Texto de A. Marques Lopes, enviado em 2 de Agosto de 2005 (pede-se desculpa pelo atraso da inserção no blogue, mas o trânsito, no ciberespaço, esteve engarrafado...).
Como com todas as coisas da Guiné, também me interesso pelo crioulo lá falado. Tenho, por isso, alguma obras:
1. "O crioulo português da Guiné-Bissau", de Hildo Honório do Couto, professor da Universidade de Brasília, publicado pela Helmut Buske Verlag, de Hamburgo, mas está escrito em português.
Para adquirir este livro, contactei directamente o autor, via internet, pois é o único que me apareceu com alguns exemplares e vendeu-me um.
Dedicada "às crianças e aos adolescentes da Guiné-Bissau, que frequentemente descalços e mal-nutridos até se divertiam com as minhas constantes importunações com gravador e perguntas", é uma obra muito interessante de um estudioso universitário sobre a visão histórica, a situação linguística, a fonética, a morfologia, a sintaxe e a semântica do crioulo da Guiné.Bissau. Tem, no final, alguns textos na língua.
2. "Vokabulari kriol-portugîs (Esboço - Proposta de Vocabulário)", da autoria do padre Artus Biasutti, da Missão Católica de Bafatá, e publicado em 1987 pela Missão Católica de Bubaque.
É um belíssimo dicionário que já me tem sido muito útil. Tem, no final, sessenta ditus (provérbios), escolhidos entre centenas que o padre Luis Andreoletti recolheu de viva voz entre o povo da Guiné. Têm uma tradução literal e uma interpretação mais ou menos acertada.
Foi-me enviado pelo meu amigo António Nhaga, jornalista guineense da Agência Bissau Média e Publicações.
3. "O crioulo da Guiné.Bissau: Filosofia e Sabedoria", de Benjamin Pinto Bull, edição conjunta em 1989 do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, de Lisboa, e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, de Bissau.
Embora tenha sido impresso em Lisboa, foi também o António Nhaga que mo enviou. Diz ele no início: "Garandi k' jungutu ta ma oja lunju di ke mininu k' sikidu", isto é, um ancião de cócoras vê mais longe que uma criança de pé.
Tem muitos provérbios e histórias em crioulo, com tradução e explicação linguística sobre as formas usadas. Tem um pequeno dicionário no final.
4. "Lus numia na sukuru - Storia di igreza ivangeliku di Gine-Bisau 1940-1974", de Hazel Wallis, editado pela Igreja Evangélica de Bubaque em 1996. "A luz que ilumina no escuro" é a história da igreja evangélica na Guiné. Foi o Nhaga que mo enviou. Está escrito completamente em crioulo.
Exemplo dos esforços que as várias igrejas fazem para se inserirem naquele meio. Um exemplo de texto interessante:
"Igreza fora di Bisau na tempu di gera. Na tempu di gera, tarbaju paradu na manga di kau. Prediu di igreza kemadu na Inkida, Empada, Kancungu, Enseia, Lenden. Bai bias kansadu, ma mesmu asin igreza na kirsi. Na 1962 igreza na Katio kemadu na kampana di purtugis kontra "jintis di matu". Purtugis kemaba tudu kau ku "jintis di matu" pudiba sukundiba nel. Barbosa staba na Bisau; i ka pudi riba pá Katio. Utrora jinti pudiba bai di avion o barku di gera, ma sempri un misionariu ten ku kumpana Barbosa pá gubernu purtugis pudi fiai. Krentis kontinua ku kuitu na se propi kasa, pabia i ka bin sedu pusivel torna lantanda ki kasasinu. Na tudu área ku staba libertadu, krentis ku pajigadu e ka osa junta pá fasi kuitu. Ma krentis ku staba na tropas pudi ciga na kau ku utrus ka pudi visita. Lourenço Correia di Bisoran mandadu pá Katio. La i o j a ki grupu di krentis pajigadu ku medu. Son puku ku sobraseis o talves dozi. Jinti konverti. E misti torna lantanda ki igreza ku kemadu ma i ocadu mas bon pá e kontinua fasi kuitu na se kasas".
Caros amigos, pratiquem o crioulo...
5. "Sol na mansi", de Nelson Medina. Foi o Nhaga que me mandou também este "Amanhecer do sol". Edição de 2002, feita no âmbito do apoio da União Europeia ao Programa de Incentivos e Iniciativas Culturais para a Guiné-Bissau. Impresso em Bissau.
É um livro de poemas em crioulo, exemplo da literatura actual da Guiné-Bissau. Aqui vai um exemplo Vou tentar depois fazer a respectiva tradução para português:
MININUS Dl NHA TERA
Sol na kenta foroba
fuska-fuska na djimpiniba dja
mininus ku bariga pimpinhidu di reia
na miskinha
i mas un dia di formi
ku na dispidi
Kurpu intchadu pabia di kandjan
kurpu di sarna ku pe di djigan
mininus di nha tera
tristis pabia susegu ka ten
ma ku rostu finkadu na speransa di amanha
Mininus di nha tera
tene speransa forti
flur di amanha
aos sin kantchaklet
Nelson Medina
CRIANÇAS DA MINHA TERRA
O sol aqueceu as alfarrobas
mas a escuridão vai já espreitar
e as crianças com a barriga dorida de areia
vão queixar-se
e de mais um dia de fome
vão despedir-se
O corpo inchado pela lanterna
corpo de sarna com pé de matacanha
crianças da minha terra
tristes porque descanso não têm
mas com o rosto fincado na esperança de amanhã
Crianças da minha terra
esperem com firmeza
flor de amanhã
agora sem seiva
Nelson Medina
(tr. de A. Marques Lopes)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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