segunda-feira, 12 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13131: Notas de leitura (589): "Os Frades Menores de Veneza na Guiné-Bissau: 50 anos de história para recordar (1955-2005)", por Fabio Longo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se de um relato inspirado na bondade e dedicação ilimitada de franciscanos italianos implantados na Guiné desde 1955. É um relato tocante, pelo que se constrói e a seguir se vê destruído, basta uma guerra civil.
Estão aqui páginas de ouro da vida missionária de uma Guiné que deploravelmente foi esquecida durante séculos, isto sem deixar o reparo de que o clima era adverso para trabalho em profundidade, que é propósito básico do missionário.
Obra rica nas ilustrações, desvela igualmente almas esplendorosas como a de Settimio Ferrazzetta, sepultado na Catedral de Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Frades Menores de Veneza na Guiné-Bissau: 50 anos de história para recordar (1955-2005)

Beja Santos

É um registo tocante, por vezes a roçar o épico, desvelam-se aqui santos, gente mais compassiva é difícil de imaginar que estes franciscanos vénetos que aportaram à Guiné Portuguesa em 1955 e aqui têm operado maravilhas em prol do desenvolvimento humano e das convicções cristãs. O autor da narrativa chama-se Fábio Longo que trabalhou a documentação recolhida pelo Padre Rino Furlato, arquivista da diocese de Bissau. O autor destaca vários objetivos para esta publicação, penso que o mais carregado de intensão é o último, onde ele escreve que pretende dar o conhecimento de como permanece intacto o ideal evangélico de S. Francisco de Assis: o amor e o cuidado dos homens mais infelizes e abandonados, os leprosos e os mais pobres entre os pobres do mundo, afinal o que fizeram os Frades Menores vénetos desde 1955 na Guiné: Padre Settimio Ferrazzetta, Frade Giuseppe Andreatt, Frade Epifanio Cardin, seguidos depois por muitos outros, religiosos, religiosas e leigos.

Começa por apresentar a Guiné-Bissau em termos geográfico-históricos, sumaria a evangelização da Guiné-Bissau que, diga-se em abono da verdade, é paupérrima e coroada de insucessos. Pela Guiné andaram franciscanos em 1973, a supressão das ordens religiosas em Portugal, em 1834, deitou por terra o esforço missionário destes frades que evangelizaram em Farim, Geba e Ziguinchor. Os missionários franciscanos portugueses regressaram em 1932, desembarcaram em Bolama e alcançaram Cacheu, logo perceberam que tudo tinha voltado à estaca zero. No seu primeiro relatório apelaram a pelo menos 20/25 sacerdotes, dada a impossibilidade dos franciscanos portugueses corresponderem ao pedido apelou-se ao Instituto Pontifício para as Missões Estrangeiras, de Milão, que aceitou enviar um primeiro grupo de sacerdotes e um irmão leigo, em 1947, data da primeira chegada de missionários não-portugueses. Nesta época já vigoram os princípios missionários combonianos (com origem em Dom Daniele Comboni): formação de catequistas, uma das bases da evangelização; seminários diocesanos e casas de noviciado, enfim, preparar no local os servidores religiosos que atuaram no local.

A chegada dos três primeiros franciscanos a bordo do Ana Mafalda, a sua preparação em Bor e depois a sua ida para a Cumura, junto à leprosaria dão conta da atividade que aqui se desenrolará, em torno de uma aldeia habitada pela etnia Papel. O que ali existia era uma aldeia com 18 palhotas, terra batida, todas sem água e sem luz, habitadas por 205 leprosos, desfigurados no rosto, corroídos na pele e na carne, mutilados nos membros, sem mãos, sem dedos, com os pés totalmente deformados, alguns com os braços e o corpo carregados de feridas nauseabundas. É nesta atmosfera de pobreza extrema e de morbilidade intensa que os franciscanos começam a sua ação. Settimio Ferrazzetta escreve em julho de 1955: “Era a primeira vez que via uma leprosaria. Esta primeira visita lançou-me um pouco o pavor na alma, não pela sensação de me encontrar defronte à terrível doença, não pelo medo de me infetar, mas pelo ambiente em que vivem estes pobres leprosos”. Lançam-se ao trabalho, assistem e medicam diariamente os doentes, procedem ao exame bacteriológico e clínico, distribuem géneros alimentícios, dão catequese. Depois começam a chegar reforços. Em 1966, é criada a Missão Católica de Cumura, chegam os donativos, são postos de pé novos pavilhões, arejados, com leitos de ferro, colchões, lençóis e redes mosquiteiras. Settimio Ferrazzetta escreve em 1970, a propósito dos leprosos convertidos: “É algo de comovente ver estes pobres infelizes rezar: o terço não desliza bem em suas mãos, porque… perderam os dedos, por isso querem terços de grãos muito grossos! Pobrezinhos! Mas numa fé profunda e vivida encontraram a resignação cristã. É muito fácil encontrar leprosos no nosso hospital que dizem: O bom Deus é para todos, eu sofro, mas Ele o sabe, amanhã me pagará os meus sofrimentos, amanhã Deus me dará as minhas mãos e os meus pés, o meu corpo será belo como o corpo dos outros, e eu viverei feliz na eternidade”.

O trabalho é insano, constroem-se casas, jardins para os filhos dos leprosos, presta-se assistência aos pobres, a guerra de 1998-1999 agravou as condições de vida dos guineenses, a ajuda das Missões intensificou-se, procuram oferecer comida, vestuário, sabão, o indispensável. Como o Estado já não pode responder às necessidades básicas, os franciscanos constroem um hospital-maternidade, abrem-se postos de socorro, a atividade assistencial alastra. O livro elenca a edificação de igrejas e capelas na Cumura, em Bor, Prábis, em Cumura-Papel. O reconhecimento das gentes é cada vez maior, são tratados como os pais. O primeiro batismo foi administrado a um adolescente em fim de vida na leprosaria, crescem as conversões, aumentam os catequistas, as escolas de Cumura ganham notoriedade até se transformarem em complexo escolar. A partir dos anos 1970, Settimio Ferrazzetta começa a enviar para Portugal e Itália alguns jovens guineenses com a finalidade de formar gente preparada para favorecer o progresso social e cultural do país. Infelizmente, poucos voltaram à Guiné-Bissau, defraudando as esperanças neles depositadas pelos missionários. A promoção social, na lógica missionária é a de “não dar um peixe sem ensinar a pescar”, assim surgem a carpintaria e a oficina mecânica.

Conta-se a infausta Missão de Bolama, encetada em 1956 e interrompida em 1962 por razões do início dos focos independentistas, os padres foram afastados. De igual modo são descritas as missões de Brá, de Nhoma, de Safim, que foram profundamente afetadas pela guerra civil. Pelo adiante são descritas com mais pormenor as missões de Quinhamel e de Blom e, por último a Missão de Caboxanque, na região de Tombali.

A narrativa desnuda-nos a alma santa de Settimio Ferrazzetta, primeiro bispo da Guiné-Bissau, sacerdote da paz e do diálogo, prosélito e evangelizador, a ele, tanto como a Cumura, ficam associadas iniciativas como os seminaristas que mandou estudar filosofia e teologia no Senegal enquanto não se construiu o seminário diocesano em Bissau, depois a construção do seminário maior e casa de formação para aspirantes a irmãs guineenses. Morre imprevistamente mal tinha regressado à Guiné, em janeiro de 1999, deixou consternada toda a Guiné, fora, nesses tempos duríssimos da guerra civil uma figura eloquente da mediação e da tentativa da resolução pacífica da contenda entre Nino Vieira e a Junta Militar. A narrativa prossegue apresentando outros frades que acompanharam Settimio Ferrazzetta desde a primeira hora aquelas que já partiram deste mundo. É dado igualmente destaque à Ordem Franciscana Secular na Guiné-Bissau, aos muitos voluntários que dão a sua generosidade ao serviço dos guineenses, merece destaque Vittorio Romano Bicego, um antigo sargento do Corpo dos Alpinos, depois empregado nos lanifícios, que se dedicou de alma e coração à construção de missões em Tite, Ingoré e Bendanda e na região de Tombali criou uma propriedade agrícola modelo chamada “São Francisco da Floresta”.

Enfim, um documento acerca da exaltação do amor de vultos excecionais que têm doado a sua vida à Guiné.
Para que conste.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13119: Notas de leitura (587): "Um Sorriso para a Democracia na Guiné-Bissau", por Onofre dos Santos (Mário Beja Santos)

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