sábado, 1 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20614: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (10): edição, revista e aumentada, Letras O / P / Q


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) > Posto Escolar Militar (PEM) nº 14  > 1972 > Alunos da Escola Primária. 


Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (*), de A a Z, em construção desde 2007, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné que se sentam aqui à sombra do nosso simbólico e fraterno poilão. Entradas das letras O, P,  Q:




 Letra O



OB - Oscar Bravo, obrigado (gíria, adaptado do Código de Fonética Internacional)

Obus 14 - Obus, de calibre 14 cm (ou 140 mm)


OGFE - Oficinas Gerais de Fardamento do Exército

Oinca - Habitante da região do Oio


Oitenta - Morteiro de calbibre 81 (o PAIGC tinha o 82)

ONG - Organização não-governamental


ONGD - Organização não-governamental para o Desenvolvimento

Onze quatro - Peça de artilharia, de calibre 11,4 cm: não confundir com obus


Op - Operação (vg., Op Lança Afiada); operador

Op Cripto - Operador Cripto

Op Esp - Operações especiais ou ranger, com o curso do CIOE, de Penude / Lamego


Ordem Militar da Torre e Espada - Por extenso, Ordem Militar da Torre e Espada, e Valor, Lealdade e Mérito



Letra P

P2V5 - Avião de luta anti-submarina, também usado no Guiné, no início da guerra, para ataque ao solo

Pachanga - Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal 7,62 mm M-941 (PPSH) (PAIGC);  costureirinha (gíria)

PAI - Partido Africano para a Independência, fundado em 1956 (mais tarde, PAIGC)

PAIGC - Partido Africano Para a Indepência da Guiné e Cabo Verde

Panga bariga - Caganeira (crioulo)

Parafusos - Familiares, amigos ou vizinhos de paraquedistas ou de fuzileiros, convivendo com ambos

Páras - Paraquedistas

Parte peso - Dá-me dinheiro (crioulo)

Partir catota - 'Dar o pito' (expressão nortenha); ter relações sexuais (a mulher com o homem) (calão)

Partir punho - Ser masturbado por outrem, à mão (crioulo, calão); "bater uma punheta"

Pastilhas - Enfermeiro (em geral, fur enf) (gíria)



Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Esta, por acaso, foi emitida em Lisboa em 17 de Dezembro de 1971. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos "camaradas" a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros", no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Foto (e legenda): © António Santos (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Patacão - Dinheiro, pesos (crioulo)

Pau de Pila - Lança Granadas-Foguete Pancerovka P-27 (PAIGC, gíria)

PC - Posto de Comando

PCV - Posto de Comando Volante 


Peça 11,4 - Peça de artilharia, de calibre 11,4 cm; também conhecido por onze quatro

Peça M-130 - Peça de artilharia de longo alcance, da Guiné-Conacri, usada em ataques fronteiriços pelo PAIGC, a partir de 1973

Pel Caç Nat - Pelotão de Caçadores Nativos

Pel Can s/r - Pelotão de Canhão sem recuo

Pel Mil - Pelotão de Milícias

Pel Mort - Pelotão de Morteiros

Pel Rec Daimler - Pelotão de Reconhecimento Daimler (Cavalaria)

Pel Rec Fox - Pelotão de Reconhecimento Fox (Cavalaria)

Pel Rec Info - Pelotão de Reconhecimento e Informação


Pelicano – Café, restaurante e esplanada, em Bissau, junto ao estuário do Geba, na marginal, ao tempo colonial

Peluda - Vida civil (depois da tropa)(gíria)


Pepito - "Nickname" ou "nominho" do engº Carlos Schwarz da Silva (1949-2014), guineense de origem portuguesa, nosso grã-tabanqueiro 

Perintrep - Periodic Intelligence Report

O Perintrep era uma documento classificado, elaborado pela 2ª Rep/QG/ComChefe/Guiné (, chefiada, no final da guerra, por Artur Baptista Beirão, ten cor inf) (1925-2014). Era elaborado a partir de notícias recebidas (Relim) durante um período semanal, indicando-se sempre a origem ou o órgão da fonte da notícia. O documento, classificado, chegava até aos comandantes operacionais (nível de companhia), que o tinham de incinerar no prazo de 72 horas... As informações nele contidas, devidamente selecionadas, podiam ser (ou não) partilhadas depois com os subordinados, individualmente ou em grupo.







Reprodução (parcial) do Perintrep nº 12/74, relativo ao período de 17 a 24 de março de 1974. Documento (digitalizado) por Nuno Rubim (2016) / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)




Periquito - Militar novato; pira, "piriquito" (sic); maçarico (Angola), checa (Moçambique)


Peso - Unidade da moeda local; escudo guineense (no tempo colonial) (crioulo); valia, no mercado cambial, menos 10% do que o escudo metropolitano; a moeda da Guiné era emitida pelo 

PG - Prisioneiro(s) de Guerra


Piça - (i) Pénis (calão); (ii) apelido paterno do 2º srgt inf, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), José Manuel Rosado Piça, alentejano; costumava apresentar-se às senhoras, brincando com o seu apelido brejeiro: "Sargento Piça, minha senhora, para a servir"; é membro da nossa Tabanca Grande, vive em Évora

Piçada - Repreensão de um superior (gíria)

Picador - Soldado ou milícia que faz a picagem, usando geralmente um vara, com um prego afiado na ponta

Picagem - Deteção de minas e armadilhas num trilho ou picada


Piche-pache(Lê-se: pitche-patche) - Canja de ostras (crioulo)

PIDE/DGS - Polícia política portuguesa: PolíciA Internacional de Defesa do Estado, no tempo de Salazar, rebatisada como Direção Geral de Segurança, no tempo de Marcelo Caetano





O PIFAS - Cartoon, de autor desconhecido. 

Cortesia de Miguel Pessoa (2012)

PIFAS - Programa de Informação das Forças Armadas

PIL - Piloto da FAP, abreviatura aplicada a todos os pilotos sargentos milicianos ou do quadro [ex: furriel mil pil Gil Moutinho]:
Pilão - Bairro popular de Bissau, muito frequentado pelas NT nas horas de lazer; cupelon (crioulo)

PILAV
 - Piloto aviador da FAP, abreviatura aplicada a todos os oficiais milicianos ou do quadro [ex., ten pilav Miguel Pessoa, alf mil pilav Jorge Félix] 

PIL NAV - Piloto navegador da FAP: abreviatura aplicada a todos os oficiais do quadro que vieram de sargento, fazendo o respectivo curso de oficiais por atingirem tempo de serviço.
Pimbas - Alcunha do 1º comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos


PINT - Pelotão de Intendência

Pira - Periquito, militar recém-chegado à Guiné; maçarico (Angola); checa (Moçambique)


Pistola-metralhadora - Em inglês, "subgun", submetralhadora; as Forças Armadas usavam várias marcas e modelos, com destaque para a FBP (portguesa) e a Uzi (israelita)

Piurso - Pior que um urso, zangado (gíria)
Poilão - (i) Designação comum a algumas árvores da família das bombacáceas (crioulo); nome científico, Ceiba Pentandra; (ii) árvore sagrada para os guineenses, mas também, em termos simbólicos, para os membros da Tabanca Grande, à sombra da qual se sentam, os vivos e os mortos



Poilão (Caderno de Poesia) - Publicação literária de que se fizeram 700 exemplares, a stencil, em fevereiro de 1974, em edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU; editor: Albano Mendes de Matos, membro da nossa Tabanca Grande

Poilon - Poilão (crioulo)


Ponta - Herdade, exploração agrícola 
(crioulo); o termo aparece em muitos topónimos da Guiné, alguns de trágicas memórias para nós, combatentes da guerra colonial (ex., Ponta do Inglês, na foz do rio Corubal, no subsetor do Xime)

Ponteiro - Proprietário ou cultivador de uma "ponta" (crioulo)

Pop - População

Porrada - (i) Contacto com o IN; (ii) punição disciplinar (gíria) 


Posto Escolar Militar (PEM) - Estabelecimento escolar, em geral improvisado, criado e mantido pelas subunidades de quadrícula (ex., PEM nº 8, Xime, setor L1, Bambadinca, região de Bafatá)


PPSH - Metralhadora ligeira, 7,72 mm (PAIGC; a famigerada 'costureirinha' (gíria)

Psico - Acção psicológica e social das NT junto da população (também Psique)

PTE - Pelotão de Transportes Especiais. Pertencia ao BENG 447.

Puto - Nominho dado a Portugal (metrópole) sobretudo pelos "colonos" de Angola e Moçambique, sendo um território muito mais pequeno do que aquelas duas "colónias" ou "províncias ultramarinas"



Letra Q


QG - Quartel General

QG/CCFAG - Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné), sito na Fortaleza da Amura

QG/CTIG – Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné, sito em Santa Luzia 


QEO - Quadro Especial de Oficiais

QP - Quadro Permanente (Pessoal)

Quarteleiro – 1º cabo de manutenção de material

Quebra-costelas - Abraço, AB, Alfa Bravo (gíria, de origem alentejana)

Quico - Boné especial da tropa
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

16 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20562: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (9): edição, revista e aumentada, Letras M / N

31 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20516: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (8): edição, revista e aumentada, Letras I, J, K e L

28 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20506: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (7): edição, revista e aumentada, Letras F, G e H

3 de dezembro 2019 > Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20255: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (5): edição, revista e aumentada, Letra C

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A

12 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19396: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (1): em construção: para rever, aumentar, melhorar, divulgar, comentar..

Guiné 61/74 - P20613: Os nossos seres, saberes e lazeres (375): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Visitar regularmente um país, e sobretudo a sua cidade principal, com uma regularidade de 4 décadas, quase sempre em viagens de entusiasmo, deixa marcas. Primeiro descobrir Bruxelas, assentar referências e âncoras: os museus, as livrarias, as férias da traquitana, os parques. Depois aprender a usar o comboio, ir à Antuérpia ou a Gand, depois Namur e Liège, etc. Aprender, com o guia na mão a distinguir as belezas de diferentes comunas, Ixelles é diferente de Saint-Gilles e Schaerbeek de Uccle.
Um amigo de peito acolheu-me em Watermael-Boitsfort, ajudou imenso, contei com a sua companhia para conhecer os arredores de Bruxelas, as pequenas aldeias, percorrer o espetacular parque de Tervuren.
É de todas essas marcas que me deixam saudades que aqui vos falo.

Um abraço do
Mário


A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (3)

Beja Santos

Naqueles primeiros anos de digressões por Bruxelas, ainda sem amizades cimentadas, preparava previamente o meu dia de férias, de um modo geral viajava ao sábado, tinha o domingo por minha conta, os dias subsequentes pertenciam aos serviços da Comissão Europeia ou à vida da associação de consumidores, de que fui um dos seus diretores. Às vezes era ao contrário, ia quinta-feira à noite, trabalhava sexta-feira, o sábado pertencia-me, regressava nessa noite, havia duas filhas pequenas que requeriam muita atenção. A floresta de Soignes é de uma enorme extensão, só a conheci mais tarde, quando passei a aboletar-me em casa do meu amigo André Cornerotte, passeámos muitas vezes em qualquer das estações do ano. A floresta é muito procurada pelos pedestres, pelos cavaleiros e por quem tem cães. A floresta estende-se de Uccle a Waterloo e de La Hulpe a Tervuren, são mais de 4360 hectares. Serei muito ignorante, mas não conheço outra grande metrópole que beneficie de um maciço arborizado ou coberto florestal com estas dimensões. Recomendo a quem visite Bruxelas que se meta num transporte público, de preferência o metropolitano (saída na estação Herrmann-Debroux) e entra diretamente nas belezas desta floresta, se tiver bom tempo prepare um piquenique, o melhor do bucolismo estará por sua conta.

Floresta de Soignes.

Nos preparativos da primeira viagem, alguém advertiu que a cervejaria mais típica da cidade se chamava A la mort subite, noutros tempos por ali passava com alguma frequência o mítico Jacques Brel. Fiquei impressionado, viera a pé não sei de onde, o tempo não estava famoso, procurei um lugar, mirei à volta, chamou-me a atenção uma cerveja cor de sangue, era uma kriek, saborosíssima, tinha o fim de tarde por minha conta, fechei os olhos, ouvi conversas, abri os olhos para reter os aspetos assombrosos da decoração. Mesmo que não goste de cerveja, não deixe de ir A la mort subite, peça um croque monsieur e talvez um chocolate e deixe-se estar, está ali uma Bruxelas intemporal.

Fachada do café A la mort subite.

Em nenhuma circunstância, um aficionado de banda desenhada pode deixar de visitar a sua Meca, belgas e franceses são os sumo-sacerdotes da BD ocidental, aqui estão elementos essenciais dos grandes momentos desta arte, aqui se podem reverenciar os trabalhos de grandes senhores como Hergé ou Edgar P. Jacobs, é um estendal de desenhos de primeiríssima água, reproduções de peças mitológicas como o foguete em que Tintin foi à lua ou a imagem de Lucky Luke. Se é devoto, prepare-se para uma longa e agradável peregrinação, além disso há as compras, ou de relíquias dessas tantas figuras ou álbuns irresistíveis. Não sairá daqui dececionado, acredite.

O centro belga de banda desenhada.

Já se disse que Bruxelas possui um alfobre invejável de chocolatarias, livrarias, museus, monumentos, galerias de compras e edifícios do mais valioso património. Aliás, estar em Bruxelas no dia em que se celebra o património é uma festa inesperada, tanto se pode entrar em templos maçónicos como visitar instalações de grandes fábricas do passado. Há grandes surpresas, por exemplo o velho mercado de Saint-Géry, hoje um espaço multiusos, muito aprazível, com exposições, cafés e lojas onde se podem adquirir publicações sobre património. Num desses passeios iniciais, surpreendeu-me a sumptuosidade de uma fachada que até lembrava um daqueles edifícios da Grand-Place, era a Maison de la Bellone, vem dos finais do século XVII, tem ornamentação barroca. La Bellone é a deusa da guerra. É uma casa de espetáculos que abriga um variado conjunto de associações culturais. Da primeira vez, limitei-me a ficar especado diante da fachada, depois perdi a vergonha e pedi autorização para andar lá por dentro a bisbilhotar. E fui sempre bem-sucedido.

A casa Bellone.

Alguém que vá uma ou duas vezes a Bruxelas e que se limite a participar numa conferência ou numa reunião de trabalho não terá oportunidade de encarar um edifício colossal que no seu tempo foi dos maiores do mundo, o Palácio de Justiça. Ao longo destas décadas de visitas encontrei-o sempre com algumas obras, ou na cúpula, nos vestíbulos, nas faces laterais, enfim, vi sempre o colosso com andaimes. É impressionante, até porque andar dentro do casco histórico ele persegue-nos sempre, havemos sempre de deparar com uma nesga desta monumentalidade. Há mesmo um livro sobre Bruxelas que arranca com a história do Palácio de Justiça, uma empresa faraónica que jamais terá conclusão, acreditem.

O Palácio de Justiça.

Fiz amizade com o Monte das Artes por diferentes razões. A mais importante é que lá do topo da escadaria goza-se um panorama ímpar do centro. Ali perto, estão importantes centros culturais, a Biblioteca Real, o Palácio das Belas-Artes, não só uma grande casa de música como ali se acolhem exposições fora de série, mais acima o Museu dos Instrumentos Musicais no velho edifício do Old England, o Palácio de Carlos da Lorena, mais acima o hoje Museu de Arte Moderna ou Museu Magritte, que confina com o Museu de Artes e História da Bélgica. Descendo o Monte das Artes estão galerias com alfarrabistas e de arte, décadas atrás era uma área de grande atração, havia ali a Posada Books, uma riquíssima livraria, há muito que desapareceu. Naqueles anos 1970-1980 saía-se da gare central e tinha-se um descampado pela frente, caminhava-se até à Igreja da Madalena e depois descia-se em direção ao centro da cidade. Volto atrás para referir que ao lado da Galeria de Arte Alberto I, na Rua da Madalena, continua aberto um alfarrabista e quinquilheiro que visitei vezes sem conta. Continuo a ir lá cumprimentá-lo, mas prefiro os preços mais apetitosos da Feira da Ladra: é o saber de experiência feito.

Monte das Artes.

Em muitas ocasiões, quando vim a Bruxelas para conferências, a Comissão Europeia punha-nos em hotéis de várias estrelas, nos bulevares principais. Caso não chovesse, ou mesmo com friagem, era um prazer imenso ir a pé até ao quarteirão europeu. Tinha que se atravessar o Parque Real, em frente ao palácio onde o rei trabalha e concede audiências. É um parque à francesa, muito bem desenhado, com bela estatuária, belas fontes a esguichar água. Não perdia este passeio, no verão enche-se de famílias, é uma delícia para as crianças.

Parque Real de Bruxelas.

Num dos guias que adquiri já em Bruxelas vi uma referência a Laeken e a dois pavilhões visitáveis, o chinês e o japonês, Leopoldo II comprou estas relíquias na Exposição de Paris de 1900. Como a primeira viagem fora penosa, um elétrico demorado, a atravessar artérias desinteressantes, e uma passeata sob sol inclemente, só lá voltei na companhia de uma grande amiga que aproveitou a ocasião para me mostrar as estufas reais. Não estavam visitáveis, então, mas impressionou-me muito as estruturas, agora sou um visitante assíduo, quem gosta de floricultura tem muito que se entreter.

Estufas reais no Palácio de Laeken.

Muitos anos já eram passados em deambulações em Bruxelas e eu ainda não tinha atinado naquela verdade que Bruxelas é feita de uma manta de retalhos com muita água pelo meio, a Bruxelas medieval estava repleta de embarcações. No mundo contemporâneo foram feitas imensas operações para abobadar esses caudais de água, mas restam canais. Estive mesmo num curso em que a organização promotora ofereceu um passeio pelos canais de Bruxelas, deu para avaliar a importância do seu significado económico, mas não são beleza nenhuma, os meios envolventes são pouco cativantes.

Um dos canais de Bruxelas.

Tal como o Palácio de Justiça, a Basílica do Sagrado Coração vê-se à distância, um pouco por toda a parte. Como Laeken, não é de acesso muito fácil. É o mais gigantesco templo Arte-Deco da Bélgica, roça a colossalidade, impressiona por fora, é muito frio por dentro. Visita-se e não apetece voltar, a não ser para disfrutar uma das mais belas panorâmicas sobre Bruxelas.

Basílica Nacional do Sagrado Coração.

É bem provável que estas informações sejam praticamente inúteis para a generalidade dos leitores, guardo na memória igrejas e outros monumentos que visitei ao longo destas décadas, por exemplo em Lovaina, Lierre, Antuérpia ou Bruges. Mas a Bélgica tem magníficas campinas, à volta de Bruxelas há pequenas e ternas igrejas medievais, há quintas, abadias inesquecíveis, castelos… Pois foi com o meu amigo André Cornerotte que visitei a Abadia de Orval, nas Ardenas, muito próximo da fronteira francesa, uma preciosidade. Bom, demos livre curso a estas recordações!

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20591: Os nossos seres, saberes e lazeres (374): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20612: Mi querido blog, por qué no te callas?! (4): um Oscar Bravo (Obrigado) e um Alfa Bravo (Abraço) a todos os/as amigos e camaradas que se lembraram de mim, ao km 73 da minha caminhada pela picada da vida... (Luís Graça, editor)

1. Mandam as boas regras da educação, da amizade e da camaradagem que eu venha aqui agradecer, com regozijo e humildade a todos aqueles de vós que se lembraram de mim, no dia 29 de janeiro de Vinte-Vinte, ao chegar ao km 73 da minha caminhada pela picada da vida (*).

Fiz anos nesse dia  (, tal como o Virgílio Teixeira), e recebi parabéns, como simples  membro da Tabanca Grande. Muitos, no entanto,  mesmo aqueles que não me conhecem pessoalmente, "ao vivo",  fizeram questão de sublinhar a minha condição de fundador, editor, administrador e animador deste blogue que, desde 23/4/2004,   junta, debaixo de um simbólico e fraterno poilão, uma comunidade de antigos combatentes da guerra colonial, 801 (até à data) "amigos e camaradas da Guiné".

Fico feliz por, mais uma vez, ver reconhecido publicamente o papel, discreto mas meritório, deste blogue, e haver preocupações, legítimas, quanto à sua continuidade e ao seu futuro... Recusando qualquer "culto da personalidade", repito aqui o que disse ao meu "mano" Virgíio Teixeira (que faz anos no mesmo dia):

(...) Quanto ao que dizes do blogue e do meu papel, eu não posso esquecer, ignorar, escometear ou branquear o contributo, teu e dos demais 800 camaradas e amigos... Todos não somos demais. Eu dei apenas o pontapé de saída, como se costuma dizer... Tinha um blogue, desde outubro de 2003, o Blogue-Fora-Nada, onde começaram a aparecer memórias da Guiné,  a primeira em 23 de abril de 2004... Começaram a aparecer "muitos afluentes do mesmo rio"... Ao de fim dois anos e mais de 800 postes, éramos já 111 os membros desta "tertúlia"... 

Fechei a minha lojinha, arranjei uma equipa de editores e colaboradores, e todos os anos foi entrando malta nova... E cá camos, a caminho dos 16 anos, blogando e resgatando as nossas memórias daqueles nossos verdes anos passados naquela terra vermelha... Não é saudosismo: ninguém nos tira os bons e os maus momentos que lá passamos, quando tínhamos os nossos 22, 23, 24 anos... Só o Alzheimer nos pode frustrar o exercício desse direito. (...)  Bebo um copo à tua saúde e todos os demais amigos e camaradas que nos honram com a sua presença na Tabanca Grande. (...)



2. Permitam-me, entretanto,  que selecione alguns excertos e mensagens, dirigidas à minha pessoa,  que li, aqui, no blogue, no correio eletrónico e no facebook da Tabanca Grande...Não só pela sua originalidade mas também pela força que me transmitem para poder continuar a blogar, com a nossa equipa de editores e colaboradores...  

Na realidade, às vezes a gente  já começa a fraquejar e a ter dúvidas sobre o rumo certo do caminho que nos falta percorrer, havendo até, entre os nossos amigos, camaradas e familiares, quem nos reprove esta teimosia por andar a "chafurdar, há tantos anos, no lodo, na merda, no tarrafo das memórias da guerra da Guiné" (**)...

A ordem dos autores das mensagens é alfabética e a lista é meramente exemplificativa. ( A  todos/as os que se lembraram de mim, nesse dia, e foram muitas dezenas, aqui fica a minha gratidão,  uma das virtudes que eu mais prezo.)

Adriano Moreira: (...) Muito obrigado pela criação do teu/nosso blog. Foi uma grande ajuda para todos os combatentes que passaram pela Guiné e não só. Mas, para além dessa missão terapêutica, ainda serve de material de consulta para muitos estudiosos sobre o que se passou e o que se passa sobre a Guiné. (...)

Alberto Branquinho: (...) Eu, "curioso" me confesso a espreitar esta "sala de conversa" (como diz o Mário Beja Santos), "sala" que tantos "fantasmas" ajudou a exorcisar. (..)

António Carvalho: (...)  O Luís Graça, por tudo o que fez por mim e por nós, combatentes, merece um abraço muito especial. (...)


António Murta: (...) Eu só posso dizer-te: parabéns, Luís Graça. És o melhor amigo/camarada/bloguista deste Blogue! (...)

António Ramalho: (...) Aproveito esta oportunidade para uma vez mais louvar a tua iniciativa que tanto tem contribuído para o nosso enriquecimento enquanto "frequentadores" daquelas paisagens em temas que desconhecíamos, noutros avivámos a memória.(...)

Carlos Vinhal: (...) Como se diz na "tropa" e na Função Pública, duas áreas em que me movi a maior parte da minha vida, está a ser uma honra "servir sob as tuas ordens".Dizia a fadista: - Cantarei até que a voz me doa.  Nós dizemos: - Manteremos este Blogue mesmo quando a artrite nos dedos nos doa. Conta comigo. (...)

Cherno Baldé: (...) Um abraço de parabéns aos aniversariantes, em especial ao Luis Graça, meu irmão mais velho, com votos de saúde e boa disposição ao lado da familia. (...)

Ernestino Caniço: (...) Um reconhecimento especial ao Luís Graça pela dedicação expressa aos ex-combatentes da Guiné.Um grande abraço. (...)

Fernando Chapouto: (...) Não podia deixar em branco o agradecimento ao grande comandante do blogue pelo bem que proporcionou aos ex-combatentes.  Mais uma vez um forte abraço para ti" (...)

Hélder Sousa: (...) Não me alongo nos comentários que agora se deviam fazer, salientando as virtudes e qualidades do Blogue que em tão boa hora criaste e tentando exorcizar aspectos que, por vezes, criam alguma fricção. Então, caro Luís, os meus sinceros parabéns e que te mantenhas activo, física e mentalmente, para também nos "alimentares" com os teus escritos e com o que se for colocando no Blogue. (..)

João Afonso Bento Soares: (...) Das voltas que dá a vida, / Fica a ilusão perdida / De que o tempo nos faltou… / Por dele não termos conta / É que a nossa mente tonta / Assim o desperdiçou! (...)

João Crisóstomo: (...) Gostaria de ter muito mais condão de palavra para poder descrever o que sinto sobre o Luís Graça, meu camarada, meu mentor, meu amigo, meu irmão... e por mais que eu me esforce as palavras que me saem ficam sempre muito aquém daquilo que sinto e gostaria de saber comunicar. (...) O Luís Graça é um criador e construtor de obras que influenciam e marcam a vida de outros. Não precisamos de ir longe, que este seu/nosso blogue fala por si: creio que de alguma maneira todos fomos beneficiados - e alguns de nós em medida tão grande que só os próprios o podem sentir - pela criação deste salutar movimento de vivência de memórias nas diversas vertentes em que se apresenta. Veja-se o despertar de consciências que este movimento ocasionou e que continua a desafiar ainda cada dia os que dele têm conhecimento; veja-se o contributo para a história de Portugal, da Guiné; vejam-se o número de livros escritos que nunca teriam visto a luz do dia… Portugal e os portugueses, a cultura e história de Portugal tornaram-se e ficam ainda cada dia mais ricos graças a este Luís Graça, e à equipa altamente qualificada de colaboradores de que se soube rodear. (...)

Jorge Picado: (...) Fico feliz por ti, já que ainda vais ter muito tempo para manteres esta "Fonte de Conhecimento". (..:)

José Câmara: (...)Muito devo a esta página que em hora criastes. Aqui conheci novos amigos, encontrei outros. desabafei. Foi no meio de todos vós que reencontrei a minha CCaç 3327/BI17. Tudo isso tem um nome, obrigado. (...) Abraço transatlântico. (...)

José Colaço: (...)  [as palavras de apreço pelo trabalho e a criação do blogue Luís Graça & camaradas da Guiné subrepõem-se ás 73 primaveras do aniversariante  (...)

José Ferreira: (...) Parabéns para o nosso Tabanqueiro Mor (...)

Juvenal Amado: (...) quase passava em claro o aniversário do nosso irmão maior deste blogue, que activou um cortejo de memorias de há 15 anos para cá, capaz de manter viva a nossa passagem por aquelas terras tão temidas quando para lá fomos , tão detestadas quando lá estivemos e das quais temos hoje uma saudade como do perfume da nossa juventude. Que pensaste quando fizeste andar a roda? Que ia resultar nisto, ou só um cotejo de boas intenções? Como o poeta diz,  "o sonho comanda a vida " e as nossas vidas acabaram comandadas pelo o teu sonho. (...)

Luís Graça: (...) Virgílio, muita saúde, que é agora o mais essencial para nós, nesta idade, requisito para continuarmos a ser livres e felizes... E vamos pôr a felicidade, aqui e agora, onde estamos. (...)

Manuel Luís Lomba: (...) Os meus parabéns e um abraço de grande estima ao Luís Graça, o "jarga" da nossa Tabanca Grande. (...)

Mário Beja Santos: (...) Meu caro Luís, os meus votos sinceros para que restaures a tua saúde, que a cirurgia seja um êxito, precisas tu e preciso eu, e muitos de nós que andamos combalidos, que o teu entusiasmo não feneça, que continues indómito por este amor à causa. Aproveita o dia com os teus entes queridos e medita bem sobre os preparativos que devemos desenhar para o futuro do nosso blogue, justamente porque tu criaste algo que nos ultrapassa e é hoje um inquestionável património de consulta obrigatória, por investigadores e curiosos, esta nossa indefetível sala de conversa. Refletir sobre o futuro faz sempre bem e podes contar comigo. (...)

Valdemar Queiroz: (...) Para o ano há mais, e nada de 'estou a ficar velho'.

Virgílio Teixeira: (...) Também a minha curta participação no teu Blogue, fez de mim uma pessoa diferente,  passei a compreender melhor o que foi a nossa participação nesta guerra da Guiné. Fico grato por isso, e não vou esquecer, enquanto tiver memória. E assim ficaram dois anos de lembranças.
Felicidades para o teu blogue, que não tem paralelo noutras redes sociais, nem no Museu Militar. (...)

Virgínio Briote: (...) 73 anos, 73 chuvas. Que tenhas ossos e amortecedores que ainda tens muito para andar e ver a tua neta a crescer. (...)

Zé Manel Cancela: (...) Um grande abraço de parabens para o nosso timoneiro e amigo Luis Graça, com o meu muito obrigado pelo que tens feito em prol dos combatentes da Guiné. (...)

Zé Saúde: (...) Continua firme e segue em frente com a dinâmica que te é reconhecida. O nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, está-te francamente reconhecido. Eu, José Saúde, me confesso, que foi através do nosso blogue que a "inspiração" dos meus textos publicados me abriram novos rumos com mais duas obras publicadas.  Aquele "abração" deste já velho alentejano. (...)


3. Amigos e camaradas da Guiné: somos 801, ao fim de 16 anos. Infelizmente, 77 já não estão entre nós, fisicamente falando.  A "ceifeira da morte" já lhes cortou as raízes na terra. Mas fica a memória e a saudade.

Esta primeira série do nosso blogue vai de 8 de outubro de 2003 a 1 de junho de 2006. Neste espaço de tempo publicaram-se 825 postes, numerados de I a DCCCXXV (Numeração romana, que estopada!)... E, no final, contadas as cabeças, éramos exatamente 111 os amigos e camarada da Guiné. Tratávamo-nos por "tertulianos", ou sejam, membros de uma tertúlia... Aqui vai essa lista, já histórica...

 Atenção que a lista está ordenada, por ordem alfabética, não por antiguidade...(Aproveito o ensejo para lembrar com saudade o nosso camarada Zé Neto, o primeiro que a morte nos levou em 2007):

(1) A. Marques Lopes,
(2) A. Mendes,
(3) Abel Maria Rodrigues,
(4) Afonso M.F. Sousa,
(5) Aires Ferreira,
(6) Albano Costa
(7) Amaro Samúdio,
(8) Américo Marques,
(9) Ana Ferreira,
(10) Antero F. C. Santos,
(11) António Baía,
(12) António Duarte,
(13) António J. Serradas Pereira,
(14) António (ou Tony) Levezinho,
(15) António Rosinha,
(16) António Santos,
(17) António Santos Almeida,
(18) Armindo Batata,
(19) Artur Ramos,
(20) Belmiro Vaqueiro,
(21) Carlos Fortunato,
(22) Carlos Marques Santos (1943-2019),
(23) Carlos Schwarz (Pepito) (1949-2014)
(24) Carlos Vinhal,
(25) Carvalhido da Ponte,
(26) David Guimarães,
(27) Eduardo Magalhães Ribeiro,
(28) Ernesto Ribeiro,
(29) Fernando Chapouto,
(30) Fernando Franco (1951-2020),
(31) Fernando Gomes de Carvalho,
(32) Hernani Acácio Figueiredo,
(33) Hugo Costa,
(34) Hugo Moura Ferreira,
(35) Humberto Reis,
(36) Idálio Reis,
(37) J. C. Mussá Biai,
(38) J. L. Mendes Gomes,
(39) J. L. Vacas de Carvalho,
(40) João Carvalho,
(41) João S. Parreira,
(42) João Santiago,
(43) João Tunes,
(44) João Varanda,
(45) Joaquim Fernandes,
(46) Joaquim Guimarães,
(47) Joaquim Mexia Alves,
(48) Jorge Cabral,
(49) Jorge Rijo,
(50) Jorge Rosmaninho,
(51) Jorge Santos,
(52) Jorge Tavares,
(53) José Barreto Pires,
(54) José Bastos,
(55) José Casimiro Caravalho,
(56) José Luís de Sousa,
(57) José Manuel Samouco,
(58) José Martins,
(59) José (ou Zé) Neto (1929-2007) ,
(60) José (ou Zé) Teixeira,
(61) Júlio Benavente,
(62) Leopoldo Amado,
(63) Luís Carvalhido,
(64) Luís Graça
(65) Luís Moreira (V. Castelo),
(66) Luís Moreira (Lisboa),
(67) Manuel Carvalhido,
(68) Manuel Castro,
(69) Manuel Correia Bastos,
(70) Manuel Cruz,
(71) Manuel Domingues,
(72) Manuel G. Ferreira,
(73) Manuel Lema Santos,
(74) Manuel Mata,
(75) Manuel Melo,
(76) Manuel Oliveira Pereira,
(77) Manuel Rebocho,
(78) Manuela Gonçalves (Nela),
(79) Mário Armas de Sousa,
(80) Mário Beja Santos,
(81) Mário Cruz,
(82) Mário de Oliveira (Padre),
(83) Mário Dias (ou Mário Roseira Dias),
(84) Mário Migueis,
(85) Martins Julião,
(86) Maurício Nunes Vieira,
(87) Nuno Rubim,
(88) Orlando Figueiredo,
(89) Paula Salgado,
(90) Paulo Lage Raposo,
(91/92) Paulo & Conceição Salgado,
(93) Paulo Santiago,
(94) Pedro Lauret,
(95) Raul Albino,
(96) Renato Monteiro,
(97) Rogério Freire,
(98) Rui Esteves,
(99) Rui Felício,
(100) Sadibo Dabo,
(101) Sérgio Pereira,
(102) Sousa de Castro,
(103) Tino (ou Constantino) Neves,
(104) Tomás Oliveira,
(105) Torcato Mendonça,
(106) Victor David,
(107) Victor Tavares,
(108) Virgínio Briote,
(109) Vitor Junqueira,
(110) Xico Allen,
(111) Zélia Neno.


4. Em rigor foi em 1 de junho de 2006 que o Blogue-fora-nada passou a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, continuando "a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos". 

Era descrito como "um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, hoje República da Guiné-Bissau, nos anos quentes de 1963 a 1974".

E acrescentava o blogador-mor, nessa altura, ainda sozinho: "É um blogue, em português,  (...) sem discriminação de alguma espécie (sexo, idade, nacionalidade, etnia, orientação sexual, estado civil, religião, clube, hobby, lobby, escolaridade, título, profissão, situação na profissão, posto na tropa, estatuto sócio-económico, idiossincrasia, etc.)".

Que continue a ser um lugar de partilha de memórias (e de afetos) à volta da Guiné, e em especial da que conhecemos entre 1961 e 1974... E que continue a ser um lugar de tolerância e respeito mútuo, uma verdadeira Tabanca Grande, onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar...

Entretanto, estamos a tentar arranjar uma data para voltarmos a encontrarmo-nos, este ano, no nosso convívio anual... Será o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande. Muito provavelmente no fim do verão, em 26 de setembro de 2020. Em Monte Real,  se o atual surto de pneumonia por novo Coronavírus (2019-nCoV) nos deixar, isto é, se não se transformar numa pandemia... Daremos notícias em breve.
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Notas do editor:

(*) V.d postes de:


(**)  Último poste da série > 20 de dezembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10833: Mi querido blog, ¿por qué no te callas? (3): A moral da história, cada um que a tire; e quanto ao mural, cada um que o pinte... Relembrando o velho blogue-fora-nada, com amor, com humor, e votos de festas felizes para tertulianos de ontem e grã-tabanqueiros de hoje... (Luís Graça)

Vd. postes anteriores da série:

18 de 18 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10822: Mi querido blog, por qué no te callas?! (2): (i) A guerra também é capaz de revelar o que há de mais sublime nos seres humanos (Hilário Peixeiro); (ii) ... E eu estou nesta bela caravana há quase 9 anos (David Guimarães)...

17 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10813: Mi querido blog, por qué no te callas?! (1): A notícia da morte do blogue foi manifestamente exagerada... No final do ano, atingiremos a cifra de 1 milhão e 250 mil visitas (Luís Graça)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20611: Historiografia da presença portuguesa em África (197): "Nha" Carlota (1889-1970) e Artur Lopes Nunes (1909-2007), dois portugueses de antanho



Guine-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral (antiga Av República) > Foto do estabelecimento de Nunes & Irmão Lda, hoje Coimbra Hotel & Spa.

"Um hotel no centro da cidade, junto a Catedral de Bissau. Oferece aos hóspedes um espaço com piscina, ginásio, spa e também sala de reuniões para os hóspedes em viagem de negócios. O restaurante do hotel tem um buffet variado e segundo os hóspedes, muito saboroso. O pequeno almoço é servido num bonito e bem tratado jardim. O hotel fica a poucos metros de locais que merecem a sua visita, como por exemplo, o do Porto de Bissau, a zona mais antiga da cidade, Bissau Bedjo e a Praça dos Mártires de Pindjiguiti."

Tem também uma livraria, a livraria Coimbra. O Hotel está instalado no antigo estabelecimento, um dos mais importantes ds época colonial, da firma Nunes & Irmão Lda, fundada por Artur Lopes Nunes (1909-2007). O negócio continua na família há 3 gerações.

Cortesia da página do Facebook de Hotel Coimbra




1. Há figuras, civis,  que atravessaram a história do séc. XX da Guiné-Bissau (*), e que merecem ser aqui recordadas, como é o  caso das "mulheres grandes" retratadas em livro pelo nosso amigo e camarada António Estácio, "Nha" Bijagó (1871-1959)  e "Nha" Carlota (1889-1970) (**) ... Ou "africanistas" como "Manel Djoquim", o homem do cinema ambulante (1901-1977), cuja história de vida é-nos contada pela sua filha mais nova, Lucinda Aranha. Mas também empresários como António da Silva Gouveia, que criou a Casa Gouveia, ou Artur Nunes, fundador, com o seu irmão Gentil, da firma "Nunes & Irmão Lda". (***)

A história que o Estácio conta do Artur Nunes e da "Nha" Carlota merece ser aqui recordada, como testemunho da forte personalidade desta mulher grande, que foi Carlota Lima Leite Pires (1889-1970) mas também dos valores (honradez, bom nome, reputação, integridade, palavra dada, lealdade, hospitalidade, morabeza, etc. ...) de uma época e que hoje parecem arredados do código de ética do mundo dos negócios.

"Apesar da sua avançada idade, Artur Lopes Nunes, que chegou à Guiné em 1927, referiu que 'Nha' Carlota era cliente  da firma 'Nunes & Irmão', a qual lhe fornecia, a crédito, entre outros produtos, aguardente, tabaco, tecidos, etc., que, por sua vez, ela revendia na loja que possuía no Cumeré e, mais tarde, em Nhacra." (pag. 81).

Entrevistado, em 2006 (, se não erro,)  por António Estácio, que reconheceu a sua "lucidez impressionante", declarou que ambos, ele e "Nha" Carlota, "sempre se deram bem mas isso não impediu que, a dado passo, tivesse ocorrido  uma situação mais delicada".

Ora o que é que aconteceu? "Certa vez, 'Nha' Carlota pretendia adquirir uns produtos sem que, como aliás era hábito, houvesse saldado o montante do fornecimento anterior."

O Artur Lopes Nunes aproveitou o ensejo para lhe lembrar essa dívida, e o respetivo valor. "Sem dar resposta, e naturalmente ofendida, 'Nha' Carlota continuou a ver a mercadoria e, pouco depois, retirou-se sem levar nada".

Passa-se um ou dois dias, até que a mulher grande voltou a Bissau, foi direita à loja do seu fornecedor, "trazendo um saco que entregou ao propietário, informando-o que era o pagamento da dívida." (pág. 82).

Artur Nunes (1909-2007).
Foto; cortesia
de António Estácio
Não sem surpresa, o Artur Nunes abriu o pesado saco e verificou que "estava cheio de moedas de um escudo e cinco tostões". Tanto quanto se lembrava a dívida rondava os dois mil escudos (ou "pesos"), ou seja, cerca de 2 contos, um valor razoável para a época.

(...) "Com sorriso, rematou dizendo:
- E eu pra ali fiquei a contar todo aquele montante em moedas! Como era de esperar, a quantia estava certa."

Moral da história: "Esta foi a melhor forma que 'Nha' Carlota encontrou para responder ao comerciante fornecedor onde tinha uma dívida por saldar e onde continuou sempre a gozar de crédito" (pág. 83).

Artur Lopes Nunes (1909-2007) era natural de Cadafaz, Góis, concelho do distrito de Coimbra. Morreu na Parede, Cascais, com 98 anos feitos. Tinha ido  para a Guiné, em 1927, com 18 anos, na qualidade de empregado da firma João Marques de Carvalho & Companhia, com sede em Bolama. Viajou no N/M "Aboím", na companhia do patrão e da esposa deste, bem como do novo governador da Guiné, o major de infantaria António Leite de Magalhães, nomeado para substituir o tenente coronel Jorge Frederico Velez Caroço.

Fonte: António  Estácio . Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor, 2010, 116 pp. 
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20605: Historiografia da presença portuguesa em África (196): Relatório do Governador da Guiné, Contra-Almirante Francisco Teixeira da Silva, referente a 1887-1888 (Mário Beja Santos)


(**) Vd. poste de 20 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)


(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20608: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte III

Vd, também poste de 3 DE MARÇO DE 2015

Guiné 63/74 - P14317: Historiografia da presença portuguesa em África (60): O caso da empresa Nunes & Irmão Lda., dos irmãos Gentil e Artur Nunes GENTIL E ARTUR NUNES. (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P20610: Notas de leitura (1260): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (43) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
O BCAV 490 está a terminar a sua comissão, vivem-se dias amenos em Bissau, missões de pouca monta, ouve-se a guerra à distância. Aproximando-se o fim da viagem, anda-se à roda do tempo, dá-se voz a um teórico do movimento revolucionário mundial, reputadíssimo, Gérard Chaliand, despedimo-nos do Capitão do Quadrado e aproveitando um romance de Luís Rosa, ele que assistiu ao reerguer de Sangonhá, onde passou as passas do Algarve, foi depois até Farim, ganhou consciência que a paz na Guiné era um conceito idílico.
Estamos em tempo de ruminações, aqui se procura dar voz a outros contemporâneos do bardo, chegará o momento, e isto em 1966, em que Arnaldo Schulz não se acanha a dizer para Lisboa como tudo se tinha agravado, a despeito de se terem criado quartéis, criado aldeamentos, procurado estabelecer elos de confiança com as populações foragidas, metidas dramaticamente entre dois fogos.
Pegamos nesses relatos e fica-nos a crença da inevitabilidade de qualquer solução militar face a um contendor entusiasmado, bem armado e credor de imensas solidariedades.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (43)

Beja Santos

“Bom serviço tem desempenhado
a Polícia Militar
fazendo serviços na cidade.
Estão sempre a alinhar.

Tem rondas de noite e dia
a pé ou de viatura.
No quartel da Amura
está toda a Companhia.
O 1.º Sargento da Secretaria
é um homem desenrascado
com seu bigode eriçado
faz andar tudo na linha.
E o nosso Cabo Batatinha
bom serviço tem desempenhado.

Às seis horas toca a alvorada,
tudo tem que se levantar.
Mas quem na cama quer ficar
dá voltinhas à parada.
O Túlio, bom camarada,
também voltas tem que dar,
o Faranhista a acompanhar
custa-lhe muito correr.
Mas tem que a disciplina manter
a Polícia Militar.

Canta o fado o Santarém,
joga futebol o Nogueira,
o Castro e o Trafaria, à sua beira,
dão uns toques muito bem.
O Tenório a cantar também,
tem grande formalidade.
O Ruas, com sua habilidade,
uma cachopa arranjou
porque anda sempre no Peugeot
fazendo serviços na cidade.

O Santiago e o Baião,
conduzem com normalidade,
e há condutores com vaidade
aqui dentro do esquadrão.
Os Alferes e o Sr. Capitão
a Companhia sabem mandar.
A classe de Sargentos a orientar
tem grande categoria
e estas praças de Cavalaria
estão sempre a alinhar.”

********************

O bardo, em território isento de luta armada, não se cansa de exaltar os afazeres da sua unidade militar e os respetivos serviços de vigilância policial. Deixemo-lo nessa doce atividade, na pacatez de Bissau, retorne-se ao contraditório, como outros viam o PAIGC nos primeiros anos da luta armada, e depois despedimo-nos do Capitão do Quadrado. Gérard Chaliand, como se disse, acompanhou Amílcar Cabral entre maio e junho de 1966 no Interior da Guiné, daí resultou um livro intitulado “Lutte Armée en Afrique”, edição François Maspero, 1967. Passando como gato pelas brasas sobre o quadro introdutório e as generalidades da Guiné, por ele elaborados, e nunca perdendo de vista de que se trata de um livro de panegírico e altamente comprometido com a luta do PAIGC, e onde nunca faltam mostras de admiração deste renomado investigador francês por Amílcar Cabral, depois de Chaliand nos ter dado conta do que foram os primeiros anos da luta, vemo-lo agora a passar do Senegal para o Interior da Guiné, na base de Maké são recebidos pelo comissário Chico Mendes (Chico Té), Amílcar Cabral arengou às massas, releva que não será admitida a exploração do trabalho por quem quer que seja, trata homens e mulheres da mesma maneira, recorda o valor que tem o trabalho da terra e lembra os presentes que é indispensável intensificar o esforço de guerra e o esforço da produção. Para ser bem-sucedida a luta armada é crucial que a população esteja do lado do PAIGC. Na resposta, Osvaldo Vieira garante-lhe que a luta continuará, são precisas mais armas porque há cada vez mais gente a querer combater. Chaliand vai recebendo testemunhos de civis que apoiam a luta, alguém lhe mostra um documento português recuperado no decurso de operações, trata-se da Ordem de Operações N.º 18/66 que fala da Operação Achega no Pelundo. Depois seguem para o Oio, seis horas de marcha entre Maké e a Base Central do Norte. Regista que a vegetação é muito densa, caminha-se por estradas estreitíssimas entre árvores e mato. Passeia-se pelas dependências da base, regista escola, hospital de campanha, dormitórios, cozinhas, tudo com um quilómetro de diâmetro. Dorme-se sobre esteiras, a base é intensamente vigiada por grupos disseminados num raio de cinco quilómetros, os militares devidamente indumentados, vê bazucas, morteiros, metralhadoras ligeiras e pesadas. Ali perto começa o primeiro bombardeamento aéreo. A ordem é de dispersar.

Retomada a calma, Chaliand visita o hospital, conversa com dois médicos-cirurgiões, há doentes com paludismo e parasitas intestinais, há alguns casos de tuberculose, lepra e sífilis. Chaliand conversa com vários combatentes e até com um desertor português, José Augusto Teixeira Mourão. Haverá novo discurso de Amílcar Cabral, fala intensamente dos direitos das mulheres e na reconstrução do país, reitera a necessidade de haver boas relações entre os militares e as populações. Depois Chaliand retoma o registo de depoimentos, um dos quais se revela bastante importante para o entendimento do início da luta armada, é dado por António Bana, mais tarde falecido. A cerca de quinze quilómetros do Morés tenta-se reconstruir uma ponte para religar a estrada de Olossato a Bissorã antes da época das chuvas. Bana mostra-se orgulhoso, na antevéspera os combatentes da esfarpe destruíram à bazucada a parte da ponte que tinha sido recentemente reconstruída. Bana pertenceu ao primeiro grupo de jovens que aprendeu guerrilha na China e formação política em Conacri com Amílcar Cabral. Segundo ele, no início de 1962, eles eram oito os guerrilheiros com responsabilidade para desencadear a luta armada, o líder era Osvaldo Vieira, tinham como missão ocupar a zona Balanta, a zona Mandinga e a zona Fula e Saracolé, no Oio. Nesse tempo, havia enorme crispação em Dacar, vários partidos procuravam sobrepor-se ao PAIGC, caso do Movimento para a Libertação da Guiné, rapidamente se veio a descobrir que eram quadros sem apoio das populações. Bana refere a ofensiva lançada pelas tropas portuguesas em finais de 1962, é o exato momento em que começa a separação das águas, os que foram para o mato e os que persistiram em ficar à sombra da soberania portuguesa. A comitiva faz agora o seu retorno para o Senegal, passa-se de novo por Maké, Djagali, Osvaldo Vieira vai explicando como se processara a luta armada a partir de meados de 1963 na região, e os resultados obtidos em 1964 e 1965. Em Djagali, Amílcar Cabral arengou num comício para cerca de três mil camponeses, entusiasma as massas, lembra que as tropas portuguesas começam a ficar confinadas aos seus campos fortificados, que qualquer dia vão ter que abandonar o Boé, onde a guerrilha não lhes dá descanso. A comitiva põe-se ao caminho, atravessa a fronteira e a última parte do livro de Chaliand é uma súmula sobre a luta armada em toda a África.

********************

Em 2011, nas suas memórias intituladas “La Pointe du Couteau”, Volume I, Edições Robert Laffont, Chaliand recorda esta viagem que o marcou profundamente, ele era o quarto estrangeiro a entrar clandestinamente na Guiné-Bissau. Antes dele, tinham lá estado dois jornalistas franceses e Mario Marret que realizou o filme Lala Quema. São memórias em que ele lembra todos os guerrilheiros com quem conversara e que já tinham falecido e termina o seu relato dizendo que ao longo da sua vida recusara polidamente altas distinções e condecorações de toda a espécie, a única que não recusou foi a Medalha Amílcar Cabral, concedida pelas autoridades de Cabo Verde, e como se falasse para si recorda o extraordinário dirigente político que ele sempre considerou como um dos raros africanos do século XX que podem ser alçapremados ao nível dos grandes dirigentes do mundo contemporâneo, apesar da pequenez do país.

“Tenente General Alípio Tomé Pinto, o Capitão do Quadrado”, por Sarah Adamopoulos e Alípio Tomé Pinto, Ler devagar, 2016, é uma biografia de alguém que viveu intensamente os tempos do BCAV 490 no Norte da Guiné. Observa a quem o entrevista: “A Guiné mudou-me. A minha mulher diz que quando eu fui para lá era ainda um miúdo, apesar dos meus 28 anos, e que quando voltei parecia ter envelhecido 10 anos. Penso que ela tem razão”. Ele recorda Binta, o Oio, a gente afeta ao PAIGC a cirandar com todas as facilidades, quando ele pôs os pés em terra à frente da CCAÇ 675. E escreve- no livro que só um mês depois de ter chegado a Binta ele se abalançou a sair com as viaturas para percorrer os escassos 16 quilómetros que distavam entre Binta e Farim, onde estava o BCAV 490. Com prudência e astúcia, atirou-se ao trabalho, começou por uma batida à região de Lenquetó, onde estaria reunido um grupo do PAIGC na presença do seu chefe. Esta operação fez dezenas de mortos e gerou quarenta prisioneiros. Resultados animadores que levam à multiplicação dos patrulhamentos ofensivos, golpes de mão e batidas; aos poucos, os grupos do PAIGC recuam, desistem mesmo de pôr abatises nas estradas. É ferido em combate e recupera. Segue-se uma operação no Oio, tudo correu bem. Afastados os guerrilheiros, Tomé Pinto e os seus homens dedicam-se a reerguer a povoação de Binta, a população, outrora apavorada, metida entre dois fogos, começa a regressar. É nisto que chega a notícia de que fora admitido ao curso do Estado-Maior. Com enorme emoção, despede-se de Binta.

********************

O escritor Luís Rosa combateu na Guiné entre 1964 e 1966, escreverá uma obra alusiva “Memória dos Dias Sem Fim”, Editorial Presença, 2009. É colocado em Sangonhá, no Sul, assim definido:  
“Um corredor estreito de cerca de três quilómetros, esganado entre o rio Cacine e a linha imaginária da fronteira. Terra de imprevistos, onde a guerrilha se movia à vontade e se construía uma linha de quartéis, tentando conter a infiltração”.
Descreve a construção do quartel, naquele ponto, entre Gadamael e Cacine constroem-se as defesas, espessas paredes de chapas abertas de bidão, profundas fossas circulares, abrigos, isto entre flagelações e emboscadas. Rasga-se uma pista de aviação. Fazem-se surtidas, autênticas manobras punitivas sobre as forças do PAIGC.
A vida em Sangonhá parece renascer, distribuíram-se sementes, desbravou-se a terra, semeou-se a mancarra, o resultado foi uma colheita abundantíssima. Ali perto, em Guileje, já se vive às portas do inferno. É transferido para Farim, e o que parecia ser um paraíso traz-lhe um novo fragor da guerra.
Um romance com algumas páginas muito belas e que nos faz situar em vários pontos da Guiné, entre 1964 e 1966, com intensidade, e com raras exceções, na Guiné continental a guerrilha não dava tréguas.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 24 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20589: Notas de leitura (1258): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (42) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20599: Notas de leitura (1259): "Memórias Boas da Minha Guerra", por José Ferreira - Recordar, recolher, semear alegrias e solidariedades: Um incansável ex-combatente que ata e desata entre o passado e o presente (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20609: Banco do Afeto contra a Solidão (25): Comandei um secção de morteiros em Gadamael Porto, fiquei surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Cópia do cartão de beneficiário por doença profissional


Foto: © Mário Gaspar  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem,  enviada hoje às 2h45, do nosso amigo e camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68:


Caras Amigas e Caros Amigos

Comandei uma Secção de Morteiros em Gadamael Porto, Sul da Guiné, bem perto da fronteira da Guiné Conacri. Fiquei Surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais, mas devia ter esse direito como Deficiência de Guerra.

Foi simples: foram tantos as granadas saídas do morteiro que comandava, descuidei-me e encerrei a boca, e os tímpanos deram sinal.

Já passou… O poema [, que anexo,  já aqui publciado em tempos, ] é de Guerra Junqueiro Ou melhor, "O Morteiro" é um paródia a "Lágrima" de Guerra Junqueiro, incluído no Relatório de combate de 9 a 12 de Abril de 1918 - Lembranças, caderno manuscrito por Raul Pereira de Araújo, alferes de Artilharia, sobrevivente da Batalha de La Lys. (**)

NOTA: De qualquer modo vai em Anexo o Cartão de Doenças Profissionais. Por exemplo – para quem não sabe – governos consideraram que um Combatente é e foi um Trabalhador no Serviço Militar. Enganaram-se decerto… E ninguém deu pelo engano...

Acabaram com o Jornal “Ridículos” e com “Parodiantes de Lisboa”.

E esta?


(...) "O morteiro", paródia à "Lágrima" de Guerra Junqueiro
(Mota, 2006, pp. 104-107)

Noite de frio intenso, uma trincha escavada,
Lúgubre, sepulcral, agoirenta... e mais nada,
Trincheira onde a morte apanha vis pancadas
Em banquetes de sangue arrancado em ciladas
Na trincha oposta, onde o boche reina e impera
Em rasgos e expansões de forte besta-fera.
Um oficial audaz, olho do batalhão,
Descobriu, dum morteiro grosso, a posição,
Maquinismo feroz que se cumpre o dever,
Ao perto e ao longe tudo faz estremecer. (...)