terça-feira, 4 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)

1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 1 de Agosto de 2009:

Caro Editor.
Em anexo segue o texto bem com as fotos que o ilustram.
Qualquer dúvida pode ser prontamente respondida pelo telefone 96 293 88 17.
Se momentanteamente não me fôr possível atender, é porque estou na praia.
Mas descanse que a 16 já cá estou.

Um grande abraço do
Armando Pires


2. Camaradas.

Com vossa licença, e sem dispêndio para a Fazenda Nacional, apresenta-se o ex-Furriel Miliciano Armando Pires, Enfermeiro da CCS do BCAÇ 2861, Guiné, Fev69 a Dez70.

E apresento-me de baraço ao pescoço, porque faz tempo que entrei aqui na Tabanca, furtivamente, sem um olá, como vai isso, abri armários, saltitei de prateleira em prateleira, vasculhei gavetas, lendo-vos a alma e vendo como o tempo vos (nos) enrugou o rosto.

Reconheço que não foi bonito.

Todavia, tenho a atenuante de não vos ter tomado a aldeia num golpe de mão premeditado. Estava, até, longe de saber as vossas coordenadas. Não foi um de vós que me ensinou o caminho, mas alguém que vos conhece.

A coisa foi assim:

Estava eu à conversa com um camarada de profissão acerca de um trabalho que ele realizava sobre a guerra na Guiné e perguntei-lhe:

- Olha lá, onde é que descobriste esse matreco?

- Pesquisei no blog de um tipo chamado Luís Graça. Não conheces?.

E porque não conhecia, deu-me o endereço e foi assim que cá vim parar.

Entrei pela porta dentro a gritar pela minha gente, mas deles, da minha gente, não estava cá ninguém.

De todo o Batalhão, que incluía as CCAÇ 2464, 2465 e 2466, nem um só homem respondeu ao chamamento.

Talvez vocês os conheçam.

É tudo malta que andou ali pelo sector de Bula e Bissorã.

Bula primeiro, chegamos lá em Fevereiro, 14. As Companhias foram distribuídas por Binar, Biambe, Encheia e arredores.

Em Agosto de 69 vim de férias, a casa, e quando regressei, no final do mês, foi-me dito que ia de DO para Bissorã, porque a sede do Batalhão passara para lá.

Bom, não encontrei aqui nenhum dos meus, mas, de tanto esgravatar, na segunda gaveta do armário da entrada, dei de caras com uma pasta que, ao abri-la, até me deu estremeções.

Havia ali nomes que não me eram estranhos, relatos que reconheci.

Desde logo quando o Leão Lopes, numa resposta ao Benjamim, do BART 2917, dizia lembrar-se de um tal Vinagre que admitia ser de Coruche.

Antes que me perca nas entrelhinhas, fica já um apelo ao Leão para, quando puderes, me explicares essa do tal Vinagre.

Porque Vinagre, de Coruche, sem margem para dúvidas, era o Alferes de Informações do meu Batalhão e não me consta que o Polidoro tenha ficado com ele na Guiné.

Seria familiar? Podemos tirar isso a limpo?

Se puder ser agradeço e prometo explicar depois porquê.

E por falar em Polidoro, vejam só, num comentário do Luís Graça li esta passagem:

- "sendo então comandante (do BART 2917) o ten-cor Polidoro Monteiro".

Ó Luís, o Polidoro, João Polidoro Monteiro, foi comandante do meu Batalhão, do 2861.

Chegou periquito a Bissorã, em finais de Novembro de 1969, vindo de Moçambique, onde comandou a Guarda Fiscal, para render o Ten Cor César Correia da Silva.

Estou a vê-lo, ao Polidoro, galões reluzentes sobre um camuflado acabadinho de saír do Casão Militar, olhos protegidos pelas lentes escuras de uns inevitáveis Ray-Ban's, pingalim tremelicando na mão direita, voz forte e decidida advertindo a força em parada:

- Não me tomem por periquito, que de guerra venho eu farto.

Depois, a ordem que obrigava todos os militares a andarem devidamente fardados e ataviados quando não em serviço (???).

Se esta não fosse já um mimo, a cereja em cima do bolo veio de seguida.

Íamos fazer exercícios de protecção ao aquartelamento.

Poupo-vos ao relato e consequências, embora fossem de ir às lágrimas.

Já mais tarimbado na função, o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, aqui nos relatos da Tabanca mostra-o, ao Polidoro, numa foto (1) tirada nas margens do Geba, ali no Mato Cão, exibindo um magnifico troféu de caça.

Com a mais respeitosa vénia ao Santiago, recoloco aqui a tal foto, ao lado de uma outra (2) tirada por mim, em Bissorã, pedindo-lhes que descubram a semelhança.

(1) - Guiné > Mato Cão > 1971

(2) - Bissorã > 1970 > Festa tribal. À esquerda o Alf Capelão Batista, à direita o Ten Cor Polidoro Monteiro

- Hum!!! Já viram? Reparem outra vez… olhem bem… não deram por ela?... É A FACA DE MATO, caramba! Ali, sempre pendurada no ombro direito.

Já agora, aquele tipo baixinho e anafadinho que também está na foto, a fingir que está lá por engano, mas sem conseguir esconder o sorriso travesso e olhar guloso, é o Batista, o Alferes Batista, O CAPELÃO, a quem aproveito para prestar a homenagem devida a quem, ano após ano, continua a marcar presença nos nossos encontros para celebrar a missa que só ele pode celebrar e sentir em Honra dos Nossos Mortos.

Disse.

Começo a olhar para trás e a sentir que o texto já vai longo, que se calhar o Editor não vai achar graça nenhuma, mas como é a primeira vez e, já se sabe, à primeira vez todos somos desajeitados, vou prosseguir.

Não para contar como foi que através do “Jornal da Tabanca” cheguei até um tal ex-furriel miliciano Cerqueira, de Braga, o enfermeiro que me rendeu, de quem eu tinha uma foto, que ele de todo não tinha, dando-lhe um abraço à sua chegada a Bissorã, foto, cuja, lhe quis enviar na presunção de que lhe daria tanto prazer a ele como a mim.

O recordar desse instante ocorrido há quase 40 anos, e que quando lhe telefonei (com emoção, senhores, que emoção) para saber do seu endereço electrónico, usei a norma inscrita nas NEP’s da Tabanca tratando-o por Camarada, o que eu fui arranjar porque... “eu não sou camarada, ouviu” - claro que ouvi, estupefacto, mas ouvi, mas dê lá o seu email, lá foram as fotos mas um “pronto recebi e obrigado” é que nada e assim sendo, assunto encerrado.

Deixem-me então contar como foi que me encontrei com o Carlos Fortunato.

Como disse, andava eu a vasculhar sem pudor e sem licença nas vossas memórias, quando ouço relatos de um tipo que estivera em Bissorã nos anos 70, pertencente à CCAÇ 13, vulgo “Os Leões Negros”.

Pimba já está que isto é comigo – gritei eu - eu tenho de conhecer este gajo, eu conheço este gajo da 13, abri a gaveta das minhas recordações e lá estava, o crachá da 13, o tipo, o Fortunato até tinha ali um link para a página dos leoesnegros.com, lá vou eu devorando tudo o que havia para ver e ler, abro a pasta que se titulava de “ataque à outra banda”, mergulho no relato, fechei os olhos a meio, recostei-me na cadeira e completei o resto, ouvindo de novo as armas, as correrias, os gritos, as ordens, o chão a tremer, o cheiro que fica no ar quando as armas se calam, “oh Sousa, traz o jeep para levar este para baixo "(estava ferido), isto gritei eu, que estava lá, na Outra Banda, não porque tivesse que lá estar, mas porque nessa noite me apeteceu lá ir beber umas cervejolas com a malta, e o Fortunato, na sua página, tinha uma foto (3) tirada do interior da caserna para o exterior, através de um buraco de RPG 7, e eu tinha uma outra (4) tirada exactamente ao mesmo buraco, mas do exterior para o interior.

Deixem-me partilhar convosco esses documentos.

(3) - O impacto da granada visto do interior da caserna

(4) - O mesmo impacto, mas de fora para dentro. O caretas sou eu.

O tipo que faz caretas à máquina (ou à outra?) sou eu!

Num ápice escrevi ao Fortunato, mandei-lhe a minha foto e, como vivemos próximos, marcamos um encontro.

Face a face não nos reconhecemos, mas nenhum de nós precisa de se reconhecer, basta o santo e a senha, Guiné!, e é como se toda uma vida houvesse para nos unir.

Aquela manhã, à mesa do Aquários, teve o sabor dos velhos tempos dos bancos da escola.

Regressei a casa e gastei uma pipa em telefone (porque há quem não tenha esta maquineta) a dar conta à malta da minha turma do encontro com o Fortunato.

E pronto, como acho que já me estiquei nos caractéres, fico por aqui.

Claro que quero pedir para ser admitido à mesa da Tabanca.

Nas formalidades que faltam, vão as fotos do antes e do depois.

E dizer que nasci em Santarém, que sou da recruta de Jan/67 nas Caldas da Rainha, que daí fui para Tavira com a Especialidade de Atirador e como Tavira ficava muito longe da universidade nocturna de Lisboa, onde depois da Licenciatura me preparava para fazer o Mestrado, uns gajos que conheciam umas gajas que conheciam uns gajos que mexiam nos cartões mecanográficos do Exército, concluíram que o melhor, para estarmos juntos, era ficar na Estrela a fazer a Especialidade de Enfermeiro.

São ínvios os caminhos da vida, e assim a coisa aconteceu.

Como é que os cartões mexeram é que não conto, porque não sei se os crimes já prescreveram.

Acabou-se a tropa, deixei a seringa lá dentro, e fiz-me à vida que foi o sonho de toda a vida.

Vivo agora acalmado em Miraflores e estou danado para lançar um convite ao meu vizinho Luís Graça.

Se quiseres beber um copo combina que eu é só atravessar a rua.

Agora vou uns dias de vacances.

Se quando voltar tiver sido aceite na Tabanca, prometo acrescentar algumas estórias a este poderoso livro de contos.

A todos o meu abraço.


3. Comentário de CV:

Caro Pires, depois deste texto de apresentação, só posso dizer-te que entres, que escolhas o melhor lugar, talvez junto a uma janela, ainda há por aí algumas cadeiras vagas, e que te instales o melhor possível.

Não demos por que andasses a mexer nas nossas coisas, situação a que estamos habituaddos desde há muito. Sabemos que até jovens estudantes nos rebuscam quando pretendem elementos sobre a guerra colonial, particularmente a da Guiné. Como deves depreender é para nós uma honra ter uma página recheada de histórias contadas pelos intervenientes naquela guerra, possuír um acervo de fotografias inéditas, com instantâneos verdadeiramente espectaculares. Nada de truques ou fotomontagens.

A tua entrada promete que irás ter um papel activo no nosso Blogue. Não desiludas, porque jeito não te falta e material terás de sobejo.

Eu ainda sou teu contemporâneo (ABR70/MAR72) e estive em Bissorã julgo que em 1970, ou 71? Não me perguntes o que lá fui fazer.
Fomos quase vizinhos, já que eu estive em Mansabá o tempo todo. Curiosamente havia a oeste de Mansabá uma pequena elevação conhecida por Alto de Bissorã, donde éramos atacados vezes sem conta. Má vizinhança tínhamos por ali.

Caro novo camarada e amigo, em nome de toda a tertúlia envio-te o inevitável abraço de boas-vindas. A partir de hoje tens mais 360 amigos e camaradas, camarigos, a quem poderás contar a tua experiência como militar, muito mais, como elemento do Serviço de Saúde do Exército Português, que tinha na nossa guerra uma função ímpar junto da população nativa. Tens que nos contar tudo.

Um abraço do novo camarada
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4774: Tabanca Grande (167): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá (1965/67)

3 comentários:

paulo santiago disse...

Acontece,algumas vezes,aparecerem
post's que mexem comigo,precisando
...emocionam-me.É o caso de hoje,
com este post do camarada Armando
Pires,que entrou,em grande forma,
para a Tabanca.Não é por causa da
foto,onde apareço abrindo a boca
do anfíbio bicharoco,não,o que me
tocou mais fundo foi a recordação
do Polidoro,pessoa que nunca mais
encontrei após a minha saída de
Bambadinca.Todos sabeis,já o escrevi várias vezes,o Ten-Cor.
Polidoro Monteiro foi talvez o
oficial superior,melhor,devo dizer,
foi o único oficial superior que
me mereceu respeito,e conheci
vários.Estes vários que conheci,
majores,tenentes-coronéis,quando
íam ao Saltinho(é um ex.)utilizavam
o heli,nada de ir em colunas...
havia o pó e outras merdas mais
complicadas...E aqui começa a
diferença...conheci o Polidoro,não
em Bambadinca,conheci-o(também ao
Vacas de Carvalho)...no Saltinho,
onde chegaram e de onde partiram
numa coluna com o trajecto
Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho
e depois o trajecto inverso.
Não sei a razão,mas em Bambadinca,
havia,como dizer?,uma certa
cumplicidade entre mim e o Polidoro
Entendíamo-nos muito bem,já o mesmo
não acontecia com o 2ºcomandante,o
Anjos de Carvalho,um militar
emproado,bom para andar na parada,
esperando ver um militar com menos
atavio,ou que se esquecesse da
continência,para de imediato lhe
foder a vida.
Agora a foto.Quem era o comandante
de batalhão que se metia num Sintex
e descia o Geba Estreito até Mato
Cão?Só o Polidoro...e ficou lá a
dormir nos buracos com o pessoal
do PELCAÇNAT 63.Aquela faca no
ombro direito,de que fala o Armando
é imagem de marca,julgo que nunca
vi o Polidoro com outra farda que
não fosse o camuflado,raramente com
galões,contráriamente ao 2º comand.
que sempre vi de calções, meia
alta e respectivos galões.
Agora vou"entrar"com o Armando quando cita aquela apresentação do
Polidoro
-Não me tomem por piriquito que de
guerra venho eu farto.
Oh Armando não terá sido assim:
-Caralho,não me tomem por piriquito
que de guerra venho eu farto
Ou assim:
-Não me tomem por piriquito,caralho
de guerra venho farto.
Agora,ainda a propósito da foto,
reparem no outro personagem,o Alf
Mil Médico Vilar,"apanhado"na altura,continuando hoje com os
mesmos sintomas...é psiquiatra...
olhem para a arma que segura...
é uma carabina de caça .22...não é
que ele lhe acoplou aquela imensa
baioneta(comprada na Feira da Ladra)de uma Krapochev(será assim
que se escreve?)
Um abraço de boas-vindas ao Armando
Pires.
P.Santiago

Anónimo disse...

APOIADO! O POLIDORO FOI O ÚNICO QUE

CONSIDEREI COMANDANTE!

ABRAÇO GRANDE

Jorge Cabral

Hélder Valério disse...

Caro camarada, bem-vindo ao nosso convívio, que bem precisa de ser arejado, com novas histórias, fotos e memórias.
Esta tua "entrada" é de facto promissora e portanto ficamos a aguardar a continuidade prometida para depois de férias...
Um abraço
Hélder S.