Guiné, 14 de Janeiro de 1964 - Tropas embarcadas, rumo à Ilha do Como
Guiné, Janeiro de 1964 - Desembarque das forças do Batalhão 490 na Ilha do Como
ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 5
Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)
Ilha do Como - “Operação Tridente”
Foi desgastante a guerra do Como, onde, no fim de contas, não houve claros vencedores (deixámos uma Companhia no Cachil) nem vencidos (haviam de voltar a ocupar a Ilha, como é normal neste tipo de guerra). O IN no início estava bem moralizado, estava em seu território e mandaria nele. Tentou forçar a saída das nossas Companhias, sediadas em Cauane e em Curcô, com ataques contínuos, mas apenas conseguiu tal intento na posição de Uncomené. Mostrava-se nesta altura “bem instruído, manobrador, muito agressivo e com um poder de fogo extraordinário, no entanto as numerosas baixas que sofreu, foram-lhe abatendo o moral e desorganizando-o, a ponto de, no final da operação, os pequenos grupos dispersos, sem qualquer agressividade e famintos, fugirem ao menor contacto com as nossas tropas”, conforme consta da “História da Unidade”. Foram destruídos dois acampamentos, num total de 62 casas de mato, houve 76 mortos confirmados no terreno (contra 8 de toda a tropa envolvida) e com mais de 100 “mortos prováveis”; feridos confirmados, 15, contra 29 da nossa parte, mas aquele número era muito mais elevado. Além da recolha de vário material de guerra, no entanto, não tanto como seria previsível
O comandante Nino, ao princípio, fez-nos a vida negra, mas a fúria e o poder de fogo foram abrandando à medida que as populações desertavam. Com 21 mortos, com poucos efectivos operacionais e com a população a fugir, segundo estratégia delineada por Amílcar Cabral, Nino chegou a pedir ajuda a muitas bases, segundo carta encontrada, mais tarde, pelas nossas tropas, numa operação em Gampará, assinada por este comandante.
Guiné - Ilha do Como, 1964 - Alf Mil Bretão e Fur Mil Lima, da CCAV 488, atravessando ponte feita de palmeiras destinada aos abastecimentos das tropas em acção
Esta guerra não foi fácil para ambas as partes. Mas, no fim da operação, já um pelotão (o do Jaime Segura) atravessava sem problemas a ilha. Nela se integrou o Comandante da denominada operação “Tridente”, a maior operação da guerra contrasubversiva até aí realizada nas três frentes, pelos meios e forças utilizadas, que iam do nosso Batalhão a Companhia de Fuzileiros, comandados pelo lendário Alpoim Calvão, que hoje tem negócios em Bolama. Uma das poucas vezes que o vi nesta ilha foi a apontar uma faca ao tronco de uma árvore. Não falhava um só golpe. A operação envolvia também, pela primeira vez, um grupo de comandos, paraquedistas, força aérea, canhões, montados numa bela praia, e um navio transformado em hospital de apoio. Que, felizmente, não foi muito utilizado, apesar dos terríveis medos e previsões não muito optimistas, esta é a verdade.
Guiné - Ilha do Como, 1964 - Tropas atravessando bolanha
A operação “Tridente”, devido ao clima e inicial força do IN, foi difícil, terrível em muitos aspectos, mas não foi muita da mentira que a jornalista Felícia Cabrita fez publicar no "Expresso", uma grande reportagem feita, decorridos 30 anos sobre a operação “Tridente”. Como tive possibilidade de saber pessoalmente da boca de alguns que foram ouvidos, as afirmações de alguns ou foram mal contextualizadas ou deturpadas. Além disso, só publicou o que poderia diminuir as Forças Armadas Portuguesas. Houve muita outra gente entrevistada de quem não apareceu uma única palavra na dita reportagem com o título de “A Campanha do Medo”. A verdade e a isenção não interessam a muita gente como é o caso. Houve medos, mas ninguém fugiu para Dakar e dali para Paris como muitos que assim procederam. Assim tendo feito, são considerados heróis, e os que deram o corpo ao manifesto, após o 25 de Abril eram tratados como verdadeiros criminosos. Passados 30 anos, para alguns ainda havia complexos, fantasmas.
Guiné - Ilha do Como, 1964 - No final de uma refeição
Como ali não havia bajudas nem mulheres, só nos matos fechados, acontecia que nós é que tínhamos de cuidar das nossas roupas, a começar pela lavagem de cuecas, calças, camisas, meias, etc, etc.. No final, eu já cuidava também das minhas barbas, penteava-as, assim como os meus longos cabelos e procurava torcer o meu bigode, criar-lhe pontas à boa moda do princípio do séc. XX.
Finda a guerra, nos meados de Março, o meu último aerograma tem a data de 12 e dava conta de algum sossego e de um macio mascote. Tratava-se de um cordeiro que cabriolava brincalhão no acantonamento e com o qual a malta brincava. Era bonito, preto e branco e mansinho, de tal forma que dormia com os soldados. Era como que o anúncio da paz, ainda que temporária. A guerra ia continuar por outras partes.
Guiné - Ilha do Como, 1964 - A hora do correio e da partilha das alegrias
Na batalha do Como para onde nos deslocámos em Janeiro de 1964 em meios navais, ainda participou por algum tempo o alferes Fernando Correia. O meu pelotão teve aí 6 feridos e a 487 dois mortos e dois feridos. Mas o Fernando tinha então um grande problema de audição. No buraco, onde dormíamos, percebendo mal o zunir das granadas, saídas das bocas dos canhões estacionados na praia, perguntava-me o que era aquilo… Aquilo era o assobio das granadas, explicava-lhe. Perante isso e temendo o pior, o Comandante do Batalhão, que sabia bem o que era a surdez, sofria do mesmo mal, mandou-o evacuar para a Metrópole, a fim de ser operado. Acontecia em 25 de Março, “por doença adquirida em serviço”. Neste interim, chegava a 25 de Março de 1964, e dava, solene e publicamente, o nó com a Lurdes Espanhol, passados quatro dias, ou fosse no dia 29, que coincidia com o dia de Páscoa. Belas e doces amêndoas! (Tinham casado no registo civil por procuração no dia 4 de Janeiro desse mesmo ano).
Submeteu-se a uma cirurgia no Hospital da Estrela. Pouco tempo depois embarcava de novo para Bissau, onde acabou por ser colocado no Quartel General como responsável pelo sector dos abastecimentos. Ou fosse na 2.ª Secção de Transportes da 4.ª Repartição, após a apresentação do relatório do médico que o operara. Isso permitiu que trouxesse para Bissau a noiva e fosse viver com o Jaime Segura e a Manuela, primeiro.
Ilha do Como, 1964 - Embarque de vário material de regresso a Bissau
Fotos (e legendas) : © Armor Pires Mota (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: CV]
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12378: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (4): Cinco dias no Niassa; A primeira grande experiência e Dois alferes de uma só vez