viola cantando, timidamente, o primeiro fado da noite. O esvaziar das canecas libertou os fadistas espontâneos e já todas se achavam capazes do seu número. O ambiente foi aquecendo ao ponto do Zé D’Alter dar um murro na mesa e dizer: "Silêncio, que isto agora é para quem sabe!"... Fez-se um silêncio de ouro e o fado surge na sua nobreza e pureza maior da taberna na voz do Zé D’Alter. No fim houve palmas, lágrimas e vivas ao fado…e ao Zé.

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Notas do editor:

(*) Vd. útimo poste da série > 1 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22159: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII: A primeira visita... dos "vizinhos", com ataque ao arame!

Restantes postes da série > 


24 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VI: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!

23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'

12 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21996: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV: O embarque, as 'hospedeiras'… e África Minha

13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22195: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): Pedido de colaboração a pessoas maiores de 18 anos, pertencentes a qualquer país da CPLP para participar num inquérito sobre aspectos psicológicos associados ao bem-estar: resposta anónima e confidencial, demorando cerca de 20 minutos (Prof Doutor Henrique Pereira, Universidade da Beira Interior, Covilhã)


1. Mensagem de Henrique Pereira, psicólogo clínico, professor e investigador da UBI - Universidade da Beira Interior:
 
Date: domingo, 9/05/2021 à(s) 12:25
Subject: Pedido de Divulgação - Solicitação de participação em investigação
 

Olá. Estamos a realizar uma investigação, cujo objetivo é avaliar os aspetos psicológicos associados ao bem-estar, ajustamento, risco psicossocial e fatores protetores em cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 

 

Este inquérito está dirigido a pessoas:


(i) com 18 anos de idade;


(ii)  e que vivam ou sejam nacionais de um dos países da CPLP: 


Portugal

Brasil

Cabo Verde

Angola

Moçambique

Guiné-Bissau

São Tomé e Príncipe

Macau

Timor-Leste. 

 

Para participar, só tem que clicar no link abaixo (que é seguro) e seguir todas as indicações: 


Ajustamento, Risco Psicossocial e Fatores Protetores nos cidadãos da CPLP

 


Desde já muito obrigado pela participação e divulgação pelos seus contactos.

Henrique Pereira, Ph.D.

Professor Associado com Agregação




Departamento de Psicologia e Educação - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade da Beira Interior | Covilhã | Portugal
Ψ 2001-2021: 20 anos de Psicologia na UBI
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22194: Historiografia da presença portuguesa em África (262): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Atenda-se a uma expressão lapidar de Chelmicki neste documento: “Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse; miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura, um deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas Ciências e Artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficará estacionário, em breve é retrógrado. Portugal, com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza das minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal, em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu esplendor".
O documento de Chelmicki é de um diagnóstico frio e sem concessões, mas não lhe falta sonho, ele admite que a ocupação da possessão explorará as enormes potencialidades que a terra oferece. Bem curioso neste documento, e naturalmente compreensível, nunca se fala no que o mar oferece, os estudos hidrográficos eram incipientes, pensava-se que aquele peixe dos rios era bom para a subsistência das populações, não se imaginava minimamente a riqueza das pescas da Guiné. Pois este documento procura cativar o decisor político para apostar na fertilidade da agricultura guineense. Mas exigia-se uma renovação de métodos, uma administração eficiente, e Portugal ainda caminhava vagarosamente para uma nova etapa de desenvolvimento, a Regeneração. Esta Corografia Cabo-Verdiana é verdadeiramente o retrato da Guiné da primeira metade do século XIX, magistralmente complementado com a Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa de Honório Pereira Barreto.

Um abraço do Mário


Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (4)

Mário Beja Santos

José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da "Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné", em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este Tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação dos Tomos I e II é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

São dois volumes com o recheio precioso de informação, já descreveu uma súmula histórica, percorremos os dois distritos da colónia, Chelmicki alertou para as potencialidades agrícolas, ao tempo o tráfico de escravos caminha para o fim, era crucial encontrar alternativas, atrair investimentos, trazer mais gente. Ao contrário de outros autores, ele não amesquinha o labor indígena, dignifica-o, veja-se como ele fala do artesanato, e com que entusiasmo:
“Quanto à Guiné, nos estabelecimentos portugueses é impossível procurar vestígios de indústria. Não podemos dizer o mesmo dos indígenas: denotam grande aptidão para todos os ofícios mecânicos. Assim os Mandingas Mouros são muito engenhosos. Fiam, tecem, e matizam panos de algodão, ainda que não com a mesma perfeição dos das ilhas de Cabo Verde. São ferreiros, carpinteiros, sofríveis serralheiros. Vi uma espada feita à imitação das nossas, que nada talvez deixava a desejar. Cortam bem os couros e peles, dão-lhes cor, e imitam perfeitamente a marroquim e cordovão. Fazem bolsas para caça, polvorinhos de chifres, primorosamente cobertos com couro. Consertam células, fazem bolsas como carteiras para arrecadar papéis, âmbar, ouro, coral, etc. Encontram-se não menos hábeis ferreiros fazem estruturas para portas, armas de guerra, freios, estribos, esporas, etc.”

Fala também do azeite e vinho de palma, das operações de extração, refere a existência de uma cerveja de milho, e mais adiante escreve: “Os Balantas fabricam sal, fervendo água do mar em tachos de barro. Este sal é claro, mas muito miúdo, pelo que apesar de haver o das ilhas de Cabo Verde, este é preferido pelo gentio. Os Jalofos fazem também a tinta de anil, quase do mesmo modo como em Cabo Verde. Apanham as folhas dos arbustos, antes da sua fortificação, e só a quantidade necessária para tingir imediatamente os seus panos, dos quais, como fica dito, são mui formosos e tão tintos que ficam parecendo cetins”, citando André Alvares de Almada. Noutro lugar, voltará a exaltar a panaria, deste modo: “Os panos, tecidos e colchas atraem a admiração de todos os viajantes, por bem-feitas, cores lindas e lindos lavores: porém, sobretudo, pela maneira como são fabricados”. Descreve minuciosamente o modo de fiar, o tipo de tear (peça única, com muitas camas, feito a obra de arte e o tear vai para o fogo) e carateriza depois os panos: “Estes panos são de algodão, só ou misturado com lã ou seda. Compõem-se de seis ou mais bandas de um pé de largura sobre seis ou oito de comprimento: cozidas umas às outras pelas ourelas, conforme a largura do pano que se quer ter”. Falando da organização militar e do sistema defensivo, dá-nos igualmente informações preciosas. “Numa parte da província, como em Guiné, estão os nossos presídios cercados de hordas selvagens, e são expostos aos seus insultos, ataques e diárias depredações e rapinas”.

Fala do desgraçado estado da Guiné, diz mesmo que presenciou os insultos com muita frequência, tanto dos aliados da Europa como dos gentios da Guiné, e conta uma história que é eloquente:
“No ano de 1836, entrou no porto de Bissau, a esquadrilha francesa de Gorée com artilharia carregada e morrões acesos, exigindo certa quantia, que o governador francês do Senegal quis extorquir do Sr. Caetano Nozolini, negociante português estabelecido nesta praça. Este, suspeito de ter influído para a morte de um capitão mercante francês, chamado Dumège, estava naquela ocasião perante os tribunais de Lisboa, por exigência das mesmas autoridades francesas, livrando-se desta acusação. A esquadrilha fundeou defronte da fortaleza, ameaçando de romper o fogo, não sendo imediatamente pagos os 10 mil francos em que o tribunal de Gorée condenou o Sr. Nozolini. Como, porém, o dito senhor estava ausente, e o governador, ou aliás um negociante que interinamente fazia as suas vezes por 800 mil reis por ano, e por isso não podia com a alma mercantil combinar sentimentos mais nobres, em lugar de repelir agressão tão nefanda, declarou aos piratas visto existirem ali os armazéns do Sr. Nazolini podiam-se indemnizar com as suas mãos; o que não tardou. Oficiais e marinhagem saltaram em terra, e carregaram para bordo couros, peles, marfim, arroz e o mais que acharam. Esta carga foi à praça em Gorée, e depois pagas as despesas e custas da justiça, algumas moedas que sobraram foram religiosamente restituídas. Culpado decerto foi o Governo em não ter resistido; mas mesmo ainda que fosse outro, a artilharia quase toda até sem reparos, e uns 60 pretos, vulgarmente chamados soldados, descalços e nus, com armas que em maior parte não podem mandar fogo, constituíam a guarnição. No ano de 1839, o mesmo Sr. Nozolini roubou uma corveta inglesa da Serra Leoa, uma escuna fundeada no porto da Ilha de Bolama, bem como 200 escravos que lá trabalhavam na roça. Quando voltará o Marquês de Pombal para reprimir semelhantes ultrajes!”

Chelmicki vai fazendo súmulas ou pontos de situação, é irresistível o que ele escreve depois de uma descrição pormenorizada a ilhas do arquipélago dos Bijagós em que há presença portuguesa:
“Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse; miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura, um deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas Ciências e Artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficará estacionário, em breve é retrógrado. Portugal, com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza das minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal, em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu esplendor. Consideremos as possessões da Guiné como colónias comerciais e agrícolas, isto é, de cultura de plantas exóticas. Elas estão em muito melhor situação que as inglesas e francesas. Cinco grandes rios, como o de Casamansa, S. Domingos (Cacheu), Geba, Rio Grande (Buba) e Nunez (Guiné Conacri), navegáveis muito para o interior, oferecem fáceis meios de navegação. Ocupando as embocaduras destes rios com pequenos fortes, cuja construção muito pouco custará ao Governo, em razão da sua utilidade, dilataremos a fronteira marítima desde o Rio de S. Pedro até ao Cabo da Verga, e proibindo de facto a exportação de escravos de toda esta costa, os habitantes voltarão às pacíficas ocupações de agricultura, retomarão o nobre e perdido caráter da humanidade; penetrarão as Artes, indústria e comércio nestes selvagens mas férteis países, e Portugal senhor de todos estes rios conservará facilmente o monopólio desta nova esfera de atividade.
As ilhas do arquipélago adjacente dos Bijagós, habitadas hoje por uns ferozes negros, em breve, de facto, serão sujeitas à Coroa Portuguesa que, assim, antes de 100 anos, concluída esta grande obra de civilização, contará aqui mais de um milhão de súbditos.
Os terrenos obtêm-se com facilidade dos indígenas: estes devem ser repartidos em grandes sesmarias, a proprietários ricos, zelosos do bem público e inteligentes nos seus interesses. Mandem-se vir colonos da Holanda, Suíça e Alemanha, de onde eles trarão a indústria e civilização, e aumentarão assim a população branca sem diminuirmos a do Reino. Favorecendo o Governo os açorianos, eles hão-de preferir estabelecer-se aqui, e com trabalho, sabendo que o ganho é deles, enriquecer-se em pouco, do que servirem de escravos brancos aos brasileiros. Os degredados formarão debaixo da polícia colónias agrícolas militares; e assim após o acréscimo da agricultura e comércio, teremos força real”
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(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22172: Historiografia da presença portuguesa em África (261): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3) (Mário Beja Santos)