Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 26 de abril de 2014
Guiné 63/74 - P13049: Blogpoesia (379): A morte passou por mim (José Teixeira)
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2014:
Como este tema tem dado que falar, eu resolvi escrever um pouco.
Votos de Boa Páscoa para todos os camaradas e familiares
J.Teixeira
A morte passou por mim
Perguntaste-me um dia: Pai tiveste medo?
Filho, eu tive medo. Sim!
Sempre que a morte passou por mim,
Naqueles longos anos em que não vivi
O tempo para que nasci.
E mil vezes eu morri de saudade,
Perdido numa guerra que nunca entendi,
E foram apenas dois anos, uma eternidade –
Mil vezes eu morri quando as balas passavam a meu lado a assobiar,
Mil vezes eu morri, quando os canhões cantavam a canção da morte,
E quantos camaradas partiram, talvez por má sorte -
Mil vezes eu morri com as crianças a chorar
E as granadas a rebentar, mesmo a seu lado.
Mil vezes eu morri com as mulheres a fugir
Com o filho às costas, amarrado,
E se escondiam num buraco, na terra vermelha, escavado.
Mil vezes eu morri com os camaradas em sofrimento e dor.
Mil vezes eu morri nas lágrimas da mãe que viu sua filha morrer
No meio daquele horror.
Mil vezes eu morri na vida jovem que se perdeu a meu lado
Sem lhe poder valer, quando era tão cedo para partir –
Mil vezes eu morri quando o sopro da mina me projetou,
Longos segundos de espectativa –
Mas ainda não tinha chegado ao fim, a minha vida.
Mil vezes eu morri, no silêncio que me enchia a alma
À sombra do frondoso poilão,
E me perguntava, sem esperança de resposta
De que lado estava a razão.
Como se fosse possível uma justificação,
Para a guerra.
José Teixeira
____________
Nota do editor
Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13038: Blogpoesia (378): Em Abril... (José Teixeira)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Amigo José Teixeira
Um belo poema com sensibilidade e bom gosto! Toca-nos um pouco a todos os que andamos por lá.
Um grande abraço
Frncisco Baptista
Camarada José Teixeira
Obrigado pela partilha do teu poema, na mensagem que transporta.
Parabéns pela tua franqueza e pela sensibilidade que revelas ao sofrimento dos outros, só ao alcance dos que têm um grande coração capaz de amar.
Mil vezes morreste e mil vezes renasceste e a tua vida renascida deu bons frutos.
Felicito-te pela tua generosidade para com o povo da Guiné, felicito-te pelos teus filhos que tão bem testemunham a grandeza dos seus pais.
Um grande abraço
JLFernandes
Enviar um comentário