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sábado, 5 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9001: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (15): As “Piscinas” dos Furriéis da 816



1. O nosso Camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato e Mansoa - 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem desta sua série.


Camaradas,

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Dos tais salpicos das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”:

As “Piscinas” dos Furriéis da 816 

Pessoalmente só conheci, na Guiné, a piscina de Nhacra, ou antes, um tanque alargado aí com 12-15 metros de comprimento por 8-9 m. de largura, mas não tomei banho nela. Vi-os a tomar, para raiva minha. Que melhor naquela canícula do que ter uma piscina ali perto, mesmo daquela água, que até parecia boa (pelo menos de temperatura).

Estava de passagem. Foi breve ali. Na minha estadia na Guiné o percurso não passava por ali.

Uma vista geral do aquartelamento em Nhacra
 A piscina de Nhacra

(Fotos reproduzidas, com a devida vénia, do site “olossatoguinebissau.blogspot.com”)

No entanto, diga-se de passagem, também passei bons bocados em Bissau, note-se. Mas tinha o trabalho de desenfiar em dois internamentos no HM241. De resto, passagem para tomar lugar no Super-Constellation da TAP rumo à metrópole para férias e, aí, ver no avião bajuda branca.

No aeroporto de Bissalanca parecia que já cheirava a Lisboa.

E por falar em avião da TAP seguem-se, e a propósito, duas fotos reproduzidas, com a devida vénia, de www.enciclopedia.com.pt artigos: TAP Portugal:
                     
Este é o quadrimotor “Super Constellation” da TAP que nos trazia de férias para a metrópole.


A TAP oferecia uma bolsa aos passageiros. Não era propriamente uma Louis Vuitton. Era de plástico, mas, naquele tempo, andar de avião era um luxo, assim, a bolsa era exibida com muito garbo.

Mas as piscinas que quero falar são outras, ora vejamos:

Quer em Bissorã quer no Olossato as horas de tédio eram muitas, pois a operacionalidade era feita praticamente de noite. As saídas para “golpe-de-mão” eram feitas com 2 a 3 dias de intervalo. Havia, por o meio, patrulhas, emboscadas, as “operações-vaca”, recolha de populações (a tal psico) e melhorias do quartel, mas ainda restava muito tempo, as tardes principalmente.

Que fazer?... E o disco do Roberto Carlos “Quero que tudo o mais vá pr’ó inferno” sempre a tocar, até desfazer-se.

Então jogava-se à bola, de preferência se estivesse a chover (no tempo dela, claro). Em Bissorã apanhamos o tempo das chuvas e no campo do clube local, quando chovia, o terreno ficava logo numa lama barrenta e viscosa e então era quem mais deslizava para gáudio da tribo. Quando se escorregava não se sabia aonde se ia “estacionar” depois de percorrer alguns metros em posição pouco ortodoxa.

Ou jogava-se às cartas, com burburinho por o meio, de vez em quando - o que até fazia parte - mas era mais para sacudir o marasmo, ou então dormitava-se nas cadeiras de baloiço à porta da messe. Não, não tínhamos cadeiras de baloiço no sentido esmerado, mas cadeiras feitas com as ripas dos pipos de vinho. Como aquelas eram arqueadas, o habilidoso que as fez pôs dois arcos a servir de base e daí o baloiçar. Boa obra que já fomos encontrá-la no Olossato e que deixamos, este rico espólio, aos camaradas vindouros.


Uma cadeira baloiçante. Como se pode ver 2 ripas arqueadas na base (uma de cada lado) permitiam o baloiço.

Então as vezes, para sacudir aquela seca, alguém se lembrava de dizer: “Vamos fazer uma piscina?” (não me lembro quem foi o batizador de “piscina”).

O da ideia estava nas últimas sílabas e já se via um a correr à cozinha (?), que ficava atrás da messe, buscar o alguidar de inox no qual o Dunga (cozinheiro nativo dos sargentos) se servia para cozinhar o tacho da malta. Ponho um ponto de interrogação em cozinha, pois também era um grande viveiro de baratas. Não se viam, até que alguém se lembrou de mudar uns balcões. Meu Deus, eram… eram… aos milhares, embora fossem baratas.

Uma vez o alguidar aí com 45 cm. de diâmetro sobre uma das mesas da messe, havia um habilidoso a fazer a “piscina”.

Primeiro o excipiente: o vinho tinto da tropa (não sei se canforado ou não. Se sim, não parecia fazer efeito).

Depois toda a espécie de mistura espirituosa. Peppermint, Whiskey, Brandy, Rum, Oporto wine e tudo que andasse por ali. Graças a Deus de bebidas fortes estávamos bem servidos. Tínhamos um bom frigorífico também. Quando algum vinha de férias trazia sempre novidades em líquido espirituoso. Mas em Bissau em bebidas fortes havia do melhor também, a seguir …à cerveja, que com as ostras era a combinação perfeita.

Feita a mistura, com muito gelo por o meio, haja alguém para começar. Uma mão em cada asa e alguma força muscular para os primeiros (alguidar quase cheio) e pronto, dava a roda, uma, duas, três vezes... . Alguns mais demorados do que outros, mas, ninguém reclamava, só perto disso.

Bom até aqui tudo trivial. Beber em conjunto, mesmo de alguidar, ou mais na intimidade o seu copito, melhor ou pior, fazia parte de qualquer militar e de qualquer Companhia e em qualquer lugar da Guiné.

Então para quê vir contar isto para aqui?

Pois, o caricato, ou melhor a razão do conto que saltou para as minhas memórias, é já a seguir:

Quase todos os Furriéis usavam bigode; alguns mais ou menos aparados outros à existencialista, isto é, o bigode crescia crescia…, ali na Guiné tudo crescia depressa!

Quando chegava a um bigodeiro, este, ao beber, mergulhava também o bigode (lembro que um bigode fica logo acima da boca - e em certos casos a tapar esta -) no precioso líquido e até parecia estar a marinar (termo culinário); então quando tocava aos farfalhudos o bigode entrava aí uns bons 2 centímetros no líquido. E ali ficava até passar a outro.

Foi essa dos bigodes (alguns com matizes amareladas, não sei se do tabaco) dentro do cocktail que me ficou na retina e então há que registar.

Alguém morreu?

Alguém apareceu com moléstias?

Não! Afinal só o bigode é que ficava com aquela “água de colónia” por uns tempos para passar a língua mais tarde e de vez em quando.

Acresce dizer que no nosso Convívio de 2010 em Esposende alguém se lembrou de fazer uma “piscina”. Passados quarenta e cinco anos (quase meio século!) a piscina voltou aos Furriéis da 816. Ele há cada coisa! Bom, bigodes daqueles já não havia e porque aos sessenta e muitos tal já não se resiste assim a tudo, como por exemplo o porco (?) do mato em Uaque (“apanhado” - para não dizer roubado - algures no mato) que nem quarenta por cento estava queimado e foi todo (ai os 20 anos!).

Então em Esposende só se molhou o bico. Tudo biqueiro, ou melhor, pouco bebedeiro. Coisas do tempo… que já não volta, embora o António Mourão assim o pedisse, já quando lá andávamos. Lembro-me bem da maquineta de discos na esplanada do Café Portugal em Bissau.

Ah!, e a Ada de Castro com o “Adeus”.


Uma vista parcial da messe dos sargentos no Olossato. Como podem ver, tínhamos já ecoponto e até vasos com plantas exóticas. Também encostada à parede ao fundo vê-se uma cadeira baloiçante. Eu estou a acender um cigarro. Provavelmente um Craven A


O Craven A era um cigarro muito apreciado pela malta. Como Craven “vem” de crava, haviam histórias hilariantes à mistura.

Há mais pr’a ver neste “Memórias…”

Rui Silva
Fur Mil da CCAÇ 816
____________
Nota de MR:

Vd. último poste desta série em:

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8797: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (14): Quando do PCA veio a ordem para atacar a base de Morés...

  

Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como >  Op Tridente > Jan/Mar 1964 >  Foto publicada na 2ª edição de Tarrafo (Braga, Pax Editora, 1970), em anexo, com a seguinte legenda: "20. Quando o cansaço é demasiado,o corpo sucumbe". [A foto pode não ter sido tirada na Ilha do Como, só o autor poderia esclarecer, mas para o caso não é relevante]



Foto: © Armor Pires Mota (1970-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.












1. Continuação da publicação de Tarrafo:  crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., ed. de autor, Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 79-82. (*)... Este é último episódio relativo à Op Tridente, cuja duração de 72 dias (de 15 de janeiro a 24 de março de 1964).  Esta edição foi retirada do mercado, na época, e está esgotada. Na 2ª edição, "autorizada", o autor reformulou este episódio, que aparece sem data, com o título "O tambor de pele de boi" (pp. 135-137).

Com a amável autorização do autor, o nosso camarada  Armor Pires Mota, natural da região da Bairrada (Oliveira do Bairro), ex-Alf Mil, CCAV 489  (1963/65),  começámos, a partir de 14 de Outubro passado, a reproduzir, no nosso blogue, nesta série Antologia, as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente,  recorrendo para o efeito a um exemplar, fotocopiado, da primeira edição do livro (pp. 47 a 85), onde ainda eram (e são)  visíveis as marcas do lápis azul da censura.  


2. Paralelamente, e tanto quanto possível cronologicamente,  temos vindo a acompanhar o relato dos acontecimentos, na versão de outro combatente do Como, o nosso amigo e camarada Mário Dias, hoje sargento comando reformado, membro da nossa Tabanca Grande.  Em relação aos restantes dias que se seguiram depois de  1 de Março de 1964 até ao final da operação (que terminou a 24), selecionámos o seguinte excerto (retirado da I Série do nosso blogue):


(…) 9. As vacas e o arroz 

Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de Março, uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT. 

Cercada a tabanca de Catundo Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a Biaque Dehethé, sendo remetente Mussa Sambu, de Conakry. 

Terminamos este dia com a acção que mais me custou durante toda a permanência no Como. Têm que ser abatidas cerca de uma centena de vacas que por ali andavam na bolanha bucolicamente pastando. Não havia forma de podermos transportá-las connosco. Começado o tiro ao alvo, iam caindo sem remédio. Pobres bichos. E que desperdício. Enquanto fazia pontaria ia ironicamente pensando naquela carne que por ali ia ficar para os jagudis enquanto nós tínhamos andado 23 dias a ração de combate.
- Que desperdício!... - E pensava:
- Olha aquele lombo como ficava bom num espeto a rodar, bem temperado com sal, limão e malagueta!...(pum) e aquela, que belo fígado deve ter para uma saborosas iscas !...pum… e pum… e mais pum até chorar de raiva.

Coisas da guerra … sempre impiedosa. 

Concluída a mortandade, ainda alguns esquartejaram pernas e extraíram lombos para uma refeição extra. Deve ter sido fruto desta acção, a oferta pelos fuzileiros de carne de vaca à CCAV 489 a que se refere o Joaquim Ganhão na sua ”Cónica do soldado 328”.

10. Últimas operações


Às 03H30 do dia 16 de Março, chegados a Curcô, aguardamos a aurora pondo-nos a caminho com a CCAV 489 (-). A missão era bater a mata até Cassaca e daí virar a Sul até Cauane, eliminando ou aprisionando qualquer elemento IN e detectar e destruir tudo quanto possa oferecer abrigo ou recursos para o IN. Resistência ?...mais uma vez, nada. 

Foi encontrado um acampamento com 15 casas de mato. Uma delas bem grande que nos pareceu ser destinada a reuniões onde estava um molho de panfletos de acção psicológica das NT, recentemente lançados na ilha pelos nossos aviões. Numa outra barraca, um caderno de cópias de Inácio Batalé, datado de 12 de Novembro de 1963. Nas imediações foram descobertos e destruídos 3 depósitos de arroz, estimando-se serem cerca de 15 toneladas. 

Progredindo para Sul, dentro da mata da região de Cauane, e a cerca de 600 metros da tabanca, detectou-se um grupo de 7 elementos armados de espingarda e de pistola-metralhadora. Fogo…pum. Dois tiros chegaram e caiu um. Mais dois tiros e caiu outro armado de PPSH e de farda camuflada. Mais um tiro e outro ferido que fugiu aos gritos.

Os sobrantes puseram-se em fuga. O inimigo não parecia o mesmo das primeiras semanas da batalha do Como. Estava de facto enfraquecido e fugia ao contacto.

Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, Ten Cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23H30 do dia 20 de Março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.

Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02H30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas.


Siga a tropa. Para a frente é que é o caminho. Já próximo da orla da mata de Cachil, ao “romper da bela aurora”, detectados 3 elementos IN um armado de PPSH e os outros dois de espingarda. Meia dúzia de tiros foram suficientes para fugirem. Um deles, ferido, deixou para trás a espingarda Mauser 7,9 mm e 5 cartuchos da mesma. Tinha sangue na coronha. Mais tarde, outro grupo de 5 elementos, avistados um pouco à distância, foram alvejados e fugiram sem responder ao nosso fogo. Levaram dois feridos. 

Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros. 

Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como. Por brincadeira dizíamos que tínhamos ido “fechar as portas da guerra”. Foram também os últimos banhos. 

No dia 22 de Março, o grupo de comandos regressou a Bissau, aproveitando a boleia da Dornier e alguns hélis que em diversas vagas nos transportaram. O Grupo de Comandos não teve baixas, nem feridos, nem nenhum elemento evacuado por doença, fazendo juz ao nosso lema: “Audaces fortuna juvat” [ A sorte protege os audazes]. 

Para as restantes tropas foram mais dois dias de trabalho a “desmontar o arraial.” Creio que foi o que menos lhes custou. 

BAIXAS DE AMBOS OS LADOS 

Das NT: 8 Mortos; 15 Feridos.
Do IN: 76 Mortos (confirmados); 29 Feridos; 9 Prisioneiros 

CONCLUSÕES

De tudo quanto descrevi, e que corresponde à realidade por mim vivida durante a Operação Tridente, podemos verificar que nem sempre, ou quase nunca, a história é escrita com isenção. Na verdade, tem-se especulado muito sobre o que realmente se passou no Como. Derrota para as tropas portuguesas, dizem uns, grande vitória, contrapõem outros.

Para mim, nem uma coisa nem outra, porque na guerra, em qualquer guerra, não há vencedores: todos são vencidos pela existência da própria guerra.  Porém, analisando a Operação Tridente no âmbito estritamente militar, facilmente se chega à conclusão que: 

- O PAIGC dominava a Ilha do Como em 1963; 

- Nas primeiras duas semanas opôs feroz resistência às NT, a quem causou baixas, não permitindo a nossa progressão pela mata onde estava fortemente instalado; 

- Graças à nossa persistência no combate, favorecida pela superioridade de meios que na altura ainda tínhamos, fomos aos poucos dominando a situação; 

- A partir da 3ª semana já conseguíamos entrar e progredir na mata; 

- Sensivelmente na 5ª semana, já nos movimentávamos facilmente por toda a ilha e os guerrilheiros opunham esporádica e fraca resistência; 

- Começou a notar-se, a partir da 7ª semana, uma completa desagregação da capacidade de combate dos guerrilheiros: basta ler a mensagem do Nino dirigida ao seu pessoal e transcrita nesta crónica; 

- No final da operação o PAIGC já não dominava a ilha.

A teoria defendida por alguns, sobretudo pelo PAIGC (mas essa não é de admirar),  que as tropas portuguesas se viram forçadas a abandonar a ilha, não é verdadeira: 

(i) As tropas retiraram por ter terminado a operação e não se justificar a sua continuação uma vez alcançado o objectivo: o domínio da ilha pelas NT; 

(ii)  A ilha não foi abandonada pois ficou instalada em Cachil (na tal “fortaleza” de troncos de palmeira) uma companhia para patrulhar e não deixar que o IN se reorganizasse naquela região; 

(iii) Se mais tarde se veio a verificar o recrudescer da actividade no local, isso deve-se ao facto de a Companhia que lá ficou se ter refugiado na “fortaleza”, nunca de lá saindo a não ser para ir para Catió quando era substituída por outra (Mas isso, é outra história)...

Finalmente, uma palavra de apreço a quantos, de ambos os lados, se esforçaram e sacrificaram superando todas as dificuldades e, 

Sentida homenagem aos que tombaram. A todos. De ambos os lados. (…)

Mário Dias

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 2 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8981: Antologia (74): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (7): Ilha do Como, s/d [Março de 1964]

Postes anteriores desta série:

Guiné 63/74 - P8999: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (5): Efeitos colaterais da crise académica de 1969

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2011:

Camarigo Carlos Vinhal
Talvez porque este tempo de Inverno ajude a recordar memórias adormecidas.
Em anexo vai mais um texto, mais um "Estória", real e verdadeira das muitas passadas na Guiné.

Se entenderes por bem publicá-lo, estás sempre à vontade como é hábito.

Um abraço
Carlos Pinheiro


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (5)

Efeitos colaterais da crise académica de 1969

Estávamos na Primavera de 1969. Era Abril. Já tinha passado 6 meses da Comissão na Guiné que se prolongaria por 25 longos meses.

Recentemente tinha partido o braço esquerdo num acidente sem história. Andava de “baixa” e frequentemente, depois do almoço, durante o chamado período da “sesta” desenfiava-me de Santa Luzia, do Q.G., até à cidade para conviver com a malta que também estava desenfiada em Bissau, à espera de transporte para o mato ou para a Metrópole.

Os sítios onde nos encontrávamos eram os habituais. O Café do Bento a que carinhosamente chamávamos a 5ª Rep., o ponto de encontro por excelência da malta do mato.

E eu tinha amigos no mato em todo o lado. Em Buba, em Tite, em Jabadá, Nova Sintra, em Catió, em Aldeia Formosa, em Bafatá, em Mansoa, em Farim, em Piche, em Bigene, em Bula, em Nova Lamego, no Cacheu, em Susana, em Varela, e depois até vim a fazer amigos quando a CCaç 1790 abandonou Madina do Boé, com a tragédia conhecida, uma vez que foram colocados na “minha guerra” dois dos sobreviventes.

Era rapaziada que tinha andado a estudar comigo na Escola Industrial de Torres Novas, era a malta da minha terra, Alcanena, era pessoal de Pernes e de Mira de Aire que frequentava de vez em quando nos bailaricos da época, eram colegas dos Serviços Médico Sociais para onde eu tinha entrado em 1964, era a rapaziada que tinha estado comigo na Escola Prática de Cavalaria em Santarém e que comigo tinha chumbado no Curso de Sargentos Milicianos e que também tinha sido “recompensada” como um comissão na Guiné, era malta que tinha estado comigo na Especialidade no Regimento de Transmissões no Porto, na Arca d’Agua, era malta que tinha ido comigo no UIGE em rendição individual, enfim era um conjunto alargado de companheiros e amigos embarcados no mesmo barco da Guerra da Guiné.

Mas também nos encontrávamos no Portugal ou no Internacional na Praça Honório Barreto, no Zé da Amura, nas Palmeiras em Brá, no Santos em Santa Luzia, na Solmar lá do sítio, no Café Pastelaria Império na Praça do Império, perto do Palácio do Governador, ou no Solar do Dez. Tudo isto de dia. De noite os encontros eram mais na Meta, no Chez Toi, na UDIB, no Sporting e até no Benfica a caminho da Sacor.

O caso que vou relembrar passou-se no Solar do Dez, talvez o melhor Restaurante de Bissau daquela altura. Mas como já tínhamos almoçado no quartel, porque o pré não dava para luxos, estávamos num mesa grande, a tomar café na esplanada e cada um ia contando as suas histórias, com muitas anedotas pelo meio.

Parece eu que estou a ver o Marques, que também tinha chumbado no CSM em Santarém. Na altura já era Regente Agrícola. Mas tinha chumbado. Era o Delegado em Bissau da sua Companhia. Namorava uma moça que estava em Medicina ou em Direito, já não me lembro bem. Volto a dizer. Parece eu que estou a ver o Marques, a ler em voz alta uma carta da namorada. E ela contava-lhe, e ele partilhava connosco, a invasão da Faculdade pela Policia e pela Pide com muita pancadaria e algumas prisões à mistura. Era a Crise Académica no seu auge, mas nós, que estávamos longe de tudo, desconhecíamos por completo. A Emissora Oficial só dava boas notícias, jornais não havia com regularidade, televisão nem vê-la, telefones nem sonhá-los e telemóveis nunca se tinha ouvido falar. Aquilo desta vez parecia uma sessão solene. O orador lia a carta pausadamente e nós caladinhos para não perdermos nada da noticia.

Ao lado, noutra mesa, estava um Major, o Comandante das Transmissões da Guiné, meu Comandante uma vez que o Destacamento do STM onde estava integrado, em última análise também dependia deste senhor, acompanhado de sua esposa, que apesar da sua posição importante e da nossa pequenês, nunca abriu a boca.

O pior foi à tarde. Eu como estava “de baixa”, passava o resto da tarde, até ao jantar, no meu quarto particular com mais de duzentas camas. Ouvia-se rádio, jogava-se à sueca e alguns descansavam porque iam entrar de turno à noite. Aparece o Sargento Caldas, entretanto infelizmente já libertado da lei da vida, bom homem e bom amigo. Era o meu Chefe directo. Vinha com mau aspecto. E de chofre perguntou-me onde é que eu tinha andado que o Major queria falar comigo e estava muito bravo. Contei-lhe tudo por onde tinha andado mas esqueci-me da leitura da tal carta, coisa que poucos de nós valorizámos, porque desconhecíamos os antecedentes da Universidade de Coimbra e a ebulição estudantil que havia naquela altura.

E lá fui eu, mas o Major já não estava. Ficou para o outro dia. Nessa noite nem dormi. O que é que o Major teria para estar tão bravo como tinha dito o Caldas. De manhã, bem cedinho lá estava eu, com o braço ao peito, mas de resto devidamente uniformizado e até com as botas bem engraxadas. Já eram mais de 10 horas quando ele chegou. Nem se sentou. Logo ali à entrada da porta dispara, perguntando-me o que é que estava ali a fazer ontem naquele “comício”? Fiquei perplexo. O que é que aquilo queria dizer? O que é que eu teria feito de mal? Fiquei sem resposta. Mas lá terei dito alguma coisa, atabalhoadamente, a tentar relatar o acaso do encontro. Levei uma rabecada das antigas. E ameaças quanto ao futuro foram as suficientes. O mato, nas piores condições e nos piores locais, tinha sempre vagas e estava sempre à espera.

Mais tarde, começou a constar, na caserna, que o senhor teria algumas ligações à Policia que tinha aquartelamento no Largo do Colégio Militar, junto à Avenida Arnaldo Shulz, em Bissau, a Policia Internacional e de Defesa do Estado, a tenebrosa Pide de má memória para o Povo Português mas também neste caso para o Povo da Guiné-Bissau. Nunca cheguei a saber se era verdadeira essa dupla função, mas lá que andei atrapalhado isso foi mesmo verdade.

Tudo se passou sem mais agruras. Mas andei mal durante muito tempo e com atenções redobradas. É que eu passava naquela Avenida de vez em quando e, às vezes, os tratamentos ouviam-se cá fora.

A guerra também tinha destas coisas. E é bom recordá-las para que a memória não esqueça.
Carlos Pinheiro
25.10 10
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8748: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (4): As notícias em Bissau - A Presse Lusitânia

Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

1. Mensagem da nossa camarada Rosa Serra (ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969), com data de 1 de Novembro de 2011:

Caro Luís
A razão deste mail, diga-se em abono da verdade, não é propriamente o seu pé que merece toda a atenção, mas sem ofensa para o dito, o assunto é outro.

Não sei se sabe mas dia 27de outubro a U.P.P. (União Portuguesa de Pára-quedistas) fez uma comemoração a todos os pára-quedistas que fizeram 50 anos de brevêt ou seja a todos cursos de 1961, o que vem sendo um habito desta "associação" que realiza o evento na nossa unidade mãe em Tancos.

Este ano houve uma particularidade, estiveram presentes as primeiras enfermeiras pára-quedistas que ficaram conhecidas pelo curso das 6 Marias.

As nossas amigas lá estiveram a dizer bem alto "PRESENTE" juntamente com todos os militares pára-quedistas que festejaram as suas bodas de ouro.

As quatro: Maria Arminda, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone Reis e Maria de Lurdes Rodrigues exibiram as suas boinas verdes e os seus brevêts. A Maria Zulmira e a Maria Nazaré foram representadas uma pelo seu irmão José André e outra pela sua filha.

A Maria Arminda fez um discurso. Se achar bem poderá ser publicado no nosso blogue juntamente com a noticia, se não concordar já sabe é só apagar sem qualquer problema.

Um abraço com desejo de boas melhoras.
Rosa Serra


As famosas finalistas com o seu director de curso


Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone, Maria de Lurdes, Maria Zulmira, Maria Arminda e o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor).
Nota: Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.


DISCURSO DO 50.º ANIVERSÁRIO DO 1.º CURSO DE PÁRA-QUEDISMO PARA ENFERMEIRAS

Ex. Senhor General Almendra
Senhores Oficiais Generais
Senhores Instrutores e Monitores
Minhas Senhoras e Senhores
Camaradas

Estamos hoje na Casa Mãe das Tropas Pára-quedistas a comemorarmos conjuntamente homens e mulheres, os cinquenta anos dos nossos Cursos de Pára-quedismo.

Seria mais uma comemoração igual às que anteriormente se efectuaram, com grande significado por certo para todos os que nelas estiveram incluídos, se acaso não tivesse ocorrido um acontecimento que se tornou histórico e que veio acrescentar um significado muito especial, para quase todos em geral, os que no decurso do ano de 1961 ingressaram na vida militar e em particular nesta Unidade.

Foi um ano relevante para os Governantes Portugueses, para as nossas Forças Armadas e para um grande número de cidadãos que repentinamente viu alterado o seu quotidiano, na sequência das constantes mobilizações para fazer frente ao conflito em que o país necessitou de se envolver, o que por certo não foi esquecido, nem o esquecerão jamais no decurso das suas vidas todos os que nele, de uma forma ou outra, marcaram presença e em especial, aqueles que puseram as suas vidas ao serviço de outros, “Os Combatentes”.

Foi o início da que então se veio a designar entre outras, por “Guerra do Ultramar”, com o massacre das populações indefesas no Norte de Angola, que se transformou posteriormente numa guerra de guerrilha, estendendo-se rapidamente aos territórios da Guiné e Moçambique, que tendo durado treze anos como todos sabemos, deixou profundas marcas na sociedade portuguesa e sequelas num elevado número dos ex combatentes.

Foi também um ano marcante na vida das mulheres, que pela primeira vez davam entrada numa Instituição militar para prestarem serviço, no âmbito da sua especialidade profissional de Enfermeiras.

Recordar o papel que as mulheres desempenhavam na sociedade de então e tentar fazer a comparação com os dias de hoje, é simplesmente surreal.

Nos anos sessenta as mulheres desempenhavam tarefas domésticas, ajudavam o cultivo da terra, operárias fabris, funcionárias dos serviços públicos e poucas prosseguiam os estudos nas universidades.

O homem era o centro das decisões, chamado a prestar serviço militar obrigatório, senhor do poder absoluto no seio da sua família, sendo à mulher reservado o papel de dona de casa, educadora dos filhos e poucas mais tarefas de relevo lhes eram atribuídas ou permitidas.

Situando-nos nessa época e aos seus costumes, seria pouco provável e até mesmo impensável, que algum dia poderiam cruzar a porta de armas de uma qualquer unidade militar, mulheres, que ao lado dos homens, viessem a receber instrução para desempenho de uma actividade, e aí permanecessem como militares.

Não havendo uma lógica aparente para ser dado esse gigantesco passo, a criação de um grupo que viria a frequentar o 1º Curso de Pára-quedismo para Enfermeiras, foi sem dúvida uma decisão superior, que após os acontecimentos de Março de 1961 em Angola, com inúmeros mortos e feridos, pôs em marcha um projecto inovador e o consequente virar de página da nossa história militar.

Não podemos esquecer nesta decisão, o arrojo do então Tenente-coronel Kaúlza de Arriaga, nas funções de Sub-Secretário de Estado da Aeronáutica, que apresentou ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Oliveira Salazar, um plano para a criação nesse Ramo Militar de um grupo de mulheres enfermeiras, sediado no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas em Tancos.

Foi nesse “Corpo de Forças Especiais,” que o mesmo criara em 1955 e que lhe oferecia a confiança necessária para o êxito da sua proposta, que a 26 de Maio de 1961, as onze candidatas, entraram pela primeira vez num quartel, para fazerem os seus testes psico-físicos.

O consentimento do Dr. Oliveira Salazar foi importante e decisivo, mas a conjugação de esforços no sentido de se efectivar tal projecto, teve também a anuência das chefias Militares, sobretudo dos Comandos das respectivas Unidades, Batalhão de Caçadores Pára-quedistas e Base Aérea nº.3.

Convêm também relembrar neste processo, a importância da Sr.ª. Dª Isabel Bandeira de Mello, conhecida entre nós por Isabelinha Rilvas, à época a primeira Pára-quedista da Península Ibérica, em ceder ao Tenente-Coronel Kaúlza de Arriaga, a documentação relativa aos treinos que executavam as “Enfermeiras do Ar”, pertencentes à Cruz Vermelha Francesa.

A Isabelinha como colega e amiga da maioria das candidatas que integraram esse primeiro curso, teve também a sua quota-parte de influência, na decisão em aceitarem esse desafio.

Pela primeira vez iam ser treinadas em Portugal, mulheres para Pára-quedistas. A sua preparação teve início a 6 de Junho/61 e terminou a 8 de Agosto, com a conquista da tão almejada boina verde e brevê, que lhes conferiram o título pelo qual passaram a ser designadas, “ As Enfermeiras Pára-quedistas”.

Para se chegar a esse dia, foi preciso percorrer um duro e difícil caminho; vencer barreiras a que não estávamos habituadas, ultrapassar receios e preconceitos, superar debilidades físicas, momentos de fadiga, desânimo e medo do fracasso. Porém entrámos determinadas e convictas de que poderíamos chegar ao fim.
Aceitámos voluntariamente esse grande desafio, de trocar a nossa vida rotineira, tranquila e profissionalmente estável, por outra que imaginávamos ser mais agitada, mas da qual não sabíamos como iria decorrer.
Éramos jovens, e como tal generosas e aventureiras.

Sabíamos que numa terra distante, parte do nosso vasto território ultramarino que apenas conhecíamos dos bancos da escola, tinha havido uma chacina de brancos e negros, portugueses em Angola e que repentinamente foram enviados militares, para a defesa das populações.

Não ficámos indiferentes e aceitámos o convite que nos foi formulado, deixamos as nossas famílias, e colegas de trabalho, projectos de vida em curso, e partimos para África e a par com os nossos militares, socorrer a quantos de nós necessitassem.

Nessa caminhada nunca estivemos sós. Desde o primeiro dia em que entrámos nesta Unidade, contámos com a compreensão e ajuda entre outros do nosso instrutor e director do curso, o então Capitão Fausto Marques, e o monitor, Sargº Jacinto Carneiro. Todos se foram habituando à nossa presença e nos foram aceitando, até mesmo os que já se encontravam mobilizados em África, que sem nos conhecerem, quando lá chegámos na primeira missão, nos receberam com o maior carinho e aceitação, o que veio a acontecer posteriormente, com muitos outros camaradas da Força Aérea.

Sentimos e constatámos que ao longo dos anos e pelas unidades por onde passámos, ganhámos amigos, deixámos marcas da nossa presença e muitos foram, os que também nos marcaram.

Passámos a ter outra família para além da biológica. Interiorizamos a sua mística e hoje sentimos que fazemos parte desta “GRANDE FAMÍLIA PÁRA-QUEDISTA” cujo lema, a todos recorda, “OS QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM”.

Recordamos com saudade todos os que já partiram e com quem convivemos, em especial e porque é o 1 º Curso, no que respeita às enfermeiras, que estamos a comemorar, que quero neste momento relembrar, as nossas colegas Mª da Nazaré e a Mª Zulmira que connosco fizeram parte do “GRUPO DAS SEIS MARIAS”, e que nos deixaram uma profunda saudade e muita pena por não estarem connosco, neste dia.

Hoje à distância de meio século, todos nos apercebemos de como foi importante para a emancipação das mulheres e posteriormente para os consequentes ingressos das mesmas, nos três Ramos das nossas Forças Armadas, o ter existido na Força Aérea um grupo de Enfermeiras Pára-quedistas.

Camaradas Amigos

Cinquenta anos, passado na vida de todos nós e uma parte no meio militar, é algo que não pode nem foi por certo esquecido, por quantos nos Pára-quedistas, de boina verde e asas ao peito, serviram PORTUGAL.

E citando o nosso poeta maior

“HONRA-SE A PÁTRIA DE TAL GENTE”

Setúbal, 26 de Outubro de 2011
Maria Arminda Santos
Ex-Tenente Pára-Quedista
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8990: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (27): Missão à Índia (II parte) (Maria Arminda)

Guiné 63/74 - P8997: Convívios (384): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 24 de Novembro de 2011 em Alcabideche (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, public relations da Magnífica Tabanca da Linha,  com data de 4 de Novembro de 2011:

Olá Carlos, boa tarde,
Hoje venho pedir-te o especial favor de anunciares o próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, a realizar-se no próximo dia 24 de Novembro deste ano que corre, se a crise não vier atrapalhar as contas e o calendário. Naturalmente, um encontro desta natureza implica algum sacrificio mastigante, pelo que foi decidido pelo Exmo Senhor Comandante Rosales, irá acontecer pelas 12H30 no restaurante A Camponesa, que se situa no Cabreiro, em Alcabideche, ao qual se acede pela rua fronteira à entrada das traseiras do novo hospital de Cascais, por coincidência o mesmo sítio onde se realizou o anterior encontro.

Para a escolha da data não foi tido qualquer interesse particular, excepto o do Senhor Graça de Abreu que, cheio de chinesisses, anda a passear por Itália, mas advertiu querer estar presente, ou faria um escabeche dos antigos com a publicidade do costume. Quando me comunicaram esta especial atenção, cá o je nem pestanejou, sabendo-se como se sabe dos mimos que o AGA me dispensaria. Em troca, espero que ele tenha a elevação financeira para me oferecer o conduto.

No entanto, a grande surpresa deste encontro, posso desde já anunciar, será a eventual comparência do Senhor Luís Graça, consagrado bloguista que há algum tempo e vários encontros tem ameaçado comparecer, empossado de todos os direitos e deveres inerentes aos mastigantes. A ver se o pézinho maroto não vai frustrar mais uma tentativa. Pode acontecer que outras personagens nos surpreendam com as suas presenças, mas não posso ainda revelar nomes.

Depois do anúncio, passo aos factos:

O local da batalha já é conhecido de quem lá foi, tem bons acessos e bom parque de estacionamento, mas pode ser necessária ajuda para alguns com vista à conveniente localização, pelo que deixo aqui dois telefones: o do Comandante Rosales - 914 421 882; e o meu - 913 673 067.

O comerzinho vai constar da ementa que segue:
Entradas de pão, manteiga, azeitonas, salgados, "patê" de marisco e creme de legumes;
Prato de peixe: arroz malandro com lulas, gambas e ameijoas;
Prato de carne: lombo de porco assado com recheio de linguiça, batatinhas assadas e salada;
Sobremesas: salada de frutas e buffet de doces.

O preço inclui as bebidas que acompanham a refeição, mais o café, ficando as espirituosas ao encargo de cada um.

A dolorosa, negociada com especial cautela tendo em vista a tumultuosa progressão da crise, foi fixada em €15,20 (quinze euros e vinte cêntimos). Quem contar anedotas ou cantar qualquer género músical, poderá fazê-lo mediante o pagamento de uma sobretaxa, que isto não é a Tabanca do Centro, onde mora o castigador Mexia Alves.

Finalmente, lembro a todos os interessados que a confirmação deve ser até ao próximo dia 20, para que tudo corra nos conformes, e ainda lembro que se trata de um encontro de confraternização entre os jovens que palmilharam pela Guiné, e as senhoras suas esposas que aqui se fartaram de rezar por eles. Mas outros também podem comparecer para ajudar a contar as baixas que esta tropa de veteranos vai certamente causar nas manipulações culinárias do restaurante.

E pronto, Caríssimo Carlos, se ainda não adormeceste com a conversa, vai lá publicar o importante anúncio.

Abraços fraternos
JMMD
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Notas de CV:

Vd. poste de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8211: Convívios (319): Convívio da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8988: Convívios (376): Jantar de Natal e Assembleia Geral da Tabanca de Matosinhos, dia 3 de Dezembro de 2011, no Porto

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8996: Blogoterapia (190): É bom ter amigos (António Martins de Matos)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos* (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, actualmente Tenente General (R)), com data de hoje, 4 de Novembro de 2011:

Caros amigos
Aos que de uma ou de outra maneira manifestaram interesse pelo meu aniversário, o meu agradecimento.
Dedico estes versos de Alexandre O´Neill a todos os amigos da Tabanca:

" Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!"

É BOM TER AMIGOS

Abraços
António Martins Matos
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8985: Parabéns a você (332): Ten Gen Pilav António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Vd. último poste da série de 11 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8765: Blogoterapia (189): ... i-guerra... (José Marcelino Martins)

Guiné 63/74 - P8995: Notas de leitura (299): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Trata-se da primeira biografia de Amílcar Cabral, é um panegírico sem enganos, é facto que Oleg Ignátiev possuía uma grande cumplicidade com a luta do PAIGC, produziu dezenas de artigos e notícias, livros e filmes. Acresce que teve acesso aos arquivos do Comité soviético de solidariedade com os países da África e Ásia. É intrigante como o jornalista omite personalidades com papel central na luta e só houve depoimentos de um lado, o contraditório é impensável. Mas foi a primeira biografia, vale pelo que vale, ali só há o bem e o mal, os combatentes heróicos e os oportunistas, Cabral é uma sumidade impoluta, vai aparecer no martírio maquinado por aliados da PIDE.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, a biografia romanceada de Oleg Ignátiev

Beja Santos

Em 1975, o jornalista soviético Oleg Ignátiev que visitou seis vezes a Guiné durante a luta armada e que fizera amizade com Amílcar Cabral, publicou nas Edições Progresso, de Moscovo uma biografia dedicada ao líder carismático do PAIGC (tradução para português em 1984).

Por se tratar da primeira biografia, pelo facto do autor ter procedido a um conjunto de gravações abrangendo familiares e companheiros de luta e mesmo materiais do Comité soviético de solidariedade para os países da Ásia e da África, a despeito da compreensível carga panfletária, procede-se à respectiva recensão, dado o acervo de informações e a memória de fresca data dos combatentes e protagonistas de outras lutas africanas.

O autor começa por destacar a importância do Juvenal Lopes Cabral em termos em que pretende dar sequência à formação combativa de pai e filho, no emparelhamento das causas da Guiné e Cabo Verde.

Como é sabido, e Julião Soares Sousa esclareceu estarmos perante duas pessoas completamente distintas e de não haver quaisquer provas da relação de idolatria filho-pai, Juvenal era produto acabado da mentalidade colonial do seu tempo, do mesmo modo como Amílcar ter sido formado em valores simultaneamente cabo-verdianos e europeus (se assim não fosse, não teria feito a brilhante carreira universitária, com altíssimas classificações). As posições de luta, reivindicação e colaboração com as forças oposicionistas portuguesas ocorreram mas também não está provado nos termos relevados por Oleg Ignátiev.

A despeito dessa bruma e da aura mítica de tais comportamentos, é facto que Amílcar se relacionou activamente com futuros dirigentes como Vasco Cabral, Marcelino dos Santos e em termos bastante próximos dos relatados. O autor, sabe-se lá se até motivado por alguns entrevistados, procura explorar todas as facetas possíveis do martírio e da perseguição: vigilância permanente da PIDE em Lisboa e Angola, suspensão de programas radiofónicos em Cabo Verde, colaboração estreita com as células do PCP, expulsão da Guiné depois de ter feito o recenseamento agrícola, a partir de 1953 (não há documentação que abone tal tese, ao certo sabe-se que teve que vir urgentemente para Lisboa tratar de paludismo e aqui encontrou um emprego interessante numa empresa em Angola), que se ligou ao MING (há historiadores que continuam a pensar que este movimento nunca teve vida própria) que durante o recenseamento agrícola da Guiné viu inúmeras injustiças e granjeou profundas antipatias de administradores coloniais vincadamente racistas. Insista-se que toda esta biografia é romanceada, estrutura-se em conversas hipotéticas, porventura com base em declarações de familiares, combatentes e companheiros de estudo ou das lutas de libertação em África. Dá fluência ao relato romanceado, se bem que o calendário dos acontecimentos, regra-geral, seja rigoroso.

E chega-se ao dia da fundação do PAIGC (19 de Setembro de 1956) que Julião Soares Sousa contesta que tenha tido a presença de Amílcar e que tenha sido exactamente uma reunião de fundação de partido.

Incompreensivelmente, lutadores de proa como Rafael Barbosa não existem, não merecem uma só menção, isto quando se sabe que toda a subversão no final da década de 50 e até à prisão de Rafael Barbosa em 1962 teve nele a locomotiva. Certo e seguro, Amílcar Cabral vai estar em Bissau depois dos acontecimentos do Pidjiquiti e estrutura os fundamentos da luta: competirá ao partido conduzir a luta de libertação, introduz pela primeira vez a luta em simultâneo na Guiné e em Cabo Verde. De Lisboa parte para África, já lidera o Movimento Anticolonialista (MAC) que se irá transformar na Frente Revolucionária Africana da Independência Nacional (FRAIN). De Tunes parte para Conacri, será da capital da República da Guiné, e ao princípio com o pseudónimo de Abel Djassi que irá estruturar o PAIGC e conduzi-lo à luta armada.

Começa a mobilização, até lutando contra o tempo, movimentos rivais sediados sobretudo em Dakar mas também em Conacri procuram apoios das populações da Guiné portuguesa. Em Janeiro de 1961 um grupo de jovens parte para a China para receber instrução militar. Amílcar sensibiliza os líderes africanos e de outros continentes para a necessidade de receber apoios em armamento, alimentos e medicamentos para estabelecer uma rede interna eficaz de apoios à população combatente. Toda esta trajectória de 1961 aparece com dados rigorosos e revela o modo como se processou a mobilização das massas. Escreve:

“Amílcar fez um verdadeiro estudo sociológico. Verificou quais os dialectos que cada um dos combatentes dos diversos grupos dominava, qual a região da Guiné que cada um conhecia, o tipo de ligações que tinha na dada região, onde moravam os parentes e amigos. Com base nos resultados obtidos, formou os grupos e estabeleceu para cada um deles uma tarefa completa. Por isso, os grupos de Francisco Mendes e Nino iam ser enviados para o sul do país”.

Francisco Mendes (também conhecido por Chico Té) conta o autor uma série de peripécias na travessia da fronteira, com armamento precário e como se subtraíram à vigilância das autoridades portuguesas. Depois formou-se o grupo que instalou na região do Morés, só dispunha de alguns revólveres e espingardas obsoletas. Todo o relato referente ao ano de 1962 tem bastante interesse, preenche uma grave lacuna da historiografia de ambos os países. A URSS concede apoio militar, surgiram problemas de grande delicadeza com as autoridades de Conacri quanto à transferência de armamento a partir da República da Guiné para o interior da Guiné portuguesa.

É um tempo de equívocos e revezes. Há populações que recebem mal os guerrilheiros, começa igualmente a repressão das forças policiais, as populações põem-se em fuga, houve verdadeiros êxodos.

Em 1963, o PAIGC instala-se a sul do rio Geba e até ao rio Corubal, fora aberta a frente norte. Em Julho desse ano, o Ministro da Defesa português, general Gomes de Araújo, reconhece que os combatentes do PAIGC ocupavam e controlavam uma parte considerável do território, cerca de 15 %. Há percursos terrestres fundamentais que se tornaram intransitáveis (por exemplo, Mansoa-Mansabá-Bafatá).

Oleg Ignátiev resolve fazer propaganda descarada: os portugueses terão perdido cerca de 900 homens na batalha do Como onde as tropas do PAIGC, comandadas por Pansau na Isna, resistiram heroicamente e desbarataram as unidades portuguesas. Enquanto decorre esta batalha transformada em lenda, a Direcção do PAIGC está reunida a escassos quilómetros, realiza-se ali o congresso de Cassacá, no Quitafine, estamos em Fevereiro de 1964.

(Continua)
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Nota do Editor:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8969: Notas de leitura (298): Guiné - Apontamentos Inéditos, por General Henrique Augusto Dias de Carvalho (2) (Mário Beja Santos)