Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.
Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados
Onde vais, ó triste Pombo
Letra: João Boiça
[Revisão e fixação de texto: Editor L.G.]
Fado cantado por Amadu Jaló, acompanhado à guitarra por Saico Sandé e à viola por Já Te Vi-te
Onde vais, ó triste pombo,
Carregado de ilusões ?
Vou estagiar para Nhala,
Arejar os meus collhões.
Manda um rádio se faz favor,
Não digas sim ou não,
Diz apenas um segredo,
Que o animal é um cão.
Chegarei devagarinho
E com desculpa para dar,
Se ganhar que bom que é,
‘Fui a Nhala passear’...
Ó São Lourenço de Buba,
Continue-me a aludar,
Não queiras que a malta toda
Cá do pombo vá troçar.
São Lourenço, anula bolas,
São Lourenço, apita bem,
São Lourenço ajuda os pombos,
Que a gaiola já “cá tem”.
Não digas nada a ninguém,
Esqueces as horas de amargura,
Os três jogos já passaram,
A pé, não… de viatura!
Esqueço-me das ordens todas,
Alheio-me do Capitão,
É que o jogo corre às dez
Porque a mensagem diz cão.
Chegarei descansadinho
E com desculpa e feitio,
Fui a Nhala caminhar
Se perder o desafio.
São Lourenço, eu fiz promessa,
Fui à capela rezar,
Uma lâmpada se perder,
Doze velas se ganhar.
Ó São Lourenço de Buba,
Só tu me podes safar,
Apita marca ‘penaltes’,
Faz o pombinho ganhar.
Ó São Lourenço de Buba,
Dá-me a tua protecção,
Apita e faz batota,
Alegra-me o coração.
Ó São Lourenço de Buba,
Fiz as minhas orações,
Sou devoto e cumpridor,
Deixa-me dar encontrões.
Torno Buba independente,
Toda a malta hei-de matar,
Será um cataclismo
Se o pombo ganhar.
Ó São Lourenço de Buba,
Eles até levam gaiola,
Se perco, então, meu santinho,
Dá-me balas e pistola.
Dá-me canhões, dá granadas,
Arame para armadilhar;
Dá-me turras com fartura
E deixa-me comandar.
Correrei o campo todo,
Serei carga de jumento,
Mas também te pagarei
Um jantar no cruzamento.
Só para ganharem um quarto,
Usaram desta artimanha,
Fizeram uma coluna
E mandaram-me como ‘aranha’
“Avisado pela comichão de censura”
In: Manuel Batista Traquina: Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. pp. 140-141.
Comentário de L.G.:
Versos alusivos a um torneiro de futebol de salão, jogado na pequena parada do aquartelamento de Buba, e que reuniu quatro equipas: as companhias, os pelotões, a Engenharia, e as Transmissões (+ outros).
A arbitragem era chefiada pelo Alf Lourenço (aqui o São Lourenço, e não o Sr. Lourenço, como aparece no livro). Por seu vez, o grande entusiasta do torneio e manager da equipa de Transmissões era o Fur Mil Trms Pombo que, que nesse mesmo dia e para seu grande desgosto, que teve air apoiar a coluna para Nhala, a 15 km de Bula, na estrada para Aldeia Formosa.
O autor não do diz mas tanto o Lourenço como o Pombo deviam pertencer à CCS do BCAÇ 2834, de que dependiam tanto a CAÇ 2382 (A Companhia do Olho Vivo). Mas o Lourenço também ser o Alf do mesmo apelido, da CCAÇ 2381 (Os Maiorais, a que pertencia o nosso querido Zé Teixeira, 1º Cabo Enf);
Na época havia várias subunidades em Buba:
CCS / BCAÇ 2834
Pelotão de Morteiros nº 2138
2º Pelotão / BCA
7º Destacamento Especial de Fuzileiros
15º CCmds
COP4 (criado em 19 de Janeiro de 1969), sob o comando do major Carlos Fabião
Outras...
Secretamente o Pombo pediu a um amigo que, via rádio, em código combinado pelos dois, lhe comunicasse a hora do desafio. A preocupação, secretíssima do Pombo, tornou-se conhecida na parada. O 2º Sargento Inf João Boiça, apoiante da equipa rival, fez-lhe então este versos, alcunhando-o ‘triste Pombo'...
O Manuel Traquina (foto actual, à esquerda) publicou no seu livro estes versos que atestam, não só o espírito de humor e camaradagem reinantes na CCAÇ 2382 e e outras subunidades que estavam em Buba, na época, bem como a importância que tinha o futebol… Era uma das poucas diversões a que os militares portugueses se permitiam o luxo... Tinha, além, um efeito positivo na manutenção e melhoria do moral do pessoal, como de resto o atestam outros postes já aqui publicados.
_________
Nota de L.G.:
(*) Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt] Vd. também poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)
(**) Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:
2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida
19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane
17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios
15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa
12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa
12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas
14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)
23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina)
13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)
2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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