O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)
Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku.
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.
Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan
No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar, de forma exaustiva, os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa.
Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu.
Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.
Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.
Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”, que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.
Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua.
É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.
Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.
Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:
“Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias.
"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”
Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses.
Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.
Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”, oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .
É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.
Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.
Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".
Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller», disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]
Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011
"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4 comentários:
Hei, Luís, que grande poste sobre o meu poeta Han Shan. Depois da Guiné, logo três anos depois, em 1977, a China, o Japão, os lugares onde um velho combatente foi parar...Eu não mereço tanta referência, mas o poeta chinês, universal, adorado no Japão, talvez mereça. Obrigado Luís.
António Graça de Abreu
António, a lusofonia faz parte do ADN do blogue. Quanto ao resto, o mérito do poste é todo teu. Luís
Sem dúvida um trabalho de grande mérito. Gostei de ler e ver as fotos.
Hélder Sousa
No México, a morte é motivo de festa: altares coloridos, panteões iluminados, ruas cobertas de laranja com a flor de calêndula, comida, bebida, música, caveiras e catrinas — uma representação do esqueleto de uma dama —, tudo isso para homenagear a memória daqueles que não estão mais lá. (in NET).
É Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Unesco.
Valdemar Queiroz
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