sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cachambas Balantas, próximo de Jemberém (hoje, ois guineenses dizem e escrevem Iemberém)> CCP 123 / BCP 12 (1972/74) >12 de Fevereiro de 1973 > O Cabo Álvaro, o militar à esquerda na fotografia, pouco depois da captura do mais prestigiado chefe da Guerrilha no Cantanhez, o Comandante de Bigrupo Malan Camará, ferido por um disparo de Sneb (1), "que eu próprio mandei disparar" (Manuel Rebocho).


Foto: Costa Ferreira (gentilmente cedida pelo Manuel Rebocho) (2007).


Malan Camará, um antigo guerrilheiro do PAIGC, que operou na zona do Cantanhez, um dos convidados especiais do Simpósio Internacional de Guiledje. No âmbito do Projecto Guiledje, foi entrevistado pelas equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento (que gravaram o seu depoimento em DVD). O Manuel Rebocho quer saber se é o mesmo Malan Camará, da foto de cima, ferido e capturado pelo seu Grupo de Combate da CCP 123 / BCP 12, em 12 Fevereiro de 1973. Acontece que Malan é um nome vulgar, entre fulas e mandingas, e Camará é também um apelido muito frequente entre os fulas... Na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) tínhamos vários Malan e vários Camará, embora nenhum Malan Camará (que julgo ser nome de mandinga) (LG).

Foto: Guiledje - Simpósio Internacional (2007) (com a devida vénia...).


1. Texto do nosso camarada Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975") (2).


Amigos Luís Graça e Pepito:

Na sequência da publicação, no nosso blogue, de algumas fotografias, de antigos guerrilheiros do PAICG, verifiquei, particularmente, a de Malan Camará (3). Enviei um e-mail para o Pepito solicitando a gravação das declarações de Malam Camará.

O Pepito respondeu-me, de imediato dizendo:

“Conto passar por Portugal no final de Março e nessa altura dar-te-ia a gravação da entrevista do Malan Camará. Vou pedir que me façam uma gravação em DVD.
abraço
pepito”


No meu mail não especifiquei a razão do meu interesse. O que eu pretendo saber é se o Malam Camará que surge no blogue, é o mesmo que está na fotografia em anexo, a qual consta na minha obra de doutoramento.

No blogue diz o Pepito hoje, dia 25 de Janeiro de 2008, referindo-se à apresentação pública do Simpósio sobre Guiledje:

“Como o assunto era relativo à História e Cultura, a televisão nacional e a RTP África, sempre mais preocupadas em dar relevo a outras questões mais relevantes como o narcotráfico e a presença da AL-QAEDA, primaram pela ausência. Critérios....”

Naturalmente que é assim, e assim será no futuro, pois não te esqueças que as histórias são sempre contadas pelos vencedores. E, nem os vencedores (PAIGC), nem os heróis portugueses, de Guiledje e Gadamael, integram “a classe de poder em Portugal”. Nota, que classe de poder não significa classe no poder, são classes diferentes.

As discussões que envolvam Guiledje, Gandamael Porto e Guidaje (os três G’s, como define o nosso amigo Leopoldo Amado) e ainda Jemberém, que eu lhe acrescento, não interessam àqueles que se consideram “os donos do 25 de Abril” e que, a partir de méritos que não são seus, se constituem na classe de poder em Portugal.

Só uma pequena achega para ilustrar um pouco esta ideia que é científica, pois resulta da minha tese de doutoramento, na qual me foi atribuída a classificação máxima.

Na sequência do abandono de Guiledje, em que as tropas portuguesas fugiram para Gadamael Porto, no dia 22 de Maio de 1973, ficaram instalados neste último Destacamento cerca de 600 homens, 4 companhias, o equivalente a 1 Batalhão, a que correspondia 1 Tenente-Coronel, 2 Majores e 4 Capitães. No entanto, aqueles homens eram comandados apenas por dois Capitães, e estes milicianos, naturalmente.

Os capitães milicianos foram feridos e evacuados no dia 30 de Maio de 1973, do que resultou que aquelas 4 companhias, ou aquele amontoado de militares portugueses, ficassem tão só sob o comando de um Alferes miliciano, ou de ninguém, para ser mais preciso.

Ao mesmo tempo, em Jemberém, que fica a cerca de 18 km a oeste de Gadamael Porto, no coração do Cantanhez, como sabemos, estavam colocadas duas companhias, também elas, comandadas por um Alferes miliciano (já nem os Capitães milicianos queriam estar nas zonas de combate, sobrava já tudo para os Alferes milicianos).

Se a guerra tivesse continuado, só lá ficavam os Soldados, estou certo. Como afirmo na minha tese de doutoramento, os Oficiais de carreira fugiram literalmente das zonas de combate.

No dia 22 de Maio de 1973, o dia da fuga de Guiledje, Spínola enviou uma nota ao Ministro do Ultramar, dizendo que não tinha meios para continuar a guerra. Em resposta, o governo fez publicar, no dia 13 de Julho seguinte, o Decreto-Lei n.º 353/73, onde determinava uma nova metodologia de formar Capitães, o que desagradou aos Capitães da Academia, que se viam recambiados para o mato, onde eles não queriam estar.

Para combater esta decisão, que não lhe agradava, revoltaram-se contra quem os formou e lhe atribuiu o estatuto que possuíam. Afirmando-se então, que tal revolta, tinha origens em princípios democráticos, o que não era verdade.

Por tudo isto, há que silenciar estes 4 nomes, [(Guiledje, Gandamael Porto, Guidaje (onde estava colocada uma Companhia de nativos, a 19.ª, cujos graduados eram europeus milicianos, e onde a vergonha ainda foi maior) e Jamberém] que eu não apago da minha memória, mas que, como disse, incomodam a classe de poder.

Portanto, meu amigo Pepito, não estranhes e conta só com o silêncio. Mas nem tudo será mau, contas com muitos amigos e com o nosso blogue que não se cala.

Percebeste um pouco da minha mágoa em não estar no “teu/nosso Simpósio”, mas também percebeste porque não posso.

Nota:

Se o Malan Camará das duas fotografias é o mesmo, posso adiantar-te que o ferimento lhe foi provocado no dia 12 de Fevereiro de 1973, nas Cachambas Balantas, próximo de Jemberém (4), por um disparo de Sneb, que eu próprio mandei disparar – era ele, ou eu e os meus homens – foi assim a guerra, que só a conheceu quem a fez.

Malan Camará, ou os homens sob o seu comando, mataram-me um soldado, o Azinheirinha, e feriram gravemente o Alferes, razão pela qual assumi o comando do pelotão.

Mas como vês, ou se pode ver, Malam Camará foi tratado e evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, onde foi bem tratado. E não foi evacuado por engano, eu pedi uma quarta aterragem de helicóptero, dizendo expressamente que era para evacuar um elemento IN ferido. O General Spínola, que estivera no local falando connosco, ouviu as comunicações rádio e não se opôs, o que permite que eu afirme que este género de humanidade era assumido pela mais alta hierarquia. (*)

Hoje, os que fugiram da guerra, para o ar condicionado, dizem de Spínola “cobras e lagartos”, mas têm mais defeitos do que ele, enquanto o não assemelham nas virtudes.

A guerra em que eu participei, foi uma guerra violenta, mas humana, dentro do possível claro. Não a do ar condicionado nem a da violência gratuita.

Um grande abraço aos dois

E que o nosso Simpósio seja um sucesso

Manuel Rebocho

________________

Notas de L.G.:

(*) Bold da responsabilidade do editor

(1) SNEB: rocket antipessoal, de calibre 37 mm, que equipava o T-6 e que também era usado pelos pára-quedistas (e depois, por outras forças) como LGFog.

(2) Vd. postes do Manuel Rebocho:

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

"(...) tomei contacto com o vosso/nosso blogue, através do então Furriel Miliciano José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (a que abandonou Guileje, em 22 de Maio de 1973), o grande herói de Gadamael Porto, que, não obstante isso, também não faz parte da história oficial da Guerra da Guiné"(...).

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho).

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

(3) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

(4) O Victor Tavares, que pertenceu à CCP 121 / BCP 12, camarada do mesmo batalhão e da mesma arma do Manuel Rebocho (CCP 123 / BCP 12) , já referiu o mesmo episódio, mas as datas não batem certo. Ele diz que quem capturou o Malan Camará foi a sua unidade, a CCP 121, em 22 de Dezembro de 1972. Será o mesmo Malan Camará ? Trata-se de um nome vulgar, mas também já é muita coincidência...

(...) 22 de Dezembro de 1972: captura do comandante do bigrupo de Malan Camará

Dia 22 de dezembro, o primeiro bigrupo da CCP 121 parte para mais um patrulhamento desta vez com destino as Caxambas Balantas, depois de andadas algumas horas atravessando matas, bolanhas e rios alguns de difícil passagem derivado ao imenso lamaçal e arvoredo rasteiro ou Tarrafo aonde nos enterrávamos até à cintura e por vezes mais a cima, tendo que ser ajudados pelos camaradas que mais rapidamente chegavam a margem segura.

(...) Referenciámos três pessoas desarmadas que seguiram o seu destino. Aqui montámos uma emboscada. Passados cerca de 10 minutos aparece uma mulher com uma criança as costas também no mesmo sentido. Poucos minutos passaram e aparecem pela mesma picada mas no sentido inverso 4 Guerrilheiros armados. Quando estes se aproximavam dos nossos homens da frente , estes abriram fogo abatendo de imediato 2 guerrilheiros ferindo os outros dois, tendo um deles conseguido fugir. Capturámos o outro, sendo ele o comandante de bigrupo de Simbeli, Malan Camará. (...)


Vd. poste de 15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

1 comentário:

Anónimo disse...

É assim, com depoimentos destes, oportunos, que se faz a história da Guerra na Guiné.
vb