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segunda-feira, 3 de março de 2025

Guiné 67/74 - P26549: In Memoriam (537): Morreu o Valdemar, o último tuga da rua de Colaride

 

Lisboa > 20 de junho de 2019 > Quatro "Lacraus", da esquerda para a direita. Renato Monteiro (1946-2021), Abílio Duarte, Valdemar Queiroz (1045-2025) e Manuel Macias, todos ex-fur mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70), mais conhecidos como "Os Lacraus".


 O Abílio já não estava com o Renato há mais de 30 anos... A pandemia de Covid-19 e os problemas de saúde (do Renato e do Valdemar, ambos vítimas da DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) não permitiram que esta sardinhada se repetisse em 2020 e muito menos em 2021, o ano da morte do Renato.

T/T Timor > Fevereiro de 1969 > CART 2479  / CART 11 (1969/70) >  Da esquerda para a direita, os fur mil Pechincha, Valdemar Queiroz   e Abílio Duarte


Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Valdemar Queiroz (1945-2025)







Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colaride > Maio de 2023> "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua"

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Da rua de Colaride via-se o mundo

Uma rua, a rua de Colaride, Agualva-Cacém,
que se tornou famosa,
há uns tempos atrás:
estava no mapa e na blogosfera,
por nela viver (mesmo só podendo assomar à janela...)
um antigo combatente da guerra da Guiné, 
um "lacrau", o Valdemar Queiroz...

Vivia sozinho em casa,
era portador de um doença crónica incapacitante
(o raio de uma DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica),
mas não perdia o gosto de viver e conviver,
e muito menos deixava de cultivar o bom humor de caserna...
Que o crioulo, esse, falava com a empregada
que lá ia a casa fazer a cachupa, a bianda,
e em dias de festa o chabéu de frango...
"Bioxene ? Não, camarada, estou proibido dos médicos.
Agora só água da bolanha!"...

Da sua janela via o mundo... da sua rua.
Era um dos mais antigos moradores da rua Colaride,
que estava então mais bonita do que em 1972/73,
quando um andar do Jota Pimenta
custava 200 contos
(c. 56 mil / 49 mil euros, a preços de hoje...).

Quando o Valdemar Queiroz se casou
e se mudou para Agualva-Cacém, há 50 anos,
a Rua Colaride não era tão bonita
e sobretudo era muito menos "colarida"...
Agora floriam nespereiras e jacarandás nos canteiros.

No país não havia mais do 28 mil estrangeiros
com estatuto legal de residentes...
Há dois anos já eram  mais de 750 mil,
segundo o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)
que entretanto foi extinto,
mas continuou a haver estrangeiros e fronteiras.

Na Rua de Colaride, havia mais gente oriunda de outras terras,
Cabo Verde, Guiné, Angola, por exemplo,
três antigas colónias portuguesas,
que se haviam tornado independentes em 1974 e 1975...
Muitos vizinhos já teriam a nacionalidade portuguesa,
outros bem a queriam ter,
para não terem um dia destes a desagradável surpresa
de virem a ser corridos da rua de Colaride...
Que era maneirinha, pacata, multicolarida...

As fotos que o Valdemar ia tirando à varanda,
com um telemóvel fatela,
não nos diziam tudo, mas diziam algumas coisas,
dele, dos vizinhos, dos fregueses, dos transeuntes...
Bem, não se via o mundo todo,
via-se só uma nesga, o que era melhor que nada.

E sobretudo deram origem a umas tantas blogarias.
O Valdemar gostava de blogar,
dizia ele que até fazia bem à saúde,
que até se esquecia que estava agarrado à "bomba".

Às vezes, demasiadas vezes, lá sobrevinha uma crise.
Lá vinha o tinonim
e lá ia ele de charola para o hospital
"Parece que me safei desta, camaradas!"

Da última vez, no dia 1, há 2 dias,
escereveu, no blogue, a partir do telemóvel fatela:
"Caro amigo Vinhal... 
Eu estou de cama
sem poder deslocar-me em casa 
por estar ligado a uma máscara de oxigénio.
É uma merda estar nestas condições da doença, 
e magro, como um cão, só pele e osso.
Neste mês vou ao hospital, consegui !!!, com os bombeiros,
para ser visto o pacemaker.
Obrigado pelo teu cuidado, ´
abraço e saúde da boa. 
Valdemar Queiroz".

Morreu o Valdemar, 
o último tuga da rua de Colaride.
"Desta vez não me safei, camaradas,
mas já tinha pedido ao meu filho, que está na Holanda,
para vos avisar, quando a pilha falhasse.
Não se esqueçam de mim,
eu não vos esquecerei".

Minhoto de nascimento, 
alfacinha por criação, 
avô de netos holandeses, aliás, neerlandeses...
Uma história de grande humanidade, 
um exemplo (tocante) para todos nós,
antigos combatentes, 
que somos representantes de uma "espécie" 
em vias de extinção...

Luís Graça

3 de março de 2025,22:00

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26548: In Memoriam (536): Valdemar Queiroz (1945-2025), ex-Fur Mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca e Guiro Iero Bocari, 1969/70)

4 comentários:

Anónimo disse...

Luis boa poesia de despedida, nem todos têm essa facilidade.
O Valdemar merecia continuar com nós, vai fazer muita falta os seus comentários diários, e não só.
Deus achou que não valia mais sofrer, isto não é vida para ninguém e assim o chamou, ficando então à nossa espera no além!


VT/

Antonio Graça de Abreu disse...

O Valdemar Queirós era um Senhor, um Grande Senhor, um excepcional Camarada do nosso caminhar pela Guiné. Perdê-lo empobrece muito as nossas vidas e este blogue. Assim é, em breve, o destino de todos nós, a viagem para o nada ou para Deus que nos espera, Que o Valdemar descanse em paz.
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Virgilio Teixeira (by email)
segunda, 3/03(2025, 21:25

Para o José da Silva, filho do Valdemar



Meu caro José da Silva

Como já disse e os restantes membros conhecedores do triste epilogo na morte de seu pai, é difícil encontrar palavras para definir o nosso espirito e alma, uma vez que pelo menos para mim, " toda a morte é uma tragédia".
Todos nós da nossa idade já perderam a totalidade ou parte dos seus entes queridos,
O seu pai foi um Homem de combate, e morreu a combater a morte.
Já escrevi o que devia, e acho que eu estava a escrever um e-mail entre as 9h e 10h,
quando o Valdemar se estava a despedir da gente!
premonição?
Eu acredito.
De qualquer modo e na sua pessoa, faça chegar os meus sentidos pêsames, não só a si como filho bem como a toda a restante familia, pelo acontecimento normal da vida, que tentamos retardar, mas nem sempre conseguimos.
Paz à sua alma

Virgilio Teixeira

Antº Rosinha disse...

A sua presença assídua era de alguém com muita vontade de viver.
Paz para o Valdemar.