quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (31): Aquele Minuto (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mais uma estória do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, enviada em mensagem datada de 1 de Dezembro de 2008.


Aquele Minuto!

... Saí de manhã até à Bolanha de Beafada (bolanha dos passarinhos), a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Deixei a bolsa de enfermeiro na 1.ª viatura e seguia atrás dela.

Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim. Deduzindo que eram estilhaços – pensei - desta não escapo [...]


(Do meu diário 31 de Julho de 1969)


Aldeia Formosa 1968 > Cemitério de viaturas destruídas – na primeira da foto foram-se duas vidas. 

Buba 1969 > Uma coluna de Aldeia Formosa para Buba, trilhando já parte da nova estrada em construção, às portas de Buba.

Buba - O depósito de água e uma das casernas adaptada para outras funções.

Buba 2005 > A minha caserna transformada em escola. Ali mesmo junto à porta tinha a minha tarimba.

Buba 2005 > Outra caserna/escola em Buba 

Buba 2005 > A capela católica num Domingo de manhã no momento da celebração da Missa. 

Buba 2005 > A estrada ao lado da pista de aviação, agora transformada em zona de habitação.
 
Buba 2005 > As primeiras casas de Buba, para lá do cimo da pista.

Fotos e legendas: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.

Ainda o sol se escondia para lá da floresta, naquela manhã de 31 de Julho de 1969, já a coluna de mantimentos partia de Buba para Aldeia Formosa. Coube-me a missão de acompanhar o Grupo de Combate que na frente, fazia a picagem do caminho em busca das minas traiçoeiras, muito habituais naquela zona. Chovera bastante nos dias anteriores, pelo que o terreno estava enlameado e cheio de poças de água, para mal dos picadores que viam a sua missão mais complicada e riscos acrescidos a quem ousasse pisar tal terreno.

Era meu hábito sempre que via um soldado branco em cima das primeiras viaturas da coluna, obrigá-lo a descer pelo risco que pesava sobre estas de poderem pisar uma mina não detectada pelos picas. Nesse mesmo dia obriguei o Franklim, o Rádiotelegrafista de serviço, a saltar da primeira, bem contra a vontade dele. Aos africanos, normalmente civis, apenas deixava um aviso, que nunca fora, até então, correspondido.

Enquanto os picas iam à frente, eu seguia atrás da primeira viatura, religiosamente em cima do rodado, não fosse o diabo tecê-las.

Dá-se uma avaria numa das viaturas da retaguarda e a coluna pára por uns minutos. Os picas seguiram em frente, criando um espaço limpo de minas. Logo que houve ordem de marcha, a coluna acelera a marcha obrigando a tropa a apressar o passo.

Para que havia eu de correr se logo ali na primeira viatura – a rebenta minas – carregada de sacos de areia e bebidas, havia lugar para mim !

Se o pensei, de imediato o fiz, sentando-me ao lado do condutor em assentos construídos de sacos de areia. Em cima da viatura seguiam quatro civis africanos, bem lá no alto.

Umas centenas de metros à frente, já bem dentro da tristemente célebre bolanha dos passarinhos, dei comigo a interrogar-me: - Tu que não deixas os teus camaradas viajarem nas viaturas da frente, vais instalado logo na rebenta minas ao lado do condutor . Este pensamento empurrou-me para o chão e lá continuei eu a correr à frente da viatura. Não andei cinquenta metros, quando ouço um grande estrondo, mesmo ali, e sinto-me voar em direcção à mata. Uma chuva de projécteis não identificados caem em cima das minhas costas, com alguma violência. Angustiado pensei : - Desta não escapo, ficando a aguardar sinais de dor que teimavam em não chegar. Passei então a mão à procura de sangue quente, mas apenas encontrei pequenas pedras e lama.

Já respirava de alívio, nesta fracção de minuto, quando vejo cair à minha frente, um, dois, três africanos, os que vinham lá em cima da viatura e foram projectados pelo ar. Um deles, ao levantar-se, trazia o olho esquerdo pendurado. O sopro tinha-lho arrancado da órbita ocular. Estava estranhamente confuso. Pudera! Um olho a ver-lhe os pés, o outro a olhar em frente !

Só então verifiquei que a viatura de onde tinha saltado, pisara uma mina AC nada restando do assento onde estivera por momentos sentado.

Não me é fácil, passados mais de trinta e nove anos transcrever o que senti naqueles momentos. Sei apenas que as pernas tremiam como juncos verdes batidos pelo vento e recusavam-se aceitar o peso do meu corpo, quanto mais andar. O coração parece que queria rebentar com o peito. Mas... havia um ferido e eu era o enfermeiro mais próximo. A bolsa de enfermagem estava na viatura sinistrada e podia haver, havia mesmo, mais minas .

Recordo-me que vi chegar um africano meu ajudante, saquei-lhe a bolsa, lavei muito bem a órbita do olho sinistrado, que não tinha sinais de estar ferido, apenas saltara da órbita pelo sopro de ar provocado pela explosão, coloquei-o com jeitinho no sítio, protegi-o com uma compressa e ala para Buba, rumo a Bissau. Tive a alegria de cerca de meio ano depois encontrar o africano ferido, em Bissau, feliz da vida sem problemas de visão.

No local do acidente a saga continuou. Primeiro foi o Franklim que se protegera atrás de um atrelado. O condutor da viatura saltou ao ouvir o estrondo lá na frente, deixando a viatura destravada. Esta recuou um pouco e o atrelado passou por cima da perna do Frank. Valeu-lhe o lamaçal em que estava deitado. A perna enterrou-se na lama e não sofreu nem uma pisadura.

A viatura sinistrada, carregada de bebidas foi um convite ao fartar vilanagem da tropilha. Cada um safou-se como pode. Eu só saquei duas garrafas do Verde da minha terra. Em poucos minutos ficou vazia. Seguiu-se a retirada da viatura do caminho para a coluna seguir caminho.

Mesmo ali no meio da confusão estava uma mina AP, comodamente escondida que se deixou pisar por toda aquela gente e por mim, possivelmente. Rebentou debaixo de um pneu do atrelado da segunda viatura, (o tal que tentara esmagar a perna do Frank), quando a coluna se pôs de novo em marcha.

Dois dias depois, numa coluna a Nhala, foi localizada mais uma mina no local.

Também na guerra, houve momentos de sorte.
Deixo-vos com o primeiro parágrafo do meu diário desse dia:

Vi a morte à minha frente. Deus pela sua infinita bondade, não permitiu que fosse ainda a minha vez de deixar o mundo.

Zé Teixeira
_____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3093: Estórias do Zé Teixeira (30): Uma Vida que Deixei Fugir (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Vd. último poste de José Teixeira de 22 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3342: O meu baptismo de fogo (15): Estrada de Buba-Aldeia Formosa, 22 de Julho de 1968 (José Teixeira)

3 comentários:

Hugo disse...


Só tu e poucos amigos me fazem saltar da apatia que cada vez mais toma conta de mim.
Depois de contar como foi o meu encontro com a mina que me lixou em São Domingos, e lendo agora o teu desabafo e crença em Deus por achares que ainda não era aquela a tua hora, o que muito respeito , vou contar um episódio que protagonizei, em Gandembel e ao qual surrealisticamente tenho catalogado na minha cabeça com o seguinte titulo:"O Perdigueiro".
Num domingo de Dezembro de 1968 os Páras e os Homens da CCaç. 2317 envolveram-se num renhido jogo de futebol, dentro do arame, logo pela manhã.
A coisa estava tão animada que os sentinelas não se aperceberam da instalação dum guerrilheiro numa árvore da orla da mata e que com toda a calma deste mundo ia desfazendo o meu Pelotão com uma bazookada.A sorte deles foi estarem semi-abrigados junto à lenha e só apanharam com os estilhaços. Mesmo assim os estragos foram grandes.
A flagelação revelou-se ineficaz e ficamos com mais um problema; porque não funcionaram as nossas minas que deviam estar colocadas nos trilhos à volta do aquartelamento?
Vá de ir ver.
Com a raiva que estava, porque fiquei com menos alguns homens, dei por mim no dia seguinte enfiado naquele capim, com o dobro da minha altura,à caça das nossas armadilhas.
O Furriel destacado para as localizar, tinha um cróquis muito rústico e nem tenho a certeza que ele as tivesse colocado.
Bicha de pirilau. Á frente o Furriel seguido de um soldado paraquedista e logo a seguir eu.
O passeio era à volta do aqurtelmento mas tendo as granadas e minas sido instaladas na época seca eram agora um problema porque toda a paisagem estava alterada.
A primeira granada com arame de trpoçar estava no síto e lá ficou.
De repente vejo o Pára estancar, como fazem os bons perdigueiros a fitar as perdizes e algo me disse que estava lixado..
Imaginem um homem com uma MG nas mãos, e com um pé assente no chão e outro meio no ar com um arame de tropeçar entalado nos atacadores.
Os segundos seguintes foram de loucura. O Furriel já tinha passado e tambem ficou estarrecido quando viu aquilo.
O "perdigueiro" tinha consciência do que estava a passar e depois de eu ter mandado todo pessoal proteger-se e recuar, olhámoss uns para os outros e ainda estávamos vivos.
Os três em conjunto combinámos o que fazer e decidimos salvar as nossas vidas.Mortos já nós estávamos....
O "Perdigueiro" não podia mexer-se nem que chovessem picaretas, enquanto o Furriel e eu , deitados no chão agarrávamos o arame ao mesmo tempo e faziamos força para fora de modo a aliviar a tensão do mesmo e evitar que a granada rebentasse.
Em minutos, ou segundos,sei lá, isso estava feito e o nosso valente Pára consegiu tirar o arame dos atacadores.
Como havia necessidade de cortar o arame no meio das nosas mãos pra tentar evitar o descavilhar duma granada que não sabíamos de que lado estava, foi o soldado paraquedista que o fez, só depois se deitando no chão a dar graças a Quem o salvara daquela embrulhada.
A granada foi depois localizada e neutralizada, só não tendo rebentado porque as chuvas a tinham enferrujado.
Dei por terminada a operação e desliguei mais uma vez o interruptor...
A minha hora havia de chegar mais tarde.

Hugo Guerra

Anónimo disse...

Hugo.
Este episódio da tua vida em plena mata do Cantanhez,impressionou-me imenso. Ouve de facto momentos nas nossas vidas na puta da guerra, que só quem os viveu consegue senti-los. Ainda hoje me arrepio ao lembrar-me daquele momento terrível. É como dizes: "mortos já nós estávamos !" O estrondo terrível, a projecção para a mata impelido pelo sopro.Aquela sensação de se estar à espera da dor, que não aparecia, do sangue que não corria . . . passar a mão e retirá-la suja de lama e mais nada...
Mas o que me impressionou mais e fiquei preocupado foi saber do teu estado de saúde, sem nada se poder fazer.
Fica a solidariedade num fraterno abraço.
Quando for a Lisboa vou procurar-te para aquele abraço

Anónimo disse...

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