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Nota do editor
Último poste da série de 10 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15346: Parabéns a você (984): António Garcia de Matos, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG
1.
Parte XXI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 11 de Novembro de 2015,
pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.
GUINÉ, IR E VOLTAR - XXI
1 - Grande Hotel
Parece que lançaram mau-olhado em Mansoa, os tipos andam danados, o Ten-Coronel Lemos.
Um olhar de simpatia para o comandante do Batalhão sentado no seu cadeirão com o outro coronel ao lado, o do ah, hum…. O velho Lemos, velho só porque tinha para aí o dobro da idade dele, que ainda era muito novo para outras, sabia há muito que a coisa só tendia para piorar, vinha nos livros das escolas militares, devia até ter ouvido camaradas que estiveram na Argélia, estava agora ali, no palco de Mansoa, na Guiné que lhe saíra na roleta no último terço da carreira. Só para piorar, isto não está a ter a saída que julgávamos vir a ter, e muito menos, a que queríamos.
O PAIGC está mais atrevido, anda por aí, está cá dentro, parte mantenhas a toda a hora connosco, atreve-se a fazer coisas que antes só pensavam, estamos um pouco parados, se calhar.
Uma simpatia, este Tenente-Coronel, o olhar para a chuva a cair, o outro coronel ao lado, o alferes a apetecer dizer-lhe mas a guardar para si, meu Tenente-Coronel, com todo o respeito, como diz o outro, é como na Figueira, nunca mais chegamos à água e quando lá chegamos já estamos cansados, temos é vontade de nos sentarmos.
Desandara para Bissau matar saudades. Uma volta pelos sítios conhecidos e ao princípio da noite entrou no restaurante do Grande Hotel, uma grande merda, porque de grande só se fosse nisso. Era como aquelas senhoras já de uma certa idade que ainda arriscavam uma racha quase até meio das coxas, meia de seda preta com costura por ali abaixo, o cabelo louro bem arranjado, a escorrer costas abaixo.
Pois o Grande Hotel era frequentado por algumas dessas senhoras, quase todas mulheres de oficiais superiores espalhados por tudo quanto eram gabinetes e de militares de outras patentes que não se sabia bem por onde andavam.
Dos senhores frequentadores, o custo da presença impunha que fossem os maiores da terra, os maridos das senhoras e alguns civis brancos, muito poucos, cabo-verdianos ainda menos, os negros serviam às mesas.
Era assim, com tão dignas presenças, o ponto de encontro mais selecto de Bissau, o local para levar lá alguém mais importante ou comemorar alguma data especial. Há uns bons tempos o Capitão Leandro tinha-o encarregado de levar ao Grande Hotel um jornalista, Amândio César1 de nome, que lhes tinha feito uma visita a Brá, tendo jantado com todo o pessoal da Companhia de Comandos. Amândio César era um conhecido e, para alguns, controverso jornalista com tendência e gosto pela escrita entusiasta. Tão apreciado era que alguma personalidade com influência, não certamente pequena, quisera aproveitar-lhe o jeito e convidara-o a passar para um livro a informação que a sua curiosidade e argúcia recolhesse nos bares dos Grandes Hotéis de Luanda, Bissau e Lourenço Marques.
Tinha lido, na altura em que estava a frequentar o curso de comandos, um livro que o Capitão Saraiva lhe emprestara, “Guiné 1965: Contra Ataque”, da autoria do mencionado escritor. Livro excitante, com descrição pormenorizada e arredondada de feitos, em que o conceituado escriba relatava acções militares com tamanho empenho e minúcia que, a alguns e ao alferes também, levantaram dúvidas, que tratou de as tirar junto de alguns que estiveram nesses combates e que ainda se encontravam em Brá.
Verificou com desgosto, diga-se, que essas testemunhas não tinham tido olhos para tão agudos detalhes.
E quando no Grande Hotel, no intervalo de uma golada de cerveja, lhe pôs a questão exactamente como atrás se escreve, o escritor-jornalista, óculos de massa preta na testa a escorrer de suor, que o que entrava por algum lado tinha que sair, de pronto lhe retorquiu em linguagem futebolística, o alferes ou está a ver o Eusébio a marcar um livre, ou está a tirar a foto ao livre! Acha que consegue ver tudo ao mesmo tempo? E, no entanto, foi golo! E de seguida despediu-se, alegando ter que preparar uns trabalhos para enviar para Lisboa, pedindo-lhe ainda que renovasse os agradecimentos ao capitão pelo agradável acolhimento que tivera.
Acontecera há já alguns meses esta peripécia, ainda a Companhia estava em Brá a todo o vapor.
E agora aí estava outra vez, meses depois do tal jantar com o jornalista. Olhadela pelo salão já praticamente cheio, viu uma mesa para quatro a um canto. Sentou-se.
A carne do bife? É melhor não? Então o quê, arroz de caril de frango, pode ser. O pão acabado de sair do forno, aos bocadinhos, a manteiga das Marinhas, talvez de meses, o olhar pelos comensais, animados nas conversas com as senhoras das mesas respectivas e a vir-lhe à lembrança o jantar que lá comera com um cabo guineense do seu grupo, há um ano atrás. Um dia destes vamos jantar ao hotel, ao Grande Hotel, ok?
Ao Grande Hotel? No Grande Hotel nunca se sentou nenhum preto, meu alferes! Então vamos depressa, antes que vá outro antes de ti. Tens andado por todos os buracos, disparaste em tudo o que mexeu, do norte ao sul, em todo o lado, sem pedir licença, porque é que havias de a pedir agora para entrar no Grande Hotel? Vamos amanhã! Leva este Old Spice que está por estrear, põe no fim da barba para te acalmar as borbulhas, e a Couraça com esta escova para os dentes.
O valente cabo apresentou-se à hora marcada junto ao quarto, em Brá, caqui amarelo que no Grande Hotel a guerra era mais fina, a boina preta a cair para o lado direito, a carapinha a sair-lhe de todo o lado, o lenço de seda negro ao pescoço, um espelho acabado de limpar nas botas, ao ataque para Bissau, Grande Hotel, olhos na estrada, Alegre.
Quando entraram no salão, a esfregarem os olhos das luzes dos pingentes dos candeeiros, outros olhos, sentados, levantaram-se para eles, para baixaram outra vez para os pratos, a conversarem baixo uns com os outros. O salão estava com muita gente, mais de meio, dois ou três civis e oficiais superiores, à paisana, coronéis, majores, as mulheres, umas com pele nova, outras com muito creme em cima.
O que o meu alferes comer eu também como, o camarada com os dentes de cima em cima do lábio de baixo, olhos pequenos muito vivos, viam tudo até de noite. Um arroz tem que ser aqui para este senhor, agora o que tem para acompanhar, frango?
O empregado ajudou-os com as cadeiras, algum aperitivo antes, não, só pão e manteiga. Jantaram tranquilamente, os barulhos das conversas voltaram ao normal. À medida que os comensais iam saindo, reparou que invariavelmente desviavam para a mesa deles olhares pouco aprovadores, pareceu-lhe, mas nada mais que isso e também nada que o incomodasse.
Agora estava só numa mesa, três lugares vagos que até davam jeito, as pessoas de pé a olhar para ver se demorava muito, estava ainda no início, e a comida não andava, enrolava, água, enrolava com água, o costume nestes últimos tempos.
Uma senhora loura, vestido vermelho colado ao corpo, um pouco acima dos joelhos, como diziam que se usava agora na metrópole, aberto no peito e nas costas, sapato de tacão bem alto, lábios e unhas a condizer, deu entrada no salão. Senhoras a olharem, homens também, não era exagero nenhum dizer que até as vozes se calaram todas, ao mesmo tempo.
Olha o alferes aqui, está à nossa espera, podemo-nos sentar, o cCapitão Marques, à civil, dentes a sorrirem. Já não se viam desde os tempos em que ambos frequentavam a esplanada do Hotel Portugal.
O piano recomeçou a tocar o Danúbio Azul, o alferes para a frente com a cadeira, a senhora loura, com um perfume daqueles que se colam às outras peles, a abanar os cabelos, um dedo a passar pelos lábios, um espelho na mão e o capitão de olho a piscar-lhe e o alferes, de repente, a lembrar-se da história que lhe contaram, passada no aeroporto. Ela, toda loura, acabada de chegar a Bissau, a bambolear-se ao encontro do capitão, os olhos do maralhal todos em cima, os do capitão dentro dos ray-bans voltou-se para um mais entusiasta, gaja boa não? É minha mulher, quer que a apresente?
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Nota
1 - Amândio César Margarido Pires Monteiro, uma personalidade muito ligada ao antigo regime. Entre várias funções que desempenhou, foi ensaísta e crítico literário, dedicando parte da sua actividade à divulgação das literaturas brasileira e africana de expressão portuguesa, nomeadamente a angolana. Das suas estadias na Guiné publicou "Guiné" e "Em Chão Papel Na Terra da Guiné"
2 - Água do IN
Falava-se no caso do Mamadú em todas as esquinas de Mansoa, que tinha sido o PAIGC que o mandara nessa missão, que o caso tinha sido um nó que o partido atara ao homem grande da tabanca para a população ver quem tinha os trunfos, que havia um libanês, com um comércio próspero, a vender para os dois lados, que sabia da história toda, que tinha sido um milícia que, por dinheiro que o libanês lhe passara para as mãos, o metera na tabanca. O libanês sempre na berlinda, fulano vira, sicrano também, quem eu, mas quem disse, afinal ninguém sabia, o comerciante ofegante a ficar cada vez mais pálido, ia desmaiando na sala de operações, em frente aos dois coronéis.
À primeira vista tinha-se a ideia de que a população estava quase toda com a tropa, só com a ideia, claro. Mas a rede de informações das NT, embora incipiente, há já algum tempo dava indicações que as milícias de Mansoa, a grande maioria de etnia balanta, não eram de confiar.
As informações, mais falsas que verdadeiras, continuavam a chegar a toda a hora ao batalhão. Passou ontem um bi-grupo por Jugudul, em Jugudul já há muito tempo que ninguém vê bandido, outra informação a chegar, reuniões todos os dias, uma agitação contínua. Os movimentos das NT continuavam, as colunas de reabastecimento e os patrulhamentos faziam-se normalmente em todo o sector, embora com os incidentes do costume, minas, emboscadas e flagelamentos, estes especialmente nocturnos, para além da habitual resistência que a guerrilha opunha às investidas das NT.
É preciso sair, montar emboscadas, fazer nomadizações, qualquer coisa, o Tenente-Coronel ansioso, à espera que houvesse alguém voluntário para fazer tudo de seguida.
O IN, sem grande esforço, está a fazer uma guerra inteligente, passa informações contraditórias umas atrás das outras, durante uns dias cala-se, nós aqui ansiosos, até agora praticamente tem sido tudo fogo de vista, meu tenente-coronel, um dos elementos do staff do batalhão a querer acalmar o ambiente.
Fogo de vista para si, que está aqui resguardado, feridos e mortos para os que andam na mata, o tenente-coronel, furioso como nunca o vira, pingalim a estalar em cima da mesa, mapa, papeis, alfinetes, clipes, tudo ao ar, porra, já estou com pouca paciência!
Mão pela testa, eu sou calmo por natureza, mas esta agitação está a dar cabo de mim, sempre à espera que comecem a cair morteiradas em cima de nós. Alferes, vai sair com o seu grupo. Se há informação? Claro que há, informações não faltam!
Despejos de água aos baldes em cima deles, relâmpagos, estrondos de bombardeamentos para norte, a lua a jogar ao esconde-esconde, o pessoal ensopado até aos ossos, foram andando até clarear. Pararam para aí meia hora, começaram a pôr-se a pé e ele, o comandante do grupo, não conseguia, não sentia as pernas, frias, as únicas em todo o grupo que não obedeciam à sua ordem de marcha. Mãos a massajar, demorou tempo, lá se levantou com muito esforço, o Valente de Sousa a ajudar, arrancou, bamboleante, por ali fora. Pronto, acabou-se, tens que mudar o filtro, os óleos, olha, aproveita e muda tudo, tudo não, mas quase, a rir-se por dentro, a força a voltar, o frio no corpo a manter-se.
Andaram, como se fosse um treino, para desentorpecer os músculos, os trilhos cheios de água, não se via nada, o Tenente-Coronel Lemos feito Águia no ar, montado no PCV, novidades?
Águia, guias dizem que caminho não tem sinais recentes, mata ao lado também não, é água por todo o lado, nos trilhos, fora deles, por todo o lado água, água do IN.
Ok, Diabo Maior, entendido, mostramos-lhes que vamos aonde queremos e quando queremos, retirem, ok, ok, Águia, afirmativo, terminado. Não podia andar mais, nem com a imaginação a trabalhar. Até a cabeça não queria andar mais.
3 - E agora para onde?
Em Mansoa desde princípios de Julho, com Setembro a entrar estava terminado o período de tempo de reforço ao Comando de Agrupamento de Mansoa, chefiado pelo tal coronel alto, de cabelos brancos, ar calmo. E a colaborar com o Batalhão comandado pelo Tenente-Coronel Ferreira de Lemos.
Os tempos em Mansoa, naquele final de 66, mantinham-se agitados. Muita informação, a ansiedade entre os militares andava à solta. E aumentava com a aproximação da noite, quando se tinha de proceder à rendição das secções na segurança à povoação.
No grupo de comandos, de vez em quando, lá ia mais um, comissão terminada. Já não passavam da dúzia e meia de homens. E foi com esta dúzia e meia que regressou da área de Jugudul, por onde, diziam as fontes, andava o tal bigrupo da guerrilha. O regresso dessa acção, como toda a operação, aliás, feita debaixo de muita água, foi-lhe fisicamente muito difícil. Quando disse para a parelha da frente começar a andar, quando todos obedeceram e as pernas dele é que não, nessa altura concluiu que a comissão, como operacional, estava no fim. A crise de paludismo tinha-o deixado de rastos.
Dias depois, o Tenente-Coronel Lemos chamou-o. Que tinha recebido uma mensagem do Comandante Militar a ordenar que se apresentasse no QG, no seu gabinete em dia e hora que indicou.
No dia marcado, no QG em Bissau, dirigiu-se ao gabinete do Comandante Militar, Brigadeiro Reymão Nogueira, que já o conhecia bem de razões que não vêm agora ao caso.
Mal o mandou entrar, talvez para aquecer a conversa, fez-lhe duas ou três perguntas sobre a situação em Mansoa. A seguir ouviu-o dizer que iria dar por finda a missão do grupo de comandos e que devia apresentar-se, dois dias depois, na 1.ª Rep. do QG, onde lhe seria comunicado o destino do pessoal. E para ele, alferes, dado o escasso tempo para dar a comissão por finda, talvez não fosse má ideia ficar adstrito à CCS do QG.
No decorrer da conversa, sem perceber a que propósito, entraram cavalos no discurso do Comandante Militar. Que era oriundo de Cavalaria e que lidar com homens não era muito diferente de lidar com cavalos. Foi assim, de forma algo equídea que estava a sair da cena operacional.
Não acho que a história dos cavalos se me aplique, não me parece que seja uma questão a resolver com um molho de palha e torrões de açúcar, nem com 15 dias de licença nas praias de Bubaque, não que me fizesse mal, é mais vasto, não é só físico, é também um cansaço muito grande cá dentro!
Assim, a falar para dentro. Para fora saiu-lhe o que queria dizer. Que, para ele, não era muito importante o local onde iria ser colocado, importante, para ele, era regressar à metrópole, logo que acabasse os 24 meses de comissão.
E agora para onde? Para qualquer lado, Alegre, para Brá não, já não somos de Brá. A esplanada do Bento, àquela hora com pouco movimento, os dois sentados, uma cerveja para cada um, um miúdo a cuspir-lhe nas botas, a puxar o lustro, a pirueta da escova ao ar, o ar triunfante do garoto com ela na mão, a puxar o lustro outra vez, outros miúdos ao lado, nosso alfero, mancarra quer?
E agora, se nos puséssemos a caminho de Mansoa? Subiram até à Sé, porque vais por aí Alegre? Não queria olhar, mas olhou para aquela casa, o portão, as escadas, a porta fechada, as janelas também, ninguém no jardim, tudo arrumado como se tivessem ido para férias.
Em Mansoa, prepararam-se para sair. Arrumar sacos, armas, tudo, a seguir ao pequeno-almoço, formatura do grupo frente ao Comando do Batalhão, para as despedidas aos Comandantes do Agrupamento e do Batalhão.
Uma cerimónia simples para um grupo tão pequeno, o tenente-coronel a passar revista, a parar em frente de um, tu donde és, quanto tempo te falta. E depois de algumas palavras, o grupo a desfilar frente aos dois coronéis, em direcção às viaturas, alinhadas para Bissau.
Óleos, Alegre, óleos? Então, força com essa chocolateira.
Quando passaram a ponte, voltou-se, viu Mansoa a afastar-se, a ficar para trás. Depois dos cinco meses em Cuntima, 16 nos Comandos, já nem se lembrava de quantas operações, só contou de início, quase tudo golpes de mão, algumas emboscadas e nomadizações, um sem número de contactos com o, quase sempre, competente IN, um morto, o Soldado António Silva, 9 feridos sem gravidade, nem numa emboscada caíram. Há infernos piores, mas no meio deste era difícil ter tido melhor sorte.
Uma das últimas operações, em Buba, 'Olinda' de código, de grande importância estratégica, segundo rezava a ordem de operações, quando se ia para lá era de escacha-pessegueiro, o grupo a entrar-lhes pela porta dentro, outra vez sem ninguém dar por eles, nem convidados nem nada, não os quiseram receber a bem, o carago a quatro, para não dizer pior.
A guerra, já que tivera de ser, fora feita, assim. E parabéns ao IN e um sentimento de respeito também, que para os combatentes as guerras são sempre justas. E cansaço, muito cansaço!
4 - CCS, QG2
Entre, entre, o Capitão Valente, a caminho dos 60, valente no físico pelo menos, para aí 90 quilos. Sentado, óculos na ponta, montes de papelada, Parker 51 na mão, entre, que está aí a fazer à porta?
Alguns dos seus homens ficam à sua responsabilidade directa, vão prestar serviços aqui no que se entender, dos restantes tem que tratar na 1.ª Repartição, disseram-lhe lá, não foi?
O nosso alferes fica como meu adjunto no comando da Companhia e acumula com a responsabilidade da cantina, ok?
Meu capitão, não tenho qualquer experiência na gestão de messes nem de cantinas, nem sequer simpatia pela actividade, e agora, encrencas é que não me dão jeito nenhum.
Bem, para já, aqui quem manda fazer o serviço é o Capitão Valente, que é este senhor que está a falar consigo, sentado nesta cadeira. E falta de experiência até pode ser bom, nosso alferes. Com a sua idade, que experiência é que tem, ora diga lá? Aqui na CCS do QG, faz-se o que é preciso, com os militares que cá temos. Experiência, experiência! Temos que a ganhar alguma vez, olhe, gajos com experiência em messes e cantinas, aqui são aos pontapés, um alferes que esteve aqui ganhou tanta experiência que em meia dúzia de meses já sabia mais que eu, tive que o mandar fazer uma viagem, a experiência que ganhou aqui nas cantinas deve estar a ser-lhe muito útil agora.
Fecho de contas diárias, existências e movimentos dos géneros, entradas e saídas ao mês, relatórios de fecho até ao 5.º dia útil do mês seguinte, contactos com os fornecedores mais pequenos, os maiores ficam à minha responsabilidade, entendido?
A olhar para o grande Capitão Valente, se calhar Mansoa seria melhor, amanhã a que horas, meu capitão?
Às horas do regimento, porquê, não lhe dá jeito?
Então, com a sua licença, meu capitão, até amanhã.
Assistiu ao desembarque do grupo, à escolha das camas, as parelhas a manterem-se, a arrumação dos materiais, o habitual nestas andanças. Alegre, dá cá as chaves do jeep. Entrou pelo bairro residencial do QG, onde fica a casa do Alferes Neves3, aquela ali, junto à piscina?
Com licença, posso? Viva, um tipo que nunca tinha visto, de Minolta na mão, deitado na cama. Manaças4 da 4.ª, tudo o que seja transportes aqui na Guiné tem que passar por mim! Disseram-me ontem que eras tu o novo morador! Conheço-te por causa dos jeeps, isso é que foi bater recordes, tanto jeep gripado em tão pouco tempo, e o Major Gama como uma barata, todo lixado! É pá, tiveste sorte, aqui é tudo malta fixe! Onde ficas? No quarto lá de dentro tens duas camas vagas, escolhe uma.
Um conjunto de vivendas térreas, todas pequenas, dispostas em roda, de frente para a messe, a piscina logo ali, meia dúzia de passos abaixo. A vivenda que lhe tinha sido destinada tinha uma única porta, à entrada um quarto grande, duas camas, uma de cada lado, encostadas às paredes, um armário em frente, uma aparelhagem Akai, de um deles, com gravador de bobines. Depois, um pequeno corredor, armários nas paredes dos dois lados, o quarto de banho em frente, à esquerda outro quarto, duas camas, como no da entrada, encostadas às paredes, um luxo.
Escolhe a cama, o amigável Manaças.
Agora, a minha nova morada é aqui, até ao fim, os olhos a passarem pela estante-armário vazia, os tapetes de fio indígena no chão, a mesinha de cabeceira com um candeeiro, as paredes a cheirar a tinta fresca, tudo muito melhor do que esperava. Abriu o saco verde de lona, virou-o para baixo, sacudiu-o em cima de uma das camas, duas camisas de manga curta, dois pares de calças à civil, as meias da guerra, as poucas coisas que tinha, ora vamos arrumar esta tarecada toda, dez minutos, tudo nos sítios, o espaço nas prateleiras da estante iria enchê-lo com os livros que trazia no caixote.
O outro saco, as botas para fora, o par de sapatos para civil e militar, os dois camuflados, o que restava arrumou tudo em pouco tempo.
(Continua)
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Notas:
2 - Companhia de Comando e Serviços do Quartel General, em Santa Luzia, Bissau
3 - Nome fictício
4 - Nome fictício
Nota do editor
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e
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GUINÉ, IR E VOLTAR - XXI
1 - Grande Hotel
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O PAIGC está mais atrevido, anda por aí, está cá dentro, parte mantenhas a toda a hora connosco, atreve-se a fazer coisas que antes só pensavam, estamos um pouco parados, se calhar.
Uma simpatia, este Tenente-Coronel, o olhar para a chuva a cair, o outro coronel ao lado, o alferes a apetecer dizer-lhe mas a guardar para si, meu Tenente-Coronel, com todo o respeito, como diz o outro, é como na Figueira, nunca mais chegamos à água e quando lá chegamos já estamos cansados, temos é vontade de nos sentarmos.
Desandara para Bissau matar saudades. Uma volta pelos sítios conhecidos e ao princípio da noite entrou no restaurante do Grande Hotel, uma grande merda, porque de grande só se fosse nisso. Era como aquelas senhoras já de uma certa idade que ainda arriscavam uma racha quase até meio das coxas, meia de seda preta com costura por ali abaixo, o cabelo louro bem arranjado, a escorrer costas abaixo.
Pois o Grande Hotel era frequentado por algumas dessas senhoras, quase todas mulheres de oficiais superiores espalhados por tudo quanto eram gabinetes e de militares de outras patentes que não se sabia bem por onde andavam.
Dos senhores frequentadores, o custo da presença impunha que fossem os maiores da terra, os maridos das senhoras e alguns civis brancos, muito poucos, cabo-verdianos ainda menos, os negros serviam às mesas.
Era assim, com tão dignas presenças, o ponto de encontro mais selecto de Bissau, o local para levar lá alguém mais importante ou comemorar alguma data especial. Há uns bons tempos o Capitão Leandro tinha-o encarregado de levar ao Grande Hotel um jornalista, Amândio César1 de nome, que lhes tinha feito uma visita a Brá, tendo jantado com todo o pessoal da Companhia de Comandos. Amândio César era um conhecido e, para alguns, controverso jornalista com tendência e gosto pela escrita entusiasta. Tão apreciado era que alguma personalidade com influência, não certamente pequena, quisera aproveitar-lhe o jeito e convidara-o a passar para um livro a informação que a sua curiosidade e argúcia recolhesse nos bares dos Grandes Hotéis de Luanda, Bissau e Lourenço Marques.
Tinha lido, na altura em que estava a frequentar o curso de comandos, um livro que o Capitão Saraiva lhe emprestara, “Guiné 1965: Contra Ataque”, da autoria do mencionado escritor. Livro excitante, com descrição pormenorizada e arredondada de feitos, em que o conceituado escriba relatava acções militares com tamanho empenho e minúcia que, a alguns e ao alferes também, levantaram dúvidas, que tratou de as tirar junto de alguns que estiveram nesses combates e que ainda se encontravam em Brá.
Verificou com desgosto, diga-se, que essas testemunhas não tinham tido olhos para tão agudos detalhes.
E quando no Grande Hotel, no intervalo de uma golada de cerveja, lhe pôs a questão exactamente como atrás se escreve, o escritor-jornalista, óculos de massa preta na testa a escorrer de suor, que o que entrava por algum lado tinha que sair, de pronto lhe retorquiu em linguagem futebolística, o alferes ou está a ver o Eusébio a marcar um livre, ou está a tirar a foto ao livre! Acha que consegue ver tudo ao mesmo tempo? E, no entanto, foi golo! E de seguida despediu-se, alegando ter que preparar uns trabalhos para enviar para Lisboa, pedindo-lhe ainda que renovasse os agradecimentos ao capitão pelo agradável acolhimento que tivera.
Acontecera há já alguns meses esta peripécia, ainda a Companhia estava em Brá a todo o vapor.
E agora aí estava outra vez, meses depois do tal jantar com o jornalista. Olhadela pelo salão já praticamente cheio, viu uma mesa para quatro a um canto. Sentou-se.
A carne do bife? É melhor não? Então o quê, arroz de caril de frango, pode ser. O pão acabado de sair do forno, aos bocadinhos, a manteiga das Marinhas, talvez de meses, o olhar pelos comensais, animados nas conversas com as senhoras das mesas respectivas e a vir-lhe à lembrança o jantar que lá comera com um cabo guineense do seu grupo, há um ano atrás. Um dia destes vamos jantar ao hotel, ao Grande Hotel, ok?
Ao Grande Hotel? No Grande Hotel nunca se sentou nenhum preto, meu alferes! Então vamos depressa, antes que vá outro antes de ti. Tens andado por todos os buracos, disparaste em tudo o que mexeu, do norte ao sul, em todo o lado, sem pedir licença, porque é que havias de a pedir agora para entrar no Grande Hotel? Vamos amanhã! Leva este Old Spice que está por estrear, põe no fim da barba para te acalmar as borbulhas, e a Couraça com esta escova para os dentes.
O valente cabo apresentou-se à hora marcada junto ao quarto, em Brá, caqui amarelo que no Grande Hotel a guerra era mais fina, a boina preta a cair para o lado direito, a carapinha a sair-lhe de todo o lado, o lenço de seda negro ao pescoço, um espelho acabado de limpar nas botas, ao ataque para Bissau, Grande Hotel, olhos na estrada, Alegre.
Quando entraram no salão, a esfregarem os olhos das luzes dos pingentes dos candeeiros, outros olhos, sentados, levantaram-se para eles, para baixaram outra vez para os pratos, a conversarem baixo uns com os outros. O salão estava com muita gente, mais de meio, dois ou três civis e oficiais superiores, à paisana, coronéis, majores, as mulheres, umas com pele nova, outras com muito creme em cima.
O que o meu alferes comer eu também como, o camarada com os dentes de cima em cima do lábio de baixo, olhos pequenos muito vivos, viam tudo até de noite. Um arroz tem que ser aqui para este senhor, agora o que tem para acompanhar, frango?
O empregado ajudou-os com as cadeiras, algum aperitivo antes, não, só pão e manteiga. Jantaram tranquilamente, os barulhos das conversas voltaram ao normal. À medida que os comensais iam saindo, reparou que invariavelmente desviavam para a mesa deles olhares pouco aprovadores, pareceu-lhe, mas nada mais que isso e também nada que o incomodasse.
Agora estava só numa mesa, três lugares vagos que até davam jeito, as pessoas de pé a olhar para ver se demorava muito, estava ainda no início, e a comida não andava, enrolava, água, enrolava com água, o costume nestes últimos tempos.
Uma senhora loura, vestido vermelho colado ao corpo, um pouco acima dos joelhos, como diziam que se usava agora na metrópole, aberto no peito e nas costas, sapato de tacão bem alto, lábios e unhas a condizer, deu entrada no salão. Senhoras a olharem, homens também, não era exagero nenhum dizer que até as vozes se calaram todas, ao mesmo tempo.
Olha o alferes aqui, está à nossa espera, podemo-nos sentar, o cCapitão Marques, à civil, dentes a sorrirem. Já não se viam desde os tempos em que ambos frequentavam a esplanada do Hotel Portugal.
O piano recomeçou a tocar o Danúbio Azul, o alferes para a frente com a cadeira, a senhora loura, com um perfume daqueles que se colam às outras peles, a abanar os cabelos, um dedo a passar pelos lábios, um espelho na mão e o capitão de olho a piscar-lhe e o alferes, de repente, a lembrar-se da história que lhe contaram, passada no aeroporto. Ela, toda loura, acabada de chegar a Bissau, a bambolear-se ao encontro do capitão, os olhos do maralhal todos em cima, os do capitão dentro dos ray-bans voltou-se para um mais entusiasta, gaja boa não? É minha mulher, quer que a apresente?
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Nota
1 - Amândio César Margarido Pires Monteiro, uma personalidade muito ligada ao antigo regime. Entre várias funções que desempenhou, foi ensaísta e crítico literário, dedicando parte da sua actividade à divulgação das literaturas brasileira e africana de expressão portuguesa, nomeadamente a angolana. Das suas estadias na Guiné publicou "Guiné" e "Em Chão Papel Na Terra da Guiné"
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2 - Água do IN
Falava-se no caso do Mamadú em todas as esquinas de Mansoa, que tinha sido o PAIGC que o mandara nessa missão, que o caso tinha sido um nó que o partido atara ao homem grande da tabanca para a população ver quem tinha os trunfos, que havia um libanês, com um comércio próspero, a vender para os dois lados, que sabia da história toda, que tinha sido um milícia que, por dinheiro que o libanês lhe passara para as mãos, o metera na tabanca. O libanês sempre na berlinda, fulano vira, sicrano também, quem eu, mas quem disse, afinal ninguém sabia, o comerciante ofegante a ficar cada vez mais pálido, ia desmaiando na sala de operações, em frente aos dois coronéis.
À primeira vista tinha-se a ideia de que a população estava quase toda com a tropa, só com a ideia, claro. Mas a rede de informações das NT, embora incipiente, há já algum tempo dava indicações que as milícias de Mansoa, a grande maioria de etnia balanta, não eram de confiar.
As informações, mais falsas que verdadeiras, continuavam a chegar a toda a hora ao batalhão. Passou ontem um bi-grupo por Jugudul, em Jugudul já há muito tempo que ninguém vê bandido, outra informação a chegar, reuniões todos os dias, uma agitação contínua. Os movimentos das NT continuavam, as colunas de reabastecimento e os patrulhamentos faziam-se normalmente em todo o sector, embora com os incidentes do costume, minas, emboscadas e flagelamentos, estes especialmente nocturnos, para além da habitual resistência que a guerrilha opunha às investidas das NT.
É preciso sair, montar emboscadas, fazer nomadizações, qualquer coisa, o Tenente-Coronel ansioso, à espera que houvesse alguém voluntário para fazer tudo de seguida.
O IN, sem grande esforço, está a fazer uma guerra inteligente, passa informações contraditórias umas atrás das outras, durante uns dias cala-se, nós aqui ansiosos, até agora praticamente tem sido tudo fogo de vista, meu tenente-coronel, um dos elementos do staff do batalhão a querer acalmar o ambiente.
Fogo de vista para si, que está aqui resguardado, feridos e mortos para os que andam na mata, o tenente-coronel, furioso como nunca o vira, pingalim a estalar em cima da mesa, mapa, papeis, alfinetes, clipes, tudo ao ar, porra, já estou com pouca paciência!
Mão pela testa, eu sou calmo por natureza, mas esta agitação está a dar cabo de mim, sempre à espera que comecem a cair morteiradas em cima de nós. Alferes, vai sair com o seu grupo. Se há informação? Claro que há, informações não faltam!
Despejos de água aos baldes em cima deles, relâmpagos, estrondos de bombardeamentos para norte, a lua a jogar ao esconde-esconde, o pessoal ensopado até aos ossos, foram andando até clarear. Pararam para aí meia hora, começaram a pôr-se a pé e ele, o comandante do grupo, não conseguia, não sentia as pernas, frias, as únicas em todo o grupo que não obedeciam à sua ordem de marcha. Mãos a massajar, demorou tempo, lá se levantou com muito esforço, o Valente de Sousa a ajudar, arrancou, bamboleante, por ali fora. Pronto, acabou-se, tens que mudar o filtro, os óleos, olha, aproveita e muda tudo, tudo não, mas quase, a rir-se por dentro, a força a voltar, o frio no corpo a manter-se.
Andaram, como se fosse um treino, para desentorpecer os músculos, os trilhos cheios de água, não se via nada, o Tenente-Coronel Lemos feito Águia no ar, montado no PCV, novidades?
Águia, guias dizem que caminho não tem sinais recentes, mata ao lado também não, é água por todo o lado, nos trilhos, fora deles, por todo o lado água, água do IN.
Ok, Diabo Maior, entendido, mostramos-lhes que vamos aonde queremos e quando queremos, retirem, ok, ok, Águia, afirmativo, terminado. Não podia andar mais, nem com a imaginação a trabalhar. Até a cabeça não queria andar mais.
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3 - E agora para onde?
Em Mansoa desde princípios de Julho, com Setembro a entrar estava terminado o período de tempo de reforço ao Comando de Agrupamento de Mansoa, chefiado pelo tal coronel alto, de cabelos brancos, ar calmo. E a colaborar com o Batalhão comandado pelo Tenente-Coronel Ferreira de Lemos.
Os tempos em Mansoa, naquele final de 66, mantinham-se agitados. Muita informação, a ansiedade entre os militares andava à solta. E aumentava com a aproximação da noite, quando se tinha de proceder à rendição das secções na segurança à povoação.
No grupo de comandos, de vez em quando, lá ia mais um, comissão terminada. Já não passavam da dúzia e meia de homens. E foi com esta dúzia e meia que regressou da área de Jugudul, por onde, diziam as fontes, andava o tal bigrupo da guerrilha. O regresso dessa acção, como toda a operação, aliás, feita debaixo de muita água, foi-lhe fisicamente muito difícil. Quando disse para a parelha da frente começar a andar, quando todos obedeceram e as pernas dele é que não, nessa altura concluiu que a comissão, como operacional, estava no fim. A crise de paludismo tinha-o deixado de rastos.
Dias depois, o Tenente-Coronel Lemos chamou-o. Que tinha recebido uma mensagem do Comandante Militar a ordenar que se apresentasse no QG, no seu gabinete em dia e hora que indicou.
No dia marcado, no QG em Bissau, dirigiu-se ao gabinete do Comandante Militar, Brigadeiro Reymão Nogueira, que já o conhecia bem de razões que não vêm agora ao caso.
Mal o mandou entrar, talvez para aquecer a conversa, fez-lhe duas ou três perguntas sobre a situação em Mansoa. A seguir ouviu-o dizer que iria dar por finda a missão do grupo de comandos e que devia apresentar-se, dois dias depois, na 1.ª Rep. do QG, onde lhe seria comunicado o destino do pessoal. E para ele, alferes, dado o escasso tempo para dar a comissão por finda, talvez não fosse má ideia ficar adstrito à CCS do QG.
No decorrer da conversa, sem perceber a que propósito, entraram cavalos no discurso do Comandante Militar. Que era oriundo de Cavalaria e que lidar com homens não era muito diferente de lidar com cavalos. Foi assim, de forma algo equídea que estava a sair da cena operacional.
Não acho que a história dos cavalos se me aplique, não me parece que seja uma questão a resolver com um molho de palha e torrões de açúcar, nem com 15 dias de licença nas praias de Bubaque, não que me fizesse mal, é mais vasto, não é só físico, é também um cansaço muito grande cá dentro!
Assim, a falar para dentro. Para fora saiu-lhe o que queria dizer. Que, para ele, não era muito importante o local onde iria ser colocado, importante, para ele, era regressar à metrópole, logo que acabasse os 24 meses de comissão.
E agora para onde? Para qualquer lado, Alegre, para Brá não, já não somos de Brá. A esplanada do Bento, àquela hora com pouco movimento, os dois sentados, uma cerveja para cada um, um miúdo a cuspir-lhe nas botas, a puxar o lustro, a pirueta da escova ao ar, o ar triunfante do garoto com ela na mão, a puxar o lustro outra vez, outros miúdos ao lado, nosso alfero, mancarra quer?
E agora, se nos puséssemos a caminho de Mansoa? Subiram até à Sé, porque vais por aí Alegre? Não queria olhar, mas olhou para aquela casa, o portão, as escadas, a porta fechada, as janelas também, ninguém no jardim, tudo arrumado como se tivessem ido para férias.
Em Mansoa, prepararam-se para sair. Arrumar sacos, armas, tudo, a seguir ao pequeno-almoço, formatura do grupo frente ao Comando do Batalhão, para as despedidas aos Comandantes do Agrupamento e do Batalhão.
Uma cerimónia simples para um grupo tão pequeno, o tenente-coronel a passar revista, a parar em frente de um, tu donde és, quanto tempo te falta. E depois de algumas palavras, o grupo a desfilar frente aos dois coronéis, em direcção às viaturas, alinhadas para Bissau.
Óleos, Alegre, óleos? Então, força com essa chocolateira.
Quando passaram a ponte, voltou-se, viu Mansoa a afastar-se, a ficar para trás. Depois dos cinco meses em Cuntima, 16 nos Comandos, já nem se lembrava de quantas operações, só contou de início, quase tudo golpes de mão, algumas emboscadas e nomadizações, um sem número de contactos com o, quase sempre, competente IN, um morto, o Soldado António Silva, 9 feridos sem gravidade, nem numa emboscada caíram. Há infernos piores, mas no meio deste era difícil ter tido melhor sorte.
Uma das últimas operações, em Buba, 'Olinda' de código, de grande importância estratégica, segundo rezava a ordem de operações, quando se ia para lá era de escacha-pessegueiro, o grupo a entrar-lhes pela porta dentro, outra vez sem ninguém dar por eles, nem convidados nem nada, não os quiseram receber a bem, o carago a quatro, para não dizer pior.
A guerra, já que tivera de ser, fora feita, assim. E parabéns ao IN e um sentimento de respeito também, que para os combatentes as guerras são sempre justas. E cansaço, muito cansaço!
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4 - CCS, QG2
Entre, entre, o Capitão Valente, a caminho dos 60, valente no físico pelo menos, para aí 90 quilos. Sentado, óculos na ponta, montes de papelada, Parker 51 na mão, entre, que está aí a fazer à porta?
Alguns dos seus homens ficam à sua responsabilidade directa, vão prestar serviços aqui no que se entender, dos restantes tem que tratar na 1.ª Repartição, disseram-lhe lá, não foi?
O nosso alferes fica como meu adjunto no comando da Companhia e acumula com a responsabilidade da cantina, ok?
Meu capitão, não tenho qualquer experiência na gestão de messes nem de cantinas, nem sequer simpatia pela actividade, e agora, encrencas é que não me dão jeito nenhum.
Bem, para já, aqui quem manda fazer o serviço é o Capitão Valente, que é este senhor que está a falar consigo, sentado nesta cadeira. E falta de experiência até pode ser bom, nosso alferes. Com a sua idade, que experiência é que tem, ora diga lá? Aqui na CCS do QG, faz-se o que é preciso, com os militares que cá temos. Experiência, experiência! Temos que a ganhar alguma vez, olhe, gajos com experiência em messes e cantinas, aqui são aos pontapés, um alferes que esteve aqui ganhou tanta experiência que em meia dúzia de meses já sabia mais que eu, tive que o mandar fazer uma viagem, a experiência que ganhou aqui nas cantinas deve estar a ser-lhe muito útil agora.
Fecho de contas diárias, existências e movimentos dos géneros, entradas e saídas ao mês, relatórios de fecho até ao 5.º dia útil do mês seguinte, contactos com os fornecedores mais pequenos, os maiores ficam à minha responsabilidade, entendido?
A olhar para o grande Capitão Valente, se calhar Mansoa seria melhor, amanhã a que horas, meu capitão?
Às horas do regimento, porquê, não lhe dá jeito?
Então, com a sua licença, meu capitão, até amanhã.
Assistiu ao desembarque do grupo, à escolha das camas, as parelhas a manterem-se, a arrumação dos materiais, o habitual nestas andanças. Alegre, dá cá as chaves do jeep. Entrou pelo bairro residencial do QG, onde fica a casa do Alferes Neves3, aquela ali, junto à piscina?
Com licença, posso? Viva, um tipo que nunca tinha visto, de Minolta na mão, deitado na cama. Manaças4 da 4.ª, tudo o que seja transportes aqui na Guiné tem que passar por mim! Disseram-me ontem que eras tu o novo morador! Conheço-te por causa dos jeeps, isso é que foi bater recordes, tanto jeep gripado em tão pouco tempo, e o Major Gama como uma barata, todo lixado! É pá, tiveste sorte, aqui é tudo malta fixe! Onde ficas? No quarto lá de dentro tens duas camas vagas, escolhe uma.
Um conjunto de vivendas térreas, todas pequenas, dispostas em roda, de frente para a messe, a piscina logo ali, meia dúzia de passos abaixo. A vivenda que lhe tinha sido destinada tinha uma única porta, à entrada um quarto grande, duas camas, uma de cada lado, encostadas às paredes, um armário em frente, uma aparelhagem Akai, de um deles, com gravador de bobines. Depois, um pequeno corredor, armários nas paredes dos dois lados, o quarto de banho em frente, à esquerda outro quarto, duas camas, como no da entrada, encostadas às paredes, um luxo.
Escolhe a cama, o amigável Manaças.
Agora, a minha nova morada é aqui, até ao fim, os olhos a passarem pela estante-armário vazia, os tapetes de fio indígena no chão, a mesinha de cabeceira com um candeeiro, as paredes a cheirar a tinta fresca, tudo muito melhor do que esperava. Abriu o saco verde de lona, virou-o para baixo, sacudiu-o em cima de uma das camas, duas camisas de manga curta, dois pares de calças à civil, as meias da guerra, as poucas coisas que tinha, ora vamos arrumar esta tarecada toda, dez minutos, tudo nos sítios, o espaço nas prateleiras da estante iria enchê-lo com os livros que trazia no caixote.
O outro saco, as botas para fora, o par de sapatos para civil e militar, os dois camuflados, o que restava arrumou tudo em pouco tempo.
(Continua)
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Notas:
2 - Companhia de Comando e Serviços do Quartel General, em Santa Luzia, Bissau
3 - Nome fictício
4 - Nome fictício
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____________Nota do editor
Últimos 10 postes da série de:
20 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês
27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes
10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima
24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá
1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes
8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela
15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência
22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium
29 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo
e
5 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15330: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XX Parte): Hospital Militar 241; Mamadú; Fuga? e Só água fria por baixo
Guiné 63/74 - P15356: Convívios (718): O próximo Encontro da Magnífica Tabanca da Linha será no dia 19 de Novembro, no sítio do costume (José Manuel Matos Dinis)
DIA 19 DE NOVEMBRO
PRÓXIMO ENCONTRO DA MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA
PRÓXIMO ENCONTRO DA MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de 11 de Novembro de 2015:
Carlos, amigo, o pessoal está contigo!
É verdade, nos conturbados momentos que o país tem vivido, tu és um exemplo de estabilidade, resistência (física)* e apreço.
Na verdade, para além dos mais modernos e sofisticados meios de comunicação, o Blogue continua a ser a primeira coisa que uns lêem, e a última que lêem outros na expectativa das últimas publicações. Ora, nessas certezas é que navegas por tantos e tão diferentes lados, na importante missão de concatenar a malta em qualquer lado do planeta.
E por isso, gostaria que desses publicidade ao próximo encontro da MAGNÍFICA, que vai acontecer no próximo dia 19, no lugar do costume, onde será servida a refeição do costume, ao acostumado preço de 18 aéreos.
Já tinha pedido ao esforçado Manuel Resende que te enviasse idêntico pedido para concatenação, mas para obviar alguma contrariedade, aqui vai uma insistência.
As inscrições devem ocorrer até segunda-feira, dia 16, e podem ser feitas para o meu mail (josemanuel.matosdinis@gmail.com), ou pelo telefone 913 673 067.
Também estão disponíveis os telefones do Senhor Comandante Rosales 914 421 882; ou do Resende 919 458 210.
O tempo vai estar soalheiro, a fazer fé nas previsões mentirológicas, pelo que se recomenda, que venham mais cedo, sentem-se à conversa na esplanada, e bezuntem-se de cremes anti-solares, que as idades já não perdoam excessos de exposição.
Pelas 13H00, dar-se-á lugar à ocupação dos respectivos postos de combate.
Abraços fraternos
JD
Nota
* Resistência física e mental, que é do que reclama o Senhor Comandante Rosales de cada vez que está comigo. No entanto, vingativo, leva sempre o conteúdo de uma garrafa de tinto. Mas isto é segredo, que ninguém divulgue! A última, foi uma Calisto, tinto reserva de 2009, que ele reputou de bom. Pudera! À borla também eu era pobre na classificação.
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15341: Convívios (717): Rescaldo do XXVIII Encontro do pessoal da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 7 de Novembro de 2015 (José Colaço)
Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 3873, e CCAÇ 12, 1971/74)
1. Mensagem de António Duarte
[ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].Data: 11 de novembro de 2015 às 18:41
Assunto: Guiné 63/74 - P15349: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXVII: Alguns números sobre a atividade operacional e a ação psicossocial: 32 mortos (IN), 4 prisioneiros, 113 moranças e 8 toneladas de arroz destruidas ao IN; 132 elementos pop recuperados, 1 mesquita e 9 escolas construídas, 4 reordenamentos iniciados, 2 tabancas reocupadas...
Abraços
António Duarte (Cart 3493 e Ccaç 12 dez 71 a jan de 74)
Mapa referente à distribuição geográfica inicial do contingente do BART 3873 (1972/74), na zona leste, setor L1: Bambadinca (comando e CCS), Xime e Enxalé (CART 3494), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492). Detalhe da carta da província da Guiné, escala 1/500 mil (1961)
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12692: Direito à indignação (12): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Ernesto Duarte)
[ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].Data: 11 de novembro de 2015 às 18:41
Assunto: Guiné 63/74 - P15349: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXVII: Alguns números sobre a atividade operacional e a ação psicossocial: 32 mortos (IN), 4 prisioneiros, 113 moranças e 8 toneladas de arroz destruidas ao IN; 132 elementos pop recuperados, 1 mesquita e 9 escolas construídas, 4 reordenamentos iniciados, 2 tabancas reocupadas...
Boa noita, Luís
Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia....
Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate.
Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate.
Então vejamos: da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas.
O alf António Jorge [Cristóvão] Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano, foi "varrido" com uma rajada de G3. Era de Viseu e filho de um oficial do quadro, suponho oriundo de sargento. Aconteceu em [18 de] setembro de 72.
Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano, de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia.
Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).
Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese, arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente.
Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço.
Por estas e por outras é que se ouvia dizer aos habitantes portugueses das colónias, sobretudo em Angola, que a maior parte dos mortos era por acidente. Parece redutor, mas convinha manter este perfil.
Quanto à companhia que inicialmente foi para o Xime, a CART 3494 (do Jorge Araújo e do Sousa de Castro), tiveram quatro mortos, que me lembre. O furriel Bento, vítima de emboscada em Ponta Coli, em abril de 72 e mais três soldados afogados no Geba, salvo erro em agosto de 72, aparentemente devido a ordens mal dadas pelo comandante da operação. O Araújo sabe bem a história, já que a viveu ao vivo e a cores.
Penso que a companhia do Xitole, a CART 3492, teria tido também pelo menos um morto, com acidente de arma de fogo, num destacamento numa ponte onde se passava nas colunas ao Xitole/Saltinho [, Ponte dos Fulas]. A confirmar com alguém da companhia.
Quanto a feridos graves, a CART 3493 teve quatro amputações de pé/perna. Um furriel, dois cabos e um soldado. Feridos ligeiros, teve bastantes, devido a minas anticarro, rebentadas sobretudo em Cobumba.
De facto a história só pode ser escrita daqui a mais 50 anos. Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva, pela forma manipuladora, da síntese das baixas de um batalhão. A minha pena é que daqui a 50 anos não estou cá, para finalmente saber a "verdade"... que eu/nós vivi/vivemos.
De facto das baixas que aqui relato, só uma foi diretamente com o fogo do IN. Mas, e as outras? Morreram a tomar banho na piscina? A praticar desporto?... Se fosse crente diria "Valha-nos Deus". Os políticos são todos muito parecidos, sejam os do tempo do António, sejam os de agora.
É em alturas como esta que vejo uma das grandes utilidades do teu/nosso blogue. Os homens da história vão ter material para trabalhar e encontrar uma das verdades. Qual, não sei. A minha? A tua? A nossa?
Abraços
António Duarte (Cart 3493 e Ccaç 12 dez 71 a jan de 74)
Mapa referente à distribuição geográfica inicial do contingente do BART 3873 (1972/74), na zona leste, setor L1: Bambadinca (comando e CCS), Xime e Enxalé (CART 3494), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492). Detalhe da carta da província da Guiné, escala 1/500 mil (1961)
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12692: Direito à indignação (12): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Ernesto Duarte)
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
Guiné 63/74 - P15354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (69): De Lisboa, para ti, Luanda, com um 'kandandu', 40 anos depois da 'dipanda'
De Lisboa, para ti, Luanda, com um kandandu
por Luís Graça
Notas do autor:
(*) Glossário de termos do falar local [ L.G. - jul 2004]:
Candongueiros > Os endiabrados táxis colectivos de Luanda. Param um qualquer sítio e levam sempre mais um passageiro para além da sua lotação máxima. Cada viagem custa(va) 30 kwanzas. O termo vem de candonga (contrabando). Inicialmente, ao que parece, tratava-se apenas de contrabando... de peixe seco. Muito mais tarde, o termo candongueiro passa a designar os contrabandistas de diamantes e, mais recentemente, os novos taxistas luandenses do chamado "processo dos 500", sem alvará...
Imbondeiro > Também conhecido por n´bondo (Adansonia digitata, Lin.):
Kaluanda (ou calunand) > Nome antigo, colonial, dado ao habitante de Luanda, e que hoje já se usa...
Kandandu (ou candando)> Abraço (plural: Jindandu). Ver outras expressões usadas nas saudações em kimbundu ou quimbundo.
Kimbundu (ou quimbundo)> Considerado o maior grupo etnolinguístico de Angola (c. 25% da população na costa oeste e no norte), a seguir ao ovimbundu (c. 37%, a sul), mas à frente do bakongo (13%) (Estas são as três principais línguas de Angola, todas elas pertencentes ao grupo bantu).
A língua oficial é, como se sabe, o português. No Ciberdúvidas da Língua Portuguesa há uma interessantíssima nota de Rui Ramos sobre as relações nem sempre fáceis entre o português (colonial, dominante, a língua do poder) e o kimbundu (ou quimbundo, o falar das gentes de Luanda-Malanje). Termos usados hoje pelos nossos jovens, como cota (dikota, pessoa mais velha) são provenientes do kimbundu.
Sobre as questões de grafia (kimbundu ou quimbundo), ver igualmente a resposta do angolano Rui Ramos, especialista em línguas africanas, no mesmo sítio. Não se deve confundir, no entanto, o kimbundu com o calão de Luanda (caso de bué, e outras expressões que se ouvem na noite lisboeta).
Kinguila (ou quinguila) > Rapariga ou mulher que, no mercado paralelo, se dedica ao câmbio de moeda. Em geral, os maços de kwanzas e de dólares são guardados nos seios. Este negócio era tradicionalmente dos zairotas, habitantes do Zaire. Segundo li no portal Netangola, numa página com preciosas dicas para os homens de negócios estrangeiros em visita a Luanda, "one can often find in the streets of the city the typical Kinguila - the seller of money - who normally offers the best quotation. This practice is forbidden by the authorities and offers some risks".
Kixikila > Em kimbundu, quer dizer contribuição, em dinheiro, para um dado fim coletivo. Em África, em geral, e em Angola, em particular, é aquilo que se designa pela expressão inglesa Rotating Savings and Credit Associations (ROSCA), um sistema informal de poupança e crédito, um grupo de ajuda mútua, liderado em geral por uma mulher, a "mãe de kixikila". O pequeno grupo, de cinco a dez elementos, tende a ser constituído por pessoas que estão ligadas entre si por laços de amizade, parentesco, vizinhança, confissão religiosa ou profissão. Cada elemento faz periodicamente uma determinada contribuição para um fundo comum que é depois utilizado rotativamente por cada um, com uma taxa de juro nula ou de valor reduzido.
Na ausência de sistemas de crédito bancário acessíveis à generalidade da população, o kixikila voltou aos hábitos dos luandenses como forma de atenuar ou reduzir o impacto da pobreza. O kixikila está hoje [2004]vulgarizado, não só entre as vendedeiras, quitandandeiras e kinguilas, mas também nos serviços públicos e nas empresas (vd. Neto, S. - Kixikila não é uma lotaria. Economia & Mercado. 19, maio-junho de 2004, pp. 40-42). Vd. também: Ducados, H.L.; Ferreira, M.E. (1998) - O financiamento informal e as estratégias de sobrevivência económica das mulheres em Angola : a Kixikila no caso do município do Sambizanga (Luanda). Lisboa: CESA - Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento. Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade Técnica de Lisboa. 1998 (Documentos de Trabalho, 53).
Kwanza (ou cuanza)> Moeda local, dividida em 100 cêntimos. 1 dólar equivalia a c. 85 kwanzas [em julho de 2004]. O cacete (tipo de pão) custava cerca de 20 kwanzas. Consultar também o sítio oficial da República de Angola.
Musseques > Bairros populares degradados de Luanda, fora da perímetro urbano de cimento e alcatrão...
Quitandeira > Vendedora de rua (ou de mercado), em geral de produtos hortofrutícolas. Vem de quitanda, um termo kimbundu que significa expor (determinados produtos para venda), e, por extensão, feira ou mercado. Há um belíssimo poema de Agostinho Neto sobre a quitandeira, que vem no seu livro Sagrada Esperança (1974): "A quitanda. Muito sol /e a quitandeira à sombra / da mulemba. /- Laranja, minha senhora, /laranjinha boa!"...
Zungueira > Vendedor ambulante, uma figura típica da economia paralela de Luanda. Em geral é do sexo feminino, mas também há cada mais jovens e crianças do sexo masculino. Estima-se que 70% da população de Luanda, em idade activa, seja zungueira. Ninguém sabe ao certo qual é a população actual da cidade e periferia: estima-se que possa chegar aos 4/5 milhões (a maior parte tenmdo origem nos deslocados de guerra), ou seja, mais de 1/4 da população angolana actual [, que é hoje, em 11/11/2015, estimada em 24 milhões, 40 anos depois da 'dipanda'). Zungueira vem do verbo zunguar (andar para cima e para baixo, circular tentando vender alguma coisa).
As zungueiras abastecem-se em mercados como o Roque Santeiro ou o Kikolo, onde não é aconselhável, por razões de segurança, a visita do turista estrangeiro. [Julgo que estes mercados entretanto desapareceram, 10 anos é muito ano na vida de uma jovem nação, que já nessa época e nos anos a seguir, e até a crise financeira internacional, Angola conhecia um certo "boom" económico, ligado à alta do petróleo].
por Luís Graça
Fui revisitar, para os amigos, e a pretexto da "dipanda" [independência], de Angola, há 40 anos, um poema meu, datado, escrito na ilha de Luanda, em julho de 2004. Tinha conhecido Luanda (mal e pela primeira vez,) nove meses antes.
O poema tinha por título "Luanda (re)visitada"... Agora revisto, vale pelo afeto e pela amizade que nos une, aos dois povos. Simbolicamente, dedico esta versão (revista) a duas pessoas que me são queridas:
O poema tinha por título "Luanda (re)visitada"... Agora revisto, vale pelo afeto e pela amizade que nos une, aos dois povos. Simbolicamente, dedico esta versão (revista) a duas pessoas que me são queridas:
(i) ao meu amigo angolano Raul Feio., que fez o curso de medicina em Portugal e que conheceu a prisão de Caxias, no final do Estado Novo, pelo único crime de amar a sua terra; e (ii) a minha amiga Helena Rolim., corajosa empresária portuguesa, que vive e trabalha a maior parte do tempo em Luanda.
Eles dão-me a honra de serem meus amigos e, sem ainda se conhecerem pessoalmente, fazem muito bem a ponte Portugal-Angola e Angola-Portugal. Cada um no seu campo de atividade, que num caso como no noutro está ligado à saúde. Espero um dia poder juntá-los... Em todo o caso, se a minha pátria é a minha língua, também eu também sou angolano. (LG)
Eles dão-me a honra de serem meus amigos e, sem ainda se conhecerem pessoalmente, fazem muito bem a ponte Portugal-Angola e Angola-Portugal. Cada um no seu campo de atividade, que num caso como no noutro está ligado à saúde. Espero um dia poder juntá-los... Em todo o caso, se a minha pátria é a minha língua, também eu também sou angolano. (LG)
Não vi flores,
não vi acácias vermelhas,
dessas rubras acácias de Benguela,
no teu imenso musseque.
Não vi o esplendor tão celebrado da tua baía,
Porém, no teu rosto (re)visitado pelas rugas velhas
da guerra, da pobreza e da malária,
descobri diamantes em estado puro
no teu olhar de criança,
perdida em viagem imaginária.
De modo nenhum te quereria (nem te sonhava)
em postal ilustrado, decadente e saudosista,
com carimbo de correio pós-colonial:
a restinga do Mussulo ao pôr-do-sol,
a laguna, o mangal, a marginal,
Alguém do hemisfério norte,
gente sempre mais precavida,
poderia achar essas correrias loucas,
se não soubesse quem tu eras, nem a tua resiliência,
mas tu tinhas o teu devido tempo e a tua exata medida,
não vi acácias vermelhas,
dessas rubras acácias de Benguela,
no teu imenso musseque.
Não vi o esplendor tão celebrado da tua baía,
nem da tua baixa colonial,
nem senti o sortilégio da tua ilha dos amores,
ó cidade de Luanda, outrora tão bela,
dizia o cronista social dos "bons velhos tempos",
que a beleza também engana e fenece,
mesmo se a gente a memoriza
e nunca a esquece.
nem senti o sortilégio da tua ilha dos amores,
ó cidade de Luanda, outrora tão bela,
dizia o cronista social dos "bons velhos tempos",
que a beleza também engana e fenece,
mesmo se a gente a memoriza
e nunca a esquece.
Porém, no teu rosto (re)visitado pelas rugas velhas
da guerra, da pobreza e da malária,
descobri diamantes em estado puro
no teu olhar de criança,
perdida em viagem imaginária.
De modo nenhum te quereria (nem te sonhava)
em postal ilustrado, decadente e saudosista,
com carimbo de correio pós-colonial:
a restinga do Mussulo ao pôr-do-sol,
a laguna, o mangal, a marginal,
e o estúpido turista em férias,
no Coconuts, na ilha, elitista,
ou na piscina do Hotel Tropical!
Não li sequer os grafitos do FMI,
gravados a duro pau de giz
nos muros dos palácios da Cidade Alta,
proclamando urbi et orbi
que doravante toda a malta,
no Coconuts, na ilha, elitista,
ou na piscina do Hotel Tropical!
Não li sequer os grafitos do FMI,
gravados a duro pau de giz
nos muros dos palácios da Cidade Alta,
proclamando urbi et orbi
que doravante toda a malta,
do mais velho ao petiz,
iria ser rica e feliz!
iria ser rica e feliz!
Há muito que os kaluandas tinham partido,
deixando atrás de si,
com um misto de saudade e de glória,
o calor húmido e fraterno da grande nação crioula,
mais os imbondeiros que haviam resistido
à seca, à fome, ao inferno,
ao lixo, à sida, à história.
O cheiro fétido do humano
viajava nos candongueiros
que atravessavam de lés a lés
a tua rede de túneis-formigueiros,
as tuas entranhas, o teu tutano, a tua essência.
deixando atrás de si,
com um misto de saudade e de glória,
o calor húmido e fraterno da grande nação crioula,
mais os imbondeiros que haviam resistido
à seca, à fome, ao inferno,
ao lixo, à sida, à história.
O cheiro fétido do humano
viajava nos candongueiros
que atravessavam de lés a lés
a tua rede de túneis-formigueiros,
as tuas entranhas, o teu tutano, a tua essência.
Alguém do hemisfério norte,
gente sempre mais precavida,
poderia achar essas correrias loucas,
se não soubesse quem tu eras, nem a tua resiliência,
mas tu tinhas o teu devido tempo e a tua exata medida,
ó cidade das mulheres empreendedoras,
peritas na arte da sobrevivência.
Um enorme exército de formigas obreiras,
com os jerricãs de plástico à cabeça,
levava o fio da água da vida,
tão preciosa quanto parca,
ao teu ventre de Jocasta,
mãe África, mãe de kixikila,
zungueira, matriarca,
moça reguila, parideira,
quitandeira, kinguila.
Na praia dos pescadores
havia meninos, brancos e pretos,
pé descalço e calças rotas,
a chutar a bola às balizas da sorte.
Poderiam não vir a ser uns senhores,
e sorrir como o Mantorras,
o menino de ouro do Benfica,
o rosto então espalhado em outdoors pela cidade,
mas contariam, decerto, aos seus netos
como haviam sabido fintar a morte
desde a mais tenra idade.
Mãe África, mãe coragem,
peritas na arte da sobrevivência.
Um enorme exército de formigas obreiras,
com os jerricãs de plástico à cabeça,
levava o fio da água da vida,
tão preciosa quanto parca,
ao teu ventre de Jocasta,
mãe África, mãe de kixikila,
zungueira, matriarca,
moça reguila, parideira,
quitandeira, kinguila.
Na praia dos pescadores
havia meninos, brancos e pretos,
pé descalço e calças rotas,
a chutar a bola às balizas da sorte.
Poderiam não vir a ser uns senhores,
e sorrir como o Mantorras,
o menino de ouro do Benfica,
o rosto então espalhado em outdoors pela cidade,
mas contariam, decerto, aos seus netos
como haviam sabido fintar a morte
desde a mais tenra idade.
Mãe África, mãe coragem,
para quem pouco te bastava,
mesmo se tu muito querias
daquilo a que tinhas pleno direito:
cidade revis(i)tada,
sem mapa nem roteiro, nem preconceito,
mesmo se tu muito querias
daquilo a que tinhas pleno direito:
cidade revis(i)tada,
sem mapa nem roteiro, nem preconceito,
apenas com afeto.
Tomei boa nota desse lugar de passagem,
nessa já distante viagem:
um litro de gasolina, imagina!,
custava então tanto quanto um pão, vinte kwanzas.
Prometi dizer em Lisboa,
Tomei boa nota desse lugar de passagem,
nessa já distante viagem:
um litro de gasolina, imagina!,
custava então tanto quanto um pão, vinte kwanzas.
Prometi dizer em Lisboa,
se tu mo consentisses,
que o melhor de ti, Luanda, terra quente,
que o melhor de ti, Luanda, terra quente,
era a tua gente,
gente boa, fazendo das fraquezas esperanças,
e a quem eu mandava chicorações e jindandu:
e a quem eu mandava chicorações e jindandu:
as tuas infatigáveis mulheres,
os teus jovens rappers e gingões,
as tuas ternas, eternas, alegres crianças.
Luanda, ilha de Luanda | Lisboa
julho de 2004 (*)
revisto, 11 mai 2023
as tuas ternas, eternas, alegres crianças.
Luanda, ilha de Luanda | Lisboa
julho de 2004 (*)
revisto, 11 mai 2023
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(*) Glossário de termos do falar local [ L.G. - jul 2004]:
Conheço Luanda (não Angola) apenas desde setembro de 2003. E conheço mal, para ser masi honesti... Seria presunção minha dizer que conheço, só porque lá estive meia dúzia de vezes, se tanto... A sua dinâmica demográfica, social e económica refeflete-se também na língua (ou nas línguas)...
Candongueiros > Os endiabrados táxis colectivos de Luanda. Param um qualquer sítio e levam sempre mais um passageiro para além da sua lotação máxima. Cada viagem custa(va) 30 kwanzas. O termo vem de candonga (contrabando). Inicialmente, ao que parece, tratava-se apenas de contrabando... de peixe seco. Muito mais tarde, o termo candongueiro passa a designar os contrabandistas de diamantes e, mais recentemente, os novos taxistas luandenses do chamado "processo dos 500", sem alvará...
Imbondeiro > Também conhecido por n´bondo (Adansonia digitata, Lin.):
Kaluanda (ou calunand) > Nome antigo, colonial, dado ao habitante de Luanda, e que hoje já se usa...
Kandandu (ou candando)> Abraço (plural: Jindandu). Ver outras expressões usadas nas saudações em kimbundu ou quimbundo.
Kimbundu (ou quimbundo)> Considerado o maior grupo etnolinguístico de Angola (c. 25% da população na costa oeste e no norte), a seguir ao ovimbundu (c. 37%, a sul), mas à frente do bakongo (13%) (Estas são as três principais línguas de Angola, todas elas pertencentes ao grupo bantu).
A língua oficial é, como se sabe, o português. No Ciberdúvidas da Língua Portuguesa há uma interessantíssima nota de Rui Ramos sobre as relações nem sempre fáceis entre o português (colonial, dominante, a língua do poder) e o kimbundu (ou quimbundo, o falar das gentes de Luanda-Malanje). Termos usados hoje pelos nossos jovens, como cota (dikota, pessoa mais velha) são provenientes do kimbundu.
Sobre as questões de grafia (kimbundu ou quimbundo), ver igualmente a resposta do angolano Rui Ramos, especialista em línguas africanas, no mesmo sítio. Não se deve confundir, no entanto, o kimbundu com o calão de Luanda (caso de bué, e outras expressões que se ouvem na noite lisboeta).
Kinguila (ou quinguila) > Rapariga ou mulher que, no mercado paralelo, se dedica ao câmbio de moeda. Em geral, os maços de kwanzas e de dólares são guardados nos seios. Este negócio era tradicionalmente dos zairotas, habitantes do Zaire. Segundo li no portal Netangola, numa página com preciosas dicas para os homens de negócios estrangeiros em visita a Luanda, "one can often find in the streets of the city the typical Kinguila - the seller of money - who normally offers the best quotation. This practice is forbidden by the authorities and offers some risks".
Kixikila > Em kimbundu, quer dizer contribuição, em dinheiro, para um dado fim coletivo. Em África, em geral, e em Angola, em particular, é aquilo que se designa pela expressão inglesa Rotating Savings and Credit Associations (ROSCA), um sistema informal de poupança e crédito, um grupo de ajuda mútua, liderado em geral por uma mulher, a "mãe de kixikila". O pequeno grupo, de cinco a dez elementos, tende a ser constituído por pessoas que estão ligadas entre si por laços de amizade, parentesco, vizinhança, confissão religiosa ou profissão. Cada elemento faz periodicamente uma determinada contribuição para um fundo comum que é depois utilizado rotativamente por cada um, com uma taxa de juro nula ou de valor reduzido.
Na ausência de sistemas de crédito bancário acessíveis à generalidade da população, o kixikila voltou aos hábitos dos luandenses como forma de atenuar ou reduzir o impacto da pobreza. O kixikila está hoje [2004]vulgarizado, não só entre as vendedeiras, quitandandeiras e kinguilas, mas também nos serviços públicos e nas empresas (vd. Neto, S. - Kixikila não é uma lotaria. Economia & Mercado. 19, maio-junho de 2004, pp. 40-42). Vd. também: Ducados, H.L.; Ferreira, M.E. (1998) - O financiamento informal e as estratégias de sobrevivência económica das mulheres em Angola : a Kixikila no caso do município do Sambizanga (Luanda). Lisboa: CESA - Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento. Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade Técnica de Lisboa. 1998 (Documentos de Trabalho, 53).
Kwanza (ou cuanza)> Moeda local, dividida em 100 cêntimos. 1 dólar equivalia a c. 85 kwanzas [em julho de 2004]. O cacete (tipo de pão) custava cerca de 20 kwanzas. Consultar também o sítio oficial da República de Angola.
Musseques > Bairros populares degradados de Luanda, fora da perímetro urbano de cimento e alcatrão...
Quitandeira > Vendedora de rua (ou de mercado), em geral de produtos hortofrutícolas. Vem de quitanda, um termo kimbundu que significa expor (determinados produtos para venda), e, por extensão, feira ou mercado. Há um belíssimo poema de Agostinho Neto sobre a quitandeira, que vem no seu livro Sagrada Esperança (1974): "A quitanda. Muito sol /e a quitandeira à sombra / da mulemba. /- Laranja, minha senhora, /laranjinha boa!"...
Zungueira > Vendedor ambulante, uma figura típica da economia paralela de Luanda. Em geral é do sexo feminino, mas também há cada mais jovens e crianças do sexo masculino. Estima-se que 70% da população de Luanda, em idade activa, seja zungueira. Ninguém sabe ao certo qual é a população actual da cidade e periferia: estima-se que possa chegar aos 4/5 milhões (a maior parte tenmdo origem nos deslocados de guerra), ou seja, mais de 1/4 da população angolana actual [, que é hoje, em 11/11/2015, estimada em 24 milhões, 40 anos depois da 'dipanda'). Zungueira vem do verbo zunguar (andar para cima e para baixo, circular tentando vender alguma coisa).
As zungueiras abastecem-se em mercados como o Roque Santeiro ou o Kikolo, onde não é aconselhável, por razões de segurança, a visita do turista estrangeiro. [Julgo que estes mercados entretanto desapareceram, 10 anos é muito ano na vida de uma jovem nação, que já nessa época e nos anos a seguir, e até a crise financeira internacional, Angola conhecia um certo "boom" económico, ligado à alta do petróleo].
Considerando a sua densidade populacional e o drama do seu quotidiano, Luanda era, então, e apesar de tudo, uma cidade com uma baixa taxa de criminalidade. Sobre o comércio informal, a figura da zungueira e a arte de sobreviver em Luanda, veja-se uma excelente reportagem assinada pelo jornalista e sociólogo Paulo de Carvalho (paulodecarvalho@sociologist.com), na revista Economia & Mercado, nº 19, maio-junho de 2004, pp. 34-39.
PS - Entretanto, muita coisa está a mudar... A última vez que lá fui, foi há dois anos...
PS - Entretanto, muita coisa está a mudar... A última vez que lá fui, foi há dois anos...
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 1 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15311: Manuscrito(s) (Luís Graça ) (68): O nosso livro dos mortos
Guiné 63/74 - P15353: Agenda cultural (435): Lançamento do livro "O Fedelho Exuberante", da autoria do Mário Beja Santos, dia 18 de Novembro, pelas 18 horas, no Auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha, n.º 1, ao Calhariz, em Lisboa
C O N V I T E
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2015:
Queridos amigos,
No próximo dia 18, quarta-feira, pelas 18 horas, no auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha n.º 1, ao Calhariz, em rua paralela ao elevador da Bica, terá lugar o lançamento do meu livro “O Fedelho Exuberante”.
Quem puder chegar às 17 horas, terá uma visita guiada gratuita conduzida pelo diretor do museu, Dr. João Neto.
Terei a maior das satisfações em contar com a vossa companhia e conversar convosco sobre esta crónica familiar e de costumes de um período a que a historiografia designa por Anos de Chumbo.
Um agradecimento antecipado e o abraço do
Mário
Capa do livro "O Fedelho Exuberante"
Clicar na imagem para facilitar a leitura
____________Nota do editor
Último poste da série de 9 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15345: Agenda cultural (434): espectáculo musical solidário, "Vida, Memória, Cidadania", promovido pela ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Lisboa, dia 13, 6ª feira, às 21h, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa
Guiné 63/74 - P15352: Os nossos seres, saberes e lazeres (127): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2015:
Queridos amigos,
Não espero que a minha paixão por Bruxelas vos contagie, embora confie que estas imagens contribuam para deitar a baixo aquelas observações preconceituosas de que Bruxelas é uma cidade escura e com pouco para ver. Aqueles sujeitos que vão às reuniões nos muitos edifícios da Comissão Europeia saem do aeroporto, metem-se num comboio, chegam à gare central e caminham para o hotel. A essa hora praticamente está tudo escuro, jantam, dão um passeio curto e voltam para o hotel; no dia seguinte vão para a reunião, depois compram chocolates na cidade, apanham o comboio e metem-se no avião, sempre a mesma rotina.
Encontrei uma vez um funcionário do ministério da Agricultura com um largo currículo de dezenas e dezenas de reuniões que nunca tinha passado um fim-de-semana para conhecer a cidade. É assim que as coisas se passam e se montam os mitos.
Hoje passei o dia em Bruxelas e depois viajei para outro local encantador. Sim, viajar é como ler, torna-nos menos intrusos na hospitalidade dos outros.
Um abraço do
Mário
Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6)
Beja Santos
Bruxelas até à saturação das horas
Tenho o dia por minha conta, só ao entardecer é que se marcha para a Lorena belga. Pelas oito da manhã, com uma temperatura amena, sem qualquer ameaça de chuva, entre triunfal na Feira da Ladra de Bruxelas, na Place du Jeu de Balle, aqui me maravilho nesta Caverna de Ali Babá. O Ali Babá vem a propósito, este mercado de quinquilharia é controlado por árabes, aqui se encontram muitos espólios, isto é, os herdeiros encontram um comprador que esvazia a casa, levam tudo: arrastadeiras, piaçabas, toneladas de livros, a loiça de cozinha que os herdeiros recusam, roupa, chapéus de coco, tudo a que a fantasia pode aspirar. É aqui que me movo, em vez do Euromilhões acredito, cheio de fé, que vou encontrar traquitana a meu gosto.
Foi dia de boa safra: levo porcelanas para a minha neta, um defumador japonês, apanhei no lixo uma estampa congolesa, vários livros a preços incríveis. Pareço levitar no meio da bugiganga, há para ali umas senhoras que vendem lenços para o pescoço, rendas e outras coisas que já me conhecem. Hoje não encontrei lá nada a meu gosto, mas saio da feira sempre conformado, há mais marés que marinheiros.
Na véspera, tinha lido num matutino a notícia de uma exposição que me deixou a salivar: a caricatura na ótica dos desenhadores comunistas belgas. O prestígio do Partido Comunista da Bélgica, força política que se foi diluindo até se extinguir no fim da década de 1970, era de tal ordem, graças sobretudo ao esforço heróico na resistência contra os nazis, era de tal ordem que quando caminhava para o acaso, centenas de personalidades de todos os quadrantes fizeram um apelo para que o seu espólio não se extraviasse. E não se extraviou. Esta exposição revela o uso da ironia e da denúncia nos contornos ácidos de desenhos publicados em jornais, em cartazes, sobretudo. Caricatura que faz rir e tomar partido, ali se mostra acidez contra patrões, a NATO, os Estados Unidos, os socialistas, há para ali aspetos líricos e trágicos espantosos. Quem se interessar por caricatura de altíssima qualidade e queira conhecer o acervo desta exposição, recomenda-se o site http://www.carcob.eu/Expositions
Combinei com amigos ir almoçar num bairro que aprecio muito, Saint Gilles, um bairro que felizmente tem conhecido um processo de preservação do seu rico património. À saída, pedi licença para registar umas imagens das belas fachadas de Arte Nova, aqui são às largas dezenas. A mim não me confunde, estamos no tempo em que a Bélgica era uma potência mundial de primeiro plano, acompanhava Paris muito de perto, havia dinheiro a rodos e essa burguesia próspera queria viver como os parisienses. Digo isto assim porque há aqui um cheiro parisiense, e como em Paris passeiam-se pelas ruas gente que vem de 120 países, pelo menos. Ainda quis entrar na Livraria Aurora, onde há uma excelente secção relacionada com África, estava fechada. Eu não podia esperar queria ir ver a exposição Paisagens Belgas, no Museu d’Ixelles.
Venho ver um conjunto de pinturas, fotografias, vídeo e instalações. O que me atraiu sobre este tema da paisagem, de 1830 à atualidade, era a proposta dos módulos: paisagens do país; paisagens com motivo na indústria; noturnos; nuvens; paisagens imaginárias; abstração e natureza. O curador ganhou a aposta pelo enquadramento temático e pela belíssima escolha da prata da casa e de artistas que cederam as suas obras, do tempo mais recente. Olho para o relógio, com esta sofreguidão esqueço-me que tenho horas para me apresentar, são quase três horas até às Ardenas. Ainda corro pelo museu e um tanto à sorrelfa, já que a minha câmara tem flash, o que está banido dos museus, tirei uma imagem a esta Virgem Louca de Rik Wouters. Não me digam que não é uma escultura impressionante.
Tinha idealizado passar pelo Museu Magritte, sou seu admirador incondicional. De monco caído, à falta do melhor, vou folheando um livrinho sobre Magritte, o que não vi com os meus olhos, nas salas do museu, mostro-vos só para não se esquecerem que René Magritte é um dos grandes pontífices do surrealismo.
Chega de Bruxelas, já vamos a caminho, passamos por Namur, de que tanto gosto. Janta-se em Durbuy, uma localidade formosa e famosa. Entre o arrumar o carro e desentorpecer as pernas, vi uma galeria e entrei, estavam expostas obras de um senhor de nome Roland Devolder. Já ia de barriga cheia, já vira demasiado, desde traquitana e álbuns de família, boa arquitetura, boa caricatura e belas obras sobre paisagens belgas. Por ali andei arrefecido, até que parei em frente a um Ícaro, que me assombrou. Pedi licença, aqui fica a imagem. Hoje não me peçam mais nada, nem eu próprio sei as surpresas que me reservam a Lorena e as Ardenas. Eu depois conto.
(Continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 4 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15324: Os nossos seres, saberes e lazeres (124): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (5) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 7 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15337: Os nossos seres, saberes e lazeres (126): Seguro Militar Especial, quem sabia da existência deste Seguro de Vida para Combatentes? (António Tavares)
Queridos amigos,
Não espero que a minha paixão por Bruxelas vos contagie, embora confie que estas imagens contribuam para deitar a baixo aquelas observações preconceituosas de que Bruxelas é uma cidade escura e com pouco para ver. Aqueles sujeitos que vão às reuniões nos muitos edifícios da Comissão Europeia saem do aeroporto, metem-se num comboio, chegam à gare central e caminham para o hotel. A essa hora praticamente está tudo escuro, jantam, dão um passeio curto e voltam para o hotel; no dia seguinte vão para a reunião, depois compram chocolates na cidade, apanham o comboio e metem-se no avião, sempre a mesma rotina.
Encontrei uma vez um funcionário do ministério da Agricultura com um largo currículo de dezenas e dezenas de reuniões que nunca tinha passado um fim-de-semana para conhecer a cidade. É assim que as coisas se passam e se montam os mitos.
Hoje passei o dia em Bruxelas e depois viajei para outro local encantador. Sim, viajar é como ler, torna-nos menos intrusos na hospitalidade dos outros.
Um abraço do
Mário
Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6)
Beja Santos
Bruxelas até à saturação das horas
Tenho o dia por minha conta, só ao entardecer é que se marcha para a Lorena belga. Pelas oito da manhã, com uma temperatura amena, sem qualquer ameaça de chuva, entre triunfal na Feira da Ladra de Bruxelas, na Place du Jeu de Balle, aqui me maravilho nesta Caverna de Ali Babá. O Ali Babá vem a propósito, este mercado de quinquilharia é controlado por árabes, aqui se encontram muitos espólios, isto é, os herdeiros encontram um comprador que esvazia a casa, levam tudo: arrastadeiras, piaçabas, toneladas de livros, a loiça de cozinha que os herdeiros recusam, roupa, chapéus de coco, tudo a que a fantasia pode aspirar. É aqui que me movo, em vez do Euromilhões acredito, cheio de fé, que vou encontrar traquitana a meu gosto.
Foi dia de boa safra: levo porcelanas para a minha neta, um defumador japonês, apanhei no lixo uma estampa congolesa, vários livros a preços incríveis. Pareço levitar no meio da bugiganga, há para ali umas senhoras que vendem lenços para o pescoço, rendas e outras coisas que já me conhecem. Hoje não encontrei lá nada a meu gosto, mas saio da feira sempre conformado, há mais marés que marinheiros.
Na véspera, tinha lido num matutino a notícia de uma exposição que me deixou a salivar: a caricatura na ótica dos desenhadores comunistas belgas. O prestígio do Partido Comunista da Bélgica, força política que se foi diluindo até se extinguir no fim da década de 1970, era de tal ordem, graças sobretudo ao esforço heróico na resistência contra os nazis, era de tal ordem que quando caminhava para o acaso, centenas de personalidades de todos os quadrantes fizeram um apelo para que o seu espólio não se extraviasse. E não se extraviou. Esta exposição revela o uso da ironia e da denúncia nos contornos ácidos de desenhos publicados em jornais, em cartazes, sobretudo. Caricatura que faz rir e tomar partido, ali se mostra acidez contra patrões, a NATO, os Estados Unidos, os socialistas, há para ali aspetos líricos e trágicos espantosos. Quem se interessar por caricatura de altíssima qualidade e queira conhecer o acervo desta exposição, recomenda-se o site http://www.carcob.eu/Expositions
Combinei com amigos ir almoçar num bairro que aprecio muito, Saint Gilles, um bairro que felizmente tem conhecido um processo de preservação do seu rico património. À saída, pedi licença para registar umas imagens das belas fachadas de Arte Nova, aqui são às largas dezenas. A mim não me confunde, estamos no tempo em que a Bélgica era uma potência mundial de primeiro plano, acompanhava Paris muito de perto, havia dinheiro a rodos e essa burguesia próspera queria viver como os parisienses. Digo isto assim porque há aqui um cheiro parisiense, e como em Paris passeiam-se pelas ruas gente que vem de 120 países, pelo menos. Ainda quis entrar na Livraria Aurora, onde há uma excelente secção relacionada com África, estava fechada. Eu não podia esperar queria ir ver a exposição Paisagens Belgas, no Museu d’Ixelles.
Venho ver um conjunto de pinturas, fotografias, vídeo e instalações. O que me atraiu sobre este tema da paisagem, de 1830 à atualidade, era a proposta dos módulos: paisagens do país; paisagens com motivo na indústria; noturnos; nuvens; paisagens imaginárias; abstração e natureza. O curador ganhou a aposta pelo enquadramento temático e pela belíssima escolha da prata da casa e de artistas que cederam as suas obras, do tempo mais recente. Olho para o relógio, com esta sofreguidão esqueço-me que tenho horas para me apresentar, são quase três horas até às Ardenas. Ainda corro pelo museu e um tanto à sorrelfa, já que a minha câmara tem flash, o que está banido dos museus, tirei uma imagem a esta Virgem Louca de Rik Wouters. Não me digam que não é uma escultura impressionante.
Tinha idealizado passar pelo Museu Magritte, sou seu admirador incondicional. De monco caído, à falta do melhor, vou folheando um livrinho sobre Magritte, o que não vi com os meus olhos, nas salas do museu, mostro-vos só para não se esquecerem que René Magritte é um dos grandes pontífices do surrealismo.
Chega de Bruxelas, já vamos a caminho, passamos por Namur, de que tanto gosto. Janta-se em Durbuy, uma localidade formosa e famosa. Entre o arrumar o carro e desentorpecer as pernas, vi uma galeria e entrei, estavam expostas obras de um senhor de nome Roland Devolder. Já ia de barriga cheia, já vira demasiado, desde traquitana e álbuns de família, boa arquitetura, boa caricatura e belas obras sobre paisagens belgas. Por ali andei arrefecido, até que parei em frente a um Ícaro, que me assombrou. Pedi licença, aqui fica a imagem. Hoje não me peçam mais nada, nem eu próprio sei as surpresas que me reservam a Lorena e as Ardenas. Eu depois conto.
(Continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 4 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15324: Os nossos seres, saberes e lazeres (124): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (5) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 7 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15337: Os nossos seres, saberes e lazeres (126): Seguro Militar Especial, quem sabia da existência deste Seguro de Vida para Combatentes? (António Tavares)
Guiné 63/74 - P15351: Tabanca Grande (476): Carlos Valente, ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005 (Guiné, 1968/69), 705.º Grã-Tabanqueiro
1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Carlos Valente (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69), com data de 29 de Novembro de 2015:
Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado por contactar-se comigo e poder assim reviver memórias de outros tempos, nem todas boas, mas também nem todas más.
Aqui vai uma historia das muitas que todos temos.
Que bom seria saber alguma coisa de velhos camaradas. O nosso Pelotão (Pelotão de Morteiros 2005), composto de 48 homens (1 Alferes, 1 Sargento e 2 Furriéis) embarcou no Uíge em Lisboa no dia 10 de Janeiro de 1968, com destino a Bafatá.
O nosso Pelotão era independente e estava dividido em Esquadras compostas por um cabo e dois municiadores que ofereciam apoio aos vários destacamentos, tais como: Banjara, Cambajú, Sumbundo, Sare Ganá, Cantacunda e Sare Banda, que rodavam a cada dois meses, regressando a Bafatá.
Ao chegar a Bafatá, logo no primeiro dia, a minha Esquadra (eu, o André - rapaz de Alcobaça - e o Gaspar) fomos destacados para Banjara com as seguintes indicações do nosso Alferes Piçarra:
- Quando chegares a Banjara tens que ver as condições do armamento e das munições. Se por acaso uma das granadas não sair, diriges-te ao Alferes do pelotão (Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba), já que ele tem um Furriel especializado em minas e armadilhas que se encarregará de tirar a granada do morteiro.
Lá fomos e quando chegámos fizemos o que nos mandou o Alferes Piçarra. Experimentámos um morteiro de 81 com uma granada de grande potência, e tivemos má sorte, a maldita não saiu, um problema geralmente causado pela humidade no cartuxo da granada.
Dirigi-me ao Alferes e expliquei-lhe a situação. Este desentendeu-se do problema e não quis envolver ninguém no assunto. Perante esta resposta tive eu que resolver o problema.
Eu tinha sido treinado, no Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, para desenrascar casos como este, mas nunca esperava ter que o resolver. Eu estava bem consciente de que esta operação era perigosa, mas quando reparei que o Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, ao ver-me a mim e ao André resolvidos a desalojar a granada do morteiro, começarem a distanciar-se a uns duzentos metros do morteiro e a esconderem-se por detrás das árvores, é que eu vi que o caso era mais complicado do que imaginava. Certamente pensavam: “Estes periquitos vão já voar”.
Graças a Deus, e ao treino que recebi, conseguimos desarmar o morteiro.
Ironicamente, o mesmo Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, que se salvou da nossa intervenção, não teve a mesma sorte em Cantacunda em Abril de 1968(1), estando eu e a minha Esquadra em Sare Ganá. Parte deste Pelotão foi capturado pelos “turras”, salvando-se só 5 o 6 que conseguiram fugir do quartel. O ataque, e as explosões de morteiro, ouviam-se no destacamento de Sare Ganá. Quando chegámos a Cantacunda a cena que encontrámos foi triste.
Esta é uma historia para outro dia.
Os prisioneiros estiveram em Conacri (República ex-francesa, ao sul da Guiné), e só dois anos depois, em 1970, é que foram resgatados.
Fico hoje por aqui amigo, as fotos seguem.
Qualquer pergunta, estou às ordens.
Um abraço,
Carlos Valente
1.º Cabo do Pelotão de Morteiros 2005
____________
Nota do editor:
(1) - Vd. poste do nosso camarada Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690:
Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)
"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN."
"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento."
"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar)."
"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto."
"Possíveis causas do insucesso das NT:
- O poder de fogo do IN;
- O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;
- A violência com que o ataque foi desencadeado;
- A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;
- O comando eficaz do grupo IN;
- A falta de iluminação existente no destacamento;
- Possível insuficiência de abrigos;
- As proximidades da mata do arame farpado;
- As proximidades da tabanca do arame farpado;
- O reduzido efectivo das NT;
- Possível abrandamento das condições de segurança;
- Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)"
[...]
2. Comentário do editor:
Caro amigo Carlos, bem-vindo à nossa Tabanca.
Muitos parabéns porque és o primeiro combatente do Pel Mort 2005 a juntar-se a esta comunidade de combatentes da Guiné, que nesta tertúlia têm a nobre missão de deixar um registo de memórias escritas e em imagens, tendo estas a forma de fotografias ou documentos da época, já desclassificados, que ficarão a fazer parte de um espólio público, acessível a outros camaradas, estudiosos, etc.
Estás desde já ciente da tua responsabilidade enquanto elemento único da tua Unidade. Fotos que guardes, memórias quase esquecidas, é o que esperamos de ti para melhor conhecermos o percurso do Pel Mort 2005 por terras da Guiné.
Estamos ao teu dispor para qualquer dificuldade ou dúvida.
Para acabar, fica aqui um abraço da tertúlia e dos editores deste Blogue, com a certeza de que a partir de hoje estás mais rico, porque aderiste a um grupo de amigos que está disposto a ouvir-te e a partilhar aquela amizade que só os combatentes da Guiné sentem uns pelos outros.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________
Nota do editor
Último poste da série de 25 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15287: Tabanca Grande (475): Armando Ferreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353 (Cumeré, Bula e Pete, 1973/74)
Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado por contactar-se comigo e poder assim reviver memórias de outros tempos, nem todas boas, mas também nem todas más.
Aqui vai uma historia das muitas que todos temos.
Que bom seria saber alguma coisa de velhos camaradas. O nosso Pelotão (Pelotão de Morteiros 2005), composto de 48 homens (1 Alferes, 1 Sargento e 2 Furriéis) embarcou no Uíge em Lisboa no dia 10 de Janeiro de 1968, com destino a Bafatá.
O nosso Pelotão era independente e estava dividido em Esquadras compostas por um cabo e dois municiadores que ofereciam apoio aos vários destacamentos, tais como: Banjara, Cambajú, Sumbundo, Sare Ganá, Cantacunda e Sare Banda, que rodavam a cada dois meses, regressando a Bafatá.
Ao chegar a Bafatá, logo no primeiro dia, a minha Esquadra (eu, o André - rapaz de Alcobaça - e o Gaspar) fomos destacados para Banjara com as seguintes indicações do nosso Alferes Piçarra:
- Quando chegares a Banjara tens que ver as condições do armamento e das munições. Se por acaso uma das granadas não sair, diriges-te ao Alferes do pelotão (Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba), já que ele tem um Furriel especializado em minas e armadilhas que se encarregará de tirar a granada do morteiro.
Lá fomos e quando chegámos fizemos o que nos mandou o Alferes Piçarra. Experimentámos um morteiro de 81 com uma granada de grande potência, e tivemos má sorte, a maldita não saiu, um problema geralmente causado pela humidade no cartuxo da granada.
Dirigi-me ao Alferes e expliquei-lhe a situação. Este desentendeu-se do problema e não quis envolver ninguém no assunto. Perante esta resposta tive eu que resolver o problema.
Eu tinha sido treinado, no Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, para desenrascar casos como este, mas nunca esperava ter que o resolver. Eu estava bem consciente de que esta operação era perigosa, mas quando reparei que o Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, ao ver-me a mim e ao André resolvidos a desalojar a granada do morteiro, começarem a distanciar-se a uns duzentos metros do morteiro e a esconderem-se por detrás das árvores, é que eu vi que o caso era mais complicado do que imaginava. Certamente pensavam: “Estes periquitos vão já voar”.
Graças a Deus, e ao treino que recebi, conseguimos desarmar o morteiro.
Ironicamente, o mesmo Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, que se salvou da nossa intervenção, não teve a mesma sorte em Cantacunda em Abril de 1968(1), estando eu e a minha Esquadra em Sare Ganá. Parte deste Pelotão foi capturado pelos “turras”, salvando-se só 5 o 6 que conseguiram fugir do quartel. O ataque, e as explosões de morteiro, ouviam-se no destacamento de Sare Ganá. Quando chegámos a Cantacunda a cena que encontrámos foi triste.
Esta é uma historia para outro dia.
Os prisioneiros estiveram em Conacri (República ex-francesa, ao sul da Guiné), e só dois anos depois, em 1970, é que foram resgatados.
(Clicar nas imagens para mais fácil leitura)
Fico hoje por aqui amigo, as fotos seguem.
Qualquer pergunta, estou às ordens.
Um abraço,
Carlos Valente
1.º Cabo do Pelotão de Morteiros 2005
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Nota do editor:
(1) - Vd. poste do nosso camarada Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690:
Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)
"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN."
"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento."
"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar)."
"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto."
"Possíveis causas do insucesso das NT:
- O poder de fogo do IN;
- O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;
- A violência com que o ataque foi desencadeado;
- A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;
- O comando eficaz do grupo IN;
- A falta de iluminação existente no destacamento;
- Possível insuficiência de abrigos;
- As proximidades da mata do arame farpado;
- As proximidades da tabanca do arame farpado;
- O reduzido efectivo das NT;
- Possível abrandamento das condições de segurança;
- Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)"
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2. Comentário do editor:
Caro amigo Carlos, bem-vindo à nossa Tabanca.
Muitos parabéns porque és o primeiro combatente do Pel Mort 2005 a juntar-se a esta comunidade de combatentes da Guiné, que nesta tertúlia têm a nobre missão de deixar um registo de memórias escritas e em imagens, tendo estas a forma de fotografias ou documentos da época, já desclassificados, que ficarão a fazer parte de um espólio público, acessível a outros camaradas, estudiosos, etc.
Estás desde já ciente da tua responsabilidade enquanto elemento único da tua Unidade. Fotos que guardes, memórias quase esquecidas, é o que esperamos de ti para melhor conhecermos o percurso do Pel Mort 2005 por terras da Guiné.
Estamos ao teu dispor para qualquer dificuldade ou dúvida.
Para acabar, fica aqui um abraço da tertúlia e dos editores deste Blogue, com a certeza de que a partir de hoje estás mais rico, porque aderiste a um grupo de amigos que está disposto a ouvir-te e a partilhar aquela amizade que só os combatentes da Guiné sentem uns pelos outros.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15287: Tabanca Grande (475): Armando Ferreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353 (Cumeré, Bula e Pete, 1973/74)
Guiné 63/74 - P15350: Ser solidário (188): Parabéns, Bambadinca!... Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB) que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo: notícia e vídeo (Belarmino Sardinha)
Inauguração do Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB)
que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo
Vídeo (1' 25''), da autoria de TESE - Associação para o Desenvolvimento,
alojado no Vimeo.
(Reproduzido com a devida vénia)
que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo
Vídeo (1' 25''), da autoria de TESE - Associação para o Desenvolvimento,
alojado no Vimeo.
(Reproduzido com a devida vénia)
Sinopse:
A inauguração do Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB), que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo, decorreu no dia 4 de Março de 2015 com a participação do Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo da Guiné-Bissau, bem como do Embaixador da União Europeia em Bissau e do Comissário da CEDEAO para Energia e Minas.
O SCEB permite aos 8 mil habitantes de Bambadinca ultrapassar os constrangimentos no acesso à electricidade, beneficiando de um abastecimento permanente de energia renovável, garantido por uma inovadora central fotovoltaica híbrida de 312 kW de potência.
Sobre a promotora do vídeo:
TESE - Associação para o Desenvolvimento: é uma ONGD criada em 2002, que foca a sua intervenção numa abordagem positiva e inovadora, encontrando nas necessidades sociais oportunidades para atuar.
Sede: Av. do Brasil 155 A | 1700-067 Lisboa
Contactos: (+351) 213 868 404 | info@tese.org.pt | http://tese.org.pt
Sede: Av. do Brasil 155 A | 1700-067 Lisboa
Contactos: (+351) 213 868 404 | info@tese.org.pt | http://tese.org.pt
Luís e Carlos,
Através de um antigo companheiro de trabalho e amigo, chegou-me a informação de uma central fotovoltaica em Bambadinca. Julgo interessante, e não tendo visto no blogue nenhuma referência à mesma, admito que poderá ter sido por desatenção minha, parece-me tratar-se de matéria com interesse e envio o endereço do vídeo [, reproduzido acima].
Posso acrescentar que a esposa deste meu amigo viveu na Guiné durante os anos de guerra, o seu pai era militar, andou na escola primária em Gabú.
Vem tudo isto a propósito porque um dos elementos da equipa que integrou o projecto é filho deste casal, não sei se não será o responsável, é engeheiro e a sua especialidade é a energia fotovoltaica, mas não tive ainda tempo nem vi interesse em aprofundar.
Tenho feito tentativas no sentido de colaborarem com o blogue, parece-me haver agora essa disposição, esperemos, pois regressaram recentemente da Guiné-Bissau, onde estiveram em gozo de férias e têm imensas fotos de vários locais.
Um abraço,
BS
Ótimo, Belarmino, mantemos sempre uma especial relação de carinho pelos sítios da Guiné onde vivemos durante a comissão ou parte da comissão. É o caso de Bambadinca, onde alguns de nós, membros da Tabanca Grandem estiveram e dela guardam boas recordações.
Por acaso essa central híbrida fotovoltaica, de base comunitária, já aqui foi referida no nosso blogue em março passado, no poste P14322 [, clicar aqui].
Mas saúdo a tua louvável iniciativa, vamos publicar o teu texto. Diz aos teus amigos que serão bem vindos à nossa Tabanca Grande e esperamos, com interesse e apreço, as notícias que eles trouxeram dessa terra verde e vermelha que nos une a todos, portugueses e guineenses, de ontem e de hoje.
Um abraço fraterno do Luís
PS - No passado dia 4 de março de 2015, ouvi a notícia da inauguração, através da Antena 1 e deixei este apontamento no blogue:
(...) "Com um clique e faz-se luz por Bambadinca!", relata Sara Dourado, uma "portuguesa no mundo", em entrevista à Antena 1, a 'minha rádio'. Por ela fico a saber do trabalho da ONGD TESE e do projeto-piloto, na Guiné-Bissau, de uma central híbrida fotovoltaica em vias de ser inaugurada, e e pssar a fornecer eletricidade a 6 ou 8 mil pessoas, em Bambadinca...
Hoje, de manhã, na 2ª circular, a caminho do trabalho, ouvi deliciado esta entrevista com esta portuguesa que se deixou encontar pela gente boa de Bambadinca (de maioria mandinga e fula, com núcleos balantas)... Oito mil habitantes, quatro ou cinco vezes mais do que há 45 anos, no meu tempo!
É trabalho de seis anos, se bem percebi, trabalho de gente solidária, muito jovem e qualificada, para quem vão as nossas palmas!... Hoje gostava de estar em Bambadinca para ser testemunha da felicidade dos seus habitantes!... Mesmo não falando, a maior parte, em português (, o que é pena!), é uma delícia ouvi-los em crioulo e ler a felicidade estampada no seu rosto!... Não é preciso muito para os seres humanos serem felizes, na Guiné-Bissau... Basta que sejam donos do seu destino e possam participar na resolução de problemas e na tomada de decisão, relevantes para a melhoria das suas vidas !... Vou querer saber mais sobre o trabalho desta ONGD TESE - Sem Fronteiras" (...)
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15068: Ser solidário (188): Conseguimos! Campanha de "crowdfunding" completada com sucesso!.. Dinheiro (c. 2 mil euros) para investir em material para a escola e o hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)
Por acaso essa central híbrida fotovoltaica, de base comunitária, já aqui foi referida no nosso blogue em março passado, no poste P14322 [, clicar aqui].
Mas saúdo a tua louvável iniciativa, vamos publicar o teu texto. Diz aos teus amigos que serão bem vindos à nossa Tabanca Grande e esperamos, com interesse e apreço, as notícias que eles trouxeram dessa terra verde e vermelha que nos une a todos, portugueses e guineenses, de ontem e de hoje.
Um abraço fraterno do Luís
PS - No passado dia 4 de março de 2015, ouvi a notícia da inauguração, através da Antena 1 e deixei este apontamento no blogue:
(...) "Com um clique e faz-se luz por Bambadinca!", relata Sara Dourado, uma "portuguesa no mundo", em entrevista à Antena 1, a 'minha rádio'. Por ela fico a saber do trabalho da ONGD TESE e do projeto-piloto, na Guiné-Bissau, de uma central híbrida fotovoltaica em vias de ser inaugurada, e e pssar a fornecer eletricidade a 6 ou 8 mil pessoas, em Bambadinca...
Hoje, de manhã, na 2ª circular, a caminho do trabalho, ouvi deliciado esta entrevista com esta portuguesa que se deixou encontar pela gente boa de Bambadinca (de maioria mandinga e fula, com núcleos balantas)... Oito mil habitantes, quatro ou cinco vezes mais do que há 45 anos, no meu tempo!
É trabalho de seis anos, se bem percebi, trabalho de gente solidária, muito jovem e qualificada, para quem vão as nossas palmas!... Hoje gostava de estar em Bambadinca para ser testemunha da felicidade dos seus habitantes!... Mesmo não falando, a maior parte, em português (, o que é pena!), é uma delícia ouvi-los em crioulo e ler a felicidade estampada no seu rosto!... Não é preciso muito para os seres humanos serem felizes, na Guiné-Bissau... Basta que sejam donos do seu destino e possam participar na resolução de problemas e na tomada de decisão, relevantes para a melhoria das suas vidas !... Vou querer saber mais sobre o trabalho desta ONGD TESE - Sem Fronteiras" (...)
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Nota do editor:
Último poste da série > 3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15068: Ser solidário (188): Conseguimos! Campanha de "crowdfunding" completada com sucesso!.. Dinheiro (c. 2 mil euros) para investir em material para a escola e o hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)
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