1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), e enviou-nos uma mensagem, com data de 02AGO2009, com o título:
O Salvação e o «Sorna»
O Salvação e o «Sorna»
A propósito de alcunhas...
“...A primeira função das alcunhas é a identificação. Mas uma identificação específica, isto é, rápida e eficaz (1).
Quem cumpriu serviço militar sabe que numa Companhia (160 indivíduos) há muita gente que fica conhecida pelos nomes das terras da naturalidade.
Na minha Companhia ainda hoje recordo o Caldas, o Campo de Ourique, o Almeirim, o Braga, o Guimarães, o Sarzedas, o Moura, etc.
Pela sua maneira de ser também ficaram para a estória da Companhia o “Estarrabaça” (um militar que quando cheirava a esturro estava logo pronto para “estarrabaçar” tudo – leia-se rebentar com tudo, passar por cima de toda a folha -) e o “Rato”(esperto que nem um).
Por razões óbvias havia ainda o “Aguardente” e o “Fairo”, que ditongava os “aa”. Havia ainda o”Espinha cara-rota”, o “Piriscas”, o “Nhaca”, o “Massa Bruta” e dois militares que “carregam” até hoje como alcunha os números que tinham da Companhia: - o “30”, do morteiro e o “49”, radiotelegrafista, infelizmente já falecido.
E chega agora a vez do “Salvação” e do “Sorna”, que estão referidos no subtítulo da nossa crónica.
O Salvação
No já longínquo dia 4 de Julho de 1964 dois grupos de combate da CCaç 675 saem para o mato, no Norte da Guiné, e tem um tremendo “baptismo de fogo”, que incluiu um ataque bem sucedido a uma tabanca inimiga e duas emboscadas no itinerário de regresso ao quartel de que resultam vários feridos graves e um ligeiro.
A evacuação para o Hospital de Bissau foi feita por dois helicópteros e, no segundo, no meio de alguma confusão seguiu também o “Salvação”, ferido numa perna e nas costas por estilhaços de granada, feridas no entanto superficiais e que não teriam justificado a sua evacuação.
Quando “a poeira assentou” tivemos informações via rádio dos feridos que inspiravam mais cuidado e nos dias seguintes a vida no aquartelamento teve alguma acalmia, esperando-se que o “Salvação” regressasse `”às lides” nos dias mais próximos.
Esta palavra (as lides) tinha alguma razão de ser pois o rapaz era de Salvaterra de Magos (uma terra de touros e toureiros). Cabe aqui e agora dizer que o “Salvação” tinha físico de artista de cinema e cuidava bastante do seu aspecto.
Tinha apanhado um grande "cagaço" na segunda emboscada do “célebre” dia 4 (ele e muitos outros, com o autor destas linhas incluído) e aproveitou a sua estadia em Bissau para, além de tratar dos ”arranhões” dos estilhaços, cuidar dos dentes, de quistos sebáceos, de calos cutâneos, da neurose de compensação, da goteira do cotovelo, da prevenção para picadas de mosquitos e mosca tsé-tsé, de perturbações causadas pelo calor, de alopécia, de sonambulismo, da falta de apetite depois de comer, etc., etc.
Quando apareceu na Companhia uns dois meses depois já quase que ninguém o conhecia.
Daí para frente o Condutor-Auto nº. 2572/63 Francisco Augusto da Costa Salvação só passou a ser conhecido por “São e Salvo” ou “Salvação”.
Pegou melhor o “Salvação”, até porque condizia com o apelido. E de apelido a al(cu)nha foi só um passo...
Até porque, «quem tem (cu) tem medo», e o “Salvação” regressou são e salvo e... ainda por cá anda!
O Sorna
Chega agora a vez do Sorna”, um jovem nascido e criado na Costa da Caparica, com a especialidade de atirador (Soldado nº.2227/63, Henrique Manuel Pereira Cambalacho) e com uma doença congénita de “preguicite aguda”.
Dormir era com ele e rapidamente começou a ser conhecido na Companhia como o "Sorna".
Com alguma esperteza e matreirice à mistura conseguiu passar ao fim de pouco tempo a “ajudante” da Cantina e ficou4 dispensado de patrulhas no mato, que eram as partes mais desagradáveis da “especialidade” de atirador.
O guarda-redes “Sorna”, assinalado por um círculo, com os habituais titulares da equipa de futebol da CCaç.675, apadrinhada pelo Cap. Tomé Pinto. Binta, 1965. Fotografia do autor.
Como é bom de ver na Companhia havia malta que jogava futebol e nesse grupo de predestinados para o “desporto-rei”também fazia parte o “Sorna” que, para não se cansar muito, jogava a guarda redes que, como é sabido, é o lugar mais parado numa equipa de futebol.
Como é bom de ver na Companhia havia malta que jogava futebol e nesse grupo de predestinados para o “desporto-rei”também fazia parte o “Sorna” que, para não se cansar muito, jogava a guarda redes que, como é sabido, é o lugar mais parado numa equipa de futebol.
Não era bom nem mau, antes pelo contrário, mas um dia fez uma defesa tão aparatosa que acabou...no Hospital de Bissau!
Mas até lá chegar... é que foi o cabo dos trabalhos.
Ainda hoje não se sabe se o “Sorna” defendeu a bola sem querer, se levou com a bola na cara ou se bateu com a cabeça na trave e... mordeu a língua! Das duas... três. O que é certo é que não foi golo e o que é ainda mais certo é que mordeu a própria língua violentamente.
Saiu em braços – não em ombros -e quando meia hora mais tarde o “Sorna”, deitado na sua cama, começou a pedir ajuda por sinais, porque já não conseguia falar... os vizinhos da camarata não lhe ligaram nenhuma.
O rapaz começou a ficar roxo e quando finalmente o médico e o enfermeiro da Companhia foram alertados para o seu estado a língua já estava tão inchada que o “Sorna” corria riscos de asfixia.
E para obviar a males maiores o médico fez-lhe uma traqueotomia, com os meios disponíveis na Enfermaria do aquartelamento e, quando o infortunado «guarda-redes» estabilizou, foi evacuado de helicóptero para o Hospital de Bissau.
Passou um mau bocado mas... voltou ao Quartel menos “Sorna”. Mas a alcunha ficou e... mais ninguém lha tirou!
Aqui está um caso em que a primeira função das alcunhas (a identificação) não ajudou nada.
Aqui está um caso em que a primeira função das alcunhas (a identificação) não ajudou nada.
És “Sorna” e quando estás doente a sério... ninguém acredita!
Está claro que esta situação complicada nunca teria acontecido com o “Estarrabaça” ou com o “Rato”.
E com o “Salvação”... nem pensar!
Abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675
Legenda:
(1) - Tudo isto e muito mais consta das interessantes e bem documentadas 62 páginas da Introdução do Tratado das Alcunhas Alentejanas (com 35.ooo alcunhas) mas a razão da sua citação tem a ver com recordações da minha vida militar e de um inusitado caso de um indivíduo que a sua”alcunha” quase matou!
Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em: Guiné 63/74 - P4763: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (3): O fado do 49! O Serafim, da CCAÇ 675, Binta 1964/66
Abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675
Legenda:
(1) - Tudo isto e muito mais consta das interessantes e bem documentadas 62 páginas da Introdução do Tratado das Alcunhas Alentejanas (com 35.ooo alcunhas) mas a razão da sua citação tem a ver com recordações da minha vida militar e de um inusitado caso de um indivíduo que a sua”alcunha” quase matou!
Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em: Guiné 63/74 - P4763: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (3): O fado do 49! O Serafim, da CCAÇ 675, Binta 1964/66
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