José Gomes Ferreira (Porto, 1900 - Lisboa, 1985)
1. Foram-nos enviados dois poemas do José Gomes Ferreira, pelo Mário Gaspar, muito antes da pandemia ... Já transcrevemos o teor da mensagem (*) em que o nosso camarada, ex-fur mil, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), fala da sua intância e do meio operário em que foi criado, em Alhandra, e em que tomou o gosto pela leitura de grandes escritores, neorrealistas, como o Soeiro Pereira Gomes e o Alves Redol...
(...) Data: 29 de janeiro de 2017 às 04:16
Assunto: Dois Poemas de José Gomes Ferreira
(...) Que tal a figura de Soeiro Pereira Gomes, o "Gineto" ? Esse rapaz, de Alhandra e que nasceu numa bateira no rio que amo – o meu Tejo – "meninos que nunca foram meninos" e tinham de suportar o calor do tijolo e telha queimada sobre as costas. Os telhais existiram mesmo.
(...) Mas dá gosto termos estes poemas. Portugal é pobre, mas rico na literatura. Grandes senhores e esquecidos. Cada dia mais um. José Gomes Ferreira foi outro que conheci. (...)
Aqui vão para a nossa série "Poemateca" (**). O Mário não cita a fonte. Procurámos colmatar essa lacuna. E ficámos a saber que o poeta nasceu em Santo Ildefonso, Porto. De qualquer modo, nesta série , os poetas e os poemas selecionados são sempre uma escolha pessoal e livre dos nossos camaradas. O Mário manda-nos regularmente poesia, e mandou-nos muita, durante a pandemia de covid-19. Não mo agradeco. Faço-o agora.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
(...) Data: 29 de janeiro de 2017 às 04:16
Assunto: Dois Poemas de José Gomes Ferreira
(...) Que tal a figura de Soeiro Pereira Gomes, o "Gineto" ? Esse rapaz, de Alhandra e que nasceu numa bateira no rio que amo – o meu Tejo – "meninos que nunca foram meninos" e tinham de suportar o calor do tijolo e telha queimada sobre as costas. Os telhais existiram mesmo.
Estive lá. Pois o "Gineto", do livro "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes, tornou-se no maior atleta da época, o nadador que venceu as ondas do Canal da Mancha, Joaquim Baptista Pereira foi meu amigo. Ainda é um grande Amigo.(...)
(...) Tanto que aprendi... Conheci um senhor da nossa literatura, Alves Redol. Reunia com ele (...).
(...) Mas dá gosto termos estes poemas. Portugal é pobre, mas rico na literatura. Grandes senhores e esquecidos. Cada dia mais um. José Gomes Ferreira foi outro que conheci. (...)
Aqui vão para a nossa série "Poemateca" (**). O Mário não cita a fonte. Procurámos colmatar essa lacuna. E ficámos a saber que o poeta nasceu em Santo Ildefonso, Porto. De qualquer modo, nesta série , os poetas e os poemas selecionados são sempre uma escolha pessoal e livre dos nossos camaradas. O Mário manda-nos regularmente poesia, e mandou-nos muita, durante a pandemia de covid-19. Não mo agradeco. Faço-o agora.
Viver Sempre Também Cansa!
por José Gomes Ferreira
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
In: José Gomes Ferreira - "Viver Sempre também Cansa" (publicado originalmente na "Presença, folha de arte e crítica", ,julho-outubro,1931)
Devia morrer-se de outra maneira.
In: José Gomes Ferreira, "Poeta Militante I, II e III" (1978)
___________
Notas do editor:
(**) Último poste da série > 21 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26410: A Nossa Poemateca (7): Adília Lopes (1960-2024): "Os amores / que não tive / (e foram muitos) /moeram-me / o juizo"...
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
Devia Morrer-se de Outra Maneira
por José Gomes Ferreira
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados,
fartos do mesmo sol, a fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se
em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
primeiro, os olhos... em seguida, os lábios...
depois os cabelos... a carne, em vez de apodrecer,
começaria a transfigurar-se em fumo...
tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além vêem?
Nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis…
In: José Gomes Ferreira, "Poeta Militante I, II e III" (1978)
(Revisão / fixação de texto, notas: LG)
Notas do editor:
(*) Vd, poste de 14 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26387: História de vida (53): Mário Gaspar ex-fur mil art, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado... mas começou por ser um "rapaz de Alhandra"
2 comentários:
... "Meu amor do Norte": o poeta foi casado com uma norueguesa, pormenor biográfico que eu também desconhecia.
Luís, sabes como se chama a rua do Porto onde José Gomes Ferreira nasceu? Não pode haver nome de rua mais apropriado para o nascimento de um poeta: Rua das Musas! É uma rua secundaríssima, transversal às ruas do Bonjardim e de Camões, perto do centro do Porto, com características eminentemente operárias na sua parte mais oriental, que é muito íngreme.
Quando li o primeiro livro de José Gomes Ferreira, ainda eu estava a entrar na adolescência e a abandonar as histórias de cowboys aos quadradinhos do Mundo de Aventuras e do Condor Popular. O livro chamava-se O Mundo dos Outros, era um livro de prosa e não de poesia, e impressinou-me imenso pelas vidas aparentemente reais que ele retratou nesse livro, com os seus pequenos e grandes dramas do quotidiano. Contribuiu muitíssimo para a minha formação como adulto.
José Gomes Ferreira casou-se com uma norueguesa, e ele deve tê-la conhecido quando foi cônsul de Portugal numa cidade da Noruega, no tempo da Primeira República. Para haver um cônsul de Portugal, tinha que haver portugueses por lá. A explicação é muito simples e chama-se bacalhau. A frota bacalhoeira portuguesa que pescava na águas da Noruega devia vir a terra de vez em quando, para se reabastecer e para se abrigar dos temporais, quando eles aconteciam. Uma vez em terra e após vários meses sem verem uma mulher, os pescadores portugueses envolviam-se com as loiras norueguesas... Este é um facto pouco conhecido, mas há muito sangue português a circular nas veias de noruegueses, sobretudo nos do sudoeste do país.
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