sábado, 22 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11746: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (19): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte VI): Dando de comer ao corpo e à alma: seleção de fotos do Jorge Canhão

















Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande >


O sítio (o Palace Hotel Monte Real) já nos é familiar. Desde o V Encontro Nacional, em 2010, que nos encontramos lá. Temos sido bem recebidos e acarinhados. Em contrapartida, o dia não estava esplendoroso, mas o convívio foi fraterno e caloroso. Todos os anos aparecem "caras novas", sinal de vitalidade e capacidade de atração da nossa Tabanca Grande, que este ano fez 9 anos, em 23 de abril de 2013.

E, como em anos anteriores, foram lançados livros recentes, de camaradas nossos, nascidos no caldo de cultura do nosso blogue onde somos todos iguais e todos diferentes:  as últimas três fotos, de cima para baixo,  mostram a banca de livros que se montou à tarde, depois do almoço: Manuel Lomba (e filho, que vieram de Faria, Barcelos): o alentejano bejense José Saúde (tendo à sua direita o Joaquim Nunes Sequeira, que expôs, para venda, um pequeno mostruário de artigos do Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes); e, por fim, o Manuel Domingues (à esquerda) e o Manuel Maia (à direita). Iremos falar, com mais detalhe dos seus livros. Falta ainda a banca do Alberto Branquinho, já aqui apresentada em poste anterior. Os nossos camaradas escritores merecem uma menção especial, aqui no nosso blogue, e um Alfa Bravo de apreço e admiração. Na forja estão já outros livros, de outros autores, para apresentação no próximo IX Encontro Nacional. 

Fotos: © Jorge Canhão  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]

Guiné 63/74 - P11745: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (6):De Iemberém a Guileje, a caminho de um casamento no Xitole




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 5 de maio de 2013 > Os bangalôs do ecoturismo.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 5 de maio de 2013 > A Aiassatu ou Satu, esposa do Abubakar (eng agron da AD) e nossa anfitriã.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje  > 5 de maio de 2013 > A capela restaurada  de Guiledje



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje  > 5 de maio de 2013 >  Aspeto exterior do Núcleo Museológico Memória de Guiledje



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 5 de maio de 2013 > Recordações: objetos do quotidiano recuperados, provenientes das escavações do antigo quartel das NT




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 5 de maio de 2013 >  Armamento do PAIGC: as armas da nossa dor e sofrimento.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 5 de maio de 2013 > Cópia (digitalizada) de carta de um soldado portuguesa: a famosa carta que o nosso camarada J. Casimiro Carvalho mandou a seus pais, datada de Cacine, 22/5/1973, a anunciar a retirada de Guileje.

Cacine, 22/5/73: Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.


Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte VI

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; hoje, 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavama hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*) [LG]


O dia nasceu suavemente, com um mango a acordar-me ao cair encima do telhado de capim e rolar até ao chão. Talvez um dos macaquitos que estava a tomar o seu matabicho se tenha descuidado. Estes macacos, de pelo cinzento, não armam aquela gritaria a que nos habituamos em tempos idos com o macaco cão. Habituaram-se a viver com o homem e passeiam-se nas árvores por cima de nós, pacifica e calmamente. Certo é que neste dia 5 de Maio, o sol já ia alto quando me sentei para tomar o pequeno-almoço, que começou por um mango madurinho e saboroso.

A hora da despedida tem encanto e dor. É agradável sentir mais uma vez a amizade que nos devotam aqueles com quem convivemos e se juntam para se despedirem de quem parte, com a promessa de voltar. Faz doer o coração, no abraço que damos, sabendo que talvez seja o último, mas faz parte da vida e a esperança é sempre a última a morrer.

Partimos com destino a Bissau. Duas horas depois estávamos a admirar o Museu Memórias de Guiledje, inaugurado em 2008 e pretende documentar todo um passado de luta pela independência da Guiné-Bissau. À nossa espera estava o diretor Domingos Gomes, como tinha prometido,  para uma visita guiada. Foi um regresso ao passado para mim e para o Francisco no reencontro com as armas e canhões, com as viaturas, com as imagens da guerra que ambos vivemos em locais e tempos diferentes.

Em cada visita que faço, noto com alegria que o museu vai crescendo. Há outras partes do antigo quartel levantadas. No pavilhão principal estão os instrumentos de guerra portugueses, bem como as armas que o PAIGC usava, as fotografias da guerra e outros memoriais. Livros, poucos, sobre a guerra, são o princípio de uma biblioteca que se pretende seja enriquecida com todos os livros e documentos possíveis para enriquecer a história do conflito que existiu para separar e afastar os portugueses da Guiné e de facto separou-nos com muito sangue derramado, dor e pranto, mas creio que estranhamente nunca os guineenses estimaram tanto os portugueses como agora que estão livres da sua tutela política.

Um Unimog bem conservado transportou-nos ao tempo das colunas por aquelas picadas inóspitas atapetadas de perigosas minas. Transportou-nos até ao grupo de picadores que,  à sua frente e com todo o cuidado, picavam a terra, centímetro a centímetro, na esperança de as detetar e assim salvar possivelmente algumas vidas. Transportou-nos a um tempo que já passou, mas as suas marcas continuam bem presas na nossa mente e só desaparecerão com o pó da terra que nos há-de tragar.

A capela com a imagem de Nª Senhora de Fátima no seu altar, tal como no tempo da guerra, e a capelinha do Santo Cristo dos Milagres construída pelos devotos Gringos açorianos. Locais, onde os mais devotos se ajoelhavam a pedir por seu intermédio a bênção de Deus para os momentos difíceis que a guerra e agradecer os perigos passados dos quais se livraram com vida.

O Museu foi enriquecido com um novo auditório onde está patente, onde foi instalado o Museu de Cultura e Ambiente onde se pretende espelhar o ecossistema da mata do Cantanhez e as culturas dos diferentes grupos étnicos que habitam a região.

O tempo não tem paciência para esperar e os ponteiros do relógio vão marcando as horas. Tínhamos encontro marcado na tabanca do Xitole para participarmos na festa do casamento da filha do nosso amigo Mamadu Aliu que há três dias atrás atuou de cicerone na visita/peregrinação que o Francisco Silva ali fez em busca do seu passado.

Com pesar para o Domingos Gomes, que bem insistiu para ficarmos mais um pouco e havia muito para ver e refletir, mas não queríamos ficar mal com a família da noiva que tão amavelmente nos tinha convidado.

Ao passar pelo Saltinho, ainda houve tempo para dar um abraço de despedida ao Suleimane e à Dáda sua esposa, que ofertou à Armanda um lindo vestido típico das mulheres fulas. Uma surpresa linda que nos emocionou profundamente.

E lá seguimos para o Xitole.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11699: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (5): Visitando Cabedu, Cautchinké e Catesse... A alegria com que somos recebidos, a par da tristeza com que vemos a floresta ser destruída no Cantanhez...

Guiné 63/74 - P11744: Parabéns a você (593): António José Pereira da Costa, Cor Art Ref (Guiné, 1968/69 e 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11739: Parabéns a você (592): António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/73)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Guiné 63/74 – P11743: Memórias de Gabú (José Saúde) (28): À volta do meu novo livro "As minhas memórias de Gabu"


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



Camaradas, 

Envio mais um apontamento com uma entrevista minha ao Diário do Alentejo, onde, obviamente, de "AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU". Aproveito para informar que já falei com o Zé Teixeira, Tabanca de Matosinhos, e apontei a minha ida para o dia 20 de Julho, dia em que haverá um almoço extensivo para a malta da Guiné.

À volta de um livro 
Histórias que nos remetem para a nossa presença na guerrilha da Guiné 


Reafirmo, convincentemente, que a nossa presença na Guiné, continua albergada num recanto das nossas recordações. Fomos jovens e prestámos serviço militar obrigatório nesta antiga Colónia Ultramarina. Sei que tudo são memórias passadas, todavia existem evidentes resquícios que permanecem nas nossas vivências onde existem frenéticos sons e imagens que nos transportam para eloquentes momentos de dor e de prazeres inacabados. 

Pejados com um saltitar constante pela orla de sentimentos comuns construídos num terreno fumegado pelos odores de uma guerrilha que teimava em não dar tréguas, somos hoje antigos combatentes que perfilhamos ideias e trocamos ávidas opiniões acerca desse pequeno torrão africano que dá pelo nome Guiné. 

Recentemente fiquei pasmado com as imagens (fotos) que o nosso camarada Zé Carvalho, também meu camarada RANGER, trouxe à estampa (a caixinha mágica que se tornou comum, computador), dando a conhecer realidades vividas no ano de 2010 aquando de uma viagem feita à sua, nossa, Guiné. Aliás, outros camaradas o têm feito dando a conhecer verdades indesmentíveis vividas na Guiné de hoje.

Identifico escolas onde se encontram crianças sedentas em assimilar novos conhecimentos, sendo a sua principal finalidade a aprendizagem e o desbravar persuasivas inteligências remetidas ao interior de uma mata que outrora conheceu histórias de guerra deveras mirabolantes. 

Os ícones da nossa presença em terras guineenses são agora relíquias degradadas por um tempo que conheceu profundas alterações físicas, designadamente. Os camaradas que outrora pisaram esses palcos, remete-os, melhor, remete-nos para inolvidáveis e nostálgicas observações que nos conduzem, geralmente, a uma verdade inesquecível onde coabitámos ao longo de largos meses como combatentes no ativo. 

As cantinas, messes, fornos onde se cozia o pão, atrevo-me a parafrasear o povo, “o pão que o diabo amassou”, os quartéis feitos às necessidades que o tempo impunha, bem como um rol de “atrativas” instalações que na altura urgiam para fazer face às carências impostas, são agora preciosidades gastas pelo tempo que recusa esconder exequíveis memórias do antigamente. Os tetos, alguns, desapareceram mas existem ainda paredes que teimam em manter-se hirtas. Nós, portugueses que conhecemos os horrores da guerra, vincamos em cada pedaço de terra guineense uma marca que ficará gravada para a eternidade. 

Nesta viagem memorial facultada pelo nosso camarada Zé Carvalho, coloco-me à volta de um livro que recentemente editei que tem como principal finalidade reconhecer histórias que nos remetem para a nossa presença na guerrilha da Guiné. 

GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74 são histórias de um furriel miliciano/ranger, eu de carne e osso, que cruzou a guerra com a paz. A temática prima pela visualização de lugares comuns, das crenças de uma população que vivia encaixada entre as duas frentes no conflito, o nosso dia-a-dia como militares no terreno, bem como no interior dos quartéis, a luta pelo poder – chefe da tabanca – entre etnias, os homens e as mulheres grandes consideradas, para os nativos, pessoas com saberes ancestrais, enfim, um rol de situações abordadas que nos conduzem pausadamente a uma visualização de acontecimentos que marcarão para sempre a nossa ação no palco da guerra.

Claro que a temática abordada é universal e cruza linhas de fronteira por nós palmilhadas. Por uma questão de princípio, e respeito, não entro em ondas eletrizantes, concluindo sim que a problemática dos mitos é para mim uma coisa de somenos importância. Importante é a panóplia de acontecimentos que ainda, hoje, mexem com os nossos egos. 

A apresentação oficial da minha última obra, em Beja, está agendada para o dia 4 de junho na Biblioteca Municipal José Saramago, 21h30, sendo que os ecos do acontecimento são também motivo para a imprensa escrita se debruçar sobre a temática.

Eis pois uma entrevista concedida ao Diário do Alentejo, nesta sexta-feira, 21 de junho.


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

14 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 – P11389: Memórias de Gabú (José Saúde) (27): Capa da obra "As minhas memórias de Gabu" 

Guiné 63/74 - P11742: Tabanca Grande (402): Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973/74), residente em Maceira / Leiria, tabanqueiro nº 621

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Joaquim Luís Fernandes, ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973/74, com data de 3 de Junho de 2013:

Caro camarada Carlos Vinhal:

Começo por agradecer a resposta pronta e favorável à minha participação no encontro do próximo dia 8 em Monte Real. Lá nos encontraremos.

Brevemente, após o nosso encontro, tenciono partilhar para o Blogue um pouco da minha passagem pela Guiné, pelo menos os aspetos que considere relevantes para os fins em vista.

Apresento-me:

(i) Joaquim Luís Fernandes, natural e residente em Maceira, concelho de Leiria.

(ii) Assentei praça (recruta) em janeiro de 1972 no RI 5 nas Caldas da Rainha com o número 06067572;

(iii) No 2º trimestre estive em Mafra na EPI e fiz o COM como Cadete de Infantaria;

(iv) No 3º trimestre voltei ao RI 5 como Aspirante a Oficial Miliciano e fui instrutor, dando aí uma recruta;

(v) Fui mobilizado em setembro ou outubro de 1972, mas só em 20 janeiro de 1973 tive voo para a Guiné, depois de longo adiamento que me deixou solto e sem quartel durante 3 meses;

(vi) Apresentei-me no QG em Bissau como Alf Mil de Infantaria em 20 janeiro de 1973 (data da morte de Amílcar Cabral) ficando (no famoso Biafra) a aguardar coluna de transporte para Teixeira Pinto onde iria ser integrado na CCaç 3461/ BCaç 3863 comandada pelo Cap Mil Gouveia;




(vii) Em Teixeira Pinto substituí, em rendição individual, o Alf Mil Marques, que tinha sido evacuado para a Metrópole; Comandei um Pelotão (grupo de combate "Os Americanos");

(viii) Tive como principais missões, a escolta de colunas e o patrulhamento de segurança e de reconhecimento ofensivo;

(ix) No fatídico dia 1 de fevereiro de 1973(*), domingo, fiz o meu primeiro serviço de Oficial Dia e o meu Grupo estava de piquete: um trágico "batismo" para um "pira".

Já no dia da minha chegada (noite) tive a praxe da ordem. Um ataque ao quartel (ou simulacro) que me apanhou de "calças na mão", isto é, já deitado, sem conhecer o quartel, sem arma distribuída;

Os camaradas que partilhavam o quarto comigo, Alf Mil Henriques e Alf Mil Batalha, fardam-se rapidamente, pegam nas armas e deixam-me numa situação pouco agradável a ouvir os rebentamentos e as rajadas sem saber o que fazer. O que me valeu foi que o ataque (ou simulacro) foi rápido e não aconteceu nada. Apenas um ferido ligeiro no manuseio de arma de fogo, um morteiro 80.

Mas já me estou a alongar e por hoje fico-me por aqui.

Apenas quero manifestar o meu agrado por ir encontrar em Monte Real o camarada Joaquim Mexia Alves, pessoa que admiro e estimo e que desconhecia como ex-militar da Guiné.

Dos camaradas que pertencem ao blogue e com os quais me cruzei e que de algum modo e por algum tempo convivi, no BCaç 3863 em Teixeira Pinto e Bachile, identifiquei o então Capitão, hoje Maj Gen Abílio Afonso, o médico ex-Alf Mil Mário Bravo e o ex-Alf Mil José Sousa Pinto, com os quais gostaria de partilhar algumas memórias e fotos.

Espero vir a encontrar muitos mais, especialmente do meu Grupo de Combate e da minha Companhia.

E por hoje é tudo.

Um abraço cordial para toda a equipa e até sábado.
Joaquim Luís Fernandes


Monte Real, 8 de Junho de 2013, VIII Encontro da Tertúlia > Joaquim Luís Fernandes à direita da foto
Foto: © Rui Silva (2013). Todos os direitos reservados.


2. Comentário de C.V.

Caro camarada Joaquim Luís Fernandes, começo por te endereçar um abraço de boas-vindas em nome dos editores e da tertúlia em geral.

Entraste da melhor maneira possível na nossa Tabanca Grande ao teres participado no VIII Convívio da nossa tertúlia, em Monte Real, no passado dia 8 de Junho, onde tiveste a oportunidade de conhecer alguns camaradas e as respectivas famílias. Esperamos que tenhas gostado do ambiente e que voltes a estar na nossa companhia nos próximos anos. Tenhamos todos saúde.

Na tua apresentação referes um grave incidente no dia 1 de Fevereiro de 1973. Socorrendo-nos do nosso camarada António Graça de Abreu e do seu "Diário da Guiné", reproduzimos as páginas 73 e 74 onde está descrito aquele trágico acontecimento e as suas consequências. Infelizmente aconteceram muitas situações semelhantes, uma das quais com a 27.ª C.Comandos, numa coluna auto entre Mansoa e Mansabá, que julgo ter originado um morto e vários feridos, assistidos, primeiro em Mansabá, com posterior evacuação para o HM 241 de Bissau.

Não referes a data de regresso à (então) Metrópole, que não deve ser a mesma do BCAÇ 3863 já que eles regressaram em Dezembro de 1973, sendo tu ainda muito periquito. Por onde andaste em 1974?

Estamos disponíveis para receber e publicar as tuas fotos (legendadas) e os teus textos, pelo que poderás começar a trabalhar assim que entenderes.
Alguma dúvida que te suscite não hesites em nos contactar.

Pessoalmente, fico também ao teu dispor.
Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas do editor:

(*) - Excerto do "Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura", do nosso camarada António Graça de Abreu, pág. 73/74:

(...) Canchungo, 1 de Fevereiro de 1973

É uma hora da manhã, escrevo sereno, lúcido, sem paixão, tudo de enfiada.

Ver viver, ver morrer, três homens mortos, sete feridos graves, quatro ligeiros. A causa próxima foi um desafio de futebol, a causa remota foi o destino e o facto de estarmos numa guerra.

Esta tarde houve um jogo de futebol entre o pessoal branco do Batalhão 3863 e a tropa branca e negra do aquartelamento do Bachile [, CCAÇ 16, constituida sobretudo por militares manjacos, do recrutamento local9. Não sei se por culpa dos brancos ou dos negros, decerto por culpa de ambos, o jogo descambou em grossa pancadaria o que levou o coronel [, pára, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] a intervir, a assestar uns tantos socos em não sei quem e a dar voz de prisão a dois negros.

Cerca das oito da noite, foi recebida aqui uma comunicação rádio do capitão branco do Bachile, a braços com uma insubordinação dos militares negros. Quarenta africanos armados haviam saído do aquartelamento e marchavam a pé para Canchungo, a fim de tirarem da prisão os seus dois camaradas detidos. Aprontaram-se imediatamente cerca de cinquenta comandos da 38ª. Companhia e o coronel seguiu com eles.

Na ponte Alferes Nunes, já próximo do Bachile, os Comandos ficaram e o coronel avançou sozinho, no jipe, ao encontro dos soldados africanos. Graças à sua coragem, ao respeito que impõe a toda a gente - é o “homem grande” branco -, à promessa de libertar os presos, os soldados negros regressaram pacatamente ao Bachile.

Aqui em Teixeira Pinto estávamos na expectativa, não sabíamos o que ia acontecer. Em frente do edifício do CAOP, eu conversava com o major Malaquias, com um alferes da 38ª [CCmds] e outro do Batalhão quando ouvimos um grande rebentamento muito próximo. Que será? Um minuto depois chegou a informação, via rádio. Era preciso preparar imediatamente o hospital, havia mortos e feridos.

No regresso dos comandos, à entrada da vila, rebentara uma caixa cheia de dilagramas – granadas disparadas pelas G 3 com um dispositivo especial – em cima de um Unimog onde vinham catorze homens. Dois mortos de imediato, os restantes feridos vinham a caminho. Corremos para o hospital. Os comandos chegaram.

Como vinham, meu Deus! Um furriel morria na sala de operações. As suas últimas palavras para o Pio [de Abreu], o médico, foram: “Doutor, cuide dos outros, eu estou bem.”

Nas macas, no chão de pedra do hospital jaziam feridos graves, corpos semi-desfeitos, barrigas, intestinos de fora e quatro rapazes só com alguns estilhaços. Não ouvi um queixume, mas havia muitos homens a chorar.

Era preciso evacuar os feridos para o hospital de Bissau. Onze horas da noite, iluminámos a pista com os faróis das viaturas e com as mechas acesas em muitas garrafas de cerveja cheias com petróleo, distribuídas aí de dez em dez metros ao longo do campo de aviação. Aterraram quatro DO. Ajudei a transportar feridos entre o hospital e as avionetas, num dos nossos Unimog. Dois deles iam muito mal, cravados de estilhaços, em estado de choque ou coma, não sei se escaparão.

O condutor do Unimog em cima do qual as granadas rebentaram é um dos meus soldados, do CAOP 1, Loureiro de seu nome, com apenas oito dias de Guiné. Ia a conduzir, não sofreu uma beliscadura. Trouxeram-no cambaleando, o espanto, incapaz de falar. Evacuados os feridos, fui buscá-lo, abracei-o, sentei-o na minha cadeira na secretaria, animei-o, bebemos quatro águas Castelo.

Foi um acidente de guerra. Corpos ensanguentados, dilacerados, muitos homens destruídos, não apenas os mortos e os feridos.
[...]

- Último poste da série > 29 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11651: Tabanca Grande (401): Joaquim Moreira Cardoso, ex-Soldado TRMS do Pel Mort 4574 (Nova Lamego, 1972/74)



Guiné 63/74 - P11741: Notas de leitura (493): Populações da Guiné, publicação do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Quartel General - Repartição de Informações (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2013:

Queridos amigos,
É um relatório bem fundamentado, com opiniões naturalmente controversas, apresenta vasta e oportuna bibliografia. Lê-se num ápice, é uma linguagem desempoeirada, por vezes coloquial.
Interessante seria cruzar estes dados com as informações em poder da PIDE/DGS. A polícia política, graças a Fragoso Allas, imprimiu um fôlego novo à natureza das informações obtidas fundamentalmente através dos comerciantes que calcorreavam os campos no Senegal e na República da Guiné.
Certo e seguro, temos aqui um documento à disposição do historiador e posso assegurar-vos que o que se escreve sobre as religiões está mesmo a pedir nova edição, é um absurdo, é um esbanjamento criminoso, deixar documentos como este na poeira das bibliotecas.

Um abraço do
Mário


Quem nos apoia? Quem nos hostiliza? 
Análise de um documento da Repartição de Informações, do Comando-Chefe, Junho de 1971

Beja Santos

A Repartição de Informações era uma unidade sensível na contrassubversão. Produzia documentação da mais variada índole que permitisse ao decisor militar ponderar os apoios e as forças hostis, sopesando as etnias mais amigas e aquelas onde primavam os principais recrutamentos do PAIGC. O documento agora em apreço, amavelmente cedido pela biblioteca da Liga dos Combatentes, permite, no contexto temporal de 1971, perceber, na ótica deste serviço, a natureza dos apoios e das hostilidades à presença portuguesa. Isto em torno do estudo sobre as populações da Guiné. Mas o documento também procura fazer uma leitura sobre as religiões, revela-se altamente interessante e não custa nada supor como seria útil a sua publicação para estudo de todos os interessados na problemática da Guiné-Bissau.

Qual a população, em percentagem, apoiante da presença portuguesa, e quem era contra, de acordo com este documento? Considera-se que a população sob controlo português era de cerca de 436 mil habitantes, estando fora desse controlo 160 mil almas. E extrapola-se: “Considerando como 60 mil o número de refugiados no Senegal e 20 mil na República da Guiné, estima-se sob o controlo do IN no interior do teatro de operações 80 mil almas, ou seja 13 % da população”. O documento é rico nas considerações que profere sobre línguas e dialetos e da análise dos povos, dividindo-os em sahelianos (caso dos Fulas), sahelo-sudaneses (caso dos Mandingas, Oincas, Saracolés, Jalofos e outros), sudaneses meridionais (caso dos Padjadincas) e recalcados subguineenses (caso dos Felupes, Balantas, Banhuns, Manjacos, Papéis, Brames, Beafadas, Nalus, Bijagós e outros). Quanto aos Fulas, escreve-se: “Quando eclodiu terrorismo, os Fulas sentiram no facto um desabar do seu mundo e da supremacia que tinham conquistado. Os seus régulos e cipaios que dominavam em chão alheio acharam-se de um momento para outro atacados. Com o evoluir do terrorismo, definiram-se posições e hoje podem observar-se comportamentos diferentes em face à subversão: - franca colaboração com as autoridades e repúdio total ao movimento de subversão; - colaboração com as autoridades enquanto a força pender para o seu lado; desconfiança e retraimento em relação à política de justiça social do governo da Província, política que, repondo os Fulas no seu lugar, os coloca em igualdade de privilégios com as outras etnias”. No que toca aos Mandingas, o documento revela um pesado ceticismo: “A sua atitude perante o terrorismo, deve-se interpretar com todo o bom senso, pois houve razões fortes para que vissem no PAIGC a oportunidade de reaverem a sua independência política em face dos Fulas e vingar as prepotências a que foram sujeitos. Se abstrairmos o número de Mandingas que aderiram convictamente ao PAIGC, verifica-se que a grande maioria foi obrigada a aderir, ou porque as terras em que viviam foram envolvidas pela subversão ou porque foram acusados muitas vezes, injustamente, de terroristas, que os obrigou a fugir. Ainda há bem pouco tempo, o Mandinga na Guiné era sinónimo de terrorista. E refere-se o caso do chefe Fula Sambel Baldé, chefe da milícia de Fajonquito, que além de chefe das milícias desta povoação se valia da confiança que nele era depositada para acusar de cumplicidade com o IN os Mandingas ricos. É de recear que ainda haja na Guiné destes “fabricantes de terroristas”, o que desde já se julga de acautelar”.

Estamos perante um documento de leitura irrecusável para quem queira interpretar os olhares do serviço de informações do Comando-Chefe. São passados em revista todas as etnias e, no caso das religiões, pode dizer-se que o documento é exaustivo e a sua publicação teria êxito garantido, na Guiné-Bissau e em Portugal.

Voltando aos apoios aos portugueses ou ao PAIGC, sobre os Felupes escreve-se o seguinte: “Como sociedade fechada que ainda hoje mostra ser, muitas atitudes dos seus elementos foram consideradas como suspeitas. É caso a atitude desconfiada e receosa dos Felupes nos primeiros contactos com elementos estranhos à sua comunidade. Presentemente, o poder encontra-se nos Chinas das diversas populações Felupes. O desconhecimento deste facto levou alguns sectores a pensarem que havia uma sonegação de informações às nossas autoridades em benefício do PAIGC”. E quando as autoridades portuguesas nomeavam régulos, eles nunca tinham prestígio. Falando dos Balantas, é de ficar surpreendido com a fragilidade da argumentação usada: “O seu espírito de guerreiro concretiza-se somente no roubo de gado e nos assaltos de surpresa, o que os levou a ser considerados como povo essencialmente guerreiro. Também são considerados como os que mais entraves puseram à penetração portuguesa. Quanto ao primeiro aspeto, o balanta é pouco valente quando tem que enfrentar uma força regular pois para esse tipo de luta é o beafada o guerreiro por excelência (…) O diálogo estabelecido com este povo, no último congresso do povo da Guiné, trouxe ao de cima alguns problemas aqui anunciados, podendo a sua solução provocar uma mudança sensível na luta que se trava na Guiné”. Passando para os Manjacos, observa-se que: "os manjacos residentes no Senegal e Gâmbia viram na subversão um meio para lutarem contra a influência Mandiga e Fula no seu chão, formando movimentos de tendência tribalista como foi o Movimento de Libertação da Guiné (…) Embora a maioria dos Manjacos que estão com o PAIGC sejam combatentes, muitos há que ocupam lugares de liderança”. Acerca dos Papéis, observa o documento: “A subversão veio ao encontro das aspirações da camada jovem aculturada, que viu nela possibilidades de triunfar, uma vez que a situação económica estagnante da província não lhes oferecia oportunidades. No entanto, os papéis integrados na cultura tradicional e localizados na Ilha de Bissau, ainda que com mais contactos com a cultura europeia, não foram atingidos diretamente pelo terrorismo e por isso não manifestaram a sua atitude face à subversão; no entanto, admite-se que esta tenha penetrado nas suas estruturas. No PAIGC ocupam lugares de chefia”. E quando aos Beafadas: “A subversão penetrou com facilidade na sociedade Beafada que apresentava no início do terrorismo um desequilíbrio estrutural devido à mandinguização. No entanto, o seu comportamento em relação à subversão tem sido variável; se em certas áreas da circunscrição Fulacunda e nas zonas do Cuor e Xime aderiram e colaboraram com o PAIGC, noutras, como em Gadamael, Jabadá e Fulacunda, tornaram-se fiéis colaboradores das autoridades. Também os seus chefes se dividiram na atitude tomada face à subversão, tornando ainda maior a indecisão de muitos Beafadas perante o caminho a seguir. O seu espírito aguerrido foi aproveitado pelo PAIGC, fazendo deles combatentes”. E, por último, uma referência aos Bijagós: “Embora o terrorismo não se tenha manifestado no Arquipélago, verificaram-se certos factos que podem de algum modo indicar, em maior ou menor grau, o comprometimento de alguns sectores da sociedade Bijagó. São eles: - várias referências de tráfego de canoas entre o Cubisseco e Tombali, zonas sob o controlo IN; a presença Bubaque de cerca de 70 Fulas e Mandingas deslocados de Buba, suspeitos de estarem comprometidos com a subversão; a fuga em 1 de Novembro de 1969 de 12 elementos jovens e evoluídos que desempenhavam funções de professores, monitores agrícolas e fiel de barco da ilha de Bubaque. A adesão de muitos elementos jovens e evoluídos à subversão pode levar, num futuro próximo, a decidir os restantes, dado o seu de permeabilidade. Recorda-se que muitos professores e enfermeiros do PPAIGC pertencem à etnia Bijagó”.

Enfim, um documento valioso, um olhar da Repartição de Informações, um estudo sobre populações que devia estar ao alcance tanto do curioso como do estudioso, nos dois países.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11719: Notas de leitura (492): em nome da Grei, por Gustavo Pimenta (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11740: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): IV (e última) Parte: Quando o bravo soldado Spínola também dansa a valsa do Corubal azul. Ensinamentos colhidos e críticas do cor Hélio Felgas, comandante da operação, à falta de articulação dos 3 ramos das Forças Armadas


Guiné  > Zona leste > Setor L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > c. 1968/60 > Uma das raras foto do ten cor inf Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1969/71). É o segundo militar, a contar da esquerda para a direita. Aqui, em visita ao aquartelamento de Mansambo, em construção, c. 1968/69. Na Op Lança Afiada, ele foi o comandante do Agrupamento Tático Norte. Depois do ataque a Bambadinca, sede do BCAÇ 2852, em 28 de maio de 1969, foi punido disciplinarmente pelo Com-Chefe.

Dele disse o António Vaz, o cap mil do Xime, à epoca da Lança Afiada:

"Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão mil comandante da Cart 1746,  no Xime,  de janeiro de 1968 até ao fim da comissão, em  junho de 1969. Como companhia  independente conheci vários comandantes  de batalhão, primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do BART 1904 , ten cor  Branco,  o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes,  todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito,  a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o,"

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> c. Março / maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

(...) "A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco…

"Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (*). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli / Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória." (...) 

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix (ex-alf mil, pilav heli AL III, BA 12, Bissalanca, 1968/70):


Nota de Jorge Félix (**) :

(...) "dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, (...) o que lá está  [na minha caderneta de voo}:

Dia 12 de Março de 1969 Hel Al III nº 9279 Desp- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 Desp- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 Desp Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 Desp Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Tevs-Bambadinca- Zops (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 Tger-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Bambadinca Zops-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 Tger Bambadinca-Zops-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 Aesc Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 Tevs- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 Desp-Bs- Bambadinca 1 aterrag 45 mint
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 10 aterrag 2:00 horas
Dia 15/3/69 Desp Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 Desp Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 Desp Bamb-Bafatá-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 Tman BS Zops (2x) BS 5 aterg 45. (...)

(Esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio às Forças terrestres, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na Zops da operação Lança Afiada." (...)

[Observ.: TEVS= Transporte Evacuações; TGER= Transporte Geral; ZOPS= Zona Operacional. L.G.]

 Fotos: © Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados


A. Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN". (***)

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano, e depois no final da guerra CAOP 2), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano do consulado de  Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime).

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo de reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra no setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob o controlo  do PAIGC, foi a grande vítima desta algo megalómana e provavelmente mal planeada e pior coordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal militares, de origem  metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno e ao clima do leste da Guiné), conclui-se que um sétimo fora mal selecionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, na época em que se realizou a operação  (março, tempo seco), as temperaturas andavam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nessas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, (ii) precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas, etc., não havendo  paras, comandos nem fuzos do outro lado, para os "encurralar"), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação e a resistência física e psicológica, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível; ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas... (Veja-se, por exemplo, o número de TEVS, ou transportes de evacuação, que o Jorge Félix teve que fazer, nos dia  12 e 13 de março, para Bambadinca e para Mansambo. Sabemos que durante o tempo em que decorreu a Op Lança Afiada, havia 4 médicos em alerta (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), conforme se pode ler no relatório:

(...) "O médico de Bambadinca [, David Payne,]  foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário" (...) 

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos (ou mitificados desde o início da guerra, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal), mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais (?) de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruíram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram a regra básica da guerrilha: primeiro, retirar quando o inimigo, ataca: segundo, e quando possível, atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato (e hilariante, se fosse caso para rir) desta operação é que o pessoal deitou fora... as intragáveis rações de combate e desatou a comer... leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado da hierarquia militar. O relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem  críticas veladas, se não mesmo picardias,  ao Comandante-Chefe, ao Quartel General, à Marinha e à Força Aérea...

Há coisas, que se passaram nesta operação, sobre as quais  n ão faço qualquer comentário crítico, deixando isso à atenção e consideração dos poucos camaradas do blogue que estiveram nesta operação: estou-me a lembrar do Jorge Félix, do Paulo Raposo, do Torcato Mendonça, do Hilário Peixeiro...

Cada um dossos nossos leitores que faça a sua leitura, se possível distanciada e desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada (e que eu e outros camaradas da CCAÇ 12 conhecemos bem entre julho de 1969 e março de 1971).

Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 e doutras unidades que participaram na Op Lança Afiada (***).  Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Corubal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado,  logo em 2005, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros... Esse ataque ficou célebre, pelo menos a nível do humor de caserna: provavelmente. sem qualquer fundamente, dizia-se em Bissau, na 5ª Rep, no Café Bento,  e em Contuboel, "longe do Vietname", que "os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS"...

Eu e o resto da malta da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 estava a chegar a Bissau, no Niassa, quando se deu o ataque a Bambadinca, na noite de 28 de maio de 1969. E passámos por Bambadinca, a caminho de Contuboel, dias depois, a 2 de junho, a tempo ainda de ver e ouvir relatos na primeira pessoa dos camaradas da CCS/BCAÇ 2852...

Ainda há pouco tempo o fur mil reabast José Carlos Lopes (que conserva em casa o lençol da sua cama, todo crivado de estilhaços, na sequência de uma granada de morteiro que explodiu nos quartos dos sargentos) me dizia, ao telefone que "a sorte da malata foi os canhões s/r dos gajos terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha"...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas,  em estilo telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".  (L.G.)


B. Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - IV (e última) parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (IV e última parte) (*)


5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)


Dia D + 8 (16 de Março de 1969)

Os Dest A, B e C actuaram entre Queroane e Mangai destruindo tudo à sua passagem. O que sobrara de Mangai ficou reduzido a cinzas. Foram ainda capturados 3 nativos e feitos 2 mortos confirmados.

Os Dest F, G e I voltaram a bater a mata do Fiofioli mas agora no sentido Leste-Oeste. Inicialmente, porém, deslocaram-se por indicação do guia à zona (C8-71) e aí do lado de lá da bolanha, e portanto já fora da mata do Fiofioli, encontraram espalhado pelo mato, além de novos documentos, importante e valioso material de guerra que deu para encher mais de dois helis.

Os Dest E e H bateram também no sentido Oeste-Leste e Sul da mata e foram acabar de destruir a tabanca de Fiofioli, capturando ainda muitas munições.

Nesse dia, às 10h30 houve nova reunião em Bambadinca com Sua Excia o Comandante-Chefe. Sua Excia informou que em virtude de ter de realizar uma operação noutro Sector, determinava a suspensão do apoio aéreo em 17 [de Março] e o embarque dos Dest A, B e C em Ponta Luís Dias nesse dia com destino ao Xime. Os outros Dest do Agrupamento Sul não seriam reabastecidos em 17. Que o seriam em 18 mas compreendeu-se mal pois, segundo Sua Excia, em 17 o esforço aéreo não poderia ser mantido e só seria deixado o heli de evacuações. No entanto, os Dest do Agrupamento somavam nessa altura mais de 750 homens que seria necessário reabastecer de água e alimentação (os Dest A, B e C somavam entre 450 e 500 homens).

Nessa reunião foram também alteradas as instruções acerca do arroz IN: devia passar a ser todo destruído. Na véspera, porém, de acordo com a ordem recebida, comunicara-se aos Dest que deviam recolher todo o arroz possível, prevendo-se até o seu transporte por meio de colunas de carregadores a serem novamente recrutados. Havia até sido distribuído mais algumas centenas de sacos de linhagem.

Em face desta nova ordem, os helis passaram no regresso do reabastecimento a trazer homens em vez de arroz, afim de aliviar o esforço de reabastecimento. Mas foi só em 16 [de março]. Neste dia fizeram quase reabastecimento e meio, pois sabia-se que não seriam feitos reabastecimentos alguns em 17.

Foi recebida uma mensagem que dizia: “Confirmação ordens verbais Com-Chefe cessa 17MAR Op ‘Lança Afiada’ Agr Norte (.) Tropas Agr. Norte em Ponta Luís Dias 170600Mar69 (.) Comandante Agr Norte coordena Oper embarque atingido cerca 1000 (.) Com-Chefe desloca-se local partir 170900(.)”.

Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C. Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,]  podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês. Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos. Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade.


Dia D + 10 (18 de Março de 1969)

Na [noite] de 17 para 18 os Dest H e I chegaram ao Xitole transportando consigo 4 vacas que em certos pontos tiveram quase que ser levadas ao colo para passarem troncos estendidos sobre os ribeiros. As outras capturadas tiveram que ser abatidas.

Por seu lado, os Dest E, F e G passaram pela margem esquerda do Rio Bissari, atingiram a estrada e chegaram a Mansambo cerca das 08H30. Durante a noite, enquanto pernoitavam, um dos nativos capturados tentou fugir, sendo abatido.

6. Resultados obtidos

a) Baixas infligidas ao IN

O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos.

b) Inimigos capturados

Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres.

c) Material e documentos capturados ao IN

1 Carabina “Mosin Nagant”, 7,62 m/m modelo 1944

1 Espingarda “Mauser”, 7,92 m/mm, K98K

Idem 7,9 modelo 904

1 Espingarda sdemi-automática “Simonov” (SKS), 7,62 m/m

2 Metralhadoras pesadas “Goryonov", 7,62 m/m

2 Pistolas metralhadoras “Shpagin”, 7,62 (PPSH)

1 Granada para LG P-27 “Pancerovka”

12 Granadas para LG RPG-7

85 Granadas para LG RPG-2

1 Granada de Mort 60

19 Granadas de Mort 82

1 Mina A/P de salto e fragmentação (Bailarina)

1 Mina A/P de fragmentação PPMI

1 Mina TMB

2 Petardos de trotil de 1,2 kg

24 Cargas suplementares para morteiro (caixas)

42 Espoletas de granada Mort 82

3 Bolsas para carregadores PPZSH

1 Bolsa para carregadores Degtyarev

Cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios)

E ainda outro material diversos bem como livros, cartas, cadernos e objectos de uso pessoal.´

d) Baixas sofridas pelas NT

AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença

7. Serviços

a. Rações de combate

As R/C especiais agradaram de uma forma geral. As normais (nº 20, E) são absolutamente intragáveis e mais se tornam em operações tão prolongadas como esta.

b. Recursos locais

Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade.

c. Pessoal do Serviço de Saúde

As forças levavam o seu pessoal orgânico.

O médico de Bambadinca foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário.

d. Evacuações

Os feridos e os doentes foram evacuados por heli.

8. Apoio aéreo

a. Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b. Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação [, cor inf Hélio Felgas], dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;

- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;

- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;

- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);

- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;

Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ] às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantaram às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.

9. Ensinamentos colhidos

Dentro do espírito das NEP, este parágrafo “não é uma crítica mas uma análise objectiva que permite obter ensinamentos”. [Itálico e bold, do editor]

a) Torna-se evidente que a Op Lança Afiada foi bem sucedida, tendo sido alcançados todos os objectivos e cumprida integralmente a Missão.

Não há dúvida porém que o IN podia ter sofrido muito mais baixas e que as NT podiam ter capturado muito mais população se simultaneamente tivessem sido montadas emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal, conforme pedido. Esta margem fica fora dos limites do Agrupamento Leste e, concordo, é difícil de alcançar a partir de Buba. Mas uma companhia de paraquedistas ou de comandos teria operado maravilhas nela e evitado que a maior parte do IN e da população da margem Norte fugisse para a margem Sul como se sabe que fugiu durante as noites.

b) O facto de o IN nunca ter tentado resistir pode levar-nos à conclusão de que ele não era tão forte como se julgava. 

No entanto, não se tirou desta Operação um tal ensinamento. O que ele se viu foi varrido por todos os lados. Ao descobrir o “furo” da margem oposta passou-se para ela. Mas se tivéssemos podido tapar esse furo, ele teria sido talvez obrigado a resistir e mostraria então uma força que agora não mostrou porque achou inconveniente fazê-lo.

As 24 flagelações sofridas e os documentos apreendidos mostram porém que não devemos subestimar precipitadamente o IN. Nem sobre-estimá-lo, é claro.

c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade.

Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra.

d) As rações de combate normais voltaram a ser um elemento destruidor do moral das NT. Provocando a sede quando menos água há.

Temendo a sede, os homens deixam simplesmente de comer e ficam rapidamente exaustos.

e) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. 

Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra.


10. Não será talvez exagerado afirmar que o IN ficou desorganizado e que as destruições operadas pelas NT vão criar-lhe grandes problemas.


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 64-71. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

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Notas do editor:

(*) 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)


(...) Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação à prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o único co a voar para a Lança Afiada. A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

 (...) Quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catió fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma Tevs. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa) (...)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III


(***) Vd. postes anteriores da série > 


24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3

Guiné 63/74 - P11739: Parabéns a você (592): António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P11734: Parabéns a você (591): Cherno Baldé, amigo guineense, um dos meninos (ou 'djubis') do nosso tempo