1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2013:
Queridos amigos,
Não profetizo que Michel Té vai ser um caso sério na literatura luso-guineense, mas rendo-me à qualidade e ao inequívoco pendor lírico do que publicou na V Antologia de Poetas Lusófonos.
Constrói palavras e sentimos-lhes o sentido, a frescura. Entremeia o português e o crioulo, temos um corpo novo, um hálito primevo.
Não é um europeu com lembranças de África, é um artífice luso-guineense que não emite caligramas e ressentimentos, é um figura de duas culturas sentidas e maturadas.
É algo de novo, de respeito pelo passado, de vínculo ao chão, a trilhar novos rumos na vida.
Um abraço do
Mário
Michel Té, uma voz original na literatura luso-guineense
Beja Santos
Tem 24 anos, nasceu no Biombo e na altura em que publicou os seus poemas era aluno do curso Científico-Humanístico de Artes Visuais na Escola Secundária de Santo André. É esta a sua participação na V Antologia de Poetas Lusófonos, com prefácio de Adélio Amaro, Folheto, Edições e Design, 2013, que reúne 147 poetas oriundos de 15 países irmanados pela lusofonia, os poetas candidatam-se e quando são aceites veem os seus nomes inseridos junto de outros que se exprimem na língua de camões.
Para se avaliar da sua voz original oiçamo-lo no poema
A Tchaudade
Se há coisa na terra mais infeliz
É sentir-se a tchaudade1 de ontem
É ter na mente histórias imortais
É sentir-se o que os mortos já não sentem
É partilhar a mesma indesejada solidão incurável
É não esquecer-te de esquecer
É ter nos olhos imagens invisíveis
É ouvir vozes distantes
É desdeliciar-se dos sabores da origem
É contentar-se de descontente
É não conformar-se com o novo cheiro de tchon2
Tenho tchaudade sim tenho a tchaudade
De tchifri3 que ronca a sua maturidade
De Lua-fogo que ateia na hora de kussundé4
De bobolom5 que manifesta entre cá e o além
De penoso adeus do suludemba6
De sikó7 com os seus encantos
De murmúrio de tina
Tenho tchaudade sim tenho a tchaudade
Das intimidades das tabankas8
Das fábulas da mandjudadi9
Das canções sedutoras das mães produtoras
Das crianças que rasgam o segredo da bida10
Dos saberes enterrados na mata sagrada
Dos Omis Garandis11 afinadores do silêncio
Dos djidius12 poetas historiadores filósofos médicos cientistas
Tenho tchaudadi, tenho a tchaudadi
Até da própria tchaudadi
Ampus13
Fomi bai ku bin na ora di quêbur
(fome, a partida e a chegada na véspera da colheita)
Encharcado pelo primeiro sol de novembro na bolanha
Cansado, deprimido e faminto
Tristemente acompanhando o embelhecimento de arroz
Do Djidiu chegaram-me as 9dades de tabanka
Lá na tabanka apenas uma kabana tem tranças de fumo
As panelas da sua esposa ainda estão na arrecadação
E que os seus rebentos já não a reconhecem
Os teus pais só falam da outra bida utópica
Não tardara o astro ardente o consumiu
E de imediato parti
Ao regressar a kabana apenas uma manga na mão para as crianças
[desafomearem
A de sete meses partiu antes de engolir a polpa de manga e jamais se fala
de comida}
Todos acoitaram-se no ventre das lágrimas
Dói-me imenso ver a minha esposa a lacrimar após pagar o engano castigo
Na casa do régulo
Kora anima a chegada de um novo herdeiro.
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Notas:
1 - É uma junção de duas palavras: adeus e saudade
2 - Chão
3 - Cifre
4 - Ritos da Guiné-Bissau
5 - Instrumento tradicional da Guiné-Bissau que é tocado nas cerimónias de toca-choro
6 - Tristeza
7 - Instrumento tradicional da Guiné-Bissau
8 - Aldeias
9 - Pessoas da mesma geração
10 - Vida
11 - Velhos
12 - Contadores de histórias
13 - Enfim
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13132: Notas de leitura (590): Bubaque foi uma colónia alemã... antes da I Guerra Mundial (Luís Vaz)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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