segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9107: Notas de leitura (306): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,
A CCAÇ 675 parecia ter uma missão impossível quando chegou a Binta, em finais de Junho de 1974.
JERO descreve parcimoniosamente uma localidade cercada, itinerários intransitáveis, vinha render uma força que não abandonava o arame farpado. O “capitão do quadrado” procede a patrulhamentos de reconhecimento que se transformaram em ofensivos, a partir de Julho dá-se uma progressiva retirada de populações afectas aos PAIGC, não há resistência a estes golpes de mão e uma presença contínua em todo o espaço da área de intervenção.
JERO é o porta-voz dessa saga colectiva, desse espírito de corpo feito do exemplo do seu comandante. Fica sem resposta a pergunta: como é que um livro desta natureza, com um relato de autêntica epopeia, esteve ignorado até agora? Cabe aos protagonistas responder.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico, o diário da CCAÇ 675, o diário de JERO (3)

Beja Santos

Estamos em Outubro de 1964. A actividade da CACAÇ 675 mantém-se imparável, sucedem-se os patrulhamentos, as batidas, requisitam a sua colaboração em operações fora da zona. As abatizes não param de aparecer nos principais itinerários Volta-se à bolanha de Santancoto, encontra-se de novo população a trabalhar na bolanha, faz-se uma prisioneira que irá ser libertada em Banhima, com propósitos de influenciar quem anda fugido. JERO continua a apontar tudo: “Em 6, apareceu no rio, em frente do aquartelamento, o cadáver de um fuzileiro que tinha caído à água por acidente, durante a noite do dia anterior, quando estava de sentinela num barco de géneros junto ao cais de Binta. O lamentável acontecimento impressionou todos, até porque talvez fosse possível tentar o salvamento do inditoso fuzileiro se os seus camaradas se têm apressado a comunicar o facto no aquartelamento”. No dia seguinte um grupo de combate volta a Canicó e descobre novas casas de mato, foram destruídas 75. A 12, teve lugar a operação mais importante deste período, fez-se uma batida à região de Mansália e Mansacunda. Foram feitas duas prisioneiras, depois a patrulha penetrou na tabanca de Mansacunda, que foi incendiada. O inimigo mantém-se muito activo, chegam a deixar mensagens intimidatórias como uma que foi encontrada na bolanha de Cufeu, quando se procedia a um reabastecimento de Guidage. O cronista resume a situação: “O moral das nossas tropas continua notável, registando-se uma acentuada melhoria física, de que é prova evidente os jogos de futebol quase diários e a fase adiantada dos trabalhos de melhoria do estacionamento e da construção da nossa pista de aterragem”.

Nesse fim de mês e até 6 de Novembro, um dos pelotões da CCAÇ 675 parte para o Oio, trata-se de uma operação que mobiliza outros contingentes, vão procurar limpar a estrada Farim-Mansabá, onde há muitos meses não actuava a nossa tropa. JERO escreve: “No dia de Todos os Santos, em pleno mato, tivemos missa celebrada pelo capelão do batalhão. Frente a um altar, armado em cima de um caixote de medicamentos, e de uma caixa de munições, ajoelham homens de camuflados rotos, sujos de lama, com barbas de três dias”. As operações prosseguem, segue-se um golpe de mão a Dabicunda no Oio, que teve lugar no dia 22 de Novembro. Não se encontrou resistência, incendiaram-se as moranças. Binta, entretanto, conhece melhoramentos depois durante todo o mês se fizeram bem-feitorias: refeitório para os soldados, arrecadação de géneros e paiol, concluiu-se a pista de aterragem. Humor não falta, há imaginação na toponímia nos arruamentos principais que sofreram beneficiações. A artéria principal, da caserna dos soldados até à casa que serve de messe de sargentos, tomou o nome de Avenida Capitão de Binta; junto ao porto surgiu a Avenida Marginal; transversal à artéria principal surgiu a Avenida 4 de Julho – Lenquetó; junto ao posto de socorros surgiu a tabuleta Largo Tomada da Pastilha…

Chegámos a Dezembro e no dia 8, dia da mãe, JERO escreve: “Tudo o que sou, melhor que tenho em honestidade, em carácter, em integridade, em pureza, devo-a à minha querida Mãe. Por si tenho uma verdadeira adoração. Pela vida fora, o seu exemplo, a sua maneira de ser, nortearão o meu procedimento no meu lar, se Deus permitir que eu o chegue a formar, e procurarei ser tão bom pai como me acostumei, desde menino, a ver no meu lar os meus. Num dia como este, em que todas as mães sentem à sua volta todo o carinho dos filhos, cá de longe, rendo-lhe o preito da minha estima, da minha admiração.” Mas combateu-se a sério neste mês de Dezembro, que teve uma jornada fatídica, findava o ano. A CCAÇ 675 fez uma batida a Sanjalo, houve contacto com o inimigo que emboscou e provocou alguns feridos. Durante um patrulhamento junto à mata de Confandinto, capturaram uma manada de 250 vacas, o inimigo não gostou e voltou a atacar com granadas, espingardas e “longas”, a manada dispersou-se e assim acabou o sonho de ter uma “ganadaria” em Binta. Procedendo a um balanço dos seis meses em Binta, JERO fala em 51 o número de acções de fogo, as forças do PAIGC vão retirando da zona, atacam cada vez mais à distância, começam agora a colocar engenhos explosivos nos itinerários.

Imagem parcial do mapa correspondente à área de intervenção da CCAÇ 675, que permaneceu em Binta entre 1964 e 1966, vem incluído no diário de JERO, primeiro volume, tem a escala de 1/100 000 (+ ou -)

A população muda de atitude, quando a CCAÇ 675 chegou a Binta não havia praticamente ninguém, ou estavam refugiados no Senegal ou na órbita do PAIGC, vivendo em casas de mato. Agora, havia a registar 70 pessoas que se acolhiam à protecção da tropa. Depois de um Natal inesquecível, num tempo em que a companhia já estava dotada de biblioteca, funcionavam em pleno as aulas regimentais isso construía a capela, num patrulhamento à região de Buborim, em 28, no regresso uma mina rebentou debaixo de um Unimog que se transformou num autêntico braseiro, morreu o furriel Mesquita. JERO escreve: “As palavras não poderão dar uma ideia pálida dos momentos que se viveram no dia 28. Ele ficará assinalado como um dia trágico que não se esquecerá jamais”.

No início de Janeiro de 1965, partem para Sambuiá, é uma grande operação conjunta, irá participar com a CCAÇ 487 e o pelotão de morteiros 980, competindo-lhes destruir os objectivos principais (Sambuiá, Sambuiadim, Malibon. Fica registado no diário: “Sambuiá, com todas as suas centenas de moranças e com os seus mitos de inexpugnabilidade, arde violentamente, subindo para o céu, altíssimas chamas alaranjadas que dão tonalidades fantasmagóricas às faces dos homens da 675 (…) Soube-se no dia seguinte da tragédia acontecida ao Pelotão de Morteiros 980 que, antes do local do desembarque, sofreu um acidente de consequência gravíssimas, por se ter virado o bote de borracha em que seguia rebocados pela vedeta de guerra. Caíram à água todos os ocupantes do bote, em número a duas dezenas, morrendo afogados 8 homens que não conseguiram livrar-se do material que lhes dificultou os movimentos”.

Estamos já em Fevereiro, a grande ofensiva sobre Sambuiá mudou o estado de espírito das populações refugiadas no Senegal, querem voltar. Começam a estabelecer-se contactos. As forças do PAIGC resolvem reagir e ataque Guidage furiosamente. No dia 21, pelas 21 horas, Binta é atacada a morteiro da outra margem do Oio, mas a grande distância. A CCAÇ 675 monta emboscadas, todas elas sem contacto.

Patrulha-se a região do rio Buborim, encontra-se a tabanca abandonada, foi novamente destruída. Um grupo inimigo tentou pôr-se em fuga, teve 11 baixas. JERO anota: “O pessoal tem sido submetido a uma vida duríssima, a que tem correspondido generosamente, estando no entanto já nos últimos tempos a acusar o esforço despendido, manifestando um certo cansaço. Com a cedência de um grupo de combate à guarnição de Guidage, ficaram apenas dois grupos de combate em Binta, o que devido à defesa nocturna do estacionamento que é muito fatigante, diminui acentuadamente o nível operacional da companhia”. JERO volta a fazer uma resenha sobre a actuação do inimigo, refere as melhorias na pista de aterragem, considera que continua elevado o moral das tropas, estão todos perfeitamente ambientados à vida dura: “No estacionamento todas as horas estão preenchidas, com horas para trabalhar, sem tempo para fazer asneiras ou até pensamentos derrotistas”.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9094: Notas de leitura (305): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

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