As Mulheres na Guerra
Um olhar feminino sobre a cratera do vulcão
por Beja Santos
A literatura sobre a guerra de África é predominantemente masculina, invoca-se a experiência, dela se desfia a memória, as mulheres eram pára-quedistas, estavam excepcionalmente nos hospitais. No entanto, ficaram-nos alguns relatos de mulheres que acompanharam os seus maridos nas comissões. Duas escritoras, Lídia Jorge (“A costa dos murmúrios”) e Wanda Ramos (“Percursos”) deixaram-nos relatos de grande densidade sobre o que viveram em Moçambique e Angola, respectivamente.
A LDG Alfange no Cumbijã. Foto de que não recordo o Autor, a quem peço desculpas. Com a devida vénia.
Mas na Guiné esteve a mulher de um oficial da Armada (Comandante José Manuel Malhão-Pereira), ao serviço da LDG Alfange, que nos deixou impressões pessoais da sua vida em 1969 e 1970 ("Venturas e Aventuras em África, Bissau, Guiné 1969 – 1970", por Cristina Malhão-Pereira, Civilização Editora, 2007).
Cristina é uma jovem esposa e mãe, tem 23 anos, fala de todas a dificuldades que viveu com muita simpatia, considera que a sua geração estava inicialmente muito mobilizada para a defesa do Ultramar, todas as classes participavam sem um queixume. Chega a Bissau, a grande preocupação era arranjar uma casa, lá se conseguiu, bem como dois jovens ajudantes africanos, isto enquanto o marido se ausentava frequentemente para missões de combate.
A casa alugada estava um nojo, com a ajuda da tropa tudo se arranjou, improvisaram-se móveis, levava-se uma vida pacata, quando havia possibilidade a Cristina acompanhava o marido nas caçadas nos arredores de Bissau. Superaram os problemas de saúde, deram umas escapadelas até aos Bijagós e mais tarde a Teixeira Pinto e a Cacine.
É um relato significativo para descrever Bissau e o estado de espírito da população branca e autóctone: os medos, os tiroteios perto e ao longe, a pancadaria entre soldados, a atmosfera das lojas, os encontros sociais, as longas incertezas e esperas quando a Alfange andava nos rios.
É um relato ligeiro, nostálgico, onde há memórias divertidas e tormentosas. Depois, o casal seguiu para Moçambique, onde permaneceu de 1971 a 1975.
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Notas de vb:
1. O Mário Beja Santos continua a "juntar todas as peças, todos os testemunhos. (...) agora ando a escrever as memórias de uma mulher fascinante, estou a sair do Gabu, em 1958, já houve as eleições do Delgado e do Tomás, em 1961 vai haver tiroteio em São Domingos. Tenho ainda trabalho para largos meses. Mas estarei sempre convosco. Do Mário Beja Santos".
2. Vd. último poste da série Bibliografia de uma Guerra
28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3536: Bibliografia de uma guerra (39): Nó Cego, de C. Vale Ferraz. (Cor Matos Gomes)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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