Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1523: Todos portugueses, mas uns mais do que outros? Expressões micaelenses (Vitor Junqueira)
Capa do famoso Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958. Era o mais ideológico dos manuais escolares do nosso tempo. E, entre muitos esterótipos sociais que veiculava (rural/urbano, pobre/rico, homem/mulher, criança/adulto, etc.), fazia-se eco dos traços de carácter que distinguiam os portugueses (nomeadamente continentais), em função da região do seu berço: o minhoto, o duriense, o transmontano, o beirão, o alentejano, o algarvio... Cada um tinha a sua idiossincrasia, a sua raça, os seus atributos físicos e anímicos... Nunca vi, em contrapartida formar-se uma companhia só com alfacinhas, ou estremenhos, ou até só com tripeiros.... O Exército ainda vivia do preconceito de que o melhor soldado ainda é o que vive no campo, passa mal, está habituado à dureza do trabalho e aceita, com resignação, a sorte que Deus lhe deu... (LG)
Foto: Luís Graça ( 2007). Direitos reservados.
Comentário de L.G.:
Pelo teatro de operações da Guiné, de Angola e de Moçambique passaram unidades - nomeadamente companhias, independentes ou integradas em batalhões – que eram mais homogéneas, do ponto de vista da sua composição sociogeográfica, do que outras. Refiro-me, por exemplo, às companhias açorianas, madeirenses, alentejanas, transmontanas…Para não falar já das companhias africanas. E, no caso da Guiné, as companhias de fulas, manjacos, etc. A minha CCAÇ 12 era etnicamente homogénea, sendo constituída só por fulas da Zona Leste, região de Bafatá, regulados de Badora e Cossé (2)...
Embora Portugal seja, de há muito, um país sem etnicidades, sem problemas étnicos, linguísticos ou religiosos, subsistem alguns regionalismos que, de tempos a tempos, o poder político se lembra de aproveitar, acicatar ou pôr ao seu serviço... Lembro-me muito bem de ler, no nosso livrinho da terceira classe - o mais ideológico dos manuais escolares do tempo de Salazar - que Portugal era um só, mas havia portugueses mais alegres, trabalhadores e hospitaleiros do que outros (por exemplo, os minhotos em relação aos alentejanos), ou mais rijos, destemidos e corajosos (por exemplo, os transmontanos em relação aos algarvios)...
As autoridades miliares, durante a guerra colonial, utilizaram, intencionalmente ou não, o estereótipo regionalista para formar unidades baseadas no mesmo chão (uma expressão que aprendi na Guiné). Homens e bichos pertencem todos ao mesmo terroir, para utilizar uma expressão francesa que se aplica à vitivinicultura... É bom que, quando vão para a guerra, os laços de sangue e de vizinhança venham ao de cima... A verdade é que na época - anos sessenta e princípios de setenta - ainda era fraca a mobilidade dos portugueses. Quantos lisboetas conheciam o Porto, ou o Alto Minho, ou os Açores ? E quantos transmontanos já tinham viajado pelo sul ? Por conveniência, por economia, por ideologia ou outra razão qualquer, a verdade é que todos nós conhecemos unidades - nomeadamente companhais - de base regional ou regionalista... E gabavam-se as qualidades guerreiras dessas companhias (de transmontanos, de alentejanos, de madeirenses, de açorianos...), maioritariamente compostas por mancebos de extracto rural...
Vim isto a (des)propósito deste mimo que o Vitor Junqueira nos mandou, já algumas semanas e que ficou na calha, à espera de melhores dias, ou seja, de oportunidade editorial... Recorde-se que o Vitor foi alferes miliciano de um dessas companhias de bravos açorianos. Ele já aqui fez, de resto, o elogio a essa grande família que era a sua CCAÇ 2753 (1).
Um mimo do Vitor Junqueira: "Meninos toca a praticar", diz ele.
Expressões micaelenses ,
por Vitor Junqueira
Corisco mal amanhado = Safado; traquinas
Gama = Pastilha elástica (do inglês Bubble Gum)
Brassad = Companheiro; amigo
Pelo'ê = Ai de ti!
Atoleimado = Tolo
Blica = Pénis
Naião = Homossexual
Pau-de-filete = Poste de luz
Poderios = Muito
Pega drêt = Desaparece
Requim (Requinho) = bonito; engraçado
Binsuade (Abençoado) = Querido
Vá larê = Vai dar uma curva
Fogue t'abrase = Fogo te abrase (injúria)
Vent'incanade (Vento encanado) = Corrente de ar
Mamã s'abence = Pedido de benção
Fema; Gueixa; Bezuga = Rapariga bonita
Pana = Alguidar
Fonte = Torneira
Papo-seco = Carcaça
Tai'asne = Tal asno
Gadanhos = Dedos
Apoquentação = Inquietação
Abouiar = Atirar
Rebendita = Vingança
'Tás muito mal enganado = Enganas-te redondamente
Foge diante = Sai da frente
'Tás vesgueta = Estás cego
Gueixos - Vacas
Tás co olho!? = Para onde estás a olhar!?
Canica = Relva (vem de Canicão)
Enlameirados = Enlameados; caminhos com lama
Péugos/peúgas = Meias
Meias = Collants
Rabixel = Rabo
Aganta = Aguenta
Dondué = De onde é
Amanda = Manda
Clâme = cuspo
Mêm de veras = A sério
Estás bem amanhado = Estás lixado
Asno = Burro
Vais apanhar nas ventas = Vais levar na cara
Ilhó = olho do cu
Carro de praça = Táxi
Arressaca (deturpação de Ressaca) = Briga
O chouffer da frágonete = Chauffeur da Furgoneta
Fominha negra = Muita fome
Têstos = cacos
Olhos arregalados = Olhos em bico
Penca = Nariz
Macaquinhos = Desenhos animados
Cramalheira = Queixo
Petxeno = Pequeno; Rapazola
Nisca de gente = Rapazinho
Queijada = Pastel
Fogareiro/Fogão = Mulher feia
Grande padeira = Grande rabo
Moreão = Pénis
Chouffér = Motorista; Taxista
Paranhos = teias de aranha
Gadelhas = Cabelos
Que peste = Que pivete
Alvarozes = Jardineiras
Falsa = Sotão
Expressões de influência Americana
Suéra/Suéla - Sweat-shirt
Snicas - Snickers = Sapatilhas
Gama - Bubble Gum = Pastilha elástica
Frejoeira - Refrigerator = Frigorifico
Estôa - Store = Loja
Offas - Office = Escritórios
Microeives - Microwaves = Micro-ondas
Clauseta - Clauset = Roupeiro
Raíuei - High-way = Auto-estrada
Candilhes - Candies = Rebuçados
Chortes - Shorts = Calções
Uínda = Window = Janela
Friza = Freezer = Congelador
Sinó = Snow = Neve
Socas = Socks = Peúgos
Côrtes = Court = Tribunal
Sóda = Soda = Sumo
Base = Bus = Autocarro
Tréla = Trailer = Atrelado
Rár atéck = Heart Attack = Ataque cardíaco
Pana = Pan = Alguidar
Slipas = Sleepers = Chinelos
Viciár = VCR = Video
Colégio = College = Universidade
Graduar = to graduate = formar
Vacam Maclina = Vaccum Cleaner = Aspirador
Oranmelons = Watermellons = Melancias)
Traques = Trucks = Camiões
Gárbixa = Garbage = Lixo
Turquí = Turquey = Perú
______
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida (Vitor Junqueira)
(2) 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)
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