sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

1. Mais uma estória do nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, enviada em mensagem de 30 de Julho de 2009.


UM TIRO NA PARADA DE GALOMARO

Tinha sido um dia cansativo.

Coluna para Bambadinca, carregar, descarregar em Cancolim e regresso contra o que era normal a Galomaro no mesmo dia.

Quem fazia segurança eram um Pelotão de uma Companhia independente, que esteve estacionado em Galomaro durante algum tempo. Não recordo no número dessa Companhia, mas sei que o meu conterrâneo Afonso fazia parte dela.

Tínhamos andado na escola primária juntos, mas depois a vida separou-nos para nos voltarmos a encontrar na Guiné.

Vínhamos completamente exaustos cheios de pó e de sede.

Deixei a viatura no parque e na palheta com o Afonso, dirigimo-nos através da Parada para a Cantina

Uma cervejinha sabia di mais.

Íamos conversando e ao mesmo tempo, eu fazia a manobra de desarme da G3 retirando a bala da câmara.

Nisto PUM!!!!!!!

Eu nem sabia donde tinha vindo o tiro. Incrédulo olhava para a minha espingarda, que ainda fumegava.

Tinha retirado a bala da câmara ainda com carregador posto, quando mandei a culatra à frente introduzi outra munição. Está bem de ver.

O tiro foi para o ar mas... dar um tiro daquela forma mesmo nas barbas do Coronel Castro e Lemos, era muito complicado.

Quando olhei para a porta da messe, já lá estava ele a abanar o pingalim.

O oficial de dia era o alferes Veiga. Veio identificar-me de imediato e mandou-me apresentar no dia seguinte.

- Estou lixado e ainda por cima tão perto das minhas férias - que já estavam marcadas para vir à Metrópole.

- Malvada sorte com tanto sítio para dar tiros tinha que ser ali.

Foram horas más, para além da vergonha de ter cometido um erro tão grave.

No dia seguinte lá me apresentei ao alferes Veiga, que me disse que era melhor eu ir falar com o Comandante e pedir desculpa do sucedido, pois a coisa estava bera.

Assim fiz. Barbeei-me e lá fui com o rabo entre as pernas, ter com o homem grande de Galomaro.

Chegado à porta do gabinete perfilei-me, fiz continência e falei com a voz mais segura, que pude arranjar no momento:

- Vossa Excelência, meu Comandante, dá-me licença?

- O que é quer o nosso Cabo?

- Meu Comandante, fui eu que dei o tiro ontem.

A cara tornou-se cinzenta, levantou-se com o pingalim na mão e com gestos ameaçadores veio direito a mim.

Pregou-me a maior descasca de que tenho memória e o pingalim roçava-me sem cessar, perigosamente, as orelhas e o nariz.

Ainda hoje me sinto admirado como não levei com ele, tal era a fúria do nosso Comandante.

Por fim mandou-me embora, não sem antes me dizer que não me pregava uma porrada, pois quase todos os oficiais tinham intercedido por mim.

Levei uns reforços à Benfica, mas quanto às benditas férias estavam salvas.

Juvenal Amado


Ten Cor Castro e Lemos numa coluna

Ten Cor Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Veigas

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4770: Estórias do Juvenal Amado (19): O cabrito do nosso Comandante

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Pois é, Juvenal.
Parece que tudo, felizmente, acabou em bem.
Mas tu próprio reconheces que podia ter dado origem a uma situação bem mais dramática.
Como se vê, a disciplina, o rigor, a permanente atenção a tudo o que se faz, não podem ser coisas de somenos.
É bom haver sempre quem nos possa "cascar" na cabeça. É sinal de que se interessam por nós e também que não são incompetentes para se desresponsabilizarem dos actos de que são protagonistas, coisa que nos tempos que correm...
Um abraço
Hélder S.

JD disse...

Caro Juvenal,
Tiveste uma sorte do caraças. Imagina tu, que sua excelência o comandante era da minha raça, (Se não identificas a minha raça, e para teu bem futuro, trata de a identificares junto do Helder, o comentarista precedente) estavas feito. Biqueiradas e maus modos era o mínimo.
Por acaso também me pareces bom rapaz e assisado, aprendeste a lição e, finalmente, mostras-te bem preparado para o combate. Congratulo-me que cá andes.
Abraço
J.Dinis

Luís Dias disse...

Caro Juvenal

Essa como tu dizes foi um sorte do caraças. Deves ter apanhado o nosso TC bem disposto...., apesar da forma como te "assobiou" aos ouvidos. Eu, uma vez, fui-lhe pedir dispensa de ir para o mato por ser uma tradição na companhia, quando se fazia anos. E ouvi também forte e feio...E toma lá e fui para o mato no dia dos meus anos. Foi quando nos vingámos no pau da bandeira..Eh!Eh!Eh!

Um abraço

Luís Dias

MANUEL MAIA disse...

CARO JUVENAL,


PELO QUE ME É DADO LER,TIVE UMA COMISSÃO DE QUALIDADE,PESE EMBORA OS TIROS E OS LOCAIS SEM UM MINIMO DE CONDIÇÕES, COMO CAFAL BALANTA NO CANTANHEZ.

GRAÇAS A DEUS, A MINHA GUERRA NÃO TINHA OPERACIONAIS DE PINGALIM,AO ESTILO AB.

O CAPITÃO ERA MILICIANO E SÓ TINHAMOS UM SARGENTO DO QUADRO,QUE POR SINAL SE TRANSFORMARIA NUM MILICIANO DE QUALIDADE,UM AMIGO A SÉRIO.

QUANTO AO TEU TIRO,FOI DE FACTO UM
ERRO TREMENDO QUE TE PODIA TER CUSTADO CARO,COMO INFELIZMENTE NOUTROS CASOS...

CITO-TE À GUIZA DE EXEMPLO,UM CASO PASSADO NO CUMERÉ MAL CHEGUEI À GUINÉ,QUANDO UM SOLDADO DEU UM TIRO NA MÃO AO LIMPAR A ARMA.

SÓ QUE ESSAS REPRIMENDAS NÃO SE FAZEM DE PINGALIM EM RISTE...

UM ABRAÇO

MANUEL