(cortesia da Quetzal Editores)
(i) nasceu em Luanda em 1980 (portanto, em plena guerra civil angolana, que vai de 1975 a 2002);
(ii) imigrou para Lisboa, em 1993 (com a irmã, sendo acolhida pela avó);
(iii) frequentou o ensino secundário ao mesmo que tempo se integrava, desde os 16 anos, na cultura rap, do soul e do hip hop;
(iii) pertenceu aos grupos Backwordz, Hardcore Click e Lweji, sendo os três grupos compostos por MC femininas;
(iv) mais recentemente colaborou com o brasileiro Luca Argel no projeto Samba de Guerrilha;
(v) licenciou-se em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
(v) fez mestrado em Serviço Social pelo ISCTE-IUL.
Sinopse > Um Preto Muito Português
(...) " Telma Tvon trouxe a voz da juventude negra portuguesa para o romance. Amante de literatura, não encontrava obra que reflectisse a sua realidade. E assim nasceu Um Preto Muito Português, retratos da juventude negra dos subúrbios de Lisboa e de quem passa a vida a ser questionado: “De onde és?” (...) (Joana Gorjão Henriques, Públioc. 5 de Junho de 2018, 9:50
Último poste da série > 10 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)
Capa do livro de Telma Tvon, "Um Preto Muito Português".
Lisboa: Quetzal, 2024, 184 pp. (Série "Lígua Comum") (c. 15 €)
Sinopse > Um Preto Muito Português
João, aliás, Bidjura, como é conhecido, é filho de cabo-verdianos que vivem há muito em Portugal e neto de cabo-verdianos que nunca conheceram Portugal. Também é bisneto de holandeses que mal conheceram Portugal e de africanos que muito ouviram falar de Portugal. Vive em Lisboa, mas não é considerado alfacinha. Terminou a licenciatura na faculdade e vai trabalhar num call center, com outros negros e brancos, pobres e ricos.
Budjurra faz parte de uma minoria que, lentamente, vai sendo cada vez menos minoria. É um preto português, muito português, que, ao longo do livro e das aventuras que relata, levanta questões relativamente a temas como racismo, discriminação, estereótipos, igualdade e humanidade, mas também música, rap, identidade - numa Lisboa morena e colorida que é necessário conhecer:
«Posso dizer, sem qualquer orgulho, que sou um homem estranho. Tão estranho como a minha alma. […] E assim como os anos e meses que4 passam em redor, continuo apenas mais um preto muito português.»
Com a sua rara humanidade, Budjurra mostra-nos como se vive por dentro da invisibilidade da comunidade africana, como se lida com as narrativas falsas que a envolvem, como se sobrevive aos preconceitos e ao esquecimento. (Fonte: contracapa)
1. Não sei se vamos ter um nova grande escritora da língua portuguesa. Esta é a sua primeira incursão no romance. Nem sei se é um romance. É uma espécie de "diário de bordo" de um "pretuguês" que na sua viagem pelo seu quotidiano da Grande Lisboa se interroga sobre a sua identidade, a sua relação com os outros, a começar pela sua família, os amigos, os colegas de trabalho, as mulheres e os homens com quem se cruza na vida, e que tem de lidar com o rascismo, o preconceito, a ignorância, a estupidez, o estereótipo, a discriminação, na escola, na rua, na esquadra de polícia, na agência de emprego, no local de trabalho, na cama, na comunicação social, na política...
1. Não sei se vamos ter um nova grande escritora da língua portuguesa. Esta é a sua primeira incursão no romance. Nem sei se é um romance. É uma espécie de "diário de bordo" de um "pretuguês" que na sua viagem pelo seu quotidiano da Grande Lisboa se interroga sobre a sua identidade, a sua relação com os outros, a começar pela sua família, os amigos, os colegas de trabalho, as mulheres e os homens com quem se cruza na vida, e que tem de lidar com o rascismo, o preconceito, a ignorância, a estupidez, o estereótipo, a discriminação, na escola, na rua, na esquadra de polícia, na agência de emprego, no local de trabalho, na cama, na comunicação social, na política...
Longe de ser panfletário, é um livro que dá voz a muitos portugueses que tem raízes em África. Uma minoria até agora silenciosa, para além de alguns cantores e "rappers" de sucesso como o Gutto (nascido em Luanda em 1972, "retornado" em Portugal, com 2 anos)...
O mérito do livro, para já, é dar voz a uma juventude que nem sempre está bem na sua pele, com a sua pele, e no país onde nasceu, de pais em geral "imigrantes".
O protoganista não é sequer a autora, bem podia ser uma espécie de "alter ego". Mas teve "pudor" em escrever a sua própria história. Não, ela escreveu um livro na primeira pessoa, em discurso direto, dando voz a um homem, ao João, aliás, Badjurra, português nascido em Lisboa, filho de pais cabo-verdianos que emigraram em tempos "à procura de uma vida melhor": ele, de Santiago, ela de Santo Antão...
E que até nem vivem na... Cova da Moura, ou naqueles "bairros problemáticos", ou nos chamados "bairros sociais"...Ele, João Moreira Tavares, o irmão Carlos e a irmã Sandra, nasceram ainda no "gueto", mas já não vivem no "gueto", desde cedo foram "viver nos prédios" (sic) com uma tia da mãe, já melhor integrada socialmente...
Na cabeça de quem "imigra", também há a imagem do famoso "ascensor social" que leva os pobres das "subcaves" até pelo menos ao "1º andar", onde já se pode respirar fundo e ver a luz do sol...
No livro não dá perceber onde e quando, exatamente onde e quando, mas é na periferia de Lisboa, na "linha de Sintra", na primeira década do século XXI...
Apesar de até nem ser muito "escuro", o João, aliás Budjurra, é preto mas "muito português"... E até licenciado, com estudos superiores: licencidado em gestão ambiental, a trabalhar num "call-centre", e num segundo emprego, como muitos outros jovens...
2. Conhecia-a, à Telma Tvon, na Lourinhã, nos "Livros a Oeste", em 15/5/2024. E fiquei encantado com a sua simplicidade, graça, espontaneidade, frontalidade, inteligência emocional, capacidade de comunicação...
Afinal, ela nasceu e viveu em Angola, até aos 13 anos e tem a desenvoltura e a desinição dos/das MC ou "rappers", e sobretudo da malta nada e criada em Luanda. De resto, a dedicatória que consta do seu livro, diz muito: "Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração".
Mas vamos continuar a falar deste seu primeiro livro, onde ela resto usa (e abusa...) do "calão" falado por estes jovens portugueses: contei até agora umas boas 6 dezenas de vocábulos e expressões idiomáticas, tais como pretugueses, xaxar, bazar, estigar, bazeza, metal, metaleiro, wannabe, canucas, castanhas, latons (mulatos), brownskin, curtir bué, madie, nha kamba, sista, boelo, pula, ganda filme, beber uma jola, bater mal, desconseguir, deswligar a ficha, playa, baggy, etc.
Mekié, mana ?...
Romance, diz o editor. Diário, dário de bordo de um "pretuguês", acrescento eu. Para já citemos algumas das 49 entradas ou pequenos capítulos do livro que lá li e reli (entre parènteses, o níumero da página):
(...) Quem sou eu (9) | O Budjurra até é bacano (16) | Nem és muito escuro (18) | Tu agora chamas-te Arrastão, Budjurra (29) | No call-center, licenciado (42) | Querias tu ser cabo-verdiano, Budjurra (50) | Desmistificar o Black Power (56) | O teu amigo morreu, Budjurra (81) | Achas que sabes dançar, Budjurra ? (89) | Senhor sénior Budjurra (103) | O teu Escuro tem tanta Luz, Budjurra (127) | As tuas pequenas coisas, Mwafrika (135) | Tu não tens humor negro, Budjurra (142) | Os suspeitos do costume (145) | Voltar para onde nunca estiveste, Budjurra (160) | "Ser negro" - Gutto (172) | De Cabral a Budjurra (175). (...)
(Continua)
(Continua)
_______________
Nota do editor:
8 comentários:
A Telma Tvon (pseudónimo literário) veio para Portugal em 1993, fugida da guerra civil angolana, com a irmã, sendo acolhida pela avó... Vivia na Linha de Sintra. Em 2018 publicou o seu livro, "Um Preto Muito Português",sob a chancela da Chiado Editora. Infelizmente, o livro não teve revisão de texto, saiu com erros e gralhas, e sobretudo não apareceu nas livrarias, como é costume com os produtos da agora Chiado Books...
Felizmente a Quetzal veio dar-lhe uma nova vida, através de uma nova edição, revista e cuidada (em 2024)...com uma capa graficamente atraente. A autora, então conhecido sobretudo como "rapper", acabou por ser solicitada, mais recentemente, a falar do seu livro, a aparecer em festivais literários (como o da Lourinhã, "LIvros a Oeste) e a dar entrevistas na imprensa escrita e digital, ou a ser objeto de tema de cronistas conceituados, como por exemplo Diogo Ramada Curto (Expresso).... Eis alguns links:
https://expresso.pt/revista/culturas/2025-02-06-telma-tvon-a-nova-dartagnan-dafrica-em-lisboa-cf61846f
https://www.publico.pt/2018/06/15/culturaipsilon/noticia/telma-tvon-trouxe-a-juventude-negra-dos-suburbios-de-lisboa-para-o-romance-1833901
https://24.sapo.pt/vida/artigos/telma-tvon-todos-nao-so-os-brancos-mas-inclusive-nos-negros-fomos-educados-a-ter-medo-uns-dos-outros
Confesso a minha ignorância em relação à cultura do rap e do hip hop (nem sei bem fazer a distinção). Mas sigla MC aparece no livro da Telma Tvon... Não tive vergonha de perguntar ao Gemini IA / Google... Eis a resposta:
(...) MC é a abreviação de "Mestre de Cerimônia". Essa pessoa é responsável por apresentar e animar eventos, como festas, shows e competições. No contexto do rap e hip hop, o MC é o artista que canta as letras, geralmente com rimas e poesias, sobre um ritmo musical.
Embora os termos "MC" e "rapper" sejam frequentemente usados de forma intercambiável, eles não são exatamente sinônimos. Todo rapper é um MC, mas nem todo MC é um rapper.
Rapper: Um rapper é um artista que canta rap, um estilo musical caracterizado por rimas, poesias e batidas marcantes. Os rappers geralmente escrevem suas próprias letras e as interpretam em suas músicas.
MC: Um MC é um artista que se apresenta em eventos, animando o público e, no caso do rap, cantando letras sobre um ritmo musical. Os MCs podem ou não escrever suas próprias letras.
(...) A palavra "MC" tem suas origens nos clubes de jazz do Harlem, em Nova York, na década de 1920. Os mestres de cerimônia eram responsáveis por apresentar os artistas e manter o público entretido.
O rap surgiu na década de 1970, no Bronx, em Nova York. Os DJs começaram a isolar as partes instrumentais das músicas e os MCs começaram a rimar sobre elas.
(...) No Brasil, o termo "MC" é amplamente utilizado no contexto do rap e do hip hop. Os MCs brasileiros são conhecidos por suas letras criativas e engajadas, que abordam temas como desigualdade social, racismo e violência.(...)
https://gemini.google.com/app/4385018c68631328?hl=pt-PT
Os nossos dicionários não têm pedalada para acompanhar a vertigem da língua... Sobre a sigla MC, fico a ver navios... Já o vocábulo "rapper" está grafado no Priberam:
rapper
|répèr|
nome de dois géneros
Pessoa que compõe ou canta música rap. = RAPISTA
etimologia Origem etimológica: palavra inglesa.
Plural: rappers.
"rapper", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/rapper.
Há termos e expressões do "angolês" de rua que eu apanho (e alguns já entraram no nosso léxico):
Bazar = Fugir, ir embora.
Boelo = Ridículo, fora de moda, ultrapassado.
Bué= Muito, em grande quantidade.
Camba ou kamba (do Quimbundo) = Amigo, camarada.
Cota ou kota (do Q"uimbundo) = Pessoa mais velha.
Estigar = Ridicularizar o outro através de jocoso jogo de palavras.
Muadiê = Senhor ou patrão, na terminologia colonial; pessoa, tipo/a.
Pula = Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.
É bom que apareçam coisas em livro do grande problema de integração dos pretos portugueses no meio dos brancos portugueses, pois até aqui, o assunto tem sido apenas em jornais e 31 de boca, rádio e TV.
É que por enquanto sendo uma minoria, e sendo apenas visíveis em Lisboa e arredores, onde mais se concentram e onde haverá uma relativa integração, entre os próprios portugueses pretos, terão que ser os próprios a escrever e estudar maneira de encarar uma solução, como estará tentando esta autora.
Por curiosidade estou a ler um livro de um branco muito angolano, o livro chama-se "Desconseguiram Angola".
E tanto um autor como o outro estão bem, é cá no Puto.
Esta integração tornou-se um problema europeu, e, como diz o brasileiro : "eles são branco, s`intendi"
Cá outro termo que alguns puristas da língua vão dizer que é..."pretuguês": desconseguir... Também é usado pela luso-angolana Telma Tvon... Mas já está grafado no Priberam:
desconseguir
(des·con·se·guir)
Conjugação:irregular.
Particípio:regular.
verbo transitivo
[Angola, Moçambique] Não conseguir.
etimologia Origem etimológica: des- + conseguir.
"desconseguir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/desconseguir.
O «angolês» não será muito correto dizer, Luís, seria mais assertivo dizer Luandês,
pois Angola era Luanda, isto antigamente, e provavelmente e hoje com a aglomeração de muitos milhões na grande Luanda, para fugir a monstruosa guerra civil que se deu durante muitos anos, será igual.
E esse linguajar que caracteriza os luandenses, ( calcinhas) já Luandino Vieira e muitos anónimos brancos nascidos ou criados em Luanda, junto de crianças dos musseques, punham em prática, e até mais acentuadamente que os calcinhas, a tal maneira
luandense de se exprimirem no português, que eles já consideravam deles.
Talvez hoje com a televisão, Luanda dê o mote e se propague para o interior angolano.
Esta guerra civil que se deu em Angola transformou e misturou tribos que deve ter baralhado tudo.
Será que aqueles brancos "assimilados" de Luanda, teriam sofrido alguma descriminação racial em Angola? É que eles faziam tudo para se integrarem, alguns comiam o funge à mão, talqualmente!
"Desconseguiram Angola", do António Costa Silva...Sessão do lançamento do livro aqui:
https://www.facebook.com/UniaodasCidadesCapitaisLinguaPortuguesa/videos/597173423229536
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