sábado, 6 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3574: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria ) (4): Conhecer a realidade de Bula



Luís Faria
ex-Fur Mil Inf MA
CCAÇ 2791
Bula e Teixeira Pinto
1970/72



1. Mensagem de Luís Faria, com data de 2 de Dezembro de 2008:

Carlos e Luís
Um abraço e mais uma vez, PARABÉNS

Em anexo segue mais um capítulo que coloca a CCaç 2791 e a mim num contexto de final de viagem, digamos assim, e no começo de uma fase mais intensa, física e psicologicamente.

Outro abraço
Luis S Faria


2. BULA – Sector 01-A

Feita a recepção pela velhice e depois de uma noite dormida (?) em sobressalto, há que experimentar o duche à nharro, tomar o pequeno-almoço e conhecer os cantos à casa.

Lá estavam os obuses (14?), que nos tinham pregado um susto do caraças, a Capela, a prisão e restantes instalações já vistas. Fora deste perímetro havia a pista, as instalações do Esquadrão de Cavalaria com as suas Panhard e o seu bar espectacular, em nada a ver com o nosso.

Conhecida a realidade do perímetro militar, havia que o fazer na povoação. Na rua principal, relativamente larga, frente à Porta de Armas eram as casas para Oficiais e famílias. Ao longo da rua apareciam as de comes e bebes, comércio, o cinema coberto, mas com paredes a meia altura gradeadas em cimento (uma vez fui a uma sessão e às tantas deixaram de se ver as imagens! As formigas voadoras atraídas pela luz eram tantas que virtualmente taparam o ecrã !!) a loja do fotógrafo lá no largo, de um casal português muito simpático. E que me lembre, pouco mais havia de interesse.

Bula (Vila) era a povoação mais importante do sector e sede de Posto Administrativo.

Fazendo parte do chão Mancanho, a grande maioria da população (pouco colaborante) era no entanto de etnia Balanta que se misturava com a Mancanha e outras, cabo-verdianos, libaneses e alguns portugueses. O comércio era dos três últimos. (Ao que me lembro, ainda não havia por lá chineses!).

Era atravessada no sentido Norte/Sul pela estrada João Landim – Bula - S. Vicente (alcatroada) e no sentido Este/Oeste pela via Có – Bula - Binar. Todo o sector era plano (os únicos montes que havia chamavam-se baga–baga!), rodeado de bolanhas a vegetação, fora os cajueiros, laranjais, palmares e cabaceiras (poilões?) e outras, era por norma rasteira e pouco densa, com excepção nas zonas de Choquemone e P. Matar que era luxuriante, tão densa e intrincada que em muito sitio era quase impenetrável - (Oh Faria ,Faria …os cabrões estão a apanhar-me…!! Corri e deparo-me com o Fur . Almeida imobilizado pelo emaranhado de arbustos…! estávamos a ser emboscados à saída de um acampamento temporário IN, em P.Matar.)

Era um sector de passagem e de permanência (Ponta Matar e Choquemone) do IN que, ao que julgo saber, também se quedava pela povoação onde tinha muitos apoios. Assim e sendo João Landim o acesso principal a/de Bissau naquele sector, um dos trabalhos da nossa tropa era zelar pela segurança no eixo João Landim - Bula - S Vicente, por onde todos os dias transitavam colunas de viaturas civis, acompanhadas por escolta militar.

Para além do patrulhamento e estacionamento de tropas ao longo da estrada Bula – S. Vicente, também havia, como já foi referido neste Blogue pelo António Matos, um extenso campo de milhares de minas e algumas armadilhas ao longo de vários quilómetros que ladeavam pelo sul a estrada, visando condicionar o trânsito IN entre Norte e Sul, e que foi acrescido em mais 1 ou 2 quilómetros. (Todo este imenso campo de minas viria a ser levantado por uma dúzia de Alferes e Furriéis de minas e armadilhas. As minhas mãos levantaram 1032!! perdi anos de vida e felizmente, pela Graça a Deus, também por autodomínio e não facilitar, fiquei no grupo dos 3 ou 4 que não ficaram estropiados! Tantos que ajudei a tirar, meu Deus! Malditas minas!)

Para fazer esta segurança, ficaram estacionadas em Bula, para além do Esquadrão Panhard e Pelotão de Obuses, as Companhias Independentes, CCaç 2789; 2790 (Açorianas) e 2791 (Metropolitana) a que eu pertencia e que formaram o BCaç 2928, comandado por um Tenente Coronel (posteriormente promovido a Coronel) e 2 Majores – que rendeu o BCav 2868. Havia também a milícia nativa disseminada pelas tabancas, que nos prestou uma ou duas vezes apoio.

A vida no quartel foi pacata nos primeiros 3 ou 4 dias: arranjei lavadeira, a Isabel, bonita balanta, mulher do nosso guia Inchalá Guancane que nos levaria a sítios que ainda não conhecíamos (oh Inchalá, ainda falta muito para o objectivo f…? Na me Furié, é já li... - e andávamos mais uma hora!) De princípio houve alturas em que pensei: - cuidado que o f. p. está com eles e andamos aqui às voltas para nos f…! - mas não. O Inchalá foi um Guia em que passei a confiar, competente, seguro e valente. Ao que ouvi, não sobreviveu à Independência. Espero que não seja verdade.

Uns toques de viola, umas bazucas no bar, uma escrita para a família e noiva, uma ou outra incursão à povoação acompanhado de uma Walter que requisitei e da minha faca de mato (comprada na Casa Barral - Porto) minha companheira quase permanente, que ainda hoje tenho e conta algumas estórias/histórias!

E foram assim esses poucos dias iniciais em Bula. A breve trecho ia começar o trabalho!

Um abraço à Tertúlia
Luís S Faria

O meu equipamento base

Bula > Ecrã e palco – Atrás os nossos quartos

Bula > Luís Faria junto à Porta de Armas

Bula > Beleza feminina local
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3508: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (3): Chegada a Bula

4 comentários:

Anónimo disse...

Quem tinha e tem razão sou eu.Bem haja a hora em que te incuti o bichinho de reviveres o passado militar cuja maioria é compartilhado comigo.A tua memória é verdadeiramente prodigiosa e ninguém melhor que tu a sabes contar.O URBANO comentou que a nossa companhia tem o mapa da Guiné gravado na pele.Eu direi que tu tens gravado na cabeça, não só o mapa dos locais que aí percorremos, as bolanhas e os trilhos que perseguimos, como a sua história, a sua vida e a sua nostalgia.
Todos os dias abro o blogue, sempre na esperança que me surpreendas.Mas já não me surpreendes, porque és tu!...

Um abraço

JORGE FONTINHA

Anónimo disse...

Grato pela tua Amizade e obrigado pelo comentário.

Passamos realmente alguns muito bons momentos e bastantes maus momentos,como muitos dos camaradas
que combateram nesse teatro operacional.Mas foi uma grande escola de vivencia e amizade

Um abraço
Luis S faria

Leonel Olhero disse...

Ao Luís Faria:
Naquele campo de minas, numa sexta-feira dia 14 de julho ficou sem uma perna o fur. Santos. Quando o acidente aconteceu estava eu bastante próximo mas em cima de uma Panhard. Antes do estoiro tinha eu aconselhado. " Santos, tem cuidado. Calma por agora". É que o Santos tinha-me dito que sabia que uma P... estava por ali, mas não a encontrava. E fomos a toda a pressa levá-lo à pista de aviação para ser evacuado.

Leonel Olhero (ex-fur. Panhard - Bula)

Leonel Olhero disse...

Aquando do acidente do fur. Santos (algarvio, creio) estava também o alferes A. Matos e o fur. Pereira (outro sapador).
Na quarta-feira seguinte, dia 19 de julho, foi a vez do Pereira ficar estropiado naquele terrífico campo de minas.
Naquele dia eu tinha ido a Bissau e, ao final do dia, quando regressei soube da triste notícia e ainda hoje sinto tristeza pelo Santos e pelo Pereira de quem era amigo e que nunca mais vi e cujos paradeiros desconheço.
Leonel Olhero (ex-fur. Panhard - Bula)