Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > c. 1973 > BCAÇ 3872 (1072/74) > A camimnho de Cancolim e posto médico de Cancolim.
Fotos do álbum do ex-alf mil médico Rui Vieira Coelho, disponíveis na página do grupo (fechado) do Facebook Galomaro, destino e passagem (Criado em 23/3/2011, e editado pelo Rui Vieira Coelho, tem já cerca de 90 membros, pretendendo "convergir pelo trato afectivo todos os ex-militares que permaneceram em Galomaro, na Guiné-Bissau, ou por lá passaram em trânsito").
Fotos (e legenda): © Rui Vieira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
Rui, estou encantado com a tua "frescura" de memória... É verdade que "só esquece a quem não sabe"... Mas há aqui uma riqueza de informação médico-sanitária, que só agora consegui reunir, a parrtir de uma fonte autorizada (que é um médico com o teu saber, sensibilidade e experiência)...
É um testemunho muito importante da tua parte, para esta série "Os nossos médicos"... Também não é por acaso que tu, para além de médico do batalhão, não ficavas fechado no quartel, e foste subdelegado de saúde do Cossé (, regulado donde provinha uma parte dos meus soldados, fulas, da CCAÇ 12, constituída em 1969)...
Sem querer abusar da tua paciência, diz-me mais coisas:
(i) Então, e quando a rapaziada aparecia com o vulgaríssimo "esquentamento" ou blenorragia (, na tropa não se falava caro) ? Eu sei que a malta se desenrascava melhor com o enfermeiro, já que a doença era sempre vista como "vergonhosa" à luz da nossa cultura judaico.cristã... Eventualmente havia outros problemas de doenças sexualmente transmissíveis mas já existia a "bala mágica", o antibiótico, a penicilina, coisa que não existia em Cabo Verde, no Mindelo, no tempo do meu pai (1941/43), e onde a sífilis era um problema sério...
ii) E os problemas do foro psíquico, depressões, perturbações emocionais, surtos psicóticos, parassuicídios, automutilações...? A população à tua guarda era pequena, mas de risco...
(iii) Sei que tu eras um jovem médico, provavelmente ainda com pouca experiência clínica... Galomaro (e por extensão a Guiné) foi uma escola para ti ? Temos ouvido mais os cirurgiões, que faziam "milagres", nomeadamente no HM 241, em Bissau..
Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74, e subdelegado de saúde da zona de Galomaro-Cossé [, foto à direita, em 1973, no Saltinho]] (*). Texto enviado em 20 do corrente:
2. Em relação a doenças de transmissão sexual, já falei de Pediculus Pubicus, Piolho do Púbis, ou vulgo Chato em português vernáculo.
A situação mais frequente era a blenorragia, com a sintomatologia habitual com dificuldade de micção, ardência uretral e supuração em que o seu agente era a Neisseria Gonorreia. A terapêutica á base de Penicilina resultou sempre eficazmente nesta patologia.
Por vezes aparecia uma ulceração na glande peniana o que pressupunha de imediato o diagnóstico de uma sífilis com a sua lesão primária (cancro duro) e que era imediatamente tratado com Penicilina Benzatinica 1200000( 1 milhão e duzentas mil unidades ) em injecção intra-muscular por semana durante 3 semanas seguidas.
Por vezes associada a estas situações apareciam as prostatites que na maioria dos casos tratavam-se de infestações por múltiplos agentes, como Neisseria, Estreptococos, Clamydia Trachomatis, Echerichia Cólica. etc, etc.
O Cancro Mole ou vulgo Mulas produzido pelo Bacilo Ducrey era pouco frequente na zona onde estava inserido
O Herpes genital já era mais frequente e com uma certa regularidade com irritação balano-prepucial, prurido e com rasgadas e escoriações. Na altura tínhamos a tintura de iodo ,e a solução álcool iodada (ardia até de mais)-. Tinha uma característica recidivante e não havia terapêutica como hoje em dia com o Aciclovir.
Da parte do pessoal não havia, como dizes, uma grande reserva em relação ao Médico, no encobrimento da patologia sexualmente transmitida, isto no que me dizia respeito. Fui sempre aberto a todas as situações e nunca manifestei qualquer desagrado ou dei qualquer sentido pecaminoso a uma necessidade quasi fisiológica e de escape e de desanuviamento do pessoal militar tão novo.
Confiavam em mim e no segredo profissional a que estava subordinado, servindo de intermediário válido entre eles e o comando e sempre que necessitavam de aconselhamento.
O medo e em alguns a ansiedade permanente levavam por vezes a depressões, quase todas de carácter reactivo, á situação de guerra por que passavam, que se agravava exponencialmente, com mortos e ou feridos como resultado de ataques, com a falta de notícias dos familiares ou dos amigos, doenças e stress por antecipação. O sentido de perigo constante fazia com que entre camaradas a amizade e a solidariedade fossem a melhor terapêutica para um bom equilíbrio emocional, não obstante o stress pós traumático de guerra seja uma realidade.
Não é por acaso que o pessoal militar que passou pela Guiné, tem um sentido tão gregário, é uma solidariedade por vezes sem limites, veja-se a quantidades de Tabancas existentes em Portugal . E também não é por acaso que nestas "Tabancas", apesar de tudo o que sofreram, se crie um desejo de ajudar "onde estivemos", e é por essa gente que é no fundo humana como nós, com ideias e culturas tão diferentes,mas com um desejo enorme de não ter fome, de ter cuidados de saúde, de aprender, de ter esperança no futuro.
Também não é por acaso que se formam ONG ,a partir das "Tabancas" e no fundo o " Encontro de um Caminho " solidário, é por vezes uma Terapêutica Comportamental para o Stress pós traumático de que muitos foram e são vítimas, mas encontram um sentido, é um objectivo de real importância para as suas vidas,que se sobrepõem aos factores negativos do psico-drrama que a querra lhes trouxe. Tudo serve como catarse para uma Integração plena e o readquirir de uma auto-eEstima perdida por todos nós, uns mais que outros.
O suicídio existia como solução final para pôr cobro a todos os problemas que uma guerra de guerrilhas trazia, nos deprimidos, pelo isolamento, pela solidão, pelo temor e medo constante, pela incerteza, pelo reviver de situações de emboscadas, de explosões, de mortos e feridos que com ele conviveram de perto, por exaustão e perda de fé fosse no que fosse.
Quanto a auto-mutilações,na Guiné enquanto estive no mato não tive conhecimento de nenhuma. Já na metrópole foram-me referidas algumas como secções de dedos do gatilho para não serem mobilizados para o Ultramar.
Espero ter respondido a tudo o que pediste e envio-te um Grande Alfa Bravo
Rui Vieira Coelho
Enviado do meu iPad
_______________É um testemunho muito importante da tua parte, para esta série "Os nossos médicos"... Também não é por acaso que tu, para além de médico do batalhão, não ficavas fechado no quartel, e foste subdelegado de saúde do Cossé (, regulado donde provinha uma parte dos meus soldados, fulas, da CCAÇ 12, constituída em 1969)...
Sem querer abusar da tua paciência, diz-me mais coisas:
(i) Então, e quando a rapaziada aparecia com o vulgaríssimo "esquentamento" ou blenorragia (, na tropa não se falava caro) ? Eu sei que a malta se desenrascava melhor com o enfermeiro, já que a doença era sempre vista como "vergonhosa" à luz da nossa cultura judaico.cristã... Eventualmente havia outros problemas de doenças sexualmente transmissíveis mas já existia a "bala mágica", o antibiótico, a penicilina, coisa que não existia em Cabo Verde, no Mindelo, no tempo do meu pai (1941/43), e onde a sífilis era um problema sério...
ii) E os problemas do foro psíquico, depressões, perturbações emocionais, surtos psicóticos, parassuicídios, automutilações...? A população à tua guarda era pequena, mas de risco...
(iii) Sei que tu eras um jovem médico, provavelmente ainda com pouca experiência clínica... Galomaro (e por extensão a Guiné) foi uma escola para ti ? Temos ouvido mais os cirurgiões, que faziam "milagres", nomeadamente no HM 241, em Bissau..
Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74, e subdelegado de saúde da zona de Galomaro-Cossé [, foto à direita, em 1973, no Saltinho]] (*). Texto enviado em 20 do corrente:
2. Em relação a doenças de transmissão sexual, já falei de Pediculus Pubicus, Piolho do Púbis, ou vulgo Chato em português vernáculo.
A situação mais frequente era a blenorragia, com a sintomatologia habitual com dificuldade de micção, ardência uretral e supuração em que o seu agente era a Neisseria Gonorreia. A terapêutica á base de Penicilina resultou sempre eficazmente nesta patologia.
Por vezes aparecia uma ulceração na glande peniana o que pressupunha de imediato o diagnóstico de uma sífilis com a sua lesão primária (cancro duro) e que era imediatamente tratado com Penicilina Benzatinica 1200000( 1 milhão e duzentas mil unidades ) em injecção intra-muscular por semana durante 3 semanas seguidas.
Por vezes associada a estas situações apareciam as prostatites que na maioria dos casos tratavam-se de infestações por múltiplos agentes, como Neisseria, Estreptococos, Clamydia Trachomatis, Echerichia Cólica. etc, etc.
O Cancro Mole ou vulgo Mulas produzido pelo Bacilo Ducrey era pouco frequente na zona onde estava inserido
O Herpes genital já era mais frequente e com uma certa regularidade com irritação balano-prepucial, prurido e com rasgadas e escoriações. Na altura tínhamos a tintura de iodo ,e a solução álcool iodada (ardia até de mais)-. Tinha uma característica recidivante e não havia terapêutica como hoje em dia com o Aciclovir.
Da parte do pessoal não havia, como dizes, uma grande reserva em relação ao Médico, no encobrimento da patologia sexualmente transmitida, isto no que me dizia respeito. Fui sempre aberto a todas as situações e nunca manifestei qualquer desagrado ou dei qualquer sentido pecaminoso a uma necessidade quasi fisiológica e de escape e de desanuviamento do pessoal militar tão novo.
Confiavam em mim e no segredo profissional a que estava subordinado, servindo de intermediário válido entre eles e o comando e sempre que necessitavam de aconselhamento.
O medo e em alguns a ansiedade permanente levavam por vezes a depressões, quase todas de carácter reactivo, á situação de guerra por que passavam, que se agravava exponencialmente, com mortos e ou feridos como resultado de ataques, com a falta de notícias dos familiares ou dos amigos, doenças e stress por antecipação. O sentido de perigo constante fazia com que entre camaradas a amizade e a solidariedade fossem a melhor terapêutica para um bom equilíbrio emocional, não obstante o stress pós traumático de guerra seja uma realidade.
Não é por acaso que o pessoal militar que passou pela Guiné, tem um sentido tão gregário, é uma solidariedade por vezes sem limites, veja-se a quantidades de Tabancas existentes em Portugal . E também não é por acaso que nestas "Tabancas", apesar de tudo o que sofreram, se crie um desejo de ajudar "onde estivemos", e é por essa gente que é no fundo humana como nós, com ideias e culturas tão diferentes,mas com um desejo enorme de não ter fome, de ter cuidados de saúde, de aprender, de ter esperança no futuro.
Também não é por acaso que se formam ONG ,a partir das "Tabancas" e no fundo o " Encontro de um Caminho " solidário, é por vezes uma Terapêutica Comportamental para o Stress pós traumático de que muitos foram e são vítimas, mas encontram um sentido, é um objectivo de real importância para as suas vidas,que se sobrepõem aos factores negativos do psico-drrama que a querra lhes trouxe. Tudo serve como catarse para uma Integração plena e o readquirir de uma auto-eEstima perdida por todos nós, uns mais que outros.
O suicídio existia como solução final para pôr cobro a todos os problemas que uma guerra de guerrilhas trazia, nos deprimidos, pelo isolamento, pela solidão, pelo temor e medo constante, pela incerteza, pelo reviver de situações de emboscadas, de explosões, de mortos e feridos que com ele conviveram de perto, por exaustão e perda de fé fosse no que fosse.
Quanto a auto-mutilações,na Guiné enquanto estive no mato não tive conhecimento de nenhuma. Já na metrópole foram-me referidas algumas como secções de dedos do gatilho para não serem mobilizados para o Ultramar.
Espero ter respondido a tudo o que pediste e envio-te um Grande Alfa Bravo
Rui Vieira Coelho
Enviado do meu iPad
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 19 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13759: Os nossos médicos (83): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (15): Todos (ou quase todos) apanhámos o pé de atleta, a flor do Congo, onicomicoses, chatos, matacanhas... Mas o que me preocupa hoje, como amigo daquele povo, é a doença por vírus Ébola... Vamos ajudar a ONGD "Ajuda Amiga" a mandar um contentor suplementar no 1º trimestre de 2015, com sabão, sabonetes e lixívia!... NIB: 0036 0133 991 000 251 3826