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sábado, 20 de dezembro de 2025

Guiné 63/74 – P27555: (Ex)citações (446): De uma juventude saudável a um envelhecer agridoce (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Camaradas, conterrâneos e amigos, permitam-me mais uma viagem pelo tempo já sem tempo  

De uma juventude saudável a um envelhecer agridoce

 

 

Porra! Desculpem-me por esta dicotomia de palavreado porque sou cidadão do Baixo Alentejo, natural da freguesia de Aldeia Nova de São Bento e oriundo de famílias humildes. Gentes que, modestamente, souberam laborar, com precisão, o” pão que o diabo amassou”. Não foram pessoas letradas, mas gentes que souberam, com o seu erudito conhecimento, distinguir “o trigo do joio” e colocar-me em patamares jamais imaginados. 

Na percepção de um antigo combatente, eu de carne e osso, fui fruto oriundo de excelentes pomares, mas estes polvilhados de estrume de animais que deram vida à humanidade e que foi ganhando alicerces que me permitiram chegar à idade presente, 75 anos, e ser quem hoje o sou. O meu saudoso pai, Francisco Saúde, foi um dos militares que “guardaram” a fronteira entre Portugal e Espanha no tempo da guerra civil espanhola (1936). Dele, meu pai, recolhi excelentes ensinamentos que guardarei para sempre neste já débil corpinho. 

 

 

Estamos em pleno século XXI, onde a voraz notícia se transmite facilmente com os meios tecnológicos de que facilmente cada um de nós dispomos. O tempo de irmos aos correios para contactarmos alguém telefonicamente, e que estava longe, era do tipo em que a telefonista lá colocava uma “cavilha” no seu “painel” telefónico, sendo que ouvir do outro lado da linha alguém, entretanto solicitado, obedecia a um demasiado tempo de espera. Ou enviar um telegrama, ou quando a notícia chegava através de uma telefonia, a pilhas, ou a chegada da televisão a preto e branco. Recordo, desses tempos, ouvir aquela trova do antigo regime quando a guerra rebentou em território angolano e que dizia: “Angola é nossa!”. Ora, eis que anos mais tarde o meu destino militar passou por conhecer uma das antigas províncias ultramarinas. 

Hoje, porém, todo esse voraz passado dissipou-se nas auréolas do tempo, sabendo nós o quão difícil fora chegar ao momento presente, onde o poder tecnológico permite examinar o Mundo de uma outra forma pronta, ou seja, de fio a pavio, ou conhecer conteúdos de uma outra guerra, ou de guerras globais que sabemos existirem, mas em cima do acontecimento. 

Sento-me ao meu computador portátil e lá vou debitando ideias que o meu coração suscita, um coração que teima em bater, não obstante as delinquências sofridas ao logo da vida, mormente como protagonista de um antigo combatente numa Guiné a ferro e fogo. Sim, porque na verdade a vida, em toda a sua extensão, é uma ligeira passagem por este cosmo terrestre e o final irreversivelmente certo. 

 

 

Presentemente, a minha “máquina” acusa irreparáveis falhas que o tempo jamais recuperará, dado que as peças incriminam desgaste, o que é normal, e não usufruírem do deleite de uma retificação, ou da sua oportuna substituição. A tal “máquina” que sempre correspondeu aos imperecíveis desejos, mesmo quando fui um dos muitos camaradas da guerrilha em território guineense. Aquela velha “máquina” humana nunca recuou perante as adversidades surgidas. Ficaram as imagens que detenho e que viajarão comigo para a perpetuidade.  

De uma juventude saudável a um envelhecer agridoce tudo foi rápido. Mas, fica para a história a nossa passagem por este planeta de onde colhemos excelentes momentos, sendo que existiram ainda outros piores, sendo o caso específico, e em particular, alguns dos instantes constatados na guerra de além-mar. Tudo, no fundo, fez parte das nossas vivências. Regressámos a solo lusitano vivos e sãos, sendo que os nossos corpos regressaram tal como partiram. Outros, infelizmente, não poderão partilhar da mesma filosofia de uma vida. 

Pessoalmente parti, muito novo, da minha aldeia, Beja recebeu-me e conheci a algazarra de uma Lisboa deveras eletrizante. Nasci, após o fim da 2ª Guerra Mundial, à beira das searas e de um campo essencialmente marcado pelo prisma do literalmente saudável. Pelas ruas da minha aldeia, umas empedradas outras em terra batida, delineei os meus primeiros passos de vida. Vi mulheres com xailes pretos a lhes tapar o rosto e parte do corpo, ou conterrâneas cujos xailes tinham um preceito que anunciava a presença de um filho na guerra colonial, os ranchos de homens que aos domingos percorriam o povoado parando às portas das tabernas e lá seguia o voluntário a caminho do taberneiro a comprar uma garrafa de vinho, trazendo consigo um copo por onde todos bebiam, enquanto os outros lá se lançavam em mais uma moda. 

Assisti, ainda, ao abrir de valas cujas canalizações tinha como efeito que água canalizada chegasse a casa de quem o requestasse, ou a ida à bica comunitária situada no rossio, ou ao poço lobo. Recordo, com nostalgia, o tempo das matanças do porco. Da construção do depósito da água. O barulho de uma carroça a deslocar-se sobre as ruas empedradas. As aleluias com os moços, sempre em correria, andarem de loja em loja em busca de rebuçados, ou figos, de entre tantas outras brincadeiras de criança. Das profissões de então, sendo muitas delas agrestes. A luta das classes sociais. De homens que deixaram história. Do tempo que eu, com quatro ou cinco anos, fui “abarroado” pelos cães galgos do “Galdrapas” quando ao sair da taberna do meu tio Zé Torrão, rua do Sobral, se atiraram a mim e me “sacaram” uma sande que, entretanto, comia, ou da azáfama dos homens nas debulhas nas eiras do rossio. 

 

 

Dos jogos de futebol dos rapazes e do jogo com um ringue das moças. O saltar aos “aviões”, do pau da lua ou do eixo. Memórias, embora sintéticas, que nos fazem viajar no tempo e que nos enviam para a nossa juventude. Ou uma ida aos ninhos lá para as bandas do monte do campinho onde o montado imperava e um barranco no qual as mulheres lavavam a roupa, ou uma ida para as califórnias, uma zona onde havia figos de qualidade. Beber água do poço do “tio” Matias e com a rapaziada exausta pelo calor que se sentia. Poço do “tio” Matias que ao lado tinha um forno onde se coziam os tijolos. E tantas as vezes o fiz com o Chico do Toril. 

 

Da feira anual de setembro, 1, 2 e 3, na minha/nossa aldeia, e das romarias que nos enchiam de prazer e orgulho. A Festa das Santas Cruzes é disso um exemplo óbvio. O dia de São Sebastião, 20 de janeiro, a sua procissão e a venda de ramos de laranjas, com o João Lucas, sempre ativo, a anunciar “quem dá mais por este raminho”. E tão bem que o nosso João Lucas o fazia. Descansa em paz, grande amigo. 

Saudades de um tempo que se definhou enquanto o “diabo” esfregou os olhos. Do Bairro Alto ao Algés, nas baixas, passando pela malta da rua da Atafona, do Rossio, do Bairrinho, do Rabo Toureiro, de entre muitos outros, todas essas “guerrilhas” futebolísticas amigáveis o tempo queimou. Ou, dos jovens que partiam para a guerra do Ultramar e o presumível “luto” de ausência que os pais e irmãos assumiam. 

Hoje, encostado, não a um cajado, mas a uma bengala, lá vou prosseguindo o meu viver, “queimando” as pestanas dos meus olhos, tendo como finalidade deixar memórias para as gerações presentes e futuras poderem observar desde que o interesse lhes desperte a atenção. Testemunhos onde fui mais um dos camaradas que se depararam com tal conflito.  

O meu AVC que leva praticamente 18 anos de “convívio” com a minha pessoa e que data a 27 de julho de 2006, uma madrugada que nunca esquecerei, não me derrubou, pelo contrário deu-me ganas que me trouxeram eloquentes prazeres. 

Um dia partirei para um outro mundo, ficando, porém, a certeza que repousarei para a eternidade na terra que me viu nascer: Aldeia Nova de São Bento. Restos de uma saudade que se definha no tempo, ou seja, de uma juventude saudável a um envelhecer agridoce, sabendo, no entanto, que naquele recanto lá descansam camaradas e amigos infância, da minha geração, que perderam a vida nas então três frentes da guerra colonial. 

Ficará, porém, no meu cardápio uma passagem pela guerrilha na Guiné, território onde conheci o quão difícil fora assumir de um conflito onde os poderes das armas impunham, obviamente, respeito. Mas, jamais me sairá da minha memória a despedida dos jovens mancebos que eram enviados para as frentes de guerra. Na minha aldeia, a exemplo daquilo que passava em quase todo o nosso território, era comum as famílias e amigos se juntarem para prestarem ânimo a quem partia. Ou, os regressos daqueles que chegavam aparentemente bons de saúde, ou daqueles que faziam essa viagem de regresso, mas “embrulhados” em quatro tábuas de madeira.  

 

Retratos de uma vida que ficarão eternamente no meu mero historial! 

Agora é Natal, neste contexto felicito-vos com um Santo Natal e um Ano Novo, 2026, cheio de paz e amor. De resto todos estamos cansados de guerras cuja finalidade é o poder dos homens, onde a soberba da superioridade ganha cada vez mais força. 

Abraço, camaradas, conterrâneos e amigos.  

José Saúde  

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

16 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 – P27537: (Ex)citações (445): Literatura da Guerra Colonial? (Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art da CART 1689/BART 1913)


Guiné 61/74 - P27554: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (11): O Natal de 25 na Graça, na Rua da Senhora do Monte (O editor LG, e a "chef" Alice, com uma ajudinha das netas, que lhes dão amor e inspiração): "P'rós meninos de toda a terra, / Desejo saúde e paz, / Saibam dizer não à guerra, / E nunca ficar p'ra trás./


Lisboa > Bairro da Graça > Rua da Sra. do Monte > Casa da Clara e da Rosa >  18 de dezembro de 2025 > Presépio qie elas montaram


Lisboa > Bairro da Graça > Rua da Sra. do Monte > Casa da Clara e da Rosa > 18 de dezembro de 2025 > O Pai Natal que chegou mais cedo, do Polo Norte...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os Direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Ilustração: IA generativa (ChatGPT / OpenAI), composição orientada pelo editor LG


O Natal de 25 na Graça


Em vinte e cinco o Natal
Tem mais graça na Graça,
O primeiro que a gente passa,
C'a Rosa, e na capital.

Na capital que é Lisboa,
Desta terra que é do papá,
Quase todos são de cá,
Só a mamã é que voa.

Tem de passar o Natal
Na terra que a viu nascer,
E p'ra quem não o souber
Essa terra é o Funchal.

Lá o Natal tem mais encanto,
Digo eu, a filha, Clara,
Pois é coisa muito rara,
Nascer-se num dia tão santo.

A mamã e o Jesus
São de vinte cinco de dezembro,
De mais ninguém eu me lembro,
Com direito a tanta luz.

Mas com ela também voa
O papá, e nós, as filhas,
Vamos todos lá para as ilhas,
Qu' o clima é coisa boa.

O avô é da Lourinhã,
E ao Natal não liga nada,
Mais a titi, tão calada,
E a Rosinha, a minha irmã.

A avó Chita é de Candoz,
Onde também gosto d'ir,
E não se fica a rir,
Cozinha p'ra todos nós.

O Natal é trabalheira,
Muita freima, confusão,
Pode ser bom, mas não
P'ra escrava da cozinheira.

Mas quem é mais lambareira,
Nesta noite de consoada,
Lambe tudo, não deixa nada ?
A nossa flor da roseira!

Se lhe tiram o bacalhau,
Muito grosso e lascudo,
O meu papá, que é barbudo,
Diz que o Natal foi... mau.


Eu só quero é chicletes,
Se não houver, tanto faz,
Pai Natal, qu' és bom rapaz,
Podes trocar por bandoletes.


E a titi, mascarada,
Prega um susto à Rosa,
Que só fica furiosa,
Quando o prato não tem nada.

É um espectáculo de garota,
P'ró ano vai p'ró beliche,
E eu, Clara, que me lixe,
Tenho de aturar a marota!

Não houve prenda melhor,
Neste ano de vinte cinco,
Tenho mana com quem brinco,
Um mano era pior.

Ficamos muito felizes
De cá termos a Joana,
Que é uma titi bem bacana,
Faz de nós umas atrizes.

P'rós meninos de toda a terra,
Desejo saúde e paz,
Saibam dizer não à guerra,
E nunca ficar p'ra trás.


E pr'ós versos acabar,
Desejo a todos boas festas,
E eu, Clara, gosto destas,
Vamos lá todos... cantar.


  CANÇÃO DE NATAL 

(refrão, musiquinha conhecida)


A todos um bom Natal,
A todos um bom Natal,
Que seja um bom Natal
Para todos vós.
Que seja um bom Natal
Para todos vós.


Lisboa, Graça, Rua Senhora do Monte, 18 de dezembro de 2025,
Casa da Clara (6 anos) e da Rosa (11 meses),
que são as netas dos avós Luís & Chita (Alice)
E fica feita a prova de vida destes dois tabanqueiros
que anteciparam o Natal,
porque as "grutas de Belém" (ou as "capelinhas") são muitas...

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Nota do editor LG:

Útimo poste da série > 19 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27549: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (10): Vilma e João Crisóstomo, ex-Alf Mil da CCAÇ 1439

Guiné 61/74 - P27553: Os nossos seres, saberes e lazeres (715): "Soldado do Ultramar", poema do nosso camarada Albino Silva (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845), publicado no youtube, com música gerada por IA e adaptação de Pedro Alexandre



1. Há muitos anos que conhecemos os dotes poéticos do nosso camarada e amigo Albino Silva. Agora um dos seus poemas foi musicado pela IA com adaptação de Pedro Alexandre.

Vale a pena ouvir no youtube e deixar um like a este trabalho do Bino Silva


Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último post da série de 20 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27552: Os nossos seres, saberes e lazeres (714): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (235): A Sevilha de um viajante apressado, nem pode acudir à Sevilha essencial: La Giralda, o Parque de María Luísa, Torre del Oro e algo mais; a caminho de Granada - 2

Guiné 61/74 - P27552: Os nossos seres, saberes e lazeres (714): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (235): A Sevilha de um viajante apressado, nem pode acudir à Sevilha essencial: La Giralda, o Parque de María Luísa, Torre del Oro e algo mais; a caminho de Granada - 2

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2025:

Queridos amigos,
Foi dia e meio de deslumbramento, deu para saborear tapas, obrigatoriamente o arroz à valenciana, estar longamente especado e a cirandar pela Catedral, uma das maiores do mundo, passear pelos bairros típicos, recordar o Parque María Luísa e a Praça de Espanha; e até aconteceu, face a uma precisão da bexiga, ter pedido para ir aos aseos no Museu de História Natural, acolhido com muita simpatia, não me deixaram sair sem visitar uma exposição sobre a Antártida e o Chile. Creio ter aprendido a lição de que é uma tremenda injustiça passar por Sevilha como visita de médico, estou arrependido e quero voltar depressa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (235):
A Sevilha de um viajante apressado, nem pode acudir à Sevilha essencial: La Giralda, o Parque de María Luísa, Torre del Oro e algo mais; a caminho de Granada - 2


Mário Beja Santos

Ninguém me mandou pôr o Rossio na betesga, tive a felicidade de visitar Sevilha em diferentes épocas, basta pensar na Catedral de Santa María, o Museu das Belas Artes, os diferentes Palácios e Igrejas, os imperdíveis Alcazáres Reais, os bairros típicos, como a Triana, os passeios pelas margens do Guadalquivir, as deambulações pelo Parque María Luísa e, sem exagero, passar-se-iam aqui cinco belos dias, incluindo o passeio pela Ilha da Cartuxa, aproveitando para visitar Itálica, a 7Km, os imperadores Trajano e Adriano descendiam de duas famílias nobres aqui residentes. Esta observação só serve para manifestar a minha mágoa, encontrei a Catedral fechada, para desfrutar a contemplação da Capela Maior fui à missa com bispo e um coro triunfal; amedrontei-me com aquela multidão quilométrica que queria entrar nos Alcazáres Reais, e que saudades Deus meu! Aqueles belos palácios e jardins. Tive um cheirinho dos bairros típicos, percorri o Parque de María Luísa e na Praça de Espanha lembrei-me de cenas filmadas do Lawrence da Arábia, um dos filmes épicos de topo. O tempo estava maravilhoso, nunca vi tanto turista em Sevilha, em resumo acho que foi um dia e meio que deram para lavar a alma, cresceu água na boca para voltar depressa. E de autocarro seguiu-se para Granada, a primeira etapa era mesmo a Capela Real, como aconteceu e se contará depois.
La Giralda, 97 metros de altura, começou por ser uma construção almóada (século XII), teve acrescentos no século XVI, lá em cima está uma estátua ao sabor do vento, o Giradillo.
Artéria comercial, saindo de La Giralda, muitos edifícios imponentes, muita traquitana para recuerdo de turista, aqui e acolá os cantores andaluzes oferecem os seus préstimos, cantam a gemer, há para ali toadas embebidas na memória mourisca, pois claro.
A dor em transe, em plena rua, muito estava a sofrer esta jovem de mãos postas, bem mereceu que deixássemos uma recordação em dinheiro.
Palácio de San Telmo, em frente aos jardins de Santa Cristina, é um dos palácios mais belos barroco-sevilhano. A joia do edifício é este portal de três andares. As colunas e as figuras ricamente ornamentadas mantém uma ligação com as ciências e as artes da náutica, emolduram o portal, a varanda central e o frontão. Na arcada descoberta está a estátua do padre Pedro Telmo, adorado pelos navegadores desde o século XVI. Começou por ser academia náutica, aqui viveu a Infanta María Luísa Fernanda, deixou o seu nome ao mais belo parque de Sevilha. É atualmente a sede da presidência da Junta de Andaluzia.
Parque de María Luísa, Praça de Espanha com o Palácio Espanhol. Foi a Infanta María Luísa de Orleães, que cedeu os terrenos para estas construções palatinas e parque. O parque é muitíssimo concorrido, tem superfícies relvadas, sebes, lagos e repuxos, ânforas de cerâmica e monumentos soberanos sevilhanos. A praça de Espanha e a praça da América, que estão integradas no parque, foram construídas por ocasião da Exposição Ibero-Americana em 1929-30. Os pavilhões da exposição dos 20 países participantes (entre eles Portugal) foram conservados até hoje. O Palácio Espanhol, arqueado em semicírculo recorre a vários estilos. As torres angulares recordam a Giralda e apresentam, em geral, elementos de estilo maneirista. A fachada central é barroca e o restante edifício é de estilo renascentista. Um canal, com uma ponte ao estilo de Veneza com um bonito corrimão em cerâmica, serve a curvatura do local. Há diferentes museus aqui, destaca-se o Museu Arqueológico da Província, nele se pode ver o tesouro de El Carambolo, consta de 16 chapas de cinto e toucados, dois broches, duas pulseiras largas e um fio com pendente de ouro maciço, peças em ouro dos séculos VIII e VII a.C.
Tesouro El Carambolo, Museu Arqueológico de Sevilha
A Torre del Oro data do século XIII, está numa margem do rio Guadalquivir, é um dos patrimónios mais visitados em Sevilha. Entre as cerca de 166 torres de defesa da fortificação almóada, a Torre del Oro ocupava uma posição privilegiada. Daqui podia observar-se uma serra com uma outra torre, atualmente destruída, era um sistema para proteger o porto de ataques inimigos. É um edifício dodecagonal, tem algumas janelas e fendas e em cima uma coroa de pináculos piramidais. Sobre a plataforma, eleva-se uma torre mais estreita também dodecagonal com uma lanterna do século XVIII.
Pormenor da Capela Real de Granada
Outro pormenor da Capela Real
Uma belíssima escola corânica (madrassa), perto da Capela Real
Pormenor da cúpula da Capela Real
Um outro ângulo das cúpulas da Capela Real
Uma bela fachada de um edifício perto da Capela Real

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27526: Os nossos seres, saberes e lazeres (713): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (234): A ópera Carmen, de Bizet, a maior igreja gótica do mundo, a Casa Lonja, tudo isto se passa em Sevilha, depois Granada e por fim Córdova - 1 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27551 A nossa guerra em números (48): é provável que em média um soldado gastasse, mensalmente, só em cerveja, até 1/3 do pré; e, quando não tinha "patacão", bebia fiado...


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache" (perímetro defenbsivo feito por troncos de  cibes)... Num dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Mas hoje seria uma fantástica imagem de publicidade a uma marca de cerveja (que por sinal não seria a Sagres mas a Cristal). Fotograma  de vídeo, do álbum do José Colaço (ex-soldado trms,  CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65).

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Guiné > Notas 100  escudos (ou "pesos") Banco emissor: BNU - Banco Nacional Ultramarino (1971). Efígie: Nuno Tristão. No câmbio e no comércio, em relação ao escudo da metrópole, emitido pelo Banco de Portugal, havia uma quebra de 10%... Ou seja: 100 "pesos" (escudos do BNU) só valiam 90 escudos (do Banco de Portugal)... Recorde-se que o BNU foi criado em 1864 como Banco Emissor para as ex-colónias portuguesas (tendo também exercido funções de banco de fomento e comercial no país e no estrangeiro; vd. aqui a sua história).

Uma nota destas, em 1969, dava para pagar à lavadeira, diz o nosso editor LG,  ou comprar uma garrafa de uísque do bom... Na cantina do Zé Soldado, rm Bambadinca, dava para comprar,  cerca de 14 cervejas de 0,33 l. 

Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Quanto é que um soldado bebia de cerveja,  em média, por mês ?   É  arriscado calcular médias.  Porque nem toda a gente bebia (e muito menos cerveja).

O nosso 1º cabo cond auto  José Claudino Silva, da 3ª CART /BART 6250/72 (Fulacunda, 1972/74) dá-nos algumas pistas: promovido pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, compete-lhe controlar o "stock" de bebidas e não deixar o pessoal morrer de sede... 

 Estamos na companhia dos "Serrotes", a que pertenciam também os nossos camaradas Jorge Pinto e Armando Oliveira.

Escassos meses depois da chegada (em finais de junho de 1972), "os serrotes de Fulacunda" (sic)  passam, em outubro, a consumir  ( ou, com mais rigor, a requisitar,  em média, 12 mil cervejas por mês, em vez das 10 mil) (*). Era bom ter alguns "excedentes" no armazém, para o caso do mundo acabar...

Pelo menos era esse o "stock" mensal. Já lhe pedi para confirmar esses números, distinguindo entre existências e compras/consumos.

 Admitindo que houvesse, no máximo,  cerca 200 militares  em Fulacunda (1 companhia de quadrícula + 1 Pel Art), um consumo médio de 12 mil cervejas, dava 2 cervejas por dia  por cada militar, o que não é muito. ( Não sabemos a proporção de cervejas de 0,33 l e de "bazucas",. de0,. 66 l.)

Também não temos termos de comparação com outros sítios da Guiné, com mais facilidades de reabastecimento (por ex., Bambadinca, por onde se abastecia todo a Zona Leste,as regiões de Bafatá e Gabu, que iam do Xime a Buruntuma).

A cerveja no meu tempo (Bambadinca, 1969/71) era a 3$50,e a "bazuca a 6$00. As duas marcas eram a Sagres e a Cristal, em garrafa de 33 cl (a "bazuca", a 0, 66 l). Acho que também já havia a enlatada, mais cara (mas já não tenho a certeza: as bebidas enlatadas eram a coca-cola e outros refrigerantes, que vinham da África do Sul, supono, juntamente com as fritads em calda).

De qualquer modo, modo lá se ia 1/5 a 1/3 do pré de um soldado (que era 900$00, enquanto um 1º cabo ganhava 1200$00).

Estamos a falar de uma média estatística (que é sempre enganadora): 

  • 2 a 3 cervejas por dia, em média,  é perfeitamente aceitável, se considerarmos as condições (de clima e de guerra) que enfrentávamos na Guiné;
  • temos, por outro lado, que considerar o número (desconhecido) dos abstémios... e o consumo de outras bebidas (coca-cola, uísque, vinho...);
  • provavelmente não se bebia mais cerveja porque o "patacão" não chegava, nem muito menos havia capacidade de frio (que melhora,apesar de tudo,  no tempo do gen Spínola);
  • como muitos de nós diziam, "a cerveja quente sabia a mijo"...

Já agora reproduz-se  aqui, de novo,   um interessante documento que é o  "Rol das despesas mensais de um soldado". Permite-nos  reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não temos  a certeza se a situação se reportava à Guiné ou outro TO (Angola ou Moçambique). Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a março de 1973.

Encontrámos esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o nosso saudoso grão-tabanqueiro Renato Monteiro (1946-2021), ex-fur mil art (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70).

Despesa de 3 [março]/1973:

  • Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00 [=54 x 0,66 l= 35, 6 litros]
  • Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00 [= 24 x 0,33 l= 7,92 litros]
  • Floid (sic) = 55$00
  • Pasta p/ dentes = 18$00
  • 1 frasco de cola = 30$00
  • 1 bloco de escrever = 15$00
  • 1 lata de fruta = 11$00
  • 1 garrafa de Porto = 55$00
  • Sabão = 7$00
  • Selos = 30$00
  • Envelopes = 8$00
  • Fotos = 44$00
  • Carne patoscada (sic) = 77$00
  • Vagaço (sic) = 14$00
  • 1 lata de leite = 8$00
  • Subtotal = 788$00
  • FIO (sic) = 750$00
  • Despesa total = 1538$00

1/4/1973
Assinatura ilegível


[ Fonte: Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]








Excertos do capítulo IV (Quotidiano do soldado, pp. 193-259) do livro  de Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.] 


Legenda da foto de cima, com o militar a um canto no bar: 

"Bar de Sargentos e Oficiais, Nova Lamego, Guiné-Bidsau: sujeito  a grandes períodos de isolamento no mato ou nos aquartelamentos avançados das zonas de combate, o militar encontra nas pastuscadas e no consumo, por vezes imoderado, de bebidas alcoólicas, uma compensação para o esgotamento psicológico e moral. Nesses consumos dissipa o grosso do seu pré melhorado, que começa a auferir assim que  inicia a sua condição de 'mobilizado' ". 

Repare-se que a decoração da parede do fundo, do bar,  ainda é a do fur mil op esp Pechincha, que foi camarada do Renato Monteiro, do Valdemar Queiroz e do Abílio Duarte, em 1969, em Nova Lamego  na  CART 2479 / CART 11, os "Lacraus".

A legenda da foto com a lista das despesas diz apenas isto: "Rol de despesas mensais de um soldado" )(sic). Pela data do documento (1/4/1973) já não é do tempo do Renato Monteiro.

2. Repare-se que numa despesa mensal de 788$00 (equivalente hoje a 164, 26 euros) já nada restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole.  Era um militar que comprava a fiado. E o cantineiro devia ser nortenho, que trocava os "bês" pelos "vês"...

Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Em todo o caso, estes valores tem que ser vistos como um "outlier"; este militar, "soldado" (sic), chegaria ao fim da comissão  completamente endividado. 

Convertidos em litros,  o consumo de cerveja daria c.  de 43,5 litros por mês, 1,5 litros por dia... Se este fosse o "comportamento típico" do nosso Zé Soldado, o consumo anual de cerveja devia ultrapassar os 300 litros "per capita", admitindo-se  que na época das chuvas se bebia menos...(Parece-nos um valor exagerado.)

Havia dois tipos de garrafa: a de 0,66 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l. 

Em 1973, o preço era, respetivamente, 4$00 e 6$00 (0,83 euros e 1, 25 euros, respetivamente, a preços atuais). Terá aumentado a cerveja de 0,33 l (de 3$50 para 4$00). Admitimos que o preço da cerveja se tenha mantido relativamente estável, ao longoi da guerra, por vezes razões "psicossociaias"...

Parece-nos mais razoável apontar para, no máximo, um 1/3 o valor da despesa em cerveja,  tendo em conta os consumos em junho de 1970 em Nova Sintra  (***).

3. Já agora, vamos rever os preços de alguns bens de consumo, na época, bem como outros valores de referência (vencimentos, por exemplo) (**).

2.1. O Sousa de Castro diz-nos que no seu tempo (1972/74) "não era muito diferente: os preços que se praticavam, eram mais ou menos os mesmos" [que em  1969/71]...

  • eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade" [tudo somado, 1500$00 em 1973, era o equivalente, a preços de hoje,  a 312,67 €];
  • por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos [em 1973][=12, 51 euros ]

Em 1969, diz o nosso editor LG:

  • recordo-me que os soldados da minha CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe, oriundos do recrutamento local), recebiam de pré 600 pesos/mês [=181, 92 €];
  • além de mais uma diária de 24$50 [=7,43€] por serem desarranchados. 600 pesos deviam dar para comprar uma saca de arroz de 100 kg ( o arroz irá passar de 6 escudos o quilo para 14 em 1974, com a inflação)...

2.2. Elementos fornecidos por outros camaradas (**):

José Casimiro de Carvalho:

  • 100 pesos dava para comprar uma garrafa de Old Parr (em 1972/74);
  • como furriel, o Carvalho ganhava por mês entre 5400$00 e 6240$00 (isto já em 1974).

Humberto Reis:

Dos produtos que ele mais consumia, entre 69 e 71, referei:
  • 1 maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato, levava 3 a 4 maços para 2 dias);
  • 1 garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
  • Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto;
  •  Dimple e  Anti query: 98,50
  • Idem, de 15 anos, Monkhs e kOld Parr: 103,50
  • um uísque, no bar da messe de sargentos, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
  • o uísque era mais barato que a cervejola : 2$50, simples, contra 3$00 ou 3$50, além de que dava direito, o uísque,  a gelo;
  • as cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.
  • quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar, em média,  200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.
Luís Graça:
  • para uma família africana 100 pesos era muito dinheiro;
  • para a maior parte dos nossos militares, era muito dinheiro;
  • uma lavadeira em Bambadinca devia receber, nesse tempo (1969/71) 100 pesos por mês (era quanto ele pagava à sua)...(Elas tinham diferentes preçários, conforme a hierarquia militar; e tinham mais do que um cliente).
Com a inflação provocada pela guerra (era tudo importado!), houve uma progressiva degradação dos preços...e dos rendimentos. O problema agrava-se a partir de finais de  1973, com a chamada crise petrolífera...

Recorde-se que em 1973 os países árabes organizados na OPEP aumentaram o preço do petróleo em mais de 400% como forma de protesto pelo apoio norte-americano a Israel durante a Guerra do Yom Kippur... A nossa economia foi muito afetada...E a inflação disparou, pondo seriamente em risco a capacidade do país para poder continuar a financiar a guerra.

4. O melhor termo de comparação em relação a preçário, existências e compras de bebidas alcoólicas nas cantinas, é com Nova Sintra, ao tempo da CCAV 2483, e do nosso querido amigo e camarada,  ex-fur mil SAM Aníbal José da Silva.

Recorde-se m junho de 1970, a companhia (160 homens)  consumiu 7,8 mil garrafas de cerveja de 0,33 l , o que dava dava cerca de 2,6 mil  litros (uma média de 16 litros "per capital"... num só mês, meio litro por mês, perfeitamente aceitável, naquelas circunstâncias: um aquartelamento isolado, sem população, com reabastecimento apenas mensal)...

Claro que nem todos bebiam (cerveja ou outras bebidas alcoólicas). Mas seria raro aquele que só bebia água da torneira: na Guiné era intragável...
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22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)

(***) Último poste da série > 6 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27499: A nossa guerra em números (47): mais de 2/3 do consumo, do valor de vendas em junho de 1970 (n=89 contos), na cantina, da CCAV 2483, em Nova Sintra, foi em álcool e tabaco (Aníbal Silva / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27550: Parabéns a você (2445): José Botelho Colaço, ex-Sold TRMS da CCAÇ 557 (Cachil e Bafatá, 1963/65) e José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350/72 e CCAÇ 11 (Guileje, Gadamael e Paunca, 1972/74)


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Nota do editor

Último post da série de 19 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27546: Parabéns a você (2444): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72 (Aldeia Formosa e Cumbijã, 1972/74)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27549: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (10): Vilma e João Crisóstomo, ex-Alf Mil da CCAÇ 1439


1. Mensagem natalícia do nosso amigo e camarada João Crisóstomo, ex-Alf Mil da CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), com data de 18 de Dezembro de 2025:

Meus caros,
Boas Festas e Feliz Ano Novo.
Vou-lhes tentar ligar logo que puder. Entretanto, envio o que segue para vossa consideração se acharem pertinente.

Grande abraço,
João e Vilma

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Aos meus familiares Crispins e Crisóstomos; camaradas da Guiné; e outros cuja amizade vem de tempos vividos em instituições de ensino; ou nascida em causas e projectos que nos motivaram; ou mesmo amizades nascidas por simples mas bem-vindos acasos que a vida nos proporcionou:
A todos peço desculpa e compreensão pelo meu silêncio e pouco contacto recente, motivado por razões fora da minha vontade, incluindo razões de saúde, que os meus oitentas me têm forçado a aceitar.

Acabo de chegar a Portugal e em outras circunstâncias tentaria organizar um encontro (como tenho feito frequentemente quando cá venho) em que pessoalmente nos pudéssemos saudar e mesmo com canções natalícias e outras viver o espirito festivo que o Natal e Ano Novo são credores.

Infelizmente tal não vai ser possível, que a mesma razão de emergência (tratamento da boca) que me trouxe a Portugal não mo permite e me leva a celebrar e viver estas datas na maneira mais conveniente que se nos apresenta; simplesmente sós; mas dentro das circunstâncias, contentes e felizes.

É com muita pena, como foi com muita pena que me vi forçado a cancelar uma pequena festa de Natal que em Queens, Nova Iorque, onde eu e minha esposa Vilma vivemos, que estávamos preparando para algumas dezenas de indivíduos de terceira idade - quase todos mais idosos que nós, (alguns mesmo bastante mais) - que vivem en regime de “Vida Assistida” num edifício da minha rua. Oxalá nos seja possível ainda fazê-lo mesmo com muito atraso, como já nos sucedeu em anos anteriores. Tanto mais que metade das “logísticas" estavam prontas, incluindo, para a parte de canções natalícias, as letras das canções em dezenas de exemplares e o acompanhamento de piano para o que a filha duma residente russa de 96 anos se oferecera.

A maioria destes, embora com cidadania americana adquirida, nasceram "nos quatro cantos do mundo” e por isso o convite foi preparado com isso em mente, feito nas quatro línguas mais faladas: inglês, espanhol, coreano e chinês, com o seguinte texto:
“Invitation = João and Vilma and Sunnywood Apartments invite you: = This coming Thursday, December 18, at 13.00 PM = Let’s get together to celebrate Christmas. = Lunch, dessert, beverages… and Christmas Carols!”

Na impossibilidade de melhor maneira, a todos quero enviar o meu caloroso abraço de Boas Festas e Feliz Ano Novo.

João e Vilma Crisóstomo

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Nota do editor

Último post da série de 18 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27543: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (9): Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil da CCAÇ 816; Artur Conceição, ex-Sold TRMS da CART 730/BART 733 e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494/BART 3873

Guiné 61/74 - P27548: Notas de leitura (1875): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Os tambores da guerra chegaram aos Boletins da Associação Comercial da Guiné. Haverá no entanto questões associativas graúdas que não são perceptíveis só da leitura dos editoriais do Presidente da Direção estar constantemente a fazer apelos à Unidade, lamentando casos de concorrência desleal. A organização de cada um destes números do Boletim, estou seguro, merecerão leitura convidativa dos investigadores: temos aqui o rol minucioso de importadores e exportadores; o seu grau de intervenção seja junto do Governador ou até no envio de cartas ao Ministro do Ultramar; apoiam a formação de milícias (estamos em 1962) e louvam a organização destas em Mansabá e Farim e para além de Xime, o que bate certo com as áreas de infiltração e posicionamento dos acabamentos os guerrilheiros para lá do Corubal e na região do Morés. A Associação atribuía bolsas de estudo e criara uma secção de assistência social. Se bem que episodicamente já se fazem perguntas políticas, como, por exemplo, perguntar as razões do anticolonialismo norte-americano. E há artigos de informação económica sobre o amendoim, o arroz, a borracha, o mel e os couros. Vamos prosseguir, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa ainda há mais uns anos de Boletins. Tenho que bater à porta da Biblioteca Nacional para saber que aqui vou suprir tal carência, gostava de saber se o Boletim foi publicado até 1974.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 5


Mário Beja Santos

A leitura dos sucessivos Boletins de 1962 irão permitir compreender que há sérios desconfortos na vida associativa, o Presidente da Direção está permanentemente a clamar “Unidade! Unidade!”, e no número de junho, numa escrita um tanto vernacular, não esconde as suas queixas, onde não falta azedume:
“Nesta Guiné caminhante pachorrenta e ensonada dum trilho interrupto, vário e contingente em que se produziu a sua parcimoniosa evolução ao longo de muitas décadas, dócil por atavismo e bem-comportada por tradição, umas centenas de indivíduos – ditos comerciantes e industriais! – à unificação salvadora preferem os caminhos da deriva, renegam-se e se se encontram é para destroçarem-se numa concorrência desmedida, ilógica, desleal.”
Depois dos queixumes recorda-se a necessidade de manter as quotas em dia e enfatiza-se a unidade em torno dos interesses comuns. Faz-se o anúncio da atribuição de bolsas de estudo e a criação de um serviço de assistência social a associados em precariedade.

Nunca como nesse ano os dirigentes se revelaram tão reivindicativos. Escreve-se sobre a borracha, uma riqueza inaproveitada, pede-se ao Governo a eliminação das imposições aduaneiras, a bonificação do frete marítimo para o produto destinado ao Continente, lembrando que há uma concorrência com a borracha recebida do Índico.

E também nunca como agora surge imensa participação dos leitores. Aparece uma curiosa caixa com muitas perguntas:
“Por que motivo não exportamos mais ginguba? Por que não aumentar a produção de óleo de amendoim? Por que valorizamos o franco da AOF acima do câmbio oficial? É princípio moral, se quer ponto de vista político o anticolonialismo no Ianque? (Dá-se a seguinte resposta: no século passado foi programa de partido para uso interno, variável com as preferências do eleitorado: sulista ou nortista. No presente, é arma política de que os EUA se servem para combater a Europa. O nosso País está na tabela).”

A Associação revela-se de facto participativa, atuante. Veja-se a carta enviada ao Encarregado do Governo sobre a campanha da mancarra, dando sugestões: antecipar por uns dias a data da abertura da campanha, propõe-se 10 de dezembro; pede-se a fixação dos contingentes exportáveis; e considera-se indispensável saber com antecedência os preços FOB-Bissau e CIF-Lisboa, que são estabelecidos pela Metrópole, etc. etc. Vemos também nos sucessivos números a manutenção de secções informativas e a listagem das relações dos importadores e exportadores na Guiné. Anuncia-se no número de dezembro a vinda do novo Governador, Comandante Vasco Rodrigues.

Terá porventura utilidade dá conta, com algum desenvolvimento de situações em que a Associação se revela não só conhecedora das realidades económicas, é combativa e faz-nos querer que sabe com bastante rigor do que fala. Veja-se o extrato de uma carta dirigida ao Governador da Guiné sobre a campanha do coconote, há aqui neste conjunto de imagens uma que revela um certo sabor de vitória:
“Senhor Governador,
Dirigem-se-nos alguns exportadores pedindo a nossa intervenção no sentido de esclarecermos o Governo da Província na conveniência de promover, pela estância competente, a atualização do valor fiscal do coconote, fazendo-o corresponder, como é lógico esperar-se, à cotação efectiva e em prática na Província desde o princípio do ano corrente: 1$90 por kilo nos portos de embarque; de contrário, voltarão, por certo, a repetir-se as imobilizações nos armazéns de consideráveis quantidades do produto, com todas as consequências nefastas, entre as quais sobreleva o excesso de acidez que, aviltando a qualidade, desacredita e torna impraticável a exportação para os mercados estrangeiros, donde os dois seguintes resultados previsíveis: aviltamento do preço de compra aos naturais; não diremos a total paralisação, mas um retraimento muito sensível nas aquisições àqueles, e sempre, em qualquer das hipóteses, com maléficas consequências no equilíbrio social e económico da Província, o que a todos compete evitar.”

Como se pode ver na imagem que aqui se junta com o título Última Hora, foram bem-sucedidos.

Em 1962 já está declarada a subversão na Guiné, e no Boletim Oficial, a propósito do assassínio do cipaio Cofai, considerado um homem bom, respeitado e respeitador entre Mandingas, Balantas e Fulas, que parecia destinado ao regulado de Oio, exulta-se a resposta dada pelos 1200 mancebos guinéus para incorporar a milícia da Guiné portuguesa, eles serão os guardiões desta terra sagrada que irão banir os nocivos sediciosos, ora convertidos em sectários do mal. Se estes 1200 mancebos irão defender as populações de Mansabá e Farim, há também que contar com os 600 naturais para lá do Xime.

E há também uma carta enviada ao Ministro do Ultramar a propósito de uma arbitrariedade que impediu o reabastecimento de “frescos” destinados à população civil da Guiné pelo vapor da carreira Ana Mafalda, e diz-se claramente:
“Estamos em guerra, sabemo-lo – senão efectiva, por hora, de nervos há muito. Em posição fronteira, vivemos parelhas com os nossos soldados os riscos, a ansiedade, o nervosismo, o desconforto moral e material. Vivemos com eles em estreito, fraterno convívio e, desde a primeira hora que a defesa da Pátria os atirou para estas paragens, estamos decididos a dar-lhes o calor humano da nossa assistência.

Exigimos que aí na Metrópole os homens que mandam, saibam que ainda existimos ao lado das forças militares e que nós próprios temos o direito de comer as hortaliças e os legumes e os frutos e a sardinha e o carapau e os demais frescos da Pátria distante, porque temos a mesma boca para comer, para falar e para reclamar sendo preciso. Que não podemos compreender e muito menos aceitar sem espanto e sem revolta que os serviços de Manutenção Militar em Lisboa exijam para seu uso exclusivo os frigoríficos dos navios – dos navios das nossas carreiras – aqueles que servem habitualmente a Província e a abastecem e que nós pagamos bem caro, com total desprezo pela gente sem farda, porém torna-se necessária no território nas suas funções pacíficas, como aqueles que esses aí julgam estar protegendo e servindo bem para, afinal, envergonharem com o tratamento de exceção.”


Vamos ver no próximo número o ano de 1963.


Publicidade ao Grande Hotel, em Bissau, publicada num Boletim da Associação Comercial de 1962
Peixoto Correia, o Governador da Guiné que irá ser o próximo Ministro das Colónias, imagem inserta num dos números do Boletim da Associação Comercial de 1962
Lembrança aos associados de que a Direção tivera uma vitória com o valor fiscal do coconote
Publicidade de uma renomada casa comercial de Bissau
Penteado de uma Boenca
Papéis (Safim), mulheres a pescar
Felupes (Susana), mulher com cesto

Estas três últimas imagens foram retiradas de diferentes números do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1962

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post da série de 12 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27523: Notas de leitura (1873): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 15 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27533: Notas de leitura (1874): "Cartas de Guerra (61-74) Aerograma Liberdade”, por Ricardo Correia; edições Húmus, 2024 (Mário Beja Santos)