Por Leopoldo Amado
(Epílogo)
Da década de 40 até ao Portugal democrático


Porém, antes de fecharmos este percurso pela Literatura Colonial Guineense, permitam-nos debruçarmos um pouco sobre dois autores cujos nomes se pode apontar entre os mais válidos da geração que viveu a guerra colonial na Guiné. Trata-se de José Martins Garcia, que escreveu O Lugar de Massacre, sem dúvida a melhor obra de literatura da guerra colonial da Guiné: de um realismo extraordinário, nela se descreve a essência filosófica dos que na arena de guerra lutaram por um ideal que se esforçavam em vão por compreender; o ideal que jamais se poderá omitir, ou seja, o princípio transcendente que supera as capacidades conjecturais do homem confrontado com o abandono e a morte e que está para aquém e para além dos marcos sensíveis – o espírito. Ousamos mesmo dizer que O Lugar de Massacre revela-se de uma importância incomensurável, mesmo do ponto de vista africano. O outro autor é o Armor Pires Mota, autor do Diário íntimo de um soldado, Tarrafo, e do livro de poemas Baga-Baga e ainda do livro de contos intitulado Guiné Sol e Sangue. Nos seus escritos, não é raro depararmos amiúde com considerações que denotam a existência no autor de preconceitos:
Sou o teu irmão mais velho,
Sou negro também dentro de mim! (23)
Mas em Armor Pires também se vislumbra a mensagem da igualdade e da justiça entre europeus e africanos, numa descrição poética que se reporta à guerra colonial e cujo principal mérito é a serenidade dramática, testemunhando, sobretudo, um estado de alma – uma visão poética da guerra colonial:
É urgente libertar os meninos negros e brancos,
e dar às mães as estrelas
e as rosas de uma madrugada pura e imensa (24)
Porém, foi em 1956 que surgiu O Bolamense, sem dúvida, o jornal guineense de maior impacto cultural e literário. Nele, foram publicados muitos poemas que cantam com saudosismo os tempos difíceis em que Bolama, a velha cidade, era a capital da Guiné. Dos poemas publicados, vislumbra-se urna poética um tanto ou quanto apolíticas ou se quisermos, pitoresca e turística. Era, de resto, um jornal que pugnava pela História da Guiné – entenda-se História Colonialista –, ao mesmo tempo que procurava legitimar a colonização portuguesa ante o movimento libertário que, embrionariamente, ia dando os primeiros passos.
Conclusão
Em jeito de conclusão, gostaríamos de referir alguns aspectos deste estudo que merecem uma melhor explicação. E a primeira ideia que nos ocorre é a de que a Literatura Colonial não depende da realidade habitual e do contexto em que foi produzida uma vez que dela se separou e continua a viver depois de esta ter morrido. Isto é tanto mais verdade quanto é certo que, na obra literária, o assunto é de tal modo elaborado que não subsiste como valor puramente humano, sujeito a qualquer juízo prático. O assunto extingue-se para renascer noutra esfera. É exactamente tendo em conta este postulado que atribuímos à Literatura Colonial uma importância particular no que concerne ao seu relacionamento com a Literatura Nacional.
Com isto, não pretendemos inferir que a Literatura Nacional nasceu directamente na sequência da Colonial. Somos da opinião que, efectivamente, são duas coisas distintas, mas que se articulam por elos histórico-culturais e linguísticos. É axiomático que as motivações nortearam um e outro discurso literário em direcções opostas. Por isso, não nos parece legítimo a evocação de autores como Amílcar Cabral e Vasco Cabral – cujos alguns poemas datam da época colonial – para argumentar que a Literatura Nacional não nasceu do nada.
Ora, não esqueçamos que estes dois autores guineenses comparticiparam do espírito da Casa dos Estudantes do Império, da Negritude literária e demais inquietações a que estavam expostos os estudantes africanos em Portugal, ainda em pleno período colonial. Torna-se pois necessários (utilizando a expressão de Manuel Ferreira) separar o trigo do joio sem, todavia, esquecermos as grandes afinidades culturais entre uma e outra literatura, donde a finalidade fundamental do nosso estudo, convictos como estamos de que a História Literária só pode ser a História da Cultura Literária.
Eis chegado o momento de fecharmos esta modesta incursão pela Literatura Colonial Guineense. Ora, fazemo-lo com a consciência de que muito falta ainda para esclarecer e informar a seu respeito. Só a crítica e a estilística poderão penetrar mais profundamente o objecto de estudo em questão, pelo que aqui se regista um apelo aos especialistas na matéria. E porque aspectos positivos há a extrair da Literatura Colonial, interessa – como dizia Amílcar Cabral – aproveitar os aspectos positivos decorrentes da colonização, não só para enriquecermos a descolonização literária em curso, mas também para enquadrarmos sem complexos a componente cultural do passado que se cimentou indelevelmente na nossa cultura nacional.
E porque também no arraial de provações, de quezílias, de lutas e agravos que constitui a História Política da Guiné-Bissau, orgulhosa da sua luta de libertação, importa afastar derrotismos que de alguma forma possam gerar uma crise cultural de consciência e identidade, toma-se necessária a inclusão da Literatura Colonial no conjunto temático preferencial de estudo, a par de outros que se afiguram importantes. Isto porque, passados quinze anos do fecho do ciclo colonial, o Portugal Democrático e os novos Estados africanos de língua oficial portuguesa não são meros co-herdeiros de uma mesma tradição cultural – a colonial. São, creio bem, portadores da mesma missão que é a da construção da nação.
Leopoldo Amado
____________
OBS do Editor:
- Subtítulo da responsabilidade do Editor
- Leopoldo Amado é Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa, (Faculdade Letras de Lisboa), sob a temática Guerra Colonial da Guiné versus Luta de libertação Nacional, 1961 – 1974)
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2766: Álbum das Glórias (42): As melhores ostras de Bissau, em O Arauto, de 27 de Julho de 1967 (Benito Neves, CCAV 1484)
(**) Vd. poste de 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3878: Historiografia da presença portuguesa (18): O sítio Memória de África ® (Afonso Sousa
Vd. postes da série de:
22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5141: Historiografia da presença portuguesa (24): A Literatura Colonial Guineense (Leopoldo Amado) (I): Introdução
e
23 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5144: Historiografia da presença portuguesa (25): A Literatura colonial guineense (Leopoldo Amado) (II): A primeira tipografia em 1879
Sem comentários:
Enviar um comentário