1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto.
COPÁ – JANEIRO DE 1974
A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá.
Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné.
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.
O nosso baptimo de fogo
Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.
Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde.
Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo.
As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.
E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".
Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro.
A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo, era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros.
O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes.
Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas, mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento.
Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local.
Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC.
Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos, um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.
7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei
Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.
Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei.
Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro
[1], os primeiros mortos do meu Batalhão.
Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança; a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.
O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas.
Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las.
Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada, comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV.
Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.
Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.
Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens
Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.
Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms.
Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens.
Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las.
Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas
[2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento.
Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo.
Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente), o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos.
Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia.
Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo.
Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer.
Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava.
Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total.
Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado, com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!
E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo.
Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo.
Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.
Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues
Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.
Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto,
“EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”
Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos.
[3]
Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer.
O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado.
Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).
A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los.
Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido, graças a Deus.
A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender.
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[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal)
[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.
[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.
Foto 1 - Junto ao poço de Copá
Foto 2 - Junto ao poço de Copá
Foto 3 - Junto ao poço de Copá
Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)
Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados.
[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Nota de M.R.:
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