Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1967, 68, [5] p., fotos.
Capa e contracapa da brochura, foto intercalar e índice.
Fonte: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 3ª ed., 1971, 77, [5] p., fotos.
1. Quem ainda se lembra desta brochura ? Era uma edição do SPEME - Serviço de Publicações do Estado Maior do Exército. A mim foi-me distribuída já a bordo do T/T Niassa. Tenho um exemplar da edição de 1967, assinada por mim, com a data de 26/5/1969. Fui descobri-lo no sótão, coberto de pó, entre outros papéis do tempo da guerra. É ilustrado com 6 fotografias a preto e branco.
É uma espécie de folheto "turístico-militar"... Vale a pena relê-lo. Com os olhos de hoje. E disponibilizar o documento para os leitores do blogue. Tenho duas edições, a de 1967 (68 pp.) e a de 1971 (77 pp.) (esta última oferecida pelo nosso camarada Mário Beja Santos, mas em fotocópias).
A 3º edição (1971) vem revista e aumentada, com mais páginas (77) e fotos (9). Desapareceu a foto do soldado de capacete e arma aperrada, algures num trilho cerrado, bem como a citação erudita e hermética do Luís Vaz de Camões (Lusíadas, Canto VII, estrofe 3) ("Vós, Portugueses, poucos, quanto fortes, / Que o fraco poder vosso não pesais; Vós, que à custa de vossas várias mortes / A lei da vida eterna dilatais".)
Convenhamos que, num livrinho destes, de "acolhimento", replicar aqui o pobre do Camões épico e a sua narrativa de um povo ("poucos quanto fortes") com um desígnio divino, o de dilatar a fé e o império, à custa de inúmeros sacrifícios (incluindo a morte), podia ter um efeito perverso e afetar o moral da tropa: um crescente número de milicianos mas também de praças do contingente geral (para além de jovens oficiais do quadro permanente) já não se revia no "uso e abuso" do grande poeta, apropriado e instrumentalizado, "ad nauseam", pelo Estado Novo para justificar a ideologia e a política da defesa do Portugal do Minho a Timor. E para mais apologética e proselitista: "a lei da vida eterna" é, metaforicamente falando, o cristianismo...
A 3ª edição está mais alinhada com o espírito e a letra da política spinolista "Por uma Guiné Melhor". De resto, já não era "politicamente correto" juntar a cruz e a espada, como no tempo das cruzadas, para mais num território onde cerca de 1/3 da população era muçulmana, nela se contando os nossos principais aliados, os fulas.
Vamos seguir esta edição de 1971. A legenda da foto que reproduzimos põe a ênfase mais na participação ativa dos militares no desenvolvimento socioeconómico do território (reordenamentos, saúde, educação, construção de estradas, etc.) do que na guerra propriamente dita, de que toda a gente, em 1971, já estava farta e cansada.
A legenda da primeira foto, em página não numerada, da 3ª edição é, de facto, elucidativa : "Uma Guiné melhor sai também dos braços fortes do soldado português".
Para o militar que ia para a famigerada Guiné, era mais simpático e securizante pensar que, mais do que ter que andar com a G3 nas mãos, à caça do "turra" por matas e bolanhas, era mais útil e sobretudo menos penoso ajudar a construir escolas, casas, centros de saúde , estradas, etc., criando assim as condições para o povo da Guiné poder desenvolver-se e, um dia, quiçá, poder escolher livremente o seu caminho... sem ser pela força das armas.
2. A brochura começa por definir a nossa "Missão no Ultramar" (sic), em 3 pontos (pp. 7-10) (vd. páginas acima).
No essencial, segue o texto de 1967, com ligeiras mas subtis diferenças, que não são apenas semânticas mas também conceptuais, eliminando-se algumas "tiradas", estafadas, de patriotismo serôdio:
(ii) o ponto 3 foi encurtado, e logo no primeiro parágrafo há outra alteração; na edição de 1967, escrevia-se: "Das dificuldades da tua missão ninguém duvida, mas a NAÇÃO tem boas razões para confiar em ti!";
(iii) de facto, conceitos como Pátria e Nação eram, afinal, demasiado abstratos para o comum dos soldados, em 1971, no pós-salazarismo; daí a utilização de uma linguagem menos esotérica, mais assertiva ou mais próxima do léxico do destinatário ( como, por exemplo, camaradas);
(iv) mantiveram-se os últimos dois parágrafos ("Valentes e duros"... e " Basta seres como eles");
(v) eliminou-se todo um parágrafo abstruso, gongórico, operativo, panfletário, que, evocando a voz do sangue dos antepassados, terminava assim: "A tua geração, Soldado de PORTUGAL, escreve em terras de África páginas das mais gloriosas da nossa gloriosa HISTÓRIA! (edição de 1967, pág. 4). (Portugal e História, em caixa alta.);
(vi) manteve-se a chamada de atenção para a importància das boas relações com as "populações nativas" (sic), respeitando e fazendo respeitar os seus "usos e costumes" como bem os "direitos de família" (sic);
(vii) com vista claramente à prevenção do racismo (termo que nunca é usado), lembra-se ao militar que vai para a Guiné, que por detrás de uma "pele negra" esconde-se uma "alma portuguesa", aliás tão portuguesa como a de qualquer militar metropolitano.
3. Segue-se depois ums pequena "monografia da Guiné", abarcando os aspectos físico, humano e económico do território (pp. 10-65).
Nas últimas páginas (68/77) dão-se informações úteis para o militar que ia fazer a sua comissão de quase dois anos num território exótico, a 4 mil km de distância de casa ( e que não era propriamente uma estância de turismo):
- legislação militar (vencimentos, gratificações);
- pensão de família;
- subvenção de família;
- correspondência postal;
- transferência de dinheiro para a metrópole;
- diferenças horárias;
- emissões radiofónicas;
- ligações aéreas com a metrópole.
Não podemos garantir que na 3ª edição (1971) houvesse um pequeno mapa da província, em anexo (não constava em 1967, pelo menos no exemplar que eu possuo e que pode estar truncado; em boa verdade, tenho ideia que vinha com um pequeno mapa, desdobrável, em anexo, no fim).
(Digitalização da brochura e nota introdutória: LG)
(Continua)
Fonte: excertos de: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa, SPEME, 1971, pp. 7-10
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Nota do editor LG:













5 comentários:
Quem pode confirmar se o livrinho trazia um mapa, desdobrável, em anexo ?
Ainda tenho um exemplar dessa brochura que adquiri não sei como antes de embarcar para a Guiné em Setembro de 1972!
Albertino, era uma publicação de distribuição gratuita...Hoje pagas num alfarrabista uma boa nota para adquirires um exemplar... Tanta coisa que mandámos para o lixo,e hoje podia ser útil para reconstituir o "puzzle" das nossas memórias... Vê lá se o teu exemplar tem um mapa da Guiné, a cores, desdobrável, em anexo... É a minha dúvida. O meu náo tem, ou foi arrancado.
Em 2010 foram publicados dois escritos, na Tabanca Grande, com a capa do livro "MISSÃO NA GUINÉ". Um escrito é meu – P5943 – e o outro é do Eduardo Campos.
O autor de ambos os livros é o Estado Maior do Exército, Lisboa SPEME em 1969 (2ª. Edição) e de 1971 o publicado no P5856 pelo Campos.
As capas com a foto de Bissau são diferentes e o teor um pouco desigual, mas o essencial é igual.
Nos dois livros não existe um mapa desdobrável do Comando Territorial Independente da Guiné.
Abraço do
António Tavares
… A publicação "MISSÃO NA GUINÉ" do Eduardo Campos foi no P5956.
No escrito acima errei no número que escrevi.
Abraço.
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