Mendes, Manuel Patrício, e Laranjeira, Manuel Mendes (1935). Dicionário Tétum-Português. Macau: N.T. Fernandes & Filhos. (Disponível em formato digital na BNP - Biblioteca Nacional de Portugal.)
O tétum é a língua nacional e cooficial de Timor-Leste, a par do português. Não é uma língua crioula (como o cabo-verdiano, por exemplo), é uma língua austronésia com muitas palavras derivadas do português e do malaio. Em 1981, a Igreja católica adotou, corajosamente, o tétum-praça, língua franca, como língua da liturgia, em detrimento da língua indonésia. E esse facto foi relevante para o reforço da identidade cultural e nacional dos timorenses e da sua determinação para se tornarem livres e independentes.
Nós, portugueses, temos a obrigação histórica de dar o máximo apoio ao ensino e à promoção das duas línguas oficiais de Timor-Leste. E, por outro lado, temos de estar gratos aos missionários católicos que se interessaram, desde cedo, pelo ensino e divulgação das duas línguas, na época colonial.
Recordamos hoje o trabalho de dois missionários católicos, Mendes, Manuel Patrício, e Laranjeira, Manuel Mendes, "Dicionário Tétum-Português". Macau: N.T. Fernandes & Filhos, 1935.
2. Excerto do prólogo:
(...) "Em 1915, sendo eu missionário de Suro, numa das visitas do Superior, o Rev. Pe. João Lopes, àquela missão, mostrei-lhe uns apontamentos que eu tinha feito sobre o tétum.
Neles tinha catalogado e disposto alfabeticamente todas as palavras que encontrara nos livros em tétum publicados até então, e várias outras que aprendera diretamente dos indígenas. Eram um pouco menos de mil.
Acompanhava o Superior o Rev. Pe. Manuel Mendes Laranjeira, que, na sua missão de Alas, começara também a organizar um dicionário tétum-portuguès, cuja necessidade todos nós, os que dirigíamos escolas em Timor, de há muito reconhecíamos.
Por alvitre do Rev. Superior, resolvemos—o Pe. Laranjeira e eu—concluir cada um os trabalhos que começara e revê-los depois juntos, perante uma comissão de naturais das regiões onde o tétum se fala, fundindo-os numa obra só, que assim ficaria mais completa.
Foi esta a origem do presente dicionário que só hoje, uns vinte anos depois, pôde ver a luz da publicidade.
Logo que demos os trabalhos por concluídos, reunimo-nos na Missão Central de Soibada perante uma comissão formada por naturais de Dili, Viqueque, Luca, Lacluta, Barique, Samoro, Bubusspço e Alas, e demos começo à revisão que foi bem mais longa e laboriosa do que supúnhamos.
Durante mais de dois meses ali estivemos, trabalhando umas dez horas por dia, todos entregues à fatigante tarefa de corrigir palavras e significações; antes que julgássemos capaz de apresentar ao público este trabalho, onde se encontram estudadas umas oito mil palavras.
Este dicionário destina-se sobretudo às escolas de Timor, onde o ensino é ministrado em português, aos missionários e aos portugueses que trabalham naquela colónia, onde o saber tétum é uma necessidade. Mas os estudiosos dos costumes e modo de vida indígena encontrarão nele grande cópia de conhecimentos; pois a explicação do sentido de muitas palavras seria impossível sem a explicação dos costumes com que se relacionam.
Ninguém se admire dos frequentes circunlóquios e significações que parecerão à primeira vista difusas demais.
A indole do tétum é tão diferente da do português que, na maioria dos casos, tais divagações são indispensáveis para dar uma ideia do termo.
Àqueles que julgam que só é 'bom tétum' o que eles conhecem ou o que se fala nas regiões onde habitam, lembro-lhes que esta língua varia muito de região para região e que não há bases nenhumas que nos autorizem a considerar mais pura e legítima uma palavra usada num sítio do que a sua correspondente usada noutro onde também se fale tétum". (...)
3. Não sabemos se este é o primeiro dicionário de Tétum-Português, obra de missionários católicos e não de linguistas, o que também dá uma ideia das dificuldades que a administração portuguesa deste pequeno e longínquo território sempre teve de enfrentar (bem como das suas debilidades, a começar pela falta de escolas e de professores).
Sobre a "situação linguística" de Timor -Leste leia-se esta artigo, embora já muito datado (2007):
'Português, tétum ou tetuguês
A política da língua em Timor-Leste
Por Paulo Moura 7 mai. 2007 8K'
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/idioma/portugues-tetum-ou-tetugues/1178 [consultado em 27-04-2024]
4. A título de mera curiosidade, selecionamos algumas das palavras do tétum que, segundo Mendes e Laranjeira (1935), foram "importadas" do português... Hoje há muito mais vocábulos de origem portuguesa, ligados à(s) ciência(s), à tecnologia, à política, à economia, à sociologia, etc.: basta ver o sítio do Governo de Timor-Leste (em tétum, português e inglês)... A começar pela saudação: Benvindu ba portal online Governu Timor-Leste ni-nian!
Excertos do dicionário de tétum-português (Mendes e Laranjeira, 1935): de D a O
dindún, s. Corrupção da palavra portuguesa jejum.
dor, Partícula que se pospõe a alguns verbos indicando o hábito de praticar uma acção; ex. halimar dor, brincalhão; futu manu dor, jogador de galo, etc. Do sufixo português dor; (t. h.) arrastar; empurrar.
Dúan, s. pr. Corrupção do nome português João.
kintál, kintár, s. Quintal, pequena horta; do português.
lanpían, lànpo, lanbían, lànbo, s. Candeeiro, lanterna, lampião; do português.
lélan, lelàn, v. Confiscar, pôr em leilão; s. leilão; do português,
lénçu, s. Lenço; do português.
leterós, s. Cabas leterós, fio de seda, retrós; do português.
letráto, s. Retrato, fotografia; do português.
libur, libru, s. Livro; do português.
licénça, s. Licença, permissão, autorização; do portuguès.
limar, s. Lima, grosa; v. limar, desgastar com lima; do
português.
limaránça, s. Lembrança, presente ; do português.
lina, s. Linha; do português.
loirado, adj. Doirado, cor de oiro; do português.
lútu, s. Luto, o m. q. dóon; do português.
máca, v. Mancar, cansar, fraquejar (sobretudo falando de cavalos); do português.
macarau, s. Macarrão; nuu macaráu, côco de amêndoa solta e enxuta; do português.
Macau, s. pr. Macau; adj. de Macau, estrangeiro, que não é natural ou originário de Timor; sin. malae.
mácic, conj. Ainda que, apesar de, por mais que; o m. q. mdski; do português.
máis, conj. Mas, porém; do português.
maki, makin, vs. Máquina; máquina de coser; do português.
mala, s. Ró ahi-mala, mala, navio de correio; do português.
malíçan, malícen, maliçan, s. Maldição, anátema; do português.
mangaçán, s. (Dili) Mangação, troça; v. troçar, escarnecer; do português.
marac, s. Marca, sinal (nos cavalos etc.); do português.
más, mais, conj. Mas, porém; do português.
meias, s. Meias, peúgas ; qualquer tecido de malha; jaru meias, camisola de malha; do português.
méla, v. (Dili) Adoçar (com mel ou açúcar): do português.
ménos, v. Ser menos, valer menos, escassear, diminuir, começar a faltar ou rarear; oçan menos ona, o dinheiro começa a faltar; do português.
mésa, s. Mesa, banca; do português.
mestre, s. Professor, mestre; antiga dignidade entre os indígenas; do português.
missa, s. Missa, o santo sacrifício instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo; do português.
módu, adj. Bonito, belo, bom; s. o m. q. modun.
môdun, s. Maneiras, modos, acções, costumes; ema modun di'ac, pessoa de bons modos ou pessoa de bons costumes; do
português.
mór, v. (Banque Samoro) Morar, habitar; sin. tur; do português.
morador, s. Soldado indígena de 2ª linha em Timor.
mulátu, adj. Fuuc mulatu, cabelo crespo ou, ondeado, carapinha; do português.
multa, v. Multar; s. multa; do português.
muníçan ou muniçán s. Chumbo de caça (em grãos); do português.
mútin, mútic, adj. Branco, alvo; ulu-mutin, variedade de pombo de cabeça branca; malae mutin, português, europeu.
nacbára, v. Parar, amainar (a chuva etc.); do português parar.
Natal, s. Natal, dia ou festa do Natal (a 25 de Dezembro);
do português.
nauái, s. Navalha de barba; do português.
néen, adv. neg. Nem; néen ida, nem um, nenhum; do português.
nóbas, s. Nova, novidade, noticia; do português.
nôna (ai), s. Anona (árvore e fruto); do português.
númur, númir, s. Número; do português.
obedece, v. Obedecer; do português; sin. halo tuir.
obras, s. Obras (trabalhos de ourivesaria fina); do português.
obriga, v. Obrigar, coagir, forçar; do português.
obrigaçán, s. Obrigação, dever; do português.
obrigádu, adj. Obrigado, reconhecido, grato: do português.
ócul, ócur, s. Óculo, binóculo, luneta; do português,
oficial, oficiar, s. Oficial, chefe indígena nomeado oficial de 2ª. linha; do português.
ôudi, v. Odiar; o m. q. ódi, do português.
Observ. t.h. = variante do tétum falado na parte holandesa (ou neerlandesa)...
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG) (Atenção: não somos linguistas nem estamos a seguir a ortografia oficial do tétum)
(Continua)
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Nota do editor:
4 comentários:
Com a chegada dos portugueses, o tétum passou a ter novas palavras que, até, pode ser considerado uma língua crioula, por resultar da evolução do contacto entre os portugueses e o povo de Timor.
Valdemar Queiroz
DN / Lusa 15 maio 2024 às 12h51
(...) O Governo português vai criar programas de investigação, cursos e cátedras sobre tétum e crioulo, anunciou o ministro dos Negócios Estrangeiros, que defendeu "reconciliação e não ressentimento", durante o debate pedido pelo Chega sobre reparações históricas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Educação estão a "desenvolver esforços para criar nas faculdades de letras portuguesas programas de investigação, cursos e até cátedras de tétum, crioulo, línguas timorense, cabo-verdiana, guineense e são-tomense", afirmou Paulo Rangel, no final do debate de urgência sobre as declarações do Presidente da República "em relação à reparação histórica das ex-províncias ultramarinas". (...)
https://www.dn.pt/1186059869/governo-prepara-cursos-sobre-tetum-e-crioulo-e-rejeita-ressentimento-historico/
Caro Valdemar,
Com a chegada dos portugueses, não foi só o tétum que passou a ter novas palavras. Praticamente todas as línguas do sul e sudeste asiático tiveram essas novas palavras: tailandês, cingalês, vietnamita, malaio, indonésio, japonês, etc. etc. Isto é assim porque, no séc. XVI, a língua portuguesa tornou-se a língua-franca de quase todo o Oceano Índico. Era a língua que permitia que pessoas falando diferentes idiomas se entendessem entre si nas trocas comerciais ao longo da África Oriental, Arábia, Índia, Birmânia, Malásia, Japão e por aí adiante. Desde então, praticamente todos os habitantes do sul e sudeste da Ásia passaram a incorporar palavras portuguesas nas suas línguas, que adaptaram à sua própria pronúncia. Cinco séculos depois, ainda as utilizam: "escola", "sapato", "bandeira", "copo", "mesa", etc. etc.
O tétum oficial de Timor Leste é, de facto, considerado um idioma crioulo. Foi em cima do tétum original, que já ninguém fala, que se desenvolveu o tétum simplificado de hoje. Este é por vezes chamado tétum-praça ou tétum-Díli, certamente porque era uma variante do tétum nascida na praça do mercado de Díli. Veja-se, por exemplo o que diz a este respeito a Wikipedia.
Em português:
https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_t%C3%A9tum
Em mirandês:
https://mwl.wikipedia.org/wiki/Lh%C3%A9ngua_tetun
Nestas coisas linguísticas, uma das referências mais credíveis costuma ser o Ethnologue.
Timor Leste:
https://www.ethnologue.com/country/TL/
Guiné-Bissau:
https://www.ethnologue.com/country/GW/
Qualquer criança em idade escolar de um qualquer país da Ásia sabe localizar Portugal no mapa. Pode não saber localizar a Suécia ou a Bulgária, mas Portugal sabe. Para o bem e para o mal, os portugueses fazem parte da sua própria história. O Japão, por exemplo, nunca mais foi o mesmo depois da chegada dos portugueses com as suas armas de fogo; esta chegada marcou o fim do feudalismo no Japão. No Sri Lanka, milhões(!) de pessoas possuem apelidos portugueses, como Silva ou Pereira. A língua vietnamita é escrita em carateres latinos, por influência dos jesuítas portugueses. Nós podemos não saber nada sobre todos estes povos e nações, mas eles sabem sobre nós. Os portugueses não são para eles uns ilustres desconhecidos, seja no Camboja, seja em Taiwan (a que os portugueses chamaram Formosa), seja na Indonésia, seja onde for.
Obrigado caro Fernando Ribeiro por todo este ensinamento, e é caso para dizer que os portugueses de quinhentos eram os grandes comerciantes de toda aquela região da Ásia.
O que, afinal, veio dar resultados a ideia do Infante de contornar a África para fazer o comércio que era feito pelos "infiéis" via Mar Vermelho e Veneza, que perdeu importância com a queda de Constantinopla.
Embora exista uma maquete de como seria a cidade de Lisboa antes de 1755, e até várias pinturas, desenhos e descrições, mas nunca chegou a ser parecida em opulência como Veneza, que seria feita devido ao comércio da seda e especiarias
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
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