Cascais _ Praia do Guincho > Restaurante Muchaxo> c. finaisw dos anos 50 > Foto da página do Facebook da Real Vila de Cascais (com a devida vénia...)
Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)
1. Estamos a ler este livrinho, de 184 pp., edição de autor (2ª ed. revista e aumentada), e que foi expressamente publicado para comemorar, em 2/8/2024, os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74).
Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, que também fez a revisão/fixação de texto, e é amigo do autor.
Conheceram-se na Guiné, o Luís e o Joaquim. Já pedi ao Pinto Carvalho para o convidar a integrar as nossas "fileiras" (*).
O Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente sempre esteve ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais: Muchaxo (Guincho), Casa Tirano (Alcabideche), Boca do Inferno (Cascais), Veleiro (Carcavelos), até criar o seu próprio negócio, o conhecido café Pão de Lis, Rua de Alvide, 89, Fontaínhas, Cascais.
Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em agosto de 1974.
Além de enfermeiro, este "Có Boy" também foi "barman" e depois professor no Posto Escolar Militar nº 20, em Có.
São estas "peripécias" da sua vida que ele nos conta. Mas este livro é apenas um capítulo da autobiografia que está a escrever. Há anos. E que um dia há de ser publicada.
Para já devemos estar-lhe gratos pela partilha, em livro (ISBN 978-989 -33.7982-0), das suas memórias deste período da sua vida, que coincide também com a de muitos de nós.
Nesta segunda nota de leitura (*), vamos acompanhar o autor desde a sua entrada para a tropa e início da recruta, em outubro de 1971, até à partida para o CTIG, em setembro de 1972, 11 meses depois. Corresponde às páginas de 7 a 45;
- Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria (pp. 7/18)
- Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
- Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
- Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG (pp. 34/45)
O Luís fez a recruta no RI7, em Leiria. Era natural a sua ansiedade antes de entrar para aquela sua "nova vida". Todos passámos por isso. Mas, para ele, não era totalmente estranha. Três irmãos já tinham ido á tropa (e depois ao "ultramar"), com tudo o que isso representava, em termos de sacrifícios, nomeadamente para uma família pobre. Um esteve na Guiné, e outros dois em Angola. (Em famílias numerosas, não era assim tão incomum haver 3, 4, ou até 5 e 6 filhos chamados para a tropa e mobilizados para um guerra que se arrastou de 1961 a 1974; a família Magra é o exemplo mais conhecido.)
Mais de 50 anos depois é notável a forma como ele reconstitui com pormenor, rigor e espírito crítico, esses onze meses de preparação para a guerra no ultramar.
Nunca lhe passou pela cabeça ser refratário (e muito menos desertor). Mas aponta o dedo ao regime de então que obrigou toda uma geração a um tremendo sacrifício, sem contrapartidas:
"Só em ditadura se aceita a obrigatoriedade de cumprir, em média, três anos de serviço militar obrigatório, nas condições em que os mancebos o faziam" (pág. 13)...
(...) "Não tinha vontade de vestir a farda, de me sujeitar aos maus-tratos, injustificados, de pessoas mal preparadas para comandar e dar ordens " (pág. 7).
No entanto, "a (minha)obrigação para com o meu país era superior a toda essa grande mágoa" (pág. 8).
Sabia, apesar de crítico em relação à ditadura que rejeitava, que "teria de ir à guerra (...) para poder viver em paz" (pág. 10). E, tal como acontecera aos seus três irmãos, tinha a certeza íntima que voltaria com vida e saúde.
Claro que havia a "cunha"... O factor C era, já era, sempre fora, uma "instituição" neste pequeno país clientelar.
E, pior, em ditadura: "Os ditadores também amigos" (pág.8), falsos ou verdadeiros: "Há quem os aprecie por conveniência, e quem os aplauda por ignorância" (...). Nunca fora tão verdadeiro o provérbio popular: "quem não tem padrinho morre novo" (pág. 8).
E a propósito, há uma história deliciosa (e edificante) do autor quando se foi despedir dos antigos colegas do Restaurante-Estalagem Muchaxo, na famosa Praia do Guincho, Cascais (hoje Estalagem Muchaxo Hotel, e cuja história remonta a 1944) (**)
(...) Neste interim (...), sou abordado pelo senhor António Miguel Muchaxo ("o Pai Muchaxo" (...), que foi meu patrão, pai dos senhores Tony e Miguel Muchaxo;
− Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ? − perguntou-me o senhor António Muchaxo.
Fiquei estupefacto com a pergunta que pressupus ser uma proposta de salvação da ida para a guerra, Não sei se o mesmo já houvera feito semelhante proposta aos colegas que me antecederam nas mobilizações anteriores (...).
Se a mesma pergunta me tivesse sido formulada por qualquer outra pessoa que não o 'Senhor Muchaxo, pessoa que duas, três ou quatro vezes por semana recebia, na qualidade de anfitrião, o presidente da república e era também muito próximo dos presidentes do conselho de ministros e de todos os ministros e outros que tais, eu diria logo que não queria ir para a Guiné, mas que gostaria de terminar o meu serviço militar obrigatório, preferencialmente em Cascais.
Não fui capaz de responder, nesse momento" (...) (pág. 30).
E porquê ? O Luís ficou prisioneiro de um dilema moral: por um lado, era um dos funcionários da casa mais críticos (o que "mais ousava questionar os patrões"), mas também era um dos que vestia a camisola, e defendia aquela casa, considerando-a também sua "casa" (...) "onde morava, trabalhava, estudava" e onde passara alguns dos melhores tempos da sua juventude, "por escolha própria e por deferência do 'patrão' Tony Muchaxo".
(...) "Não demorei muito tempo a responder ao 'sr. Muchaxo'. Na verdade, eu não tinha nenhum interesse em ir para a guerra da Guiné. (...) Contudo, a dívida de que ficaria suspenso todo o meu futuro, era um hipoteca que jamais conseguiria resgatar. Não sou ingrato nem cuspo no prato onde comi!" (...) (pág. 31).
Ou seja, ao aceitar a cunha do sr. Muchaxo, ele tinha consciência de que nunca não voltaria a ser o mesmo "Beatle"... Havia aqui uma questão de dignidade e de coerência.
E lembra situações que ocorreram na época: gente com dinheiro que pagava a outros para irem por eles para o ultramar, a troco de pequenas fortunas...
Mas voltemos atrás, ao RI 7, Leiria. Ao Luís, trabalhador-estudante, faltavam-lhe três disciplinas para concluir o segundo ciclo dos liceus que lhe daria acesso ao CMS (Curso de Sargentos Milicianos). Tinha esperança de que em 1500 recrutas, ele acabasse por ser "repescado" para o CSM. Parece que havia 350 "vagas" (menos de 1/4).
A sua "primeira grande desilusão" da vida militar foi quando, em formatura, na parada, ouviu os nomes dos "sortudos" selecionados para frequentar o CSM. O seu nome não constava. Dos seus amigos, os que entraram todos tiveram "cunha".
(...) "Recolhi às escadas de acesso ao 1º andar onde se encontrava a minha camarata e chorei muito, para dentro de mim" (pp, 14/15).
Acabou por ir tirar a especialidade de enfermeiro, em janeiro de 1972, no Regimento de Serviços de Saúde (RSS), em Coimbra (pp. 18/27), passar pelo HM Principal (pp. 27/34), antes de ir formar batalhão em Penafiel (pp. 34/45).
As suas observações críticas sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura àparte.
Continua)
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A empresa proprietária é Muchaxo & Filhos, Lda, fundada em setembro de 1944.
Em maio de 1945, foi inaugurado um pequeno restaurante/bar de praia chamado “A Barraca”, sobre a praia do Guincho, uma estrutura simples, de madeira, sem água corrente nem eletricidade, inicialmente em chão de areia.
Com o crescimento do estabelecimento e da reputação, o empreendimento foi ampliado. O pai do "Tony", o António Muchaxo (1900-1984) comprou uma fortaleza do século XVII (a Bateria da Galé) e construiu sobre ela o restaurante-estalagem. Manteve as muralhas.
Em 1964 foi feita a inauguração formal da Estalagem Muchaxo, com 17 quartos, restaurante e bar. Presença, obrigatória, a do Presidente da República, o alm Américo Tomás, que foi cortar a fita.
Mais tarde, ao longo das décadas seguintes, o espaço foi sendo ampliado (nos anos 1990, por exemplo) para chegar aos mais de 60 quartos que tem hoje. Em 2011, passou a designar-se oficialmente Estalagem Muchaxo Hotel, com categoria de 4 estrelas, hoje "um ícone do turismo nacional".
O Muchaxo tornou-se, especialmente nas décadas de 50, 60 e 70, um ponto de encontro da elite portuguesa, incluindo membros do regime do Estado Novo, diplomatas, aristocracia exilada, personalidades do cinema, reis e chefes de Estado estrangeiros. Por exemplo, foi lá que se realizou o jantar de noivado de Juan Carlos da Espanha com a infanta Sofia da Grécia em 1962. Também foi lá realizada a boda do casamento do antigo presidente da República António Ramalho Eanes com a dra Maria Manuela Eanes.
"Tony" Muchacho, que fez tropa em Mafra, em meados dos anos cinquenta, é formado em economia e tem amigos em todo o mundo, é considerado um "embaixador de Portugal".
Cascais > Estrada do Guincho > Restaurante Oitavos > 20 de novembro de 2014 > XVII Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o almoço (antecipado) de Natal. Reuniu 55 convivas, o dobro do habitual naquele tempo. Sem publicidade, sem alardes. O pestisco foi o consagrado e aclamado arroz de marisco da casa (Restaurante e Casa de Chá, "Oitavos").
A Tabanca da Linha reunia-se nesta altura neste restaurante (e casa de chá), na Guia, estrada do Guincho, que pertencia (e pertence) à empresa Muchaxo e Filhos, Lda, dona do Restaurante-Estalagem Muchaxo.
O nosso saudoso Jorge Rosales, régulo da Tabanca da inha e figura muito popular em Cascais / Estoril, era amigo do "Tony" Muchacho. As duas famílias, os Rosales e os Muchaxos, eram de origem galega, segundo creio (a do Rosales, de Pontevedra).
2 comentários:
Se calhar naquele tempo valia mais uma cunha de um hoteleiro do que de um general.
Restaurante Oitavos: o sítio era encantador, rodeado de verde, de mar e de chuva... Ainda me lembro-me do almoço de 20/11/2014 (!), o nosso almoço "antecipado de Natal"... E a propósito, desta foto que aparece no poste, com "a magnífica mariscada", não é preciso recordar, aos mais assíduos dos magníficos, que, durante uns tempos, foi um dos "ex-libris" ou ícones do serviço de "catering" da Tabanca da Linha"...
Nesta altura, o Luís da Cruz Ferreira ainda chegou a aparecer nestes convívios, no Restaurante Oitavos.No livro há u,ma fonte dele com o falecido da Marcelino da Mata (conheceram-se em Có). A foto é de 2015.
(...) "O segredo estava bem guardado, dizia o 'régulo' da tabanca, o Jorge Rosales (1939-2019), quando a gente lhe perguntava quem eram o fornecedor e o cozinheiro da mariscada... O Manuel Resende, na época, era apenas o "fotógrafo privativo" da Tabanca da Linha... A morte do 'régulo' Jorge Rosales (em 2019) e do seu 'secretário' José Manuel Matos Dinis (em 2021) foi um duro golpe para os 'mangníficos'..."
Acaba de me confirmar o Manuel Resende que o Tony" Muchaxo (n. 1930) e o Jorge Rosales (1939-2019) eram amigos, e ambos de origem galega. Os antepassados do Jorge eram de Pontevedra.
Ainda antes da pandemia, creio, a Tabanca mudou de poiso, passando a instalar-se no Restaurante Caravela d'Ouro, em Algés... A mudança foi devida apenas ao "patacão"...
O Manuel Resende tem sido, desde então, um digno sucessor do Rosales e do Diniz!... E nestas "autárquicas" o povo "magnífico" vai manter a confiança dele...
E vamos ter encontro da Magnífica Tabanca da Linha no próximo dia 23 deste mês. Apontem na agenda. E inscrevam-se.
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