sexta-feira, 28 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25697: (In)citações (268): Desertar ou cumprir a missão ao serviço da Pátria, mesmo sabendo que o regime, irracional e anacronicamente, entendia o colonialismo como um processo moral e legal? (António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro)

Porta de Armas do Quartel da Serra do Pilar
Foto: © António Tavares, ex-Fur Mil SAM

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, (Mampatá, 1972/74), com data de 27 de Junho de 2024:

Estávamos ali reunidos em formatura na parada do quartel da Serra do Pilar, para a despedida da praxe.
Dentro de breves minutos entraríamos nos autocarros que nos deixariam no aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa. Só um camarada faltou à chamada, por ter resolvido desertar, como no decurso desse mesmo dia vim a confirmar.

Não sei o que cada um dos presentes pensou da sua atitude, sei que eu próprio me interroguei se não o deveria ter imitado. E da interrogação fui evoluindo para a certeza de que se estava a cumprir uma missão ao serviço da Pátria, essa missão era um erro do regime que irracional e anacronicamente entendia o colonialismo como um processo moral e legal.

Ao longo do cumprimento da minha missão no sul da Guiné, durante penosos 26 meses, fui compreendendo que, para além da injustiça de um povo governar outro sem prévio acordo do governado, a guerra, mesmo que fosse legítima, era cada vez mais insustentável e conduzia a um morticínio inútil de jovens de pouco mais de vinte anos e sequelas físicas e mentais em muitos outros.

O ano de 1973, quando o PAIGC passou a ter a capacidade para praticamente neutralizar a nossa Força Aérea, tornou-se decisivo para convencer os Capitães de Abril a evoluírem da sua feição corporativa para um movimento revolucionário capaz de derrubar o regime. Pena foi que não houvesse condições políticas para o fazerem antes de 1974.

Nesse mesmo dia 27 de Junho de 1972 chegámos a Bissau, para ainda na madrugada do dia 28 sermos despejados na ilha de Bolama. O resto fica por contar.

Estou muito grato aos Capitães de Abril, sobretudo por terem terminado com a guerra.

Carvalho de Mampatá

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Nota do editor

Último post da série de 24 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

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Repara, António, como a região do Forreá, que tu conheceste razoavelmente bem, se vai degradando, sobretudo a partir dos primeiros meses de 1968...O tampão fula Contabane - Aldeia Formosa desapareceu

Quando fui ao Saltinho, por volta de setembro de 1969, já não se passava para lá da ponte sobre o Corubal. Tinha um ninho de metralhadoras a defender a entrada leste da ponte...Falava -se de Contabane como um fantasma: fora evacuada em 1jul68, mas já abiaproquê...

E, pior ainda, Madina do Boé havia sido retirada em 6fev1969: o PAIGC ficou com "via verde" e "tapete vermelho" para deambular por ali e atacar o flanco sul e sudoeste da zona leste, ou seja, o "chão fula"... Foi o maior erro, em minha opinião, do coronel Hélio Felgas, comandante do Comando de Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70): ele terá influenciado a posição do Com-Chefe que, mal chegou, tratou de retirar as NT de uma série de posições críticas...

Devia-se ter transferido o aquartelamento para a margem direita do rio Corubal, construir um aquartelamento que desencorajasse a contra-penetração do PAIGC...Mas a topografia do Boé não ajudava, e a proximidade com a fronteira...

E na altura não havia população a defender... É verdade que Madina do Boé era praticamente insustentável, por causa sobretudo dos abastecimentos na época das chuvas... As colunas eram um inferno, um pesadelo...E o quartel (?) não tenha condições de segurança, estava num buraco, rodeado de pequenas colinas... De uma delas, dizem, o Amílcar Cabral via guerra, de vez em quando,... por uma "canudo", isto é, de binóculos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já agora, e a propósito da retirada de Madina do Boé, na primeira diretiva do novo Com-Chefe, a ideia era construir uma nova posição, forte, no Cheche, na margem norte do Rio Corubal...


(...) Em 08Jun é elaborada a Directiva n° 1/68 com vista à remodelação do dispositivo na região do Boé. Determina a transferência do aquartelamento de Madina do Boé para local mais adequado, na região do Cheche. Ordena a recolha imediata a Madina do Boé do Destacamento de Béli, devendo ser destruídas as instalações e material que não fosse recuperável.

No ponto n" 3 refere:

"O CTIG e o CZACVG procederão imediatamente a um reconhecimento da região do Cheche, em ordem a escolher o local do novo aquartelamento; deverá satisfazer às seguintes condições:

- Situar-se em "área-chave" da região de Cheche, que permita o lançamento de acções dinâmicas na região do Boé e na margem norte do rio Corubal, e, se possível, que dê garantias de segurança à passagem deste rio no Cheche (jangada);

- ter uma boa pista de aterragem para aviões "Dakota";

- oferecer boas condições de defesa do aquartelamento, que deve ser planeada com vistas a transformar-se numa grande base operacional. " (...)


Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 175

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mas no final do ano de 1968, as orientações já eram outras, face à promessa governanental de reforços militar a chegar ao longo de 1969:


Directiva nº 59/68, de 26Dez - Execução da manobra esquematizada na Directiva n." 58/68:

(...) - retirar as forças instaladas em Madina do Boé e Cheche, minando e armadilhando as instalações por forma a que possam ser utilizadas pelas NT em fase ulterior da manobra de contra-subversão; para o efeito, deve ser elaborado um cuidadoso plano de implantação de
minas e armadilhas, que permita o seu levantamento em data futura; (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E, por fim, a ordme foi mesmo a de retirar Madina do Boé e Cheche, entregando o ouro ao bandido:

- Operação "Mabecos Bravios" - 02 a 07Fev68 Forças da CCaç 1790, CArt 2338 (-), CCaç 2383, 2403, 2405 e 2436, CArt 2440, 1 GComb/CCaç 5, Pel Mil 161, Pel AMetr "Daimler" 1258
(_), Pel Sap do BCaç 2835, com APAR, efectuaram uma escolta no itinerário Nova Lamego - Madina do Boé - Nova Lamego, L3.

Acionada mina A/C no cruzamento de Beli, sem consequências; detetadas e destruídas 2 minas A/C entre Cheche e Canjadude. Durante a operação, Madina foi flagelada 4 vezes sem consequências.

No regresso, na travessia do rio Corubal, um acidente com a jangada que transportava
forças de segurança da retaguarda provocou a morte de 47 militares das NT (2 sargentos, 43 praças e 2 Milícias).(...)


Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 353...