sábado, 6 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

1. Mensagem de Jorge Cabral (*):

Querido Amigo!

Sem tempo nem oportunidade para voltar à Guiné, veio a Guiné ter comigo. Só numa Turma [, da Universidade Lusófona,] tenho seis guineenses. Elas, papel, manjaca, mandinga, fula e mancanha, ele balanta.

Adoram que eu fale este crioulo de tuga e afianço-lhes que sou meio fula, meio mandinga e que ainda aprecio uma bela bajuda.

A fula, que é mulher grande, pergunta-me malandra se quero casar com a filha.
- Quantas vacas? - Brinco. Conto-lhe estórias...e relato-lhe normas dos ancestrais direitos étnicos.

O roubo entre os balantas, o infanticídio ritual, a estrutura familiar dos Bijagós... Vão depois perguntar às mães e às avós......e ficam admiradas.
- Mas quantos anos viveu o professor na Guiné?
- Poucos, mas muitos - explico-lhes...

Ah! A Guiné! Que pena termos lá estado, durante a Guerra.

Mando estória, esta sim cabraliana.

Abraço Grande

Jorge Cabral


2. Estórias cabralianas (43) > Uma Tragédia: O Super-Periquito e as Vacas Sagradas

por Jorge Cabral


Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:
-Duas vacas, Alfero, duas vacas!

Troco um olhar com o Branquinho, e pensamos os dois exactamente o mesmo:
– Porra, o gajo chora é pelas vacas que pagou pela compra da mulher.

A morta fica mas o Maunde volta... Só amanha se fará o funeral. No regresso e no resto da noite continuará o pranto:
- Duas vacas! Duas vacas!

Precisamente nesse dia apresentara-se o Cabo Freitas, mais um super-periquito, como todos os brancos do Pelotão, vindo directamente da Metrópole.

Aprenderemos depois que o Freitas tem um herói – o tio que esteve na Índia. A propósito ou a despropósito, há-de citá-lo sempre:
- Contou-me o meu tio...

Ao jantar nesse dia, claro que o assunto seria a morte da Cumbá. O Freitas porém antecipou-se na conversa:
- Coitadas das vacas? Já escrevi ao meu tio. Vai gostar de saber que aqui também as vacas são sagradas!

Jorge Cabral

__________

Notas de L.G.:

(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Actualmente, jurista e professor universitário, especialista em direito criminal. Nasceu, trabalha e vive em Lisboa. O seu sonho, modesto, era voltar a ser chefe da tabanca de Fá Mandinga, junto ao Rio Geba... Ainda recentemente me perguntou se não queria comprar uma morança em Finete...

(**) Vd. último poste da série > 26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

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