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quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26053: Timor Leste: Passado e presente (25): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo IV: a situação sanitária em 1944: "um presente desolador e um futuro sombrio"...


Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Série 6 > Ação Civilizadora e Colonizadora > Vila Salazar (Baucau)


Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Série 3 > Trajos, ornamentos, pertences e armas > Foto 16890 > Chefes tradicionais e suas esposas (e um labáric, criança em tétum):  Dom Aleixo, régulo de Ainaro, António Magno, chefes e suas mulheres. D. António Magno, de Ainaro, é o terceiro a contar da esquerda, na primeira fila dos homens.


Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Série 3 >  Trajos, ornamentos, pertences e armas > Foto 16890 > Talvez o liurai Carlos Borromeu Duarte, de Alas



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Estimativa da população: 472,2 mil

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)


1. José dos Santos Carvalho (de quem não conhecemos nem temos uma única foto) foi médico de saúde pública, no território português de Timor, ao tempo da ocupação estrangeira da ilha (primeiro, da parte dos australianos e holandeses, e, depois,  dos japoneses).  

Exerceu as funções de chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane,nas imediações de Díli,  desde meados de 1943. Deva ter uma dupla formação em medicina tropical e saúde pública (ou medicina preventiva, como se dizia nesse tempo).

Fora colocado, em  meados de 1940, em Timor como médico de 2ª classe, do "quadro comum colonial".  Devido à guerra, levou alguns meses a chegar ao território (seguindo pela rota do Cabo). Desembarcou em Díli nas vésperas do ano novo de 1943.

O livro que escreveu sobre Timor durante a ocupação japonesa,  baseia-se nas suas vivências,  recordações e registos  pessoais bem como nas memórias de outros portugueses, seus companheiros de infortúnio. 

Em anexo, o autor publica também os relatórios anuais do serviço de saúde relativos a 1943, 1944 e 1945  (pp. 142-194), que têm algum interesse documental para  a historiografia da presença portuguesa em Timor.  

Um produto da Bayer,
antes da "bala mágica". Fonte: cortesia de 
Museu da Farmácia de Brixen (ou Bressanone),
Itália

Igualmente são interessantes para a história  da medicina tropical e para se conhecer o limitado e obsoleto  arsenal terapêutico da época bem como as causas da morbimortalidade nas colónias  

Havia produtos, por exemplo, como o calomelano (ou cloreto mercuroso) que era  
usado como purgante e fungicida, hoje descartado devido à sua toxicidade; ou o neosalvarsan (que veio substituir nos anos 10/20 do século passado o altamente tóxico salvarsan),  usado no tratamento da sífilis, antes do aparecimento da penicilina (a "bala-mágica", já disponível na farmacopeia ocidental desde 1941, mas completamente desconhecida em Timor nessa época; de resto, o farmacêutico, o   capitão miliciano Mário Artur Borges de Oliveira, foi o primeiro a desaparecer, tendo-se refugiado na Austrália). 

Antes da guerra, a farmácia era reabastecida semestralmente, com produtos oriundos da Metrópole...

O dr. José  dos Santos Carvalho nunca deixou de elaborar esses relatórios,  apesar das dramáticas circunstâncias em que teve de exercer as suas funções de médico e  chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene. 

Não sabemos se chegaram, na altura, ao conhecimento de quem de direito, para além  do governador da colónia (que, na prática, esteve, durante os três  anos de ocupação, na situação de refém dos japoneses e sem possibilidades de comunicação com Lisboa).

O livro, de 208 pp.,  ilustrado com algumas fotografias, terá sido  escrito, em 1970, quando passavam  já 25 anos sobre o fim da ocupação japonesa do território de Timor e a libertação dos prisioneiros portugueses, timorenses e outros. Foi composto e impresso na Gráfica Lamego e publicado pela Livraria Portugal, 1972, editora que já não existe. 

O livro e o autor merecem, contudo,  não ser esquecidos. 

Imagem à direita: Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp. , il... Livro raro, só possível de encontrar em alfarrabistas, ou então no Internet Archive, em formato digital; está registado na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, podendo ser encontrado na Biblioteca Nacional de Portugal e no Instituto Científico de Investigação Tropical.

Sobre a situação da saúde da população nessa época e naquele território, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços de saúde naquela longínqua colónia portuguesa do sudeste da Ásia, continuamos a 
reproduzir aqui alguns excertos e apontamentos. 

A sua leitura ajuda-nos a perceber até que ponto a saúde das populações e os serviços de saúde são tão  vulneráveis em situações-limite como a guerra com todo o seu cortejo de horrores e privações.


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Anexo IV:  Relatório dos Serviços de Saúde 
(Ano de 1944) (pp. 156-169)


(i) "Não houve epidemias nem se registaram casos 
de doenças eminentemente contagiosas."...  
A afirmação consta do relatório dos serviços de saúde de Timor, 
respeitante ao ano de 1944, e é subscrita pelo dr. José dos Santos Carvalho, chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene... 

Como se a guerra, a ocupação japonesa, a guerrilha e a contraguerrilha, o terror das "colunas negras", o isolamento total dos portugueses e dos timorenses, a fome, as deslocações, etc.,  não tivessem sido em si uma verdadeira calamidade...


(ii) de tempos a tempos, o cônsul do Japão serve de intermediário 
com as tropas ocupantes e, inclusive, consegue dispensar algum material médico-hospitalar ao dr. José dos Santos Carvalho.

(iii) recorre-se também aos médicos militares japoneses 
em casos em que um doente necessita de  uma grande cirurgia;

(iv) estranhamente há poucas referências à saúde da população local 
(que no princípio dos anos 40 seria superior a 400 mil): 
espalhada pelas montanhas,  não parece afluir aos serviços de saúde 
em Lahane e Liquiçá,  sobretudo por razões de segurança 
(medo dos bombardeamentos dos Aliados,  
e das represálias dos nipónicos); 
por essa razão, e devido também 
ao confinamento do próprio médico,
há um evidente enviesamento nestes relatórios, 
onde se fala sobretudo da saúde 
da pequena comunidade portuguesa e dos assimilados 
(cerca de 160 pessoas);

(v) os profissionais de saúde (com apenas 2 médicos) 
estão reduzidos ao mínimo (18, de um quadro original de 52, 
dos quais restavam 34 em 1943).

(...) Estado sanitário da população 

(...) Não houve epidemias nem se registaram casos de doenças eminentemente contagiosas. O sezonismo [paludismo ou malária], endemia que reina em Timor, mostrou-se em inúmeros casos, a que, felizmente, pudemos atalhar por termos recebido quinino. Não nos foi possível, porém, distribuí-lo com fins profiláticos, como seria conveniente. 

Muitos portugueses não têm rede mosquiteira nas camas, as aberturas das casas não são protegidas com redes metálicas e é impossível fazer-se uma campanha antimosquito. Por isso a estatística mostra muitíssimos casos de sezonismo, felizmente benigno, com exceção de dois casos de sezonismo pernicioso cerebral, um em Lahane, numa menina de quatro anos, que felizmente se salvou, e outro em Liquiçá, numa rapariga de quinze anos, filha de pai europeu, que faleceu com um acesso pernicioso epileptiforme.

 A febre biliosa hemoglobinúrica atacou dois europeus: um de dezasseis anos, que faleceu, em Maubara; outro de oito anos de idade, que foi salvo, em Liquiçá. 

A caquexia palustre matou uma criança, em Liquiçá. 

Registou-se somente um caso de disenteria, em Liquiçá. 

A gripe foi rara. 

Registaram-se dois casos de tuberculose: pulmonar, um num europeu e outro num timorense. 

Uma senhora teve várias hemoptises.

 As úlceras e feridas, como de costume, foram muito frequentes. 

Apareceram doenças resultantes da carência ou defeito da alimentação. 

As doenças restantes foram: 
  • cáries dentárias
  • diarreias 
  • colites
  • enterites
  • helmintíases
  • dispepsias 
  • dermatoses (sobretudo a sarna, furunculose e a micose designada por "Hong-Kong foot") [ou pé de atleta]
  • abcessos
  • boubas
  • reumatismo
  • nefrite
  • blenorragia
  • ascite 
  • otite
  • conjuntivite 
  • infeção puerperal.
Registaram-se seis óbitos, em Liquiçá e Maubara (em Díli não os houve) de europeus ou seus descendentes, por:
  • diarreia infantil 
  • caquexia palustre 
  • sezonismo agudo 
  • acesso pernicioso epileptiforme 
  • febre biliosa hemoglobinúrica 
  • gripe (insuficiência cardíaca) 
  • tuberculose pulmonar  (...)
 
Entre os portugueses, não europeus, tratados nas enfermarias, houve vários óbitos: 

(a) Em Liquiçá e Mambara: 

  • diarreia crónica (2)
  • tuberculose pulmonar (2) 
  • anasarca (hipoalimentação) (1)
  • traumatismo (queda) (1) 
  • cirrose alcoólica (1)
  • debilidade congénita (recém-nascido) (1)
  • parto (1)
  • infeção puerperal (2) 
(b) Em Lahane :

  • caquexia palustre (1)
  • gangrena (1)
  • astenia (1)
  • sezonismo pernicioso (1)
  • beribéri (1)

TOTAL 16 
 
(...) O óbito por gangrena deu-se numa timorense que veio pedir tratamento ao nosso hospital, passados dias de ter sido ferida num pé por estilhaço. Era impossível salvá-la por a gangrena estar já generalizada. 

A média de doentes internados no Hospital Dr. Carvalho foi de quatro, por dia. 

Pelo acima dito conclui-se que o estado sanitário da população não foi mau, atendendo às lamentáveis circunstâncias em que vivemos que, sem exagero, podem ser classificadas de péssimas. 

Os meses de junho e julho foram os piores, devido ao elevado número de casos de sezonismo, pelo que foram classificados de maus pelo senhor Delegado de Saúde de Liquiçá [ dr. Francisco Rodrigues]; fevereiro e agosto foram bons e os meses restantes regulares. 

Em Lahane o estado sanitário, abstraindo do sezonismo, com que sempre contámos, pôde, sempre, considerar-se regular. Não nos atacaram a valer os gérmenes infecciosos. As nossas forças e resistências orgânicas é que estão muito desfalcadas, devido a vários factores que descreverei na parte deste relatório respeitante à Higiene Pública. 

Medicamentos e material de penso 

Foi-nos fornecido durante o ano, por intermédio do sr. Cônsul do Japão, o seguinte : 

  • bicarbonato de sódio 
  • dermatol 
  • calomelanos 
  • lactose 
  • neosalvarsan 
  • sufaminum 
  • salicilato de bismuto 
  • sulfato de magnésio 
  • óxido amarelo de mercúrio 
  • tablóides de quinino (...)
  • ataduras de gaze (diversos tamanhos) 
  • gaze (...) 
  • algodão hidrófilo (...)
  • material diverso 
  • seringas de vidro (...) 
  • irrigadores
  • frascos conta-gotas
  • tubo de borracha para irrigador (...)

Sempre que há transporte, tenho mandado [de Lahane] para Liquiçá o máximo possível dos medicamentos que nos restam. 

Não se podem enviar grandes quantidades de medicamentos em frascos pois é necessário que estes vão bem acondicionados em caixotes para que não partam com os solavancos da camioneta. Os medicamentos expedidos em maior quantidade, durante o ano, foram: 

  • vaselina (32 kg)
  • enxofre (5 kg) 
  • sulfato de sódio (20 kg)
  • mel (6 litros)
  • borato de sódio (15 litros)
  • glicerina (2 litros)
  • ácido bórico (5 litros)
  • permanganato  de potássio (1,400 kg)
  • sulfato de cobre (6 kg)
  • calomelanos (0,450 kg)

Faltam-nos muitos medicamentos. Aqueles cuja necessidade mais se tem feito sentir, são os:

  • tónicos e antianémicos (arsenicais, iodados, sais de cálcio, fitina, etc) ; 
  • produtos opoterápicos (extratos de fígado e baço, ovarina, etc) ; 
  • derivados de ópio (codeína, dionina, etc) ; 
  • anestésicos locais (cocaína, salicilato de metilo, etc.) ; 
  • antisséticos intestinais (benzonaftol, fermentos láticos, etc); 
  • purgantes oleosos; 
  • ácido salicílico (para tratamento das micoses) ; 
  • tópicos antidermatósicos (óxido de zinco, ictiol, etc); 
  • iodofórmio (para tratamento das úlceras tropicais); 
  • e pode dizer-se que todos os medicamentos de uso corrente, em injeção (quinina, arrenal, cacodilato de sódio, cânfora, vitaminas, mercuriais, hemostáticos, etc., etc.). 

O permanganato de potássio, precioso para múltiplos fins, acabou, praticamente, e grande falta fará por ser de uso corrente nas moléstias que aparecem todos os dias. 

Tem-me preocupado imenso o facto de não poder vacinar contra a varíola, pelo menos as crianças. Neste capítulo de vacinas, nada poderemos improvisar. 

Movimento cirúrgico 

Os dois médicos portugueses têm feito tudo que lhes permitem os limitadíssimos recursos em material para operações. 

Além das suturas de feridas traumáticas, extrações de dentes e abertura de abcessos e fleimões, foram por eles praticadas operações de pequena cirurgia. 

O Delegado de Saúde de Liquiçá tratou os portugueses feridos por bala de metralhadora (ou estilhaço?) em Liquiçá e Maubara e extraiu um quisto cebáceo a um europeu; a mim coube fazer a extracção duma placenta aderente (post-abortum) à mulher de um europeu e o tratamento de feridas de guerra por estilhaços de bombas de avião numa mulher e numa criança timorense, tendo empregado o método de Friederich, que tão bons resultados deu na guerra de Espanha os quais, agora, eu pude verificar também. 

A pedido do Consulado do Japão foi por mim tratado um timorense com a maior parte da mão esquerda esfacelada, tendo o Hospital Nipónico fornecido o material preciso e dois enfermeiros que me ajudaram. 

Houve dois casos em que os nossos recursos não bastavam, um por falta de material e medicamentos e outro por necessitar operação de grande eirrurgia. No primeiro caso tratava-se de uma menina europeia que apresentava um enorme lipoma na região escapular esquerda; impossível operá-la por faltar o material de penso e cirúrgico esterilisados e todo o material de anestesia, além de que seria necessário reunir os dois médicos em serviço, o que agora não convinha, por que a saída de qualquer deles da sua zona de acção durante vários dias, significaria ausência de assistência médica aos portugueses da zona respectiva. 

No segundo caso tratava-se de uma senhora grávida de quatro meses, com hemorragias profusas e frequentes, devidas a uma inserção baixa da placenta. Somente uma operação com laparotomia a poderia salvar. 

Pelos motivos apontados foi necessário pedir auxílio ao hospital nipónico, onde as duas portuguesas foram operadas sendo os resultados inteiramente satisfatórios. Em seguida às operações, as doentes voltaram para o hospital português, tendo vindo os médicos nipónicos que as operaram, muito dedicadamente, fazer os curativos subsequentes tendo-me eu encarregado da sua assistência médica. (...)

Higiene pública Alimentação 


Tem deixado muito a desejar. Se no ano de 1943 já se não passou bem, no ano presente a situação agravou-se de tal modo que só Deus sabe para onde vamos. O total efectivo de calorias diárias, provenientes dos alimentos fornecidos, e é somente com esses que praticamente podemos contar, está longe do mínimo suficiente. 

Passa-se grande necessidade. O pouquíssimo que se obtém, quase se reduz ao arroz, hortaliças e cocos, e qualquer destes produtos vegetais nem sempre existem. Têm-se comido como hortaliças: 

  • folhas da batateira doce
  • baião (Amarantus sp.)
  • cancoom (Ipomoea aquática, Forsk.)
  • beldroegas
  • folhas de papaeira 
  • e mesmo as folhas e até medula de árvores (que os timorenses só aproveitam quando nada mais têm para o seu sustento). 

Mesmo assim, é frequente não termos verduras nas refeições. Por muito felizes nos damos quando recebemos folhas de nabos e das mostardas timorenses. Conforme as épocas do ano, aparece um ou outro complemento alimentício como: jacas verdes, bananas verdes, etc, etc, que depois de cozidos podem ser consumidos. 

Tomates e agriões são mimos raríssimos, que poucas vezes aparecem no mercado ou que alguns portugueses conseguiram pela cultura de escassos palmos de terra, pois nem sequer há terrenos próprios para horta, à sua disposição. 

Qualquer espécie de fruta é iguaria que raramente podemos provar. Os alimentos ricos em vitaminas, albuminóides e sais minerais, são precisamente os de mais difícil aquisição. A carne é fornecida em quantidades muito reduzidas. Recebem-se, em Liquiçá, algumas garrafas de leite que são distribuídas pelas crianças de tenra idade e pelos doentes. A carne de galinha e os ovos são manjares que não alcançamos. As batatas da Europa, que tão bem se davam e já tão largamente se cultivavam em Timor, desapareceram. Os feijões só raramente se vêem em Liquiçá. Em Díli há muito que não os há. A batata doce também já é rara. 

Os alimentos intoxicantes, que se podem tornar comestíveis por meio de preparação, em regra trabalhosa, já entraram na alimentação (mandioca amarga, feijão bravio e outros). Não é pois de admirar que se registassem casos de intoxicação alimentar (Liquiçá, em novembro, e dezembro) e de dispepsias, gastralgias, enterites e diarreias, devidas à má qualidade dos alimentos ingeridos. 

Além disso, a hipoalimentação já se revela por sintomas de doenças por carência. Os edemas maleolares são frequentes, a maior parte da população está asténica, a fadiga é rápida, há repetidas indisposições intestinais, a cárie dentária, a queda dos dentes e as hemorragias gengivais são quase gerais. A desnutrição de todos é evidente. 

Se não fora o nele (nome que se dá em Timor ao arroz ainda não descascado) que temos recebido (que por não ser polido contém vitamina BJ) e as verduras, já teríamos tido que lamentar a perda de vidas por avitaminoses, sobretudo por beribéri. Para cúmulo a preparação da comida torna-se difícil por haver pouca lenha.

O quadro presente é pois inteiramente desolador. Não há ninguém que não se tenha preocupado com a falta de alimentos. Pela minha parte, sempre que as ocasiões o proporcionaram indiquei a todos os perigos que adviriam da deficiência das refeições, ao mesmo tempo que dava conselhos úteis.

 Sentindo-me na obrigação de empregar o máximo do meu esforço para aumentar os recursos alimentares, preparei e conclui um trabalho em que registei tudo quanto pude apurar sobre a existência em Timor de produtos vegetais comestíveis, aproveitando-me quer do que encontrei nos livros, quer das informações dos timorenses, cuja experiência de séculos fornece muitos conhecimentos aproveitáveis. 

Este trabalho não só como documentário bromatológico (que nunca foi feito na Colónia) mas também pela aplicação às circunstâncias atuais, tem, por certo, bastante utilidade embora ela seja limitada pela forte razão de que nós não podemos procurar os alimentos mas somente receber os que nos trazem. 

Aos senhores Administradores do Concelho prontamente dei todas as indicações que particularmente me solicitaram, tendo-lhes fornecido tabelas da composição e valor calórico dos géneros alimentícios, dados sobre a quantidade e qualidade dos alimentos necessários para os europeus nos países tropicais, etc, habilitando-os assim a conhecer as bases do problema da nutrição dos portugueses. (...)


Bebidas alcoólicas 

Se, por um lado, é bom não as termos por motivos óbvios, por outro fazem falta como fontes de energia, e mesmo como tónico contra a acção deprimente do clima, o que é recomendado pelos higienistas tropicais, sobretudo ingleses, desde que as quantidades ingeridas sejam moderadas. 

Os vinhos de palmeira, sobretudo, possuem vitaminas B e C em quantidade apreciável, sendo bebida agradável e refrescante e fracamente alcoólica. É pena pois que em terra tão rica em palmeiras, não a possamos obter. 

Tabaco 

É de todos conhecida a imperiosa necessidade que o viciado tem de fumar. Praticamente todos os portugueses fumam. Poder-se-á pois calcular o quanto os indispõe e irrita o não poderem satisfazer esse hábito. Recorrem às folhas secas de arbustos e árvores que embrulham em qualquer papel por não haver mortalhas nem ao menos papel de seda. Assim iludem um pouco o seu vício, mas a saúde é que terá forçosamente de se ressentir. 

Asseio 

A água é pouca, em Liquiçá, e não há sabão. É de notar o esforço de uma senhora, cuja idade já não é para trabalhos, a qual consegue preparar sabão utilizando óleo de coco e os álcalis obtidos da cinza. Porém o óleo de coco é pouco para a alimentação... 

Vestuário

 Já velho e gasto e em reduzidas quantidades, a não ser para um ou outro mais protegido da sorte, em breve faltará. É de calcular que em época muito próxima, a maioria dos portugueses não tenha senão andrajos para vestir. 

Também, não existe calçado à venda nem material para o fabricar. Há muito que se calçam camparas — sandálias de madeira que se seguram aos pés por uma tira de pano. 

Utensílios domésticos 

Tem sido precioso o trabalho dos artífices portugueses que fabricam,  com folha de zinco, panelas, tachos, chaleiras, pratos, candeeiros ,etc. 

Outros portugueses têm fabricado, com muita habilidade, objetos muito úteis: escovas de dentes e pincéis para a barba (com crina de cavalo) , pentes (de tartaruga) , etc. 

Habitações 

Com a vinda dos portugueses de Maubara para Liquiçá, acentuou-se a plétora de habitantes em cada casa. O encombrement [sic, em francês, sobrelotação]« é manifesto. 

Ambulâncias 

Devido à concentração dos portugueses em Liquiçá, a ambulância de Maubara foi extinta. Nela prestou bons serviços o enfermeiro Vítor Madeira. Foi criada, na Granja Eduardo Marques, uma ambulância para tratamento dos portugueses que aí trabalham. Todos os enfermeiros auxiliares em serviço na Delegação de Liquiçá habitam, agora, na Granja. 

Cursos de enfermagem 

A 27 e 28 de abril fizeram-se em Liquiçá e Lahane os exames de frequência dos alunos do curso do primeiro ano Em junho começaram as aulas do segundo ano. 

Todas as lições que eu dei, foram escritas, constituindo um volume de cerca de 220 páginas dactilografadas. Deste modo ficou concluído um guia de enfermagem aplicado às condições de Timor, assim como um formulário constituído pelas fórmulas mais práticas para o tratamento dos doentes pelos enfermeiros, contando-se somente com os medicamentos essenciais que deverão existir em todas as ambulâncias, que agora se podem indicar com rigor. 

Este assunto é uma das partes do estudo da futura organização dos Serviços de Saúde, em que continuo a trabalhar. 

Bombardeamentos 

Este ano mostrou-se particularmente violento para nós. Liquiçá e Maubara foram metralhadas. Em Lahane caiu grande quantidade de bombas junto ao hospital e ao palácio do governo. As chapas de zinco que cobrem o hospital foram furadas pelos estilhaços e deslocadas pelo movimento do ar; os vidros que restavam partiram-se. 

É de notar a boa vontade com que o mestre Pinto (sargento artífice), por si próprio, se encarregou de reparar os estragos; o seu auxílio profissional tem sido dos mais úteis para o hospital. 

O ruído das explosões das bombas foi aterrador. Os enormes buracos que elas fizeram no terreno impressionaram imenso, até os menos timoratos. Os aviões vieram em certos meses quase todos os dias. Compreender-se-ia, pois, que o moral dos habitantes do Hospital e do Palácio estivesse profundamente deprimido. Felizmente tal não se verificou, sendo de notar que as senhoras demonstraram coragem surpreendente. 

Apesar de, após um bombardeamento se contar sempre com outro (pelo menos no dia seguinte), ninguém pediu para sair de Lahane. Todos se mantiveram no seu posto. 

Funcionários 

Têm estado sempre ao serviço, na sua totalidade, e por eles não foi requerida qualquer licença. Pode afirmar-se que, considerando o estado de intensa depressão moral em que vivemos, têm cumprido bem o seu dever. Os serviços de secretaria continuam a ser feitos com toda a boa vontade e proficiência pelo aspirante Domingos Afonso Ribeiro. 

Também ajudaram muito desinteressadamente, todos os serviços, o chefe de posto Francisco Torrezão e o chefe de posto João Gamboa (enquanto habitou em Díli) . 

Conclusões 

O estado sanitário da população só por milagre foi regular. A higiene pública deixa cada vez mais que desejar. O futuro é carregadamente sombrio. 

Contemos no próximo ano com elevada percentagem de óbitos, pois que, não possuindo os géneros alimentares convenientes nem os meios de fortalecer os organismos depauperados, também não teremos os medicamentos essenciais e as dietas próprias para tratamento dos numerosos doentes que forçosamente aparecerão. 

Repartição Técnica dos Serviços de Saúde e Higiene, em Lahane, aos 9 de fevereiro de 1945. O Chefe da Repartição interino, José dos Santos Carvalho
________
 
 (...) Pessoal em serviço e sua situação em 31 de Dezembro de 1944 

Médicos:
  • José dos Santos Carvalho,  Chefe da Repartição, interino, Director do Hospital, Delegado de Saúde de Díli;
  • Francisco Rodrigues,  Delegado de Saúde de Liquiçá.

Enfermeiros:

  • Victor José Gregório Madeira,  Sede da Delegação de Liquiçá; 
  • Luiz Correia de Lemos, idem;
  • Daniel Madeira, idem; 
  • Emílio Francisco de Oliveira, idem; 
  • António de Oliveira,  Hospital Dr. Carvalho;

Praticantes estagiários:

  • Orlando Correia de Lemos,  Sede da Delegação de Saúde de Liquiçá,
  •  Óscar Correia de Lemos, idem.

Enfermeiros auxiliares: 

  • Paulo de Jesus Granja Eduardo Marques Sebastião da Costa
  • João da Costa Pereira 
  • João Guterres
  • Francisco da Silva Vila Taveiro (Oekussi) 
  • Mateus Pereira
  • Pedro da Cruz,  Hospital Dr. Carvalho António Lopes 
  • Mateus Ribeiro,  Granja Eduardo Marques João Soriano
  • Aleixo da Costa, idem 
  • Manuel da Costa, Hospital Dr. Carvalho 

Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane, aos 31 de Dezembro de 1944. O Chefe da Repartição, int.°, José dos Santos Carvalho. 

(Seleção, revisão / fixação de texto, notas, bold a vermelho, título: LG)

______________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P26052: (De) Caras (223): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Estas três últimas cartas de Pedro Barros e Silva para o seu amigo Paulo António, vindas do SPM 0368, são acima de tudo afetuosas, um faz a guerra com uma grande carga de ceticismo, fala mesmo de uma guerra que parece a do Solnado, o outro deverá andar stressado e com problemas familiares. Penso que a carta anterior de Pedro Barros e Silva deverá ser analisada por um investigador que se interesse por este período, ficamos no desconhecimento da sua arma, possui informações topo de gama e refere explicitamente numa das suas cartas que desembarcou numa área do Sul, onde teríamos sofrido quatro mortos. Agora é questão de atar estas cartas com um cordel e entregá-las no Arquivo Histórico-Militar.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (5)

Mário Beja Santos

Nota explicativa: o conjunto de cartas que adquiri dizem estritamente respeito a correspondência efetuada na Guiné, e dirigida a Paulo António Osório de Castro Barbieri, residente em Lisboa, embora uma das cartas endereçadas por Pedro Barros e Silva seja dirigida a este destinatário em Palmela. São duas cartas do irmão, tenente Nuno Barbieri e quatro endereçadas pelo Alferes Barros e Silva, inequivocamente um amigo íntimo do destinatário. Havia mais correspondência, mas não tratava da Guiné. Deste pequeno acervo julgo que o documento mais importante foi a carta de Barros e Silva, publicada nas duas últimas semanas. As três que restam, datadas de 15 de fevereiro, 19 de abril e 9 de novembro, de 1966, possuem muitas considerações por caráter privado, houve que as omitir pelo respeito de quem escreveu e quem recebeu.

Em 15 de fevereiro, escreve assim Pedro Barros e Silva:

“Meu caro Paulo,

Depois de ter passado uma semana em Bafatá cheguei hoje a Bissau onde me esperava uma tua carta. Se, por um lado me inquietou ver que te falta a saúde, por outro lado alegra-me teres modificado o teu estilo epistolar. Entre nós há estilos que não encaixam e entre eles os dos relatórios de citação.

Compreendo e sinto o teu problema, pois também me debato com outro semelhante. A plataforma que tenho procurado encontrar para me entender com o resto, ainda não encontrei. É uma ação negativa que me é parecida, quando a vou buscar, mas sem encanto, como o amor de uma prostituta.

O que ainda me vai animando e me vai oferecendo um pouco de atração a esta coisa é eu ter a consciência de que estou continuamente oscilando entre a animalidade e o misantropismo.

E, entretanto, a guerra continua empatada, sem que nenhum dos contendores tenha força nem talvez vontade para a desempatar. É uma guerra tipo Solnado.

Espero que os teus exames tenham corrido bem, que estejas melhor e que me escrevas em breve dando notícias de ti.

Um grande abraço amigo do Pedro,”


Em 19 de abril, o alferes Barros e Silva dirige-se deste modo ao amigo:

“Meu caro Paulo,

Já há bastantes dias que tinha iniciado uma carta, mas ultimamente tenho feito tal vida de andarilho que só agora te escrevo dando mais uma vez motivo para o desencartar da nossa correspondência. Na carta que me escreveste analisavas os vários tipos de fazer a guerra e como tu escreveste devo fazer para do grupo C (os que a fazem tendo por único Absoluto o mar de dúvidas, de incertezas, de relatividades). Simplesmente eu preferi fazê-la de uma outra maneira, mais quente. É que não passo de um alferes.

Tens razão ao relembrar-me o tipo de guerra. É por eu o compreender que me chateia a maneira como esta malta a faz, com muita papelada, muito empecilho burocrático, muita leizinha, muitas merdinhas que quase nos paralisam e que só servem para complicar aquilo que é tão simples.

Não sei se já te falei do assunto, mas tive em sério risco de apanhar uma porrada, pelo menos ameaçaram-me. Motivo: participei de que tinha conhecimento de uma operação realizada em tal data, numa zona do Sul da província e revestida de certa importância. Como caí na asneira de citar o nome de um major, saltaram-me em cima. O pior é que mal desembarcámos tivemos quatro mortos. Os gajos até sabiam o sítio certo de desembarque e limitaram-se a estar à espera.

Caríssimo, não leves tanto tempo como eu a escrever, pois é sempre com grande alegria que leio as tuas cartas amigas.

Um grande abraço amigo do Pedro.”


Temos agora o teor da última carta, data de 9 de novembro:

“Meu caro Paulo,

Não vejo o motivo para te preocupares com o atraso que me respondeste. Também eu já me tenho atrasado, contudo, tive sempre a certeza de que me compreenderias.

Acerca do que me escreveste, não fiquei surpreendido. E decerto que tu também não. Algumas vezes falámos sobre o assunto quando eu ainda aí estava. Vejo que os estudos manquejam, a família chateia-te, tudo te chateia, sentes-te mal no meio de tudo isso. Muda-te, pois, vai para qualquer outro sítio onde a operação seja menor e menos pesada. Em 2 de dezembro espero estar aí, tenho muito para te contar.

Paulo, escreve-me quando quiseres e como quiseres, pois eu procurarei sempre de todos os meus meios compreender-te e estar contigo.

Um grande abraço do teu amigo Pedro.”


A cidade de Bissau que o alferes Pedro Barros e Silva também conheceu
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Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26021: (De) Caras (222): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26050: E as nossas palmas vão para... (25): Jéssica Nascimento, neta do nosso camarada Luís Nascimento, de Viseu, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71)...Pela sua pronta e generosa colaboração na cedência de imagens do T/T Niassa



Viseu > 2014  > A Jessica Nascimento, que vive em Viseu, é neta do Luís Nascimento (ex-1.º Cabo Cripto na CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71) e sua "secretária particular" (é ela que nos manda, através do seu email, a correspondência do avô).  Ela tem muito orgulho em dizer que é, naturalmente, a "a melhor neta do mundo"...Avô e neta são dois membros da Tabanca Grande,o que é caso raro... 

Foto (e legenda): © Jessica Nascimento (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Tudo começou, em meados de agosto passado, com um pedido da investigadora Maria José Lobo Antunes (ICS-ULisboa):

terça, 20/08/2024, 15:12

Caro Luis Graça,

Espero-o bem.

Sou investigadora da Universidade de Lisboa e faço parte da equipa da Confederação, colectivo de investigação teatral do Porto, que está a trabalhar no projecto Memoratório... Miragaia foi à guerra. Em pesquisas no vosso blogue, deparámo-nos com esta fotografia do navio Niassa e gostariamos de saber se vos é possível ceder-nos uma digitalização de boa qualidade.

Muito obrigada pela vossa ajuda.

Cumprimentos, Maria José Lobo Antunes

ICS-ULisboa
últimas publicações | latest publications Ninguém faz a guerra sozinho, Topoi (Rio J.) 2023 | Curating the Past, Photography in Portuguese Colonial Africa, 2023 | Instantes da guerra, Mensário do AHS, 2023| A crack in everything, History and Anthropology 2022.



2. Resposta do nosso editor Luís Graça:

22/08/2024, 10:47

Olá, Maria José... (Devemos ter-nos encontrado na Escola Nacional de Saúde Pública, há muitos anos, não ?!)

Quanto ao seu pedido... Temos mais de 60 referências ao N/M Niassa, um ícone da guerra colonial...(também fui nele para a Guiné, em 24 de maio de 1969, eu e mais 1700 militares, entre eles o futuro dirigente do PCP, o Jerónimo de Sousa)... Vou ver se lhe arranjo duas ou três boas fotos...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2019/11/guine-6174-p20365-album-fotografico-de.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/11/guine-6174-p22722-nossa-guerra-em.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/12/guine-6374-p10864-efemerides-114-22-de.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/02/guin-6374-p2533-o-cruzeiro-das-nossas.html

... Mas, se calhar, a melhor foto ainda é deste sítio sobre antigos navios da marinha mercantes:

https://www.geocities.ws/naviosvelhos/niassa.jpg


Boa saúde, bom trabalho, Luís Graça



3. Resposta da investigadora:

2 set 2024, 11:54

(...) Muito obrigada pela sua pronta resposta e desculpe a demora na minha reacção, mas estive de férias.

É verdade, cruzámo-nos na Escola Superior de Saúde Pública, provavelmente em 2003 :-)

Para os filmes nos quais estamos a trabalhar, interessar-nos-iam fotografias que mostrem o navio com soldados.

Acha que será possível obter cópias digitaliizadas de boa qualidade das fotos 1 e 2 desta página e a 2ª foto desta página?

Obrigada e um abraço, Maria José

4. Esclarecimento posterior de Luís Graça:

27 set 2024, 16:43

Maria José: logo por azar essa foto é uma reprodução de uma outra, de má qualidade, numa brochura fotocopiada, "Histórias da CCAÇ 2533"... 

Tente entrar em contacto com a Jéssica Nascimento, neta do nosso camarada Luís Nascimento, o editor do livro, que vive em Viseu... A Jéssica pode agora viver fora de Viseu, na altura era estudante. Há anos que não contacto com ela (o avô não tinha email quando entrou para o blogue, ela é que é/era o elemento de contacto). Dou-lhe conhecimento desta mensagem. Ela se puder, ajuda-nos. (...)


5. A Jéssica Nascimento, respondeu-nos logo de imediato, às 22:23:



(...) Olá, boa noite! Espero que se encontrem bem.

Amanhã com mais calma vou ver se consigo arranjar a foto. Obrigada! (...)



6. No dia seguinte, 28, às 9:49, respondi à Jéssica Nascimento, que é membro da nossa Tabanca Grande desde 29/10/2014:


Obrigado, minha querida. Um xicoração para ti, um alfabravo para o avô. Luís Graça.


7. E logo nesse dia, às 14:20, a Jessica responde, mandando-nos as imagens pretendidas:

(...) Juntamente com o meu avô, conseguimos encontrar a foto no livro Histórias da C.CAÇ. 2533. A qualidade não é a melhor, mas espero que ajude. (...)



8. Abreviando a troca de emails (ao todo são 21 os emails trocados...), um elemento da equipa da Confederação, o Miguel Ramos, entrou em contacto com a Jéssica, neta do nosso camarada Luís Nascimento (foto à esquerda)":

30 set 2024, 09:30

Olá, Jéssica.

Daqui o Miguel (faço parte da equipa do "Miragaia foi à Guerra").

Antes do mais, muito obrigado pelo cuidado.

Como está a fazer com estas imagens? Está a digitalizar as mesmas ou a fotografar? Pergunto isso, pois, a qualidade está bem melhor do que a que tinhamos, mas nos parece que fotografou e não digitalizou. Estou certo?

Caso isso lhe seja complicado, nós podemos tentar encontrar o livro e digitalizar as imagens.

Lhe deixo [AQUI] link para anteriores Memoratórios nossos, para que melhor entenda a nossa necessidade de boas digitalizações.

Muito grato por todo o seu cuidado. Miguel Ramos

CONFEDERAÇÃO

Morada Rua de Costa Cabral, nº 120, 4200-208 Porto, PORTUGAL
Site http://www.confederacao.pt
Facebook facebook.com/confederacao.pt | Youtube (Click aqui) | VIMEO (click aqui)





Fotos do T/T Niassa, digitalizadas pelo Miguel Ramos / Confederação, com base no livro "Histórias da CCAÇ 2533" (ed. autor, s/l, s/d)



Capa da brochura "Histórias da CCAÇ 2533, ed. de autor, s/l, s/d, elaborada sob a coordenação de Joaquim Lessa, ex-1º cabo quarteleiro, e impressa na tipografia Lessa (Maia); esta publicação é uma obra coletiva, feita com participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).

Como tantas outras publicacões, esta brochura faz parte da "literatura cinzenta da guerra colonial" (que não chega, infelizmente, à Biblioteca Nacional de Portugal, nem à PORBASE - Base de Dados Bibliográficos Nacionais):  um exemplar em papel e em formato digital, chegou-nos às mãos através do empenho do Luís Nascimento.  

Com a autorização do editor e autores demos a conhecer aos nossos leitores as andanças do pessoal da CCAÇ 2533 (Canjambari e Fararim, 1969/71)... Recordo que a minha CCÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12), e a CCAÇ 2533, do Nascimento e do Lessa, viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, tendo nós regressámos juntos, a 17 de março de 1971, no T/T Uíga, uma incrível coincidência!... (LG)

9.  Sempre amável e prestável, a Jéssica sugeriu ao Miguel Ramos o empréstimo  do livro para efeitos de digitalização:

30 set 2024, 21:07:

Boa noite Sr. Miguel.

Prefere que lhe envie o livro para a morada em baixo indicada? Talvez seja mais útil. Quando não precisar mais, envia para a minha morada. (...)


10. E assim aconteceu: a Jéssica cedeu o livro, em papel, "Histórias da CCAÇ 2533" (que não existe na Biblioteca Nacional...) e foram feitas as devidas digitalizações:

3 out 2024, 11:32

Bom dia,  cara Jéssica.

Livro recebido e digitalizado.
Partilho abaixo as fotografias:

FOTO 1 [AQUI]
FOTO 2 [AQUI]
FOTO 3 [AQUI]

Hoje mesmo o livro regressa a Viseu com um pequeno souvenir:)

Quando chegar nos avise sff.

PS: estamos em contactos com Viseu, a tentar levar aí o Caderno e as Photo-conversa em 2025.

Abraço nosso desde o Porto, Miguel Ramos (...)
11.  Da nossa parte, podemos dizer que levámos a "carta a Garcia"...
Temos consciência de que o nosso blogue é (ou pode e deve ser também) fonte de informação e conhecimento, prestando, de algum modo, um "serviço público" a todos os antigos combatentes, mas igualmente a todos/as aqueles/as que se interessam pelo estudo da guerra do ultramar / guerra colonial. 
Na medida dos nossos escassos recursos humanos,  financeiros e técnicos (o blogue é uma iniciativa "pro bono", e vive da carolice de alguns de nós),  vamos dando resposta aos pedidos que nos chegam, desde produtores de cinema e televisão a jornalistas, de doutorandos e mestrandos  e demais investigadores (em ciências sociais e humanas) a familiares de antigos combatentes, etc.
A nossa Jéssica Nascimento (e, por tabela, o seu avô) merece as nossas palmas pela forma célere e generosa  como respondeu ao nosso pedido.
Daremos oportunanente notícia do evento “Memoratório… Miragaia foi à Guerra” – Confederação & Maria José Lobo Antunes, a realizar no Porto:
  • Data: Sábado, 4 de novembro de 2024
  • Horário: 17:00
  • Local: Auditório do Grupo Musical de Miragaia
  • Endereço: R. da Arménia, 10-18, Porto
  • Entrada: Gratuito
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Notas do editor:
Último poste da série > 5 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25037: E as nossas palmas vão para... (24): Nuno Rubim (1938-2023), autor do Diorama de Guileje, uma pequena obra-prima, que levou dois anos de trabalho, paixão, rigor... Foi oferecido, em 2008, ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje

Guiné 61/74 - P26049: Historiografia da presença portuguesa em África (447): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os últimos meses de 1884 (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Bem gostava de uma explicação cabal quanto à decisão de Pedro Ignácio de Gouveia em mandar republicar todas as convenções e tratados celebrados por iniciativa de Honório Pereira Barreto referentes aos povos Felupes, Banhuns e povos vizinhos de Ziguinchor, uma leitura possível é a de que o governador queria enviar sinais para o Governo de Lisboa quanto à legitimidade da presença portuguesa no Casamansa. Neste ano de 1884, Ignácio de Gouveia termina a sua governação, e deixou um legado sólido, participou ativamente na pacificação do Forreá, impôs sem tibiezas a disciplina militar, entraram em vigor infraestruturas desde os correios aos serviços de saúde; o chefe do presídio de Ziguinchor alerta nos seus relatórios o definhamento da povoação; há sinais de interesse pela agricultura, são inúmeras as concessões de terrenos; melhoram as relações entre Cacheu e a vizinhança, muitas das hostilidades são impulsionadas pelos franceses, são subtis a pretender arredar a presença portuguesa. A Convenção Luso-Francesa ficará pronta dentro de cerca de ano e meio depois.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os últimos meses de 1884 (6)


Mário Beja Santos

Estamos no último ano da governação de Pedro Ignácio de Gouveia, a 26 de dezembro chega o governador que o vem render, Francisco de Paula Gomes Barbosa. Ignácio de Gouveia, como temos verificado, deixou obra feita, procurou normalizar as relações com as etnias conflituosas no Forreá; aberto ao despertar de interesses coloniais pela agricultura, fará concessões de centenas de hectares aos interessados; punirá exemplarmente oficiais que tivessem praticado desmandos; num período notoriamente tenso com o que se passa na região do Casamansa, fará publicar legislação antiga e atualizada sobre aquisições, tratados de cessão, convenções, envolvendo notoriamente a etnia Felupe; celebra tratados de paz entre a praça de Cacheu e vizinhos; quando necessário, lança-se em operações como a que ocorreu contra as populações de Cacanda; é do seu tempo que abrem os correios, se aprova o regulamente de serviço de saúde pública da província da Guiné; a seu tempo, aqui se publicarão extratos do relatório que ele envia ao Governo, o trabalho efetuado pelo escritor Fausto Duarte e publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Vimos que em abril foi celebrado um tratado de cessão de território pelos Felupes de Jufunco, estiveram presentes as autoridades de Cacheu, entidades religiosas, representantes do Exército e da Marinha e um número elevado de acompanhantes do régulo de Jufunco. Cedeu o régulo de Jufunco para sempre todo o território de Jufunco à nação portuguesa, e em finais de maio, é a vez da convenção feita pelos Felupes de Varela, recorda-se a cessão que se fez em Bissau a Honório Pereira Barreto, e agora se retifica tal cessão. “Os de Varela prometem amparo e proteção a todo e qualquer estrangeiro que estiver no seu território ou que por ele transitar; bem como se abrigam a impedir que se roube qualquer coisa nas embarcações que encalharem no seu porto ou a ele aportarem; no caso não desejado de haver entre eles e qualquer nação estrangeira alguma desinteligência, desde já declaram que o Governo português deve avocar a si a questão; os de Varela declaram que jamais farão tratados, convenções ou quaisquer contratos com a nação estrangeira.”

No Boletim Official n.º 24, de 14 de junho, consta o tratado de paz para a convenção entre a praça de Cacheu e os gentios de Nagas: “A partir de hoje em diante haverá paz entre a praça de Cacheu e todo o gentio de Nagas; o gentio de Nagas, em nome do seu régulo, convida os habitantes de Cacheu a irem negociar nas suas terras, assegurando-lhe bom agasalho e toda a proteção; os gentios declaram que fica inteiramente reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, a que se chama Armada, ainda que se venha a conhecer que tal braço comunica com o rio de Mansoa ou com qualquer outro rio ou braço, nunca será permitido aos estrangeiros tal navegação.”

Repare-se que o Governador em todas as circunstâncias mandava republicar contratos antigos, como que consta neste Boletim Official, fora celebrado entre Honório Pereira Barreto e um rei Banhum, de Bissari, situado na margem direita do rio do mesmo nome, principal do rio Casamansa.

No Boletim Official n.º 26, de 28 de junho, é de novo copiado o contrato celebrado por Honório Pereira Barreto com os gentios de Marraço, Honório Barreto ficaria possuidor de todo o território não cultivado, as populações não fariam com indivíduos ou governos estrangeiros da Europa quaisquer contratos, que nunca fariam guerra com o presídio de Ziguinchor. No Boletim Official n.º 28, de 12 de julho, faz-se referência ao relatório do comandante da coluna de operações e do Batalhão de Caçadores n.º 1 contra o gentio de Cacanda, fora desalojado este gentio do seu acampamento, batido com denodo até se internar pelas florestas copadas próximas do mesmo acampamento; houvera no regresso emboscadas com o mesmo gentio, tinham sido repelidos. E Pedro Ignácio de Gouveia louvava um conjunto de oficiais e praças de pé que faziam parte da coluna e até voluntários.

Estamos agora em finais de agosto, na sala de sessões da Câmara Municipal de Cacheu, o presidente da sessão apresenta a seguinte proposta: “Tendo em atenção a prontidão com que o ilustríssimo e Excelentíssimo Sr. Pedro Ignácio de Gouveia, Governador desta província, se houve em providenciar contra os atentados dos gentios circunvizinhos que em diferentes correrias pretenderam assaltar a praça; tendo mais em atenção o denodo com que a coluna de operações bateu os gentios; reconhecendo mais que o ataque dado há meses aos gentios rebeldes das circunvizinhanças do presídio de Ziguinchor, deste concelho, que tão benefícios resultados tem produzido, foi um dos feitos mais gloriosos das armas portuguesas, nesta província. Por estas razões propunha que se mencionasse na ata um voto de louvor ao Excelentíssimo Sr. Governador.” Curiosamente, e na sequência deste louvor, vem mencionado o Boletim de Informação do mês de junho de 1884 do presídio de Ziguinchor: bom estado sanitário; estado alimentício regular; comércio pouco animado. Mas há uma ocorrência extraordinária, escreve o chefe do presídio, o alferes Francisco António Marques Geraldes: “O Jalofo Bearmanjai continua devastando o território dos Felupes, na margem direita deste rio. Este cabo de guerra foi negociante muito tempo em Selho, fugindo este ano para território gentílico onde levantou o bando que tanto mal está fazendo ao comércio. Parte do roubo que ele faz aos Felupes, é trazido para Sendão, Adiana, onde há bastantes Jalofos.”

Nos Boletins Officiais n.º 32, 9 de agosto, n.º 34, 24 de agosto, e n.º 35, de 30 de agosto, consta o Regulamento do Serviço de Saúde Pública da Província da Guiné (distritos sanitários, junta de inspeção de saúde, deveres dos facultativos do quadro, comissões de serviço e sua duração, higiene e política do hospital, dietas para os doentes, visitas…).

No Boletim Official n.º 36, de 6 de setembro, novo boletim informativo de Ziguinchor referente ao mês de junho. O seu teor é importante, veja-se o que o alferes Geraldes diz o comércio: “Os dois únicos comerciantes que aqui existem negoceiam em tão pequena escala, que o comércio bem pouco desenvolvimento pode ter. A maior parte do gentio circunvizinho, vendo que aqui não pode encontrar os principais objetos de que carece, leva os seus géneros coloniais a Selho, ou a feitorias estabelecidas na margem esquerda do rio, onde os permutam facilmente.”

A província está longe de se considerar pacificada, no Boletim Official n.º 37, de 13 de setembro, temos novo ataque a Cacheu. No Boletim Official n.º 46, de 15 de novembro, o governador de novo manda publicar o contrato celebrado por Honório Pereira Barreto com os gentios de Gono e Cobone, aldeia gentia Banhum situada na margem esquerda do rio Casamansa, é de teor muito semelhante aos que aqui se republicaram, seguramente que Pedro Ignácio de Gouveia pretendia enviar para Lisboa recados quanto à legitimidade da presença portuguesa no Casamansa. Não foi atendido, em 12 de maio de 1886, o Casamansa, em definitivo, torna-se possessão francesa.


Pedro Ignácio de Gouveia
O Pidjiquiti nos anos 1920
A Guiné Portuguesa e o Casamansa ao tempo da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26026: Historiografia da presença portuguesa em África (446): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os primeiros meses de 1884 (5) (Mário Beja Santos)