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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27534: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (6): José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381 e António Ramalho, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2639

1. Mensagem natalícia do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 15 de Dezembro de 2025:


Caríssimos amigos Luís, Carlos e toda a equipa do Blogue, a que junto todos os camaradas, e seus familiares, que passaram pela Guiné.

O Natal é tempo de relembrar, de comunicar com os amigos, de sentir o calor da sua amizade e de lhes demonstrar através da presença ou gestos, quanto os estimamos.
É tempo de pensar na saúde e bem-estar.
É tempo de olhar para o mundo, e pensar noutro mundo. Um mundo mais justo, sem guerras, sem mortes violentas. Um mundo de paz e amor do qual devemos ser os construtores.

Façamos NATAL todo o ano.


Natal pode ser a paz projetada num abraço,
Num olhar
Que acalma e transmite a esperança
Natal pode ser a força que nos une,
Que nos dá ânimo para lutar
E nos faz-nos acreditar
Que ainda é possível a mudança –

E se pudermos fazer a diferença
Não deixemos o Natal passar.

José Teixeira
Feliz Natal.


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2. Mensagem natalícia do nosso camarada António Ramalho (ex-Fur Mil At Cav da CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71), com data de 14 de Dezembro de 2025:

Para todos os membros da Tabanca Grande e respectivas famílias, para todos aqueles que lutaram por uma Guiné Melhor, o que tarda em acontecer!

Um forte abraço para todos.
António Ramalho (757)

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Nota do editor

Último post da série de 12 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27524: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (5): Joaquim Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAV 8351/72; Ernestino Caniço, ex-Alf Mil CAV, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 e Rogério Freire, ex-Alf Mil Art da CART 1525

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27533: Notas de leitura (1874): "Cartas de Guerra (61-74) Aerograma Liberdade”, por Ricardo Correia; edições Húmus, 2024 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2025:

Queridos amigos,
É uma raridade, uma peça de teatro, a que se segue uma carta-concerto, o foco são os aerogramas, o pretexto é um filho, no nosso tempo, interrogar por carta o pai, em 1972, saber que homem era enquanto combatente. A mensagem é este alerta de que ainda há muito para saber destas toneladas de escrita, houve pactos em casais para destruir a correspondência desse tempo, seguramente que terão assumido que foram dores a mais, que se cometeram excessos, que o que ali se disse não devia ser lido por outros olhos; há quem procure ganhar uns cobres e venda aerogramas por meios eletrónicos ou em negócios de velharias; há aerogramas de grande recorte literário, como os de António Lobo Antunes. 

Mas o que continua por esclarecer era o sentir destes homens naquele tempo e naquele lugar, para o investigador seria um termo de referência, de valor discutível, é certo, houve quem escrevesse fantasias, e interrogo-me em termos de estudo como será possível alguma vez fazer a medição dos silêncios, penso sobretudo naqueles nossos camaradas que viveram os pavores de Guileje, Gandembel, Sangonhá, Bedanda, Madina do Boé ou Béli, o que silenciaram para não despedaçar mais a vida dos entes queridos - esses silêncios só podem ser esclarecidos com o rigor dos factos históricos. Não tenhamos dúvidas, ficaram silêncios inquebrantáveis, que mudaram tantas e tantas vidas.

Um abraço do
Mário



Querido pai, escrevo-te do meu presente para o teu passado, a tentar chegar até ti

Mário Beja Santos

O que seria a história da guerra colonial se tivesse sido possível ter acesso às toneladas de correspondência trocadas nas duas direções? É mera conjetura, sei muito bem, grande parte destes documentos foram para o lixo, por decisão dos dois fez-se fogueira, há herdeiros que os põem à venda. 

Foi assim que o pintor Manuel Botelho comprou uma resma de aerogramas entre dois namorados, ele no Bachile, cabo das transmissões, ela costureira, não da Sé mas no alto de Alfama, temos ali um percurso que ele aproveitou para uma performance que deu para entender comportamentos havidos a dois e por dois anos: ele deslumbrado, à chegada, com todo aquele fascínio de verdura, braços de ria, a fauna, as queixas da comida, mas sempre o desassossego se tu me amas ou não, escreve-me, há aqui camaradas meus que andam à procura de madrinhas de guerra, eu só te quero a ti; ela responde, tu sais que te fartas, se isso é uma guerra é feita de turismo, eu estou para aqui a trabalhar dia e noite, os fins de semana são para preparar o enxoval; da euforia inicial e da troca de arrufos, os meses passam, e há aerogramas que parecem travessias no deserto, não desampares, isto nunca mais acaba, há noites silenciosas que dão cabo de mim, como é que eu vou poder esquecer este sobressalto em que vivo… E dos muitos aerogramas trocados nos primeiros meses chegamos a um fiozinho de correspondência, há quase uma agonia na expetativa do regresso, experimentada pelos dois. Ora isto é uma simples abordagem da riqueza dos conteúdos, uma das dimensões desse imenso ecrã de quem combatia e de quem deste lado dava apoio e lhe pedia fidelidade.

As autoridades alertavam para a necessidade de muita segurança: nada de dizer no endereço mais do que o SPM; e do lado da guerra nada transmitir que possa cair nas mãos do inimigo e para uso letal.

Escusado é dizer que o teatro é o parente mais pobre da literatura da guerra, avulta a literatura memorial, o romance, a novela e o conto, sobretudo a poesia popular, a diarística, a investigação. Alertado por um dos meus benfeitores, o Dr. João Horta, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, “tenho aqui uma peça de teatro que mete a Guiné”, pus-me ao caminho e lá fui àquele ponto do Bairro Alto que tem os passeios completamente escavacados e em frente as obras intermináveis no Conservatório Nacional. 

O livro intitula-se “Cartas de Guerra (61-74) Aerograma Liberdade”, por Ricardo Correia, edições Húmus, 2024, inclui um glossário preparado por Rui Bebiano, com termos alusivos ao conteúdo da peça e de uma carta concerto intitulada “Aurora Liberdade” que tem ilustrações de Cátia Vidinhas.

No tempo presente (2023) um filho escreve uma carta ao pai em 1972, pede-lhe que ele lhe conte o seu viver, que pessoa era o seu pai, quando agora o abraça não sabe exatamente o que escondem os olhos do antigo combatente. “Procuro-te e sei que ainda não te encontrei. Tal como Telémaco procurou o seu Pai, Ulisses.” 

E como nessas peças em que os atores trocam de papel, que ganham uma identidade que acaba por ser transferida para outrem, como nas peças de Luigi Pirandello, iremos percorrer num couro dos soldados portugueses a cronologia dos acontecimentos dessa guerra, entra em cena o Movimento Nacional Feminino, ouve-se Cecília Supico Pinto afirmando que é “aberto à participação de todas as mulheres portuguesas exceto as comunistas e as comodistas”

Graças a este Movimento e ao apoio da TAP nasceu o aerograma, atores e atrizes conversam como militares e família, a conversa também transita para o presente, há cartas a um país que silenciou a guerra colonial, um militar está na Guiné, o autor entra em cena, pede colaboração à assistência, diz que está a fazer um espetáculo sobre a correspondência na guerra colonial portuguesa, diz que o pai esteve mobilizado e combateu na Guiné. Vai ser entrepelado, dão-se sugestões.

A peça muda agora de rumo, estamos no presente, conversam atores com o ex-combatente, mas há também testemunhos, não se esconde que existe o stress pós-traumático, uma atriz em cena, de nome Penélope tem como destinatário Telémaco. 

“As cartas chegavam diariamente, mas era como se falássemos em diferido. Ele respondia-me a coisas passadas. Vivíamos em tempos diferentes.” 

É uma mãe a falar ao seu filho dos amores que teve pelo seu pai, queimaram todo o correio trocado “para avançarmos com a nossa vida”

E faz-lhe um pedido: 

“Cabe-te a ti inventar as palavras que queimámos. Talvez assim, um dia, possas contar esta história aos teus filhos. Já não me cabem mais palavras nesta carta. Um beijo grande desta mãe que te ama.”

Finda a peça teatral, segue-se a carta concerto, de novo o aerograma como fio condutor, há uma triangulação na correspondência, o pai soldado, a mãe e a filha, Catarina da Paz, há saudades e há notícias, ficamos a saber que o soldado compreende a revolta de quem o combate, a mãe não esconde as saudades, e vem os festejos do 25 de Abril, Catarina da Paz despede-se do espectador dizendo que este em cena a história dos seus pais.

Em jeito de posfácio, Sónia Ferreira faz comentário a estes conteúdos. Quanto à natureza dos tais aerogramas que chegavam diariamente, mas era como se eles falassem em diferido, dirá:~

 “O peso de um tempo longo e da não-simultaneidade é-nos hoje estranho. A ideia de que a comunicação se dava em diferido, que não acompanhava o ritmo constante da vida, que as respostas que recebo hoje são sobre o ontem, provocará estranheza no público mais jovem.” 

E deixa-nos este comentário final: 

“A sociedade pós-colonial que hoje somos, fruto do desmoronar de um império que ainda hoje persiste e se afirma em ideologias racistas (como bem identifica Ricardo Correia referindo Alcindo Monteiro e Bruno Candé), em património colonial edificado e em lampejos anacrónicos de grandeza, tem se der pensada e construída em relação direta com esta memória difícil que nos atravessa, mesmo que alguns a queiram convenientemente rescrita.”
Ricardo Correia
Advertências das autoridades para a necessidade de segurança do que se escrevia nos aerogramas
Aerogramas de José Rubira: Guiné-Bissau / Montemor-o-Novo 1971-1973, retirado do site Foto-Síntese
“Aerograma Liberdade”, de Catarina Moura
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Nota do editor

Último post da série de 12 de dezembro de 2025 > >Guiné 61/74 - P27523: Notas de leitura (1873): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27532: Documentos (45): Brochura "Missão na Guiné", da autoria do Estado Maior do Exército. 3ª ed. (Lisboa, SPEME, 1971, 78 pp.) - Parte III: "Tenho a 2ª edição, 1969... Não há nenhum mapa desdobrável... A capa é ligeiramente diferente... O paleio é o mesmo" (António Tavares, ex-fur mil SAM, CCS / BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72)



1. Comentário do António Tavares ao poste P 5943 (*):

(...) Em 2010 foram publicados dois escritos, no blogue da Tabanca Grande, com a capa do livro "Missão na Guiné": um escrito é meu (poste P5943) (**) e o outro é do Eduardo Campos (poste P5886).

O autor de ambos os livros é o Estado Maior do Exército: Lisboa, SPEME, 1969 (2ª. Edição) e 1971 (referido pelo Campos).

As capas com a foto de Bissau são diferentes e o teor um pouco desigual, mas o essencial é igual. Nos dois livros não existe nenhum um mapa desdobrável do Comando Territorial Independente da Guiné (...)


Capa da 2ª edição, Lisboa,
SPEME, 1969

2. Recorde-se um excerto da mensagem de António Tavares (ex-fur mil SAM, CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 3 de Março de 2010

(...) Ao ler o P5886 (**) , do Eduardo Campos, fui comparar a capa do meu “Missão na Guiné” com o reproduzido no dito poste e verifico que a capa é diferente. Tenho a 2.ª Edição de 1969, do Estado Maior do Exército. (...)

Os escritos devem ser os mesmos, não vejo capacidades financeiras nem intelectuais para outras doutrinas numa outra edição com diferença de dois anos!

Era mais fácil aos pensadores de então mandarem trabalhar as máquinas das oficinas da SPEME do que ocuparem as suas já gastas ideias!

A segunda página começa com a fotografia anexa  e o Canto VII, de “Os Lusíadas”.

Aqui, a minha perplexidade! …”Os Lusíadas”, de Luís de Camões, poema épico! “Os Lusíadas”, escrito do séc. XVI, de 10 Cantos,  versejados com 1102 oitavas.

Luís de Camões que me foi ensinado nos anos 50 do século passado… uma das obras mais difíceis de interpretação… Confesso a minha dificuldade na interpretação desta oitava (no livro,  quadra!)

Consultei a minha 3.ª edição de “Os Lusíadas”, de Emanuel P. Ramos, da Porto Editora Lda., que me custou 40$00, e confirmo que a 3.ª oitava do dito canto está incompleta!

Começa a doutrinação  moda do governo de então!

Mas o que interessava para uma população maioritariamente sem alfabetização era passar a ideia “do cumprimento do teu DEVER de Soldado e de Português – a defesa da PÁTRIA” (sic).

A Pátria que tantos dissabores causou à geração dos ex-combatentes.

A Pátria que obrigava a terminar a correspondência oficial … A Bem da Nação!

A Pátria que esquece os seus ex-combatentes!


A monografia  (estudo geográfico e histórico) da Guiné tem descrições, que os ex-combatentes tão bem conheceram e tanto sofreram naquela terra mártir.

Uma obra à medida (literatura) e feitio (fotos) do antigo regime.

Quatro decénios decorridos a "Missão na Guiné" é um livro de consulta que me faz lembrar a história daquele país de tanta diversidade étnica, autóctone e não-autóctone como brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses em que o crioulo é a língua usada para se entenderem entre si!

Transcrevo passagens da "Missão na Guiné#:

(...) "O cumprimento da nossa MISSÃO vai exigir, ainda, tempo e muitos sacrifícios. Mas, a Vontade dos Homens de todas as raças e credos que a nossa História juntou sob a mesma e gloriosa Bandeira há-de, necessariamente, prevalecer! 

"Basta seres como tu próprio és, para, na alegria do regresso, poderes gritar bem alto àqueles que no cais orgulhosamente te aguardem – MISSÃO CUMPRIDA!" (...
)

Um abraço do,
António Tavares
ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro, 03-03-2010

(Revisão / fixação de texto, negritos,  título: LG)
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Notas dos editores CV/LG:

(*) Vd. poste de 13 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27525: Documentos (44): Brochura "Missão na Guiné", da autoria do Estado Maior do Exército. 3ª ed., Lisboa, SPEME, 1971, 78 pp.) - Parte II: "Monografia da Guiné: Aspeto físico (pp. 11-23)

Guiné 61/74 - P27531: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72) (8): escapei à terceira mina... mas o sold pqdt Lamas apanhou com um 'balázio' no braço


Angola > Leste > O alf mil paraquedista Jaime Silva, do BCP 21 (1970/72), em 1970, a norte do Rio Cassai

Foto (e legenda): © Jaime Bonifácio Marques da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã:
4 de agosto de 2012 > Jaime Silva

Jaime Silva (ex-alf mil pqdt, cmdt 3ª Pel /1ª CCP / BCP 21, Angola, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande, nº 643, desde 31/1/2014, tendo já 130 de referências, no nosso blogue; reside na Lourinhã, é professor de educação física, reformado, foi autraca em Fafe, com o pelouro de "Desporto e Cultura": residiu lá durante cerca de 4 décadas): Tem página pessoal do Facebook


Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci (8): escapei à terceira mina... mas o meu sold pqdt Lamas apanhou com um 'balázio' no braço

por Jaime Silva

Não esqueci que o soldado paraquedista Joaquim da Silva Lamas Júnior apanhou com um “balázio” num braço. Este acidente ocorreu no final da “operação Remover II”, realizada na região do rio Cassai, no Leste de Angola, entre os dias 29 de outubro e 6 de novembro, de 1970.

Participavam na operação dois pelotões de paraquedistas e um pelotão do exército. sediado em Vila Teixeira de Sousa [desde 1975, Luau, hoje província do Moxico Leste]. Este deu-nos apoio em transporte, com duas viaturas Berliet, no trajeto entre o aquartelamento e o rio Cassai e, ainda, na travessia do rio em barco de borracha.

Durante este trajeto, o pelotão do exército, comandado por um alferes miliciano de Operações Especiais, progredia em cada um dos dois lados da picada, montando segurança às viaturas que transportavam os paraquedistas.

Acontece que, nesse trajeto, à frente da primeira viatura em que eu seguia, ao lado do condutor (e em cima de sacos de areia), dois soldados picavam o trilho por onde os pneus das viaturas iriam rodar, a fim de detetar minas anticarro colocadas pelo MPLA. Então, quando a tropa já tinha percorrido quase metade do percurso, o alferes do exército manda parar a coluna, em virtude de um dos soldados, que progredia na frente, ter detetado movimentos de pessoas à distância.

O mesmo alferes aproveita a paragem para revezar os Picas [#], uma vez que lhes era exigida grande concentração para detetar a existência de minas.

O intervalo prolongou-se, em virtude de haver necessidade de verificar se o IN nos tinha preparado alguma emboscada. O Pica do meu lado, que tinha terminado o seu turno, veio falar comigo, encostando-se ao guarda-lamas da roda da frente da Berliet. Enquanto conversávamos, esse soldado picava o terreno junto ao pneu, perto dos seus pés, num gesto mecânico e automático. Em determinado momento, incrédulo, exclama (e foi mesmo assim!):

 − Quer ver, meu alferes?!  quer ver,. quer ver?!... Está aqui uma mina! 

E estava, mesmo junto à roda da Berliet… aos pés do soldado… e do meu lado!

E eu volto a escapar à terceira mina… as minas não quiseram nada comigo.

Nessa altura, o alferes do exército, com experiência nestas circunstâncias, deita-se no chão, de barriga para baixo e, com uma faca de mato, começa a retirar a terra em volta da mina. Uma vez posta a descoberto e, com todos os militares à distância de segurança, ata-lhe uma corda e consegue retirá-la do local. Depois, agarra na mina, que estava dentro de uma caixa de madeira, cujo material explosivo chegava para dar cabo da viatura e da maioria do grupo, e leva-a consigo para o quartel.

A deslocação da tropa continuou; atravessámos o rio num bote. Os militares do exército regressaram ao quartel e os paraquedistas embrenharam-se na mata para cumprir a missão.

Três dias depois, no final da operação e no horário combinado, o exército voltou a aparecer para nos apoiar na travessia do rio e no transporte para Vila Teixeira de Sousa. Porém, no momento em que o primeiro grupo estava a atravessar, acontece que, a determinada altura, ouvimos vozes e vimos um grupo de guerrilheiros a aproximar-se do rio. 

Deu-se um tiroteio… e o confronto do costume. Nesse tiroteio, o Lamas fica ferido com um tiro no braço. Este soldado pertencia à Secção, comandada por mim, que estava responsável por montar a segurança e proteger a retirada e travessia do rio dos nossos camaradas.

Fonte: excerto de Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 88-90
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Nota do autor:

[#] O Pica era treinado a detetar minas. Caminhava à frente dos rodados das viaturas e picava o terreno com um pau rudimentar com ponta de ferro na extremidade. Pelo impacto do ferro ao cravar-se na terra percebia se algo fora do normal, ferro ou madeira, seria sinal da existência de uma eventual mina.
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Guiné 61/74 - P27530: Parabéns a você (2443): António Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)

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Nota do editor

Último post da série de 12 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27520: Parabéns a você (2442): Francisco Palma, ex-Soldado CAR da CCAV 2748/BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)

domingo, 14 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27529: Manuscrito(s) (Luís Graça) (278): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara, pseudónimo literário de José António Bóia Paradela (1937-2023), ilhavense, urbanista, arquiteto e escritor - Parte IV: O Ester, o "menino Zeca" que era mecânico de aviões na base de São Jacinto

ilhavense, urbanista, arquiteto e escritor
(Ábio de Lápara era o pseudónimo literário)

Capa do livro "A Rua Suspensa dos Olhos" de Ábio de Lápara (edição de autor, José A. Paradela, Aveiro, 2015, 164 pp.) (*)...

Ábio de Lápara é o pseudónimo literário de José António Bóia Paradela (1937-2023), ilhavense, urbanista, arquiteto e escritor
 

1. Por cortesia de autor, ainda em vida, pela grande amizade que ele nutria por mim e eu por ele (tratávamo-nos por "manos"), e pela paixão que o nosso blogue dedicava à  epopeia da pesca do bacalhau (que chegou a ser alternativa à guerra colonial), transcrevemos, em tempos em três postes, o capítulo 7 (A viagem “O Mar por Tradição”, pp. 83-107), do livro "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (edição de autor, Aveiro, 2015).

O autor, ilhavense, filho e neto de marinheiros, evoca e descreve com enorme ternura e talento a rua onde nasceu e cresceu, e onde conheceu algumas das figuras humanas da sua terra, que marcaram a sua memória e o seu imaginário ...

Como já escrevemos em poste anterior, "um simples olhar de relance pelo índice do livro, de 164 pp., permitia logo adivinhar quanto humanidade, ternura, inocência, traquinice, generosidade e poesia havia na Rua Suspensa dos Olhos, afinal a rua da nossa infância, a rua onde nascemos e crescemos. Falo da nossa geração, que ainda nasceu em casa, e brincou na rua. 

Nesses três postes, e com a devida autorização do autor, publicámos o relato da sua viagem de seis meses na safra do bacalhau, nas costas da Terra Nova e da Groenlândia, quando ainda adolescente, aos 17 anos, em 1954, e como estágio final do curso da Escola Profissional de Pesca, em Pedrouços, Lisboa, é chamado para embarcar e fazer "A Viagem", por antonomásia.

Foi  uma experiência que o marcou para o resto da vida, não só pela dureza das condições de vida a bordo e a capacidade de resiliência como pela descoberta e reforço da camaradagem, solidariedade e amizade entre a tripulação (marinheiros e pescadores). Tal como a a tropa e guerra, no nosso caso. (O Zé António, também como bom ilhavense, fez depois o serviço militar na Marinha, numa altura em que a Marinha não precisava de muitos marinheiros.)

A vida deu, entretanto, outras voltas e o autor não seguiu o destino dos seus antepassados... Aluno brilhante, acabou por ganhar uma bolsa de estudo, ficar em Lisboa e poder aceder à universidade, tornando-se depois  um nome de referência da arquitetura e urbanismo em Portugal. (Entraria para o curso de arquitetura na Escola Superior de Belas Artes, no ano letivo de 1960/1961; fundou e geriu a empresa PAL - Planeamento e Arquitectura, com sede em Lisboa;  deixou obra por todo o país, e em especial na Região Autónoma da Madeira).

Conheci-o depois do 25 de Abril. E começámos a conviver quando os nossos filhos eram pequenos.  Em 18 de fevereiro de 2023 foi à sua terra despedir-me dele.

Em sua homenagem, recomecassámos recomeçámos a publicar mais excertos do seu livro "A Rua Suspensa dos Olhos" (*)


Excertos de "A Rua Suspensa dos Olhos" - Parte IV:   O Ester, o "menino Zeca", que era mecânico de aviões na base de São Jacinto

por Ábio de Lápara / José António Paradela
(1937-2023)


Cada um está só sobre o coração da terra
Trespassado por um raio de sol:
E de repente é noite


Salvatore Quasimodo


O ESTER

(...)  A propósito de plásticos, começo por contar hoje a estória de um homem que, para alguns dos que ainda são vivos cá pela rua, parece constituir um ícone típico da terra.

A minha casa, confinava num dos seus lados com um beco de largura apenas suficiente para deixar passar uma carroça de bois para os aidos e as agras que existiam a norte.

Ao fundo do beco, um afastamento maior entre as casas dava forma a um pequeno largo que permitia à garotada organizar algumas brincadeiras. Ali se jogava a macaca, o botão, o salta-carneiro, o uma na muna… e o pião, claro!

Quando começa a estória que vou contar, eu era muito pequeno. Devia ter uns quatro ou cinco anos.

Franzino como o Polegarzinho, a senhora Ester, dona da casa ao fundo do beco e conhecida a contragosto como Ester Manca por ter sido atingida num pé por uma cana de foguete, tinha por hábito pegar em mim quando passava à nossa porta, e colocar-me dentro do cesto de verga em que costumava transportar os frutos do seu quintal. Indescritível é o prazer que isso me dava, provocando-me arrepios!

Era amiga da minha mãe e aproveitava para dar dois dedos de conversa antes de reentrar em sua casa.

Falava do filho único que tinha e que estudava mecânica na aviação, em São Jacinto, lá para os lados da Barra. Tratava-o por Zeca.

 —  O meu menino Zeca —  dizia ela.

E, após a cavaqueira, lá seguia comigo dentro do cesto que colocava sobre a cabeça, até ao quintal onde quase sempre havia fruta para me oferecer.

Era o tempo da segunda guerra na Europa. Os biplanos de treino de cor amarela, vindos da Base Aérea, sobrevoavam constantemente os céus da vila, executando cabriolas admiráveis.

Os aviões nesse tempo davam pelo nome de aeroplanos. No meu linguajar de então, eram os "ráplanos", e era aquilo que eu queria fazer quando fosse grande!

Nos fins de semana o “menino Zeca” vinha a casa. Era a alegria da mãe, orgulhosa do seu menino que dizia ser bastante inteligente e bom aluno, mas também do pai, o senhor Gaivota, homem possante e mais reservado, cuja memória está mais esbatida no meu nevoeiro.

Para mim eram momentos de deleite. O “menino Zeca” tinha um pouco por todo o lado, molhos de revistas sobre aviões, paraquedas, bombas enormes e outros artefactos de guerra que me ia mostrando folha a folha. Explicava-me tudo aquilo tim tim por tim tim, como se eu pudesse entender, tal era a atenção que me via dedicar ao assunto.

Em manhãs de bom tempo pedia à minha mãe para me levar a passear com ele, ora pelo jardim da vila, ora pelas agras onde ia conversando sobre ventos e marés, parando de vez em quando para observar as evoluções dos biplanos de treino, voltejando sobre as nossas cabeças.

Um dia fez para mim um papagaio de papel, talvez o meu primeiro papagaio de papel, maravilha voadora!

E, como papagaio de papel sem fio não voa, foi buscar um cordão grosso que desfiou sabiamente em fios mais finos explicando-me:

—   É um cordão daqueles que viste nos paraquedas das revistas. Por dentro tem estes fios tão finos mas tão resistentes que não consegues parti-los!

Experimentei. Era de facto impossível. Pelo menos com a força que eu utilizava para partir a linha número cinquenta da máquina de costura da minha avó, quando ela me pedia que lhe enfiasse a linha na agulha por ter a vista já cansada.

—  É fio de nylon, uma invenção dos americanos  — disse-me.

Nunca mais esqueci o nome. Esta terá sido a minha primeira incursão no mundo dos plásticos!

Um dia, que não consigo localizar com precisão, por tantos os anos que já passaram, a conversa da senhora Ester com a minha mãe rodeou-se de tons velados e suspiros profundos. A partir daí a minha mãe aconselhou-me a não passear pela agra com o "menino Zeca", porque existiam muitos poços de rega desprotegidos e eu poderia cair nalgum deles.

Não entendi muito bem aquela conversa porque os poços já lá estavam antes, mas percebi que algo de estranho se passava.

Embora continuasse a encontrar-me com o “menino Zeca” e a gostar muito da sua companhia, não voltei mais à agra e fui reparando que, com o passar do tempo, ele assumia um ar cada vez mais indiferente, ensimesmado. Tinha dias melhores e outros nem tanto. Passou a estar mais tempo em casa e menos na aviação.

Passado algum tempo foi internado num hospital psiquiátrico e perdi definitivamente os seus pacientes e minuciosos ensinamentos.

Anos depois voltou ao jardim. Lembro-me então de uma hierática figura de fala-só, envergando um sobretudo azul, discursando sobre aviões, talvez a única paixão da sua vida.

Mais tarde os pais morreram e o menino Zeca continuou sozinho tratando de si.

Eu deixara Ílhavo há muito tempo e só esporadicamente o encontrava nas raras férias que por ali passava. Ali estava ele sempre de pé, falando só, no meio do jardim, junto do obelisco onde figuram os nomes dos mortos ilhavenses na Grande Guerra.

Muitos anos depois, tive de deslocar-me de Lisboa a Sesimbra por motivos profissionais já esquecidos. No regresso, no meio de uma rua estreita do antigo burgo, uma silhueta que me pareceu familiar, falava sozinha.

Parei o carro e aproximei-me. Em poucos segundos um corrupio de imagens desfilou por mim adentro, perplexo por aquele encontro fora do contexto habitual, a trezentos quilómetros da nossa vila natal.

Lá estava o “menino Zeca”, agora mais idoso, mas falando sempre de aviões. Olhou um segundo para mim e continuou o seu discurso que dispensava interlocutor.

Nó na garganta, recuei uns passos acautelando a fronteira. Vivíamos em planetas diferentes, em mundos aparentemente paralelos cujas órbitas se tinham cruzado apenas nas imagens sépia, das revistas amarelecidas dos anos quarenta. Tinham passado cinquenta anos desde que ele me fizera a minha primeira estrela, lançada aos ventos da agra, no meio dos “ráplanos”. Uma pequena eternidade!

O último familiar que tinha, para lá o levara. Restos da diáspora ilhavense ainda presentes naquela terra de pescadores. Desde aí, nunca mais ouvi falar dele. Esta foi a última imagem que me restou.

Mas há dias, no Facebook, alguém relembrava essa pacífica figura do jardim de ílhavo, ironicamente falando de aviões e de guerra: o Ester, nome pelo qual ficou conhecido o menino de sua mãe, o meu "menino Zeca".

Costa Nova, 31/10/2011

(Seleção, revisão/ fixação de texto,  título: LG)
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Nota do editor LG:

Guiné 61/74 - P27528: (in)citações (282): Reflexão entre dois copos de tintol (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)


REFLEXÃO ENTRE DOIS COPOS DE TINTOL

adão cruz

Caros amigos, já tenho escrito algumas reflexões referindo o vinho como estimulante da criatividade, pois ao contrário do que por aí se divulga, dizendo que o vinho é pior do que o tabaco e é o causador de sete cancros (!), ao fim de uma longa vida e de uma grande experiência profissional nunca de tal me dei conta. Além disso, um ou dois copinhos funcionam como uma espécie de analgésico ou anestésico, ainda que ligeiro, contra a dor causada pela barbárie e a crueldade de um mundo que começa a não ter razão de existir.

Almocei na Taberna do Doutor. “Doutor” refere-se à minha pessoa, por amizade e gentileza do meu amigo Zé Carlos, dono do restaurante. Entre dois copos de tintol, falámos de várias coisas. Ao ver entrar para o quarto de banho uma daquelas mulheres que dos sapatos ao cabelo, tendo o rabo de permeio, enquadram o tipo curvilíneo da exibição meramente física, falámos de sexo e do mais importante órgão sexual, o cérebro. Também falámos de amor, de simpatia e empatia, conceitos neurobiológicos bem diferentes. E a conversa desenrolou-se por aí fora, a sério e a brincar. Entretanto, o meu amigo recebeu um telefonema e começou a falar das suas vidas ao telefone. Foi aqui que entrei no segundo copo e a minha reflexão mudou de rumo.

Nesta idade, começo a caminhar à margem da vida, vivendo cada vez menos a vida exterior e cada vez mais a vida interior, ou por outras palavras, vivendo cada vez mais interiormente o sofrimento dos outros, dos desgraçados povos deste terrífico mundo.

 Nunca tive nem tenho a presunção de ser o que quer que seja, além de ser Eu. Penso que sou Eu, apenas Eu, e que sempre procurei na vida dar a este Eu seriedade e autenticidade. Contudo, pensando bem, eu não sou eu, eu não sou só eu, sou eu e o outro, eu e os outros.

 A vida é tanto mais vida quanto mais entrelaçada estiver com as malhas das outras vidas, com a poesia, a arte e o sonho de viver em feliz comunidade, melhor dizendo, entre as malhas do sentimento, porque é de sentimentos que se trata, do ponto de vista subjectivo, objectivo, científico e neurobiológico. O rio da nossa vida, da vida de todos nós tem todo o direito de nascer, correr mais fundo ou menos fundo, entre margens mais apertadas ou menos apertadas, até se alargar num estuário, de braços abertos, em plena liberdade, esquecendo as margens e sussurrando baixinho, quando é afagado pela brisa dolente e poética do fim da tarde, à entrada do mar.

Mais um gole, e a reflexão continuou. Uma reflexão que nada tem de profundo, mas que bate fundo ao reduzir-nos à nossa essência, de raízes bem assentes na vida, que devia gerar caules e flores distintas, mais ou menos delicadas e perfumadas, o que infelizmente nem sempre acontece. 

Falámos de mulheres, de trajes, de comportamentos, do culto do corpo acima de tudo, de vidas e outras coisas. Estas conversas de taberna não ficam atrás de palestras e debates no que respeita ao seu sentido pedagógico. As memórias da vida permitem-nos reconhecer nestas reflexões entre dois copos uma maior sintonia entre o sentimento e a sua materialização. Sobretudo, a materialização do sentimento da felicidade, muito difícil de acontecer na maioria das vidas, ao contrário do que se pensa.

 A verdadeira felicidade não é só ter a barriga cheia, ou a vida lustrosa tantas vezes vazia, ou a vida cheia… tantas vezes de nada. Por isso, eu penso que poucos seres humanos conseguem ultrapassar aquela fronteira para além da qual se encontra o sol radioso da felicidade, a qual só existe na verdadeira fruição estética da vida humana.

Assim sendo, escoei o copinho e vim até casa estender-me ao comprido, tendo apenas o tecto como horizonte.

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Nota do editor

Último post da série de 18 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27438: (in)citações (281): Os deuses também erram (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

Guiné 61/74 - P27527: S(C)em Comentários (84): O povo Balanta / Brassa foi empurrado para os braços do PAIGC pelo comportamento inicial, pouco prudente, das chefias militares portuguesas... Claro, pagou um preço muito alto: foi a "carne para canhão" do Amílcar Cabral (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário do Cherno Baldé ao poste P23736 (*) 

Este testemunho de um guerrilheiro que participou na batalha de Como, ajuda-nos a compreender um pouco  melhor como as coisas se passaram, vistas do outro lado. Mesmo se ainda continua coberto com uma pequena áurea da mitologia de glorificação das suas acções com que o PAIGC quis cobrir estes acontecimentos do início da guerra na Guiné.

A batalha do Como foi, de facto, nada mais nada menos que uma das maiores operações militares da chamada guerra do Ultramar português.

De certa forma esta pequena crónica simboliza uma justa e sentida homenagem ao enorme sacrifício consentido pelo povo Balanta (Brassa) que, de forma insensata, foi quase que empurrada para os braços do PAIGC pelo comportamento pouco prudente das chefias militares portuguesas,  presentes no terreno nos primeiros anos da guerra, 
aqui contados pelo veterano 'cmd' Amadu Bailo Djaló no seu livro aquando da sua passagem por Bedanda, que não souberam gerir da melhor forma os dilemas e as relutâncias em que viviam estas comunidades, apanhadas entre dois fogos.

No mesmo período, no Norte e Nordeste, também acontecia a mesma coisa, com a diferença de que aqui eram os guerrilheiro a agir perante a recusa de adesão da população à sua causa, sobretudo do povo Fula....

Estando posicionados maioritariamente do lado português, os fulas e outros foram vítimas de actos semelhantes, quando não era a tropa a roubar e matar o gado encontrado no mato. (...) (**)

terça-feira, 25 de outubro de 2022 às 23:31:00 WEST 
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Notas do editor LG:

(*) Vd. 25 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá

(**) Último poste da série > 9 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27510: S(C)em Comentários (83): Armazéns do Povo nas "regiões libertadas!": mais um mito para Sueco ver (Cherno Baldé, Bissau)

sábado, 13 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27526: Os nossos seres, saberes e lazeres (713): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (234): A ópera Carmen, de Bizet, a maior igreja gótica do mundo, a Casa Lonja, tudo isto se passa em Sevilha, depois Granada e por fim Córdova - 1 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Este afã, inventado pela sociedade de consumo, de andarmos a visitar lugares só para olhar e pouco ver, finda a aventura excursionista, fica um travo de amargura.

 Começar por Sevilha e não visitar os Alcázares Reales, o esplêndido Museu de Belas Artes, o espaço da Cartuxa onde se realizou a Expo 92, não poder andar pausadamente pela Praça de Espanha, pela Triana e pela Macarena, deixa-me desgostoso, ainda por cima estava um tempo sublime, surpreendeu-me multidões por toda a parte, até ter descoberto que outubro é uma época altíssima do turismo, até ao Natal. 

Cheio de inocência e candura, também me esqueci de comprar bilhetes antecipadamente, paguei um preço severo, vi importantes monumentos do lado de fora. Aos 80 anos ainda tenho muito que aprender.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (234):
A ópera Carmen, de Bizet, a maior igreja gótica do mundo, a Casa Lonja, tudo isto se passa em Sevilha, depois Granada e por fim Córdova - 1


Mário Beja Santos

Não é propriamente ver Braga por um canudo, acordou-se em cerca de nove dias para sair de Lisboa e ir diretamente até Sevilha, daqui rumar para Granada, mudar de autocarro até Córdova, regressar a escassas horas até Sevilha, novo autocarro até Tavira, para uma curta estadia, mas com grande afeto.

O passeio começou em frente à Universidade, a antiga Fábrica dos Tabacos. Diz-se que a Praça em frente ao portão da tabaqueira é o palco de primeiro ato da ópera Carmen, de Bizet. Trata-se do local onde antigamente milhares de mulheres enrolavam folhas de tabaco para fazer charutos. Estamos a ver o portal principal coroado por uma estátua da Fama, é um edifício gigantesco, tem quatro alas, vários salões, no passado houve pátios interiores, estábulos e poços. Nos terraços de armazenamento, eram colocadas as folhas de tabaco em fornos especiais. 

Diz o guia que é possível visitar o gigantesco complexo da Universidade, mas tudo estava fechado. O edifício assemelha-se a uma fortificação militar com as alterações dos hábitos dos fumadores e a chegada do cigarro, a fábrica de tabacos entrou em declínio. Passou-se ao lado do icónico hotel Afonso XIII, passou-se por uma série de estabelecimentos de comidas onde toda a gente tinha à frente chocolate com churros, demandou-se a catedral, mas impunha-se ver com admiração o Arquivo Geral das Índias, não me importaria de andar por aqui a bisbilhotar este acervo de preciosidades dos descobrimentos do Novo Mundo.

Há um dado curioso sobre a vida anterior deste Arquivo. Aqui funcionou a Bolsa de Comércio, e quando esta deixou de ter importância, Carlos III instalou ali o Arquivo, daí o nome Casa Lonja. Segue-se agora a viagem até à Catedral de Santa Maria

Fachada principal da Universidade de Sevilha, antiga Fábrica Real de Tabacos
A Casa Lonja, hoje o Arquivo Geral da Índias, guarda os documentos da história dos descobrimentos do Novo Mundo. Aqui podem encontrar-se menções a Cortés e Pizarro, os descobridores do México e do Peru, a Fernão de Magalhães, e o Tratado de Tordesilhas, pelo qual as casas reais de Espanha e Portugal dividiram o Novo Mundo.
Uma das entradas da Catedral de Santa Maria, a primeira Catedral Andaluza, é a maior catedral gótica do mundo e as suas dimensões são superadas apenas pelas da Basílica de S. Pedro e da Catedral de S. Paulo, em Roma e em Londres, respetivamente.
A Giralda, começou por ser minarete da mesquita, como é patente teve acréscimos posteriores, felizmente não foi desfigurada a impressionante beleza deste património da arte islâmica. Atenda-se a um dos contrafortes da impressionante catedral.
Neste dia não havia visitas à catedral, assisti à missa com o sermão do Bispo de Sevilha, com canto coral, ali estive uma hora sentado em frente do maior retábulo que existe em Espanha.
É rigorosamente proibido tirar fotografias na catedral, a que mostro é obra de outro. Tem uma largura de mais de 18 metros e uma altura que se aproxima dos 28 metros, este é o retábulo principal da Capela Maior. É uma escultura de madeira de nogueira, larício e castanheiro, tem a forma de tríptico coroado por um baldaquino. O retábulo engloba 45 grupos de figuras, são momentos capitais da vida cristã. Para compensar distorções de perspetiva, as figuras de cima são maiores para que não pareçam mais pequenas vistas de baixo.
Lamento não poder mostrar o interior da catedral, a Capela Real, a Sacristia Maior, o túmulo de Cristóvão Colombo, a beleza das abóbodas, o Coro, enquanto participei na missa bem tentei admirar aquela mistura de elementos góticos mudéjares e platerescos, diz-se ser o cadeiral mais belo do sul de Espanha. A catedral foi concebida à semelhança dos salões de basílica, tem uma planta retangular, está dotada de cinco naves laterais e de capelas, que se encaixam entre os contrafortes. A catedral conheceu ampliações. Por exemplo, Carlos V mandou construir a Capela Real por cima de uma capela mais antiga na abside leste.
Impedido de fotografar dentro da catedral, aproveitei o ensejo de captar algumas imagens desde a entrada até à Capela principal propriamente dita, são as imagens que aqui retive, bem como esta última imagem do seu exterior que permite ver um pormenor da sua monumentalidade. 

E daqui parti, cheio de convicção de que era muito fácil ir visitar os Alcázares Reales, há umas boas décadas que cá não entrava. Qual quê! Uma fila quilométrica e a informação de que não era possível entrar antes do meio da tarde. Fica para a próxima.
Esses Álcazares Reales pertencem ao complexo histórico mais interessante de Sevilha, é impressionante a variedade arquitetónica que não retira brilho à harmonia geral. Remonta ao tempo do domínio árabe em Sevilha, o tempo do califado de Córdova e mais tarde aqui moraram os soberanos abádidas. 

Com a reconquista cristã, em 1248, no reinado de Fernando III, o Alcázar tornou-se residência cristã, houve sucessivos acréscimos, fiquei muito triste de não voltar a ver os jardins, o pavilhão de Carlos Pinto, o pátio de Yeso e o Palácio de D. Pedro. Há mais marés que marinheiros. O passeio prossegue.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 6 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27500: Os nossos seres, saberes e lazeres (712): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 5 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27525: Documentos (44): Brochura "Missão na Guiné", da autoria do Estado Maior do Exército. 3ª ed., Lisboa, SPEME, 1971, 78 pp.) - Parte II: "Monografia da Guiné: Aspeto físico (pp. 11-23)


Capa do livro: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1971, 77, [5] p., fotos.


(pp. 11-23)


Aspeto da vegetação guineense (pag. 23)

Mapa da Guiné

- 15 . 

Mapa da Guiné: Parte oeste do território (fazendo fronteira, a norte com Senegal; e sendo banhado a oeste e a sul, pelo oceano Atlântico). Principais localidades assinaladas:  Bissau, Bolama, Bubaque, São Domingos, Cacheu, Varela, Susana, Teixeira Pinto, Bula, Binar, Bissorã.

 Rios: Cacheu, Mansoa, Geba, Grande de Buba. Tombali. 

Ilhas: Bissau, Bijagós, Como, Jeta, Pecixe 


Mapa da Guiné: Parte leste do território (fazendo fronteira, a norte com Senegal; a leste e a sul, com a Guiné-Conacri). Principais localidades assinaladas: Farim, Mansabá, Mansoa, Pirada, Buruntuma, Piche, Nova Lamego, Beli,  Madina do Boé, Bafatá, Contuboel (e não Cotumboel), Xitole, Bambadinca, Xime, Fulacunda, Buba, Catió, Tombali, Bedanda, Guileje (ou Guilege), Cabedu, Cacine, Ponta Cajete. 

Rios: Farim, Geba, Corubal, Grande de Buba, Cumbijã, Cacine
Ilhas: Como, Melo

Nota de LG: a negrito, vão as sedes de circunscrição / concelho



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Cortesia da página do Facebook do grupo 
 Editado em 1967 pelo SPEME - Serviço de Publicações 
do Estado Maior do Exército (79 pp. + 9 inumeradas + fotos).
 Disponível na biblioteca do Exército.
. Capa: vista aérea de cidade de
 Luanda e da baía da ilha de Luanda



Disponível na Biblioteca do Exército, 
Editado em em 1967 pelo SPEME
 (76 pp. + 4 inumeradas + fotos)


1. Tem talvez um valor sentimental mas também documental esta brochura do Estado Maior do Exército, que nos era distribuída já a bordo do navio que nos transportava para a Guiné (ou do avião dos TAM, a partir de finais de 1972).(*)

 Com cerca de 70/80 páginas conforme as edições (a que estamos a reproduzir é a 3ª, do ano de 1971) era constituída por três partes: (i) Missão no Ultramar; (ii) Monografia da Guiné: aspeto físico, humano e económico; (iii) Informações úteis. 

Havia igualmente  brochuras semelhantes, com a mesma estrutura (e o mesmo "paleio", na parte respeitante á "Missão no Ultramar"), para as tropas do Exército mobilizadas para Angola e para Moçambique, edição do SPEME: "Missão em Angola" (1967); "Missão em Moçambique" (1967). 

Cada uma dessas brochuras  tinha uma barra de cor diferente: verde (Guiné), vermelha (Angola) e azul (Moçambique), com uma foto aérea da respetiva capital (Bissau, Luanda, Lourenço Marques).

Vamos agora entrar na monografia da Guiné: é antecedida pela publicação de um mapa do território e uma sucinta bibliografia: cerca de 20 títulos de livros, de autores na altura mais ou menos alinhados com (ou tolerados por) o regime do Estado Novo, entre eles alguns antigos combatentes da Guiné, nossos conhecidos: 
  • Hélio Felgas, já falecido com o posto de maj- gen;
  • Manuel Barão da Cunha; 
  • e Armor Pires Mota, este membro da Tabanca Grande, e  escritor de grande talento (tal como, de resto,  o Barão da Cunha).

Há investigadores, etnógrafos, antigos administradores da carreira colonial / ultramarina, historiógrafos,  escritores e jornalistas,  conhecidos (e com referências no nosso blogue), tais como Almirante Teixeira  da Mota, António Carreira, Manuel Belchior, João Vicente Santana BarretoAmândio César em esquecer José Júlio Gonçalves, Augusto Santos Lima, etc.)

Certamente por lapso, esta lista com sugestões de leitura, apesar de referida, não vem publicada na 1ª edição da brochura (1967).

Agora dizer-se que qualquer destes livros estavam disponíveis "em qualquer biblioteca pública", em 1971,  era gozar com a malta que vivia no interior e mesmo em muitas vilas e cidades do litoral... Bibliotecas públicas nas nossas santas terrinhas ? Quando muito a "carrinha itinerante" da Biblioteca Calouste Gulbenkian e que, infelizmente, não chegava  a todo o lado, e muito menos á Guiné. 

Espero que muitos dos nossos leitores reconheçam esta(s) brochura(s), que eram na época de distribuição gratuita.



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Nota de LG: a superfície da Guiné era e é de 36.125 km2 (e não 31,8 mil)

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Nota de LG: Quem escreveu o texto nunca esteve na Guiné. A lagoa de Cufada não fica na região do Cacheu, no  norte, mas na região de Quinara, já no sul ... Quanto ao macaréu, também nunca o viu: falar em "ondas enormes", até parece que macaréu é tsunami... Por outro lado, chamar ria ao Cacine.... é capaz de ser muito discutível. 

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Fonte: Excertos de Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1971, 77, [5] p., fotos, pp. 11-23.

(Continua)
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Nota do editor LG: