1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves que, como ele hoje nos diz, "tem andado ocupado com outras 'guerras' [mas nem por isso tem] deixado de vir ao fogo acariciador da fogueira da nossa Tabanca"... (na foto, à esquerda, no Mato Cão, três primatas: o Joaquim é o primeiro do lado esquerdo, em tronco nu):
Meus camarigos editores
Para quem andou de longe há uns tempos, o dia tem sido emotivo. Como comentário, resposta, ou o que lhe quiserem chamar, ao Cherno Baldé aqui fica este meu escrito.
O choro não é figura de retórica, é verdadeiro e as lágrimas também. Um abraço camarigo para tdos. Joaquim Mexia Alves
2. Comentário do Joaquim Mexia Alves ao poste do Cherno Baldé (**)
Quando vim da Guiné e sobretudo depois da descolonização, era-me muito difícil falar da guerra, não porque tivesse tido assim tantos problemas ou acções militares de consequências funestas, mas porque as noticias que nos chegavam indiciavam uma incrível barbárie exercida sobre aqueles que connosco tinham combatido.
Aqueles que tal como nós tinham jurado a Bandeira Portuguesa, que tinham acreditado que éramos uma Nação, que tinham acreditado que Portugal honrava os seus compromissos, viam-se agora abandonados à sua sorte e alvos de vinganças cruéis e desnecessárias.
Curiosamente, ou talvez não, condenava mais as autoridades portuguesas que as recém-empossadas guineenses, porque achava e ainda acho que nos competia a nós, portugueses, assegurar no território a transição pacífica defendendo aqueles que connosco tinham combatido, e, se tal não fosse possível, então trazer aqueles que o quisessem para Portugal, visto que eram por direito cidadãos portugueses como os demais.
Por vezes pressionado por outras pessoas falava da Guiné e acabava sempre com um choro de lágrimas verdadeiras, numa mistura de saudade e de revolta, até contra mim próprio, que me sentia em grande parte responsável pela mentira que tínhamos praticado sobre aqueles que comandei no Pel Caç Nat 52 e na CCaç 15 e que tanto deram de si, e por mim também.
Quem me conhece sabe que não sou homem de relações frias e distantes, mas sim que me entrego e dou completamente à amizade, pelo que aqueles homens não eram “meus” soldados, mas sim meus amigos que me protegiam e eu protegia.
Por causa deles tive muitas discussões com comandantes, que nos julgavam carne para canhão, e arrostando muitas vezes com possíveis retaliações, nunca deixei de os defender em tudo o que me era possível.
Ver o meu país cobrir-se de vergonha, abandonando os seus filhos de pleno direito, era demais para a minha ainda insípida recuperação da guerra e então as lágrimas brotavam e muitas vezes a irritação que me levou de quando em vez à violência com aqueles que não me compreendiam, ou melhor que não compreendiam a incrível vergonha que sentia.
Abro aqui o meu coração, mesmo que a dor ainda cá more, mas o texto do Cherno teve o condão de abrir as portas à minha memória e à minha indignação.
E não choro e não me revolto apenas por aqueles que lá ficaram porque os abandonámos, (e não há outra forma de o dizer), mas também por aqueles que regressaram connosco e não lhes demos condições de integração, ou que até hoje ainda não viram os seus direitos como portugueses verdadeiramente reconhecidos.
E junto a todos estes os mortos vivos, os estropiados física e mentalmente, sejam eles quais forem, negros e brancos da Guiné até Timor, e que ao fim de 35 anos continuam a lutar por uma migalha do Estado, do mesmíssimo Estado que os enviou ou chamou para a guerra.
As pessoas mudam, mas a Nação é a mesma, e esta Nação velha de quase 900 anos, escreveu uma página de vergonha na sua história e, pior ainda, não consegue olhar para trás e corrigir o seu erro.
Pois fiquem sabendo, meus camarigos, nos quais envolvo o Cherno e todos os guineenses de boa vontade, que ainda choro e ainda me revolto, por isso fico por aqui neste texto que me dói como uma ferida que não fecha e sempre sangra.
Já uma vez o escrevi e volto a escrever: Que esperamos nós para fazer ouvir a nossa voz?
Abraço sentidamente camarigo do
Joaquim Mexia Alves
[ Fixação de texto / bold: L.G.]
_____________
Notas de L.G.
(*) Joaquim Mexia Alves, co-organizador do nosso último encontro (Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009), foi Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa).
Vd. também postes de:
6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves
6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)
(**) 2 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4767: Blogoterapia (118): Os Fulas, o PAIGC e... os tugas (Cherno Baldé / Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Caro camarada José Mexia Alves
Comungo contigo essa faze negra da nossa História.
Se os Governantes de então eram considerados criminosos, fascistas e outros adjectivos proclamados por os actuais, que devemos chamar aos de hoje que permitiram semelhante crime após a descolonização e fazem como Avestruz escondem a cabeça na areia.
Sou solidário contigo, pouco mais podemos fazer a não ser gritar bem alto a nossa revolta. Porque nós tivemos lá.
Um abraço
Mário Pinto
Ex. F. Mil.
Camaradas,
Relativamente ao comentário do Mário, a comunidade internacional vai elaborando diferentes quadros de avaliação das sociedades, classificando-as, por exemplo, relativamente ao pib, aos níveis de educação e literacia, à corrupção, ao "rating" de pagamentos de empréstimos contraídos no exterior, à segurança social, à produção e ao consumo, à violência urbana,enfim, são inúmeros quadros que, entre nós, têm alguma divulgação.
E os governos da G-B foram responsáveis por algum "ostracismo" no auxílio social e económico.
Quanto às relações de Portugal com as ex-colónias, apesar de pobre e dos parcos recursos, quantas dívidas já foram perdoadas por sucessivos incumprimentos?
Quanto à segurança de pessoas e bens naqueles territórios, parece-me que Portugal pode fazer bem pouco. Não sei é se faz esse pouco.
Porque pode ser "politicamente incorrecto", e dependente das organizações internacionais em que se integra.
Ainda não há líxivia para certas nódoas. Nem mézinha para melhorar de certos males.
Abraços
J.Dinis
Para o José Manuel
Camarada em política tudo são promessas e nada de concreto no terreno.
Tudo o que o camarada enumerou está bem dito. Mas eu pergunto onde estão os seus efeitos.
O facto que está em causa é que o interesse dos nossos camaradas militares naturais da Guiné que combateram ao nosso lado não foram devidamente acautelados e os Governantes actuais esconden~se em adjetivos verbais para a resolução do problema.
A mensagem do nosso camarada Joaquim Mexias Alves é clara e toca num assunto que não pode deixar indeferente quem lá combateu, não sei se foi o seu caso.
Um abraço
Mário Pinto
ex. F. Mil.
Caro Mário,
A matéria tratada não me deixa indiferente. Eu não fico feliz com o azar alheio. Hoje em dia ainda se pode fazer alguma coisa, é certo. É escandaloso que não se reconheça a nacionalidade aos que lutaram por Portugal. Ou que não se reconduza na carreira individuos como o Amadu Djaló, que foi alferes de uma CCA e recebe como cabo. Talvez os atabancados devessem expor a situação ao CEME, ao CEMFA, e o que mais for preciso.
A nossa atitude relativamente cómoda de digitarmos no teclado os nossos sentimentos e pontos de vista, ainda que sinceramente, não são seguramente meios eficazes de regenerar a sociedade, e de alcançar a justiça para os camaradas que dela carecem.
Estou ao dispor.
Abraços fraternos
J.Dinis
Camarada José Mexia Alves,estou inteiramente de acordo contigo os nossos Camaradas Africanos que combateram ao nosso lado, foram abandonados pelas governantes da altura e deixados ás feras que logo assim que deixamos a Guiné foram assacinados e massacrados,sei de barbaridades que se cometeram por toda a Guiné contada por um amigo meu de Bajocunda, felizmente que alguns ainda conseguiram fugir,com governos como estes como é que conseguimos fazer-mos ouvir eles nem querem saber que existem no seu País Veteranos de Guerra e como vez estamos completamente abandonados para o governo não existimos só somos falados uma vez por ano no 10 Junho, e fico-me por aqui.
UM ABRAÇO
Caro camarada José Manuel
Assim já nos entendemos, quanto ao comodismo do teclado nem sempre é assim. Se tiveres atento podes verificar as iniciativas de camaradas nossos de auxílio a Ex. Militares que com nosco combateram em todos os teatros de Guerra. Esses camaradas substituem o Estado nas funções que os mesmos deviam fazer.
Se estiveres interessado convido-te a uma sortida à cidade de Lisboa uma noite destas para vereficares a realidade dos factos.
SEM ABRIGO, stressados da guerra naturais e nativos é o que não falta por cá.
Estes como os que lá ficaram são as verdadeiras vítimas da Guerra, que eu como Portugues tenho vergonha de tal abandono do nosso Governo.
Um abraço
Mário Pinto
CAMARIGO MEXIA ALVES,
TENS CARRADAS DE RAZÃO.
ESTIVE TENTADO A FAZER POSTE DO COMENTÁRIO QUE FIZ AO CHERNO NO
4767,MAS...
ACREDITA QUE MUITA GENTE COMUNGA DESSE SENTIMENTO DE REVOLTA.
UM ABRAÇO
MANUEL MAIA
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