Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Viegas", "filho do vento" e "mascote da companhia"... Cresceu, casou, teve duas filhas, vivia em Bissau, morreu por volta de 2009, com cerca de 45 anos... Em miúdo, em 1967/68, vivia em Guileje praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele... Dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai.
Foto (e legenda): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Quantos filhos, de mulheres angolanas, guineenses e moçambicanos, e de soldados portugueses, "ficaram para trás" ? É uma pergunta dolorosa, mas tem que ser feita... Ou noutros termos: quantos "filhos de tuga" ficaram sem pai ?
Com toda a certeza, ou com base na lei das probabilidades, os 30 % de militares que integraram o "exército colonial", os guineenses, os angolanos e os moçambicanos , também espalharam alegremente o seu ADN por aquelas terras. Muitas das relações com mulheres locais, mesmo consentidas ( o que provavelmente terá sido o caso, mesmo que "assimétricas", do ponto de vista do poder) eram desprotegidas... Ainda não havia o HIV / SIDA e pensava-se que a "bala mágica", a penicilina, curava tudo (as doenças sexualmente transmissíveis).
Não gosto da expressão "filhos de tuga"... Nem muito menos da expressão profundamente cruel, desumana, racista, usada pelo PAIGC, "restos de tuga"...
Também não gosto da expressão "filhos do vento", da autoria do meu amigo e camarada José Saúde...
Vejamos: Portugal mobilizou cerca de 800 mil homens para os teatros de operações da guerra colonial. Mas desses 30% eram soldados do recrutamento local, que também deixaram filhos nos sítios por onde passaram... Todos eles, brancos e negros, tinham capacidade de procriar...
Sendo africanos, mas deslocados, os eventuais filhos dos nossos camaradas oriundos de Angola, Guiné e Moçambique também seriam "mestiços" (termo genérico e mais "neutro" para designar pessoas com ascendência de duas ou mais etnias diferentes) ...
Mas não teriam, tal como os filhos de portugueses da metrópole, traços do fenótipo caucasiano... Logo, seriam mais fáceis de passar "despercebidos" nas suas comunidades... E não seriam tão facilmente vítimas de discriminação, perseguição e "bullying", com base na "cor da pele", tal como os "filhos de tuga"...
Enfim, é bom não esquecer esta realidade, complexa e sensível, da mestiçagem (filhos de um branco e de uma negra, filhos de negros de diferentes territórios e etnias, filhos de brancos e de mestiços filhos de mestiços e mestiços)...que vem complicar as nossas contas, a nossa abordagem do problema e sobretudo a procura de soluções para este "drama social" criado pela guerra...
Mas também serve para "desmistificar" muita coisa... Há filhos da guerra de pais portugueses, cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos, goeses, macaenses, timorenses...
Por que razão é que falamos "apenas" dos "fidju di tuga" ?
Os americanos também tiveram esse problema... Chamaram a esses filhos bastardos da guerra "amerasians", amerasianos, "G.I. Babies" e outros "mimos", filhos de soldados americanos, brancos e agro-americanos, e de mulheres vietnamitas, mas também cambojanas, laocianas, coreanas, tailandesas... Parte desses soldados eram de origem afro-americana (sobrerrepresentados no seio dos G.I., a "tropa-macaca" norte-americana) ... Os seus filhos teriam um fenótipo diferente...
Cabo Verde, que não conheceu a guerra, também deu homens para a guerra. Tal como Macau. E provavelmente São Tomé e Príncipe. Sem esquecer Goa, Damão e Diu, que só foi ocupada pela Índia, em finais de 1961.
Cabo Verde, que não conheceu a guerra, também deu homens para a guerra. Tal como Macau. E provavelmente São Tomé e Príncipe. Sem esquecer Goa, Damão e Diu, que só foi ocupada pela Índia, em finais de 1961.
E os cubanos que fizeram a a guerra da Guiné ? E combateram, a partir de 1975, em Angola ? E os "combatentes da liberdade da Pátria" ? Enfim, os " filhos de Amílcar Cabral"... são restos de quê...? A pergunta não ofende...Todos tinham, afinal, uma moral, "revolucionária", uns , "reacionária", outros...
2. Em Portugal (mas também em Angola, Guiné e Moçambique) nunca saberemos responder à questão: " Quantos foram, ou ainda são, os filhos dos militares portugueses, metropolitanos e do recrutamento local, que ficaram para trás ?"...
Catarina Gomes, que tem feito jornalismo de investigação nesta área (tem livros e um documentário, a passar na RTP, "Filhos de Tuga"), diz que não sabe: fala numas centenas, que podem ser uns milhares...
Catarina Gomes, que tem feito jornalismo de investigação nesta área (tem livros e um documentário, a passar na RTP, "Filhos de Tuga"), diz que não sabe: fala numas centenas, que podem ser uns milhares...
A associação guineense "Fidju di Tuga" tem 50 membros.
A Embaixada Portuguesa em Bissau nunca fez, ao que saibamos, nenhum levantamento de pessoas (hoje na casa dos 50/60 anos) com eventual origem portuguesa, filhos de militares portugueses, que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974... Tem nunca saberemos os que já morreram, como o Dauda, ou foram vítimas de infanticídio.
Acho que temos que voltar à "guerra do Vietname", revisitar o drama dos "children of the dust", os "amerasians", cujo númeo se estima em 25 mil / 50 mil...
(Continua)
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Nota do editor LG. :
Último poste da série > 10 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27000: S(C)em Comentários (74): o telegrama fatal: (...) Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho (...) ocorrido dia (...) Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências" (...)
6 comentários:
Quem nunca se desfez da sua mulher branca e a mandou para a metrópole, foi o Presidente do MPLA, Agostinho Neto. Também o seu segundo, Lúcio Lara, manteve sempre a sua alemã.
Resistiram à demagogia, ao contrário de outros.
Macaenses ?!... Sim, também os havia na Guiné, integrados na nossa tropa... Afinal, eram portugueses como eu... Encontrei um, em Bambadinca, que adorava comer "bebés" de macaco-cão, grelhados na brasa...Não os deixava para o "jagudi"...Quem somos, afinal, para julgar os outros ?!...
... Naturalmente, se feridos ou acabados de morrer. Os bebés.
Eu sei e a maior parte de nós também sabe, que o racismo não é só do denominado branco para o negro, mas também e com a mesma alarve convicção
de negro ou mais escuro para o denominado branco.
Puta que pariu os racistas
Abraço
Eduardo Estrela
O racismo existe, sempre existiu e começa no etnocentrismo: eu sou eu, os meus, a minha cultura, a minha pátria, a minha língua...Vejo o mundo através do meu amigo...
Há povos mais etnocêntricos, fechados, e imperiais, e como tal "preconceituosos"... Há outros, mais "abertos", talvez por necessidade... O português, encurralado entre o Atlântico e Castela, teve que se fazer à vida e dar a volta ao mundo... Como eram poucos, os portugueses tiveram a "humildade" de reconhecer que precisavam dos outros, negociar,fazer alianças, etc...
Todos precisamos uns dos outros... Mas relações de demasiada dependência não ajudam... Veja-se historicamente a nossa relação com os ingleses, sobretudo do séc. XVIII/XIX para cá...
Na minha opinião, racismo nasce não só de relações de poder demasiado assimétricas, como também do medo, do desconhecimento, da ignorânica, da arrogância e, claro, da estupidez...Mas também do desconforto, da competição, do conflito, da luta por recursos escassos (como alimentos, água, território, etc.)...O racismo é uma coisa muito animal, mas também algo de ecológico: a perceção de que o "outro" está a invadir o meu espaço...
Bolas, somos todos primatas, predadores, territoriais e sociais...Todos os animais são territoriais...Não basta exorcizar o racismo, é preciso compreender a sua etiologia, processo, construção, sintomas, consequências... E sobretudo saber encontrar soluções. Como saber fazer o diagnóstico, e depois saber preveni-lo e combatê-lo...
O número de bebés sem nome de pai nos resgistos de nascimento também é alto em Portugal, não obstante a legislação existente não permitir o registo de crianças com "pai incógnito" desde 1977. Sempre que o nome do pai não consta na certidão de nascimento, o Ministério Público é obrigado a instaurar um processo de averiguação da paternidade. Mesmo assim há também centenas de casos de "filhos do vento":
2020 519 | 2021 820 | 2022 730
Razões:
(i) falta de informação ou recusa da mãe (não sabe quem é o pai, relações ocasionais, alcoolismo, ou situações de violência, etc.; ou não quer identificá-lo);
(ii) progenitor não quer assumir a paternidade (por estar casado ou outras sitruações como famílias homossexuais, procriação medicamente assistida, etc.);
.(iii) outros fatores sociais e comportamentais (aumento das relacões ocasionais, recurso de mulheres à procriação medicamente assistida, famílias monoparentais e reconstituídas, etc.);
(iv) quadro legal e institucional (não encontrando o progenitor, apesar dos testes de ADN ebtrevista à mãe, investigação, etc.,) o Ministério Público arquivo o caso;
(v) procriação medicamente assististida e "barrigas de aluguer" (ou gestação de substituição): também não se regista o nome da doadora neste caso, mas são raros os casos de registo sem nome da mãe.
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