segunda-feira, 13 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11562: Notas de leitura (480): Os Portugueses nos Rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2013:

Estimados amigos,
Se há peça sobre a história da Guiné que devia ser reeditada e anotada à luz dos conhecimentos atuais, é este surpreendente e luminoso livro de António Carreira, um investigador com grandes e justificados pergaminhos.
Consultou as melhores fontes e tece considerações que são as tais verdades como punhos que muitos teimam em ignorar.
Os familiares de António Carreira deviam ser incentivados a permitir a republicação do livro, dada a sua importância para conhecer a fundo a Guiné, é tão atual que permite abrir pistas de trabalho na investigação dos dois países, dá estimulo a percorrer a papelada do Arquivo Histórico Ultramarino.

Um abraço do
Mário


Os portugueses nos rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (1)

Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, escassas centenas de exemplares, de 1984, hoje uma raridade, não está ao alcance de qualquer um. E no entanto é uma resenha histórica de altíssima qualidade, atrevo-me a dizer que é imperdoável não se procurar uma reedição de um livro que compendia o essencial do passado longínquo da Guiné que vai ganhar os seus contornos na viragem para o século XX.

O investigador dá-nos a finalidade do seu trabalho:
“Procurei pôr à disposição do leitor um punhado de informações que podem auxiliar a ajuizar e a esclarecer:

1. As principais causas da perda pelos portugueses das posições que pretendiam assegurar, nos alvores da expansão;

2. As fraquezas, as misérias e as incúrias que concorreram para o fracasso do empreendimento; 

3. As razões porque os portugueses tiveram de se contentar com o pequeno “naco” de território compreendido entre o Cabo Roxo e a Ponta Cajé; 

4. O esbarrondar da “teoria” de um “colonialismo” imposto durante cinco séculos, que tomou foros de verdade inatacável, mercê do mito da “conquista” de uma área que nunca foi conquistada e cuja posse efetiva durou pouco mais de 60 anos”.

Depois de discretear sobre os povos da região, recorda que Guiné foi o topónimo menos usado até ao segundo quartel do século XIX. Na maior parte da documentação oficial, durante séculos, foi usada preferencialmente a expressão “rios de Guiné” ou “rios de Guiné de Cabo Verde” para identificar o setor costeiro. Em meados do século XVIII, houve tentativas para designar a área por “costa da Guiné”. Nalgumas descrições do século XIX apareceu também o topónimo Senegâmbia que em relação à parte sul do Casamansa tomou a forma de Senegâmbia meridional. Só de depois do acordo luso-francês de 1886 é que se difunde exclusivamente a designação Guiné.

Numa tentativa de explicar algumas das causas do fracasso da ocupação dos rios da Guiné pelos portugueses, Carreira refere que houve duas fases no decurso dos descobrimentos: a primeira, constituída por frotas régias com o encargo da descoberta e conquista de novas terras, com interesses comerciais, mas também o desejo de saber qual o poderio dos povos africanos e procurando igualmente conhecer a existência de algum reino cristão; a segunda, a fase de armadores e negociantes privados, caminharam no rasto das frotas régias, foi uma fase que se iniciou pelo arrendamento das áreas de tratos e resgates.

Como não se descobriu o ouro nestas paragens, o comércio português assentou no tráfico de escravos, pelo arrendamento de áreas onde apareceram pontas e fazendo igualmente os resgates através dos rios, por isso se criaram praças, presídios e postos. Aqui pontificavam capitães-mores, feitores ou provedores da fazenda, e o dispositivo militar eram pequenas guarnições, sempre mal apetrechadas, todos os centros de comércio fundados na região localizaram-se nas margens dos rios, estavam protegidos por paliçada de estacaria de madeira. Foi assim que se ocupou o território entre o rio Casamansa até ao rio Componi. O domínio dos portugueses, diga-se sem ambiguidades, estava circunscrito às praças e presídios, era um domínio permanentemente contestados e a ameaçados pelos chefes tradicionais.

António Carreira chama a atenção que se a presença portuguesa até à Restauração era débil, logo a seguir à Restauração, devido às más relações entre Portugal e Espanha, os castelhanos, no intuito de manter o fornecimento regular de escravos às suas possessões nas Antilhas e na América Central, tentaram assenhorear-se dos rios da Guiné, da área da Gâmbia ao estuário do Geba. Estes interesses espanhóis apoiavam-se também nos negociantes portugueses residentes em Sevilha que por sua vez possuíam agentes de confiança em Cacheu, chegaram a enviar embarcações para o rio Gâmbia com frades, sob o pretexto de difundir a Cristandade. Os frades desembarcaram no rio Gâmbia e dali dirigiram-se a Cacheu. O capitão-mor desta praça, prevenido pelos seus espias da Gâmbia, prendeu os negociantes portugueses implicados na manobra.

A partir de 1676, o rio Cacheu passou a estar dominado pela companhia de Cacheu, rios e comércio da Guiné. O investigador faz um ponto de situação sobre os presídios localizados nos rios de Cacheu e Casamansa – Ziguinchor e Farim – e prossegue para os de Bissau e Geba, Ilhas dos Bijagós e Rio Grande de Buba, em finais do século XVII. É uma enumeração do maior interesse. Ficamos a saber que Ziguinchor é um presídio fundado por Gonçalo de Gamboa d’Ayala, aquando da Restauração. Era um presídio protegido por uma tabanca, devidamente artilhada, e dispunha de igreja. A partir das primeiras décadas do século XIX, quando se intensificou a atividade política e comercial da região é que se começou a ter uma noção da importância estratégica da bacia do Casamansa. Era, porém, demasiado tarde, os interesses franceses tudo fizeram para erradicar a presença portuguesa, que se tornou um facto em 1886. Há inúmeros e eloquentes testemunhos de que a maior parte desta população estava disposta a continuar portuguesa. A feitoria de Farim era a designação dada ao grande regulado cujo território se estendia de Farim a Cabu. Geba era a terceira posição portuguesa na Guiné. Como alguém escreveu, “era de maior trato de todas quantas havia em Guiné, era aqui que se vendia a cola e muito ferro, a troco de cera”. Perdeu importância com a transferência da população para Farim. A praça de Bissau ganhou interesse em finais do século XVII, aqui se construiu fortaleza e a presença portuguesa foi sempre periclitante até aos tempos da pacificação. A presença portuguesa nos Bijagós foi sempre ténue devido à agressividade dos autóctones, haja em vista os assaltos que faziam às populações do continente. Quanto ao Rio Grande de Buba, há registos desde o século XVI que falam na presença de várias dezenas de navios que aqui vinham para o tráfico de escravos e daí se mencionar que no Porto havia cerca de “50 casas de brancos”.

Carreira apresenta uma súmula da situação geral até finais de 1600: concorrência estrangeira e agressividade dos autóctones; dificuldade na manutenção de alguns pontos de fixação; comércio baseados na compra de escravos, cera, cola e algum marfim e na venda de tecidos, ferro, adornos e aguardente. O principal interesse de quase todos os negociantes estava centrado nos escravos. Estes foram encaminhados, pelo menos de 1468 a 1647 para a ilha de Santiago (o grande “depósito” de exportação) e dali com destino a Portugal, Cádis, Sevilha, Sanlúcar de Barrameda, Canárias, Índias de Castela, Antilhas.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P11550: Notas de leitura (479): A História do BCAÇ 2845 em verso, por Albino Silva, e A política da luta armada - Libertação nacional nas colónias africanas de Portugal, por Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Trata-se de um documento de valor inestimável e que devia merecer uma segunda edição, o que não parece ser muito difícil. As pistas sobre a história da Guiné estão quase todas lá. Obrigado, Mário, por nos teres divulgado esta obra fundamental.
Francisco Henriques da Silva