quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13030: 10º aniversário do nosso blogue (21): Obrigado, amigos e camaradas, pelos parabéns, que vão direitinhos a todos aqueles que alimenta(ra)m este projeto... E já agora, façam a vossa "prova de vida", façam o "teste do pezinho" (... Era o que fazíamos, lá naquela terra verde e rubra, todos os dias ao acordar, verificando se o polegar do pé direito mexia, antes de nos levantar da cama)

1. Comentário do fundador e editor do 
blogue Luís Graça, em nome dos demais editores e colaboradores permanentes:


Obrigado pelos  parabéns de aniversário, recebidos durante o dia de ontem, mas que não devem vir para mim. Eles vão direitinhos a todos nós que alimentaram (e alimentam) este projeto, desde o dia 23 de abril de 2004...

Eu limitei-me a "emprestar" o então "blogueforanada" (, que raio de nome!), o blogue " onde escrevia as minhas "blogarias" (que nada tinham a ver com a Guiné) desde outubro de 2003...

O primeiro escrito sobre a Guiné ou relacionado com a guerra, foi justamente em 23/4/2004... (vd. a seguir).

Tertúlia, hoje Tabanca Grande: um  ribeiro que deu origem a um rio, que por sua vez teve (e tem ) muitos afluentes... E que queremos seja cada vez mais "caudaloso"...

Somos 654 ? Sim, entre camaradas e amigos da Guiné. Infelizmente 5% já morreram, mas ocupam um espaço muito especial, na nossa memória, no nosso blogue, no "talhão" dos que da lei da morte já se libertaram...

Sem contar as muitas centenas, se não milhares, que já por aqui passaram, sem, por uma razão ou outra, terem querido ou podido formalizar a sua adesão à Tabanca Grande: 2 fotos + 1 história ou simples apresentação e aceitação das nossas regras de convívio, que são basicamente as da camaradagem, da verdade, da partilha, da tolerância e do respeito mútuo...

654 não são muitos em 10 anos, são 65 por ano, em média... Mas pelo TO da Guiné, desde 1961 até 1974 passaram mil unidades e subunidades... Ora, nem todas elas estão ainda devidamente representadas no nosso blogue...

10 anos a blogar sigbnifica mais de 13 mil postes, ou seja, em média 1300 por ano, 4 por dia... Mais de 50 mil comentários, cinco mil por ano, cerca de 14 por dia...

8 convívios anuais, sendo o próximo, o 9º  já com data marcada: será realizado em Monte Real,  como de costume,  no Monte Real Palace Hotel, no dia 14 de junho próximo, sábado... (Aperitivos, almoço e lanche ajantarado: 30 morteiradas; facilidades de alojamento no hotel, para quem quiser vir de véspera ou ficar no fim de semana).

1 Tabanca Grande com "delegações" em vários sítios, dentro e até fora do país, uma pelo menos, a da Lapónia, mesmo que seja uma tabanca de um tabanqueiro só...

Amigos e camaradas, associem-se à nossa festa, e sobretudo aproveitem para fazer a "prova de vida", sob a forma do "teste do pezinho"... Escrevam-nos,. por estes dias,  a dizer que estão vivos e, mais ou menos, de boa saúde...

"Teste do pezinho"? Era o que fazíamos na Guiné, todos os dias ao acordar: verificar se o polegar do pé direito mexia, antes de levantar da cama...

Um bom dia  para todos/as.

Luís Graça





Primeiro poste do blogue Luís Graça  Camaradas da Guiné: 23 de abril de 2004 > Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra... Acabou por ser transformado em poema que inclui numa antologia poética, a publicar, espero, ainda este ano... (LG)



2. Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra

por Luís Graça

Com o atraso de décadas, 

quiçá de séculos,
presto hoje o meu preito
às mulheres do meu país
 que se vestiam de luto
enquanto os maridos ou noivos 
ou namorados ou irmãos
ou simplesmente amigos
andavam na guerra do ultramar.
(Ou guerra colonial, como se queira).
Já foi há tanto tempo 
que eu perdi as contas aos contos,
às estórias, 

às vidas, 
às lendas, 
às narrativas.

Venço, por fim, a minha relutância, 

o meu preconceito, 
o meu medo do irracional
e porventura o meu medo visceral do sagrado,
e presto a minha homenagem
às mulheres 

que rastejavam no chão de Fátima,
implorando à Virgem o regresso dos seus filhos,
sãos e salvos.
Só as mulheres, em bando, são capazes
de implorar a piedade dos deuses
e ao mesmo aplacar a sua ira,
para logo a seguir imprecar contra eles,
se for caso disso.

Decididamente, 
sem pejo nem pudor,
presto a minha homenagem
às mulheres que continuavam,
silenciosas e inquietas, 

ao lado dos homens
nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Por que havia um silêncio 

que não era cumplicidade,
que não era traição,
que era inquietação,
que não era claudicação,
que era a raiva a crescer dentro do peito,
que era porventura já
a emergência, a explosão da revolta e da liberdade.

Descubro a cabeça, 
tiro o chapéu, 
ajoelho-me,
perante estas mulheres do meu país
que ficavam em casa, 
rezando o terço à noite,
como a minha mãe e as minhas manas 
e até o meu pai,
a quem, de resto, nunca agradeci este gesto de amor.
Nem em público nem em privado.
Nunca saberia, porventura, merecê-lo
nem muito menos agradecê-lo.

Mas também endosso
as minhas palavras de admiração
às que aguardavam com angústia,
pelo aerograma, 
na hora matinal (e às vezes mortal)
do correio, vindo do SPM número tal.
Sem esquecer as que, muito poucas,
subscreviam abaixo-assinados
contra a guerra
(era proibido dizer colonial).
Às que, muito poucas, escreviam, 
liam,
tiravam a stencil 
e distribuíam
comunicados e folhetos clandestinos.

Às que, também raras, 
sintonizavam altas horas da madrugada
as vozes da rádio 
que vinham de longe
e que falavam de resistência
em tempo de solidão e de servidão.

Homenageio, sim, àquelas 
que, muitas, tiravam carinhosamente
do fumeiro (e da barriga) 

as chouriças e os salpicões
e os nacos de presunto, 
e até as morcelas e as alheiras
que iriam levar até junto dos seus filhos,
homens-toupeiras, 
no outro lado do mundo,
no calor dos trópicos
e na humidade dos abrigos,
um pouco do amor de mãe, 
das saudades da terra,
dos cheiros da casa e dos animais,
dos sabores da comida, 
e da alegria da festa.

Mas também, e porque não,
às, muitas, e em geral adolescentes, virgens,
e às jovens solteiras, namoradeiras,
que se correspondiam com os soldados
mobilizados para o ultramar,
na qualidade de madrinhas de guerra.

Não tive, nunca quis ter, 

madrinha de guerra,
por preconceito, 
por orgulho e preconceito,
por achar que era uma instituição ou criação
do Estado Novo,
dos senhores da guerra,
e das senhoras que os geravam…

Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma
a uma madrinha de guerra.

Lisboa, 23/4/2004

Revisto, 23/4/2014
__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13028: 10º aniversário do nosso blogue (20): Um corredor de paz, a estrada (alfaltada) Bambadinca-Bafatá, onde o PAIGC nunca conseguiu penetrar... pelo menos no período de 1969/71 (fotos de Benjamim Durães, a quem mandamos um alfabravo fraterno e solidário num momento difícil para ele, como pai e avô)

1 comentário:

Joaquim Luís Fernandes disse...

Caro Luis Graça
Caros Camarigos

24 de abril de 2014; De manhã visitei o blogue e deparei-me com este Post 13030. Apressado li o poema (que já tinha lido noutro post) "Hoje tenho pena de nunca ter escrito a uma madrinha de guerra". Então, senti um tremor e comovi-me até às lágrimas. Senti o impulso de logo comentar e enviar o meu abraço fraterno e os parabéns ao Luís, mas as obrigações profissionais exigiam de mim que saísse do blogue e adiasse o comentário, como tantas vezes acontece.

Foi um dia intenso, exigente. A minha sensibilidade esteve à flor da pele, pelo poema, pelo que me fez sentir, pelo dia em que estava, no muito que me recordava e me fazia reviver em fortes emoções.

Agora já é dia 25; 40 anos depois desse outro dia 25 de abril que me apanhou na Guiné. Apetecia-me escrever muito, exteriorizar os meus sentimentos, registar os meus pensamentos e reflexões sobre esta data e o que ela encerra e me diz, neste confronto de esperanças e desilusões, de interrogações e conclusões, mas não é este o lugar apropriado e também já estou cansado, pelo que vou ser breve.

Quero dizer-te Luís, que gostei muito deste teu poema, em que dizes tanto, naquilo que sentes e expressas e de que comungo. Nesta confissão, vejo a grandeza da tua alma e o teu grande talento. Mas permite-me que te diga: Não tenhas medo do Sagrado. Ele está perto de ti. Ele está em ti e nada te rouba, apenas te engrandece e te devolve em ti, a plenitude do teu Ser.

Eu também nunca tive uma madrinha de guerra, mas tinha uma namorada/noiva/mulher. Tinha deixado também a rezar por mim, mãe, pai, futura sogra, irmãs, irmãos. Escrevi e recebi centenas de cartas e aerogramas. Eles foram para mim um bálsamo. Ler e escrever era o meu momento de encontro comigo próprio, livrando-me da alienação da guerra. Momento de interiorização e de equilíbrio emocional.

Por fim quero manifestar mais uma vez o meu apreço pelo Blogue. Endereçar-te os parabéns pelo seu 10º aniversário, que torno extensivos aos camaradas co-editores a a todos os camarigos de tertúlia. Peço compreensão pela minha parca participação. Quando tiver mais tempo disponível, escreverei mais. Há muitas reflexões e vivências que gostaria de partilhar e perguntas a fazer. Há enormes hiatos na minha compreensão do que foi aquela guerra, que gostaria de esclarecer. Haja tempo para isso.

E por aqui me fico por hoje.

Um forte abraço
JLFernandes