sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4792: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (6): O “Rato” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 6ª estória, com data de 05 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

O «Rato»

O 1º. Cabo Auxiliar Enfº. Martins não enganava... Tinha “pinta”!

Rapidamente deu nas vistas. Aprendia depressa e era um «desenrascado»... natural.



Aquele seu jeito vinha-lhe do berço. Esperto e mandado para a frente: para o bem e para o mal...


Pequeno de estatura, de olhos bem vivos, mexido e malandro q.b. .


Estava na vida militar como «peixe na água»:


Não era mais um. Dava a pele por um seu superior mas... não o pisassem...


Aquele era dos que se batia pelo seu Capitão mas... deixassem-no respirar!


A bem o Martins ia para todo o lado. A mal... era rijo e não vergava...


Foi um dos que na vida militar terá apanhado primeiro um castigo e só depois um louvor! Foi também um dos que “passou” (com nota alta) o exame que foi para todos a: «Operação Lenquetó»!


O autor e o “Rato” em Binta. Binta, Junho de 1965. Fotografia do autor.

No «baptismo de fogo» o Martins, ou melhor, «o Rato» (como já era então por todos conhecido e tratado) mostrou a sua raça e que... os homens não se medem aos palmos...


No «Diário» da Companhia a sua actuação foi descrita assim:


«... De salientar na emergência a coragem do Cabo Enfº. Martins que não abandonou o ferido em cima da viatura, gritando para o Claudino (o condutor) que continuasse a andar para o estacionamento».


Há que esclarecer que a viatura em causa transportava um ferido grave – o soldado Almeida, que veio a ficar cego de um olho – e que foi emboscada quando seguia - isolada – a caminho do aquartelamento.


Está claro que o «Rato» em cima da viatura e debaixo de fogo, chamou ao Claudino tudo... menos bom rapaz.


É que este, em desespero, abandonou momentaneamente a cabine para se abrigar do fogo inimigo. Foram os gritos e «os nomes feios» do Cabo Martins que o fizeram voltar ao volante do Unimog.


Terá sido o «Rato» que, com o seu exemplo e coragem, evitou males maiores.


Depois... ao longo dos meses... esteve sempre em todas.


No mato e no quartel.


Aprendeu a falar os dialectos nativos e... não tivessem pena dele.


Ninguém na Companhia «terá partido mais catota... » que o Cabo Enfº. Martins.


Generoso e valente como operacional. Malandro e desenrascado no quartel e... na tabanca!


Onde estava o «Rato» não passava desapercebido!


Quando não sabia... ”inventava” e como auxiliar de enfermagem transmitia confiança. Ia a todas e... não se atrapalhava. Era bom tê-lo por perto quando havia azar...


Vivia intensamente a “sua” Companhia.


O que o ex-Alferes Tavares conta da sua dor exaltada a quando da morte do soldado Nascimento no Hospital de Bissau demonstra isso mesmo.


«... Mal cheguei ao Hospital dei de caras com o «Rato».


Este estava no HM 241 a fazer tratamento de desparatização e logo que me viu gritou-me a má nova: Morreu o Nascimento. Estava agitadíssimo. Em cada três palavras dizia duas asneiras. Já não sei como mas... segui-o pelos corredores do Hospital e fui dar a uma sala onde estava um corpo coberto por um lençol. O «Rato» destapou o corpo e reconheci o corpo desnudado do Nascimento. Morto. Não tinha um pé.»


Mais uns meses e o Martins regressou à Metrópole cheio de sonhos.


Infelizmente não optou pelo retorno às (suas) origens.


A Tondela. A pequena vila e sede de concelho do distrito de Viseu.


À terra que o tinha visto nascer.


Ficou por Lisboa, pela grande cidade: E... perdeu-se!


Terá vivido em equilíbrio precário, na corda bamba e não encontrou nunca «terra firme»...


Visitou amigos da vida militar. Teve a ajuda de alguns.


Viveu em sobressalto. Em correria. Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Numa visita à sua terra natal – a Tondela – morreu num acidente de motorizada.


Quando soube... chorei sentidamente o «Rato».


De quem fui superior directo na vida militar.


Como eu estimava o puto!


Depois do regresso da Guiné tive o «Rato» em Alcobaça, em casa dos meus Pais. Um fim-de-semana.


À noite, já o «Rato» estava deitado, a minha mãe quis saber se ele estava bem e se precisava de mais alguma coisa.


O «Rato» preparava-se para dormir sem pijama porque simplesmente... não o tinha.


Escondeu embaraçado a nudez do tronco com a roupa e respondeu à minha mãe que não, que estava tudo bem. Parecia um «menino» encabulado!


Lembro-me como se fosse hoje.


Raramente vi o «Rato» tão atrapalhado. O «Rato» irreverente, desenrascado, sem papas na língua... ficou sem palavras.


Tinha sido um menino que teria crescido sem amor e que não estava habituado a que o tratassem... tão bem!


É assim que o recordo.


O seu sorriso de embaraço frente a alguém que o tratava como a um filho.


O «Rato» deixou a vida cedo. Vida que viveu a correr.


Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Recordo-o com muita saudade.


Se isso pode ser considerado como um bem... permaneceu desde então, desde sempre na minha memória, como um jovem, misto de “malandro” e de menino que terá crescido para a vida... com falta de amor.


O «Rato» foi...tudo isto.


Se tivesse vivido nos tempos de Asterix teria sido, com certeza, também um irredutível.


Que saudades eu tenho do sacana do puto!


Um abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
____________

Nota de M.R.:


Vd. último poste da série em:


4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4779: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (5): “O Campo de Ourique” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66)

Sem comentários: