sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14132: Notas de leitura (668): “Honório Pereira Barreto”, escrita pelo médico Jaime Walter, e editada em 1947 pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Poderia compreender-se nos anos subsequentes à independência da Guiné-Bissau o silenciamento à volta de Honório Pereira Barreto, sem atinar com o estudo das mentalidades ele era apodado de negreiro e colaboracionista com as autoridades coloniais. Continua a teimar-se em aceitar a lição da História, Honório Barreto foi educado em Lisboa e acolheu o sentimento pátrio, foi incansável a fazer acordos, a comprar do seu próprio bolso território para a Guiné, a barafustar contra as intromissões francesas e britânicas, cobiçando um território completamente esquecido por Lisboa.
Não há condicionais em História, mas é inquestionável que foi este governador que lançou as bases deste território onde combatemos e que é hoje a Guiné-Bissau.
Conhecer o pensamento e ação de Honório Pereira Barreto é uma questão fundamental para a cultura luso-guineense.

Um abraço do
Mário


Honório Pereira Barreto, por Jaime Walter

Beja Santos

Nativo da Guiné, Honório Pereira Barreto(*) nasceu em Cacheu em 24 de Abril de 1813, filho de João Pereira Barreto, sargento-mor de Cacheu, e Rosa de Carvalho Alvarenga, senhora de cor. Foi enviado em criança para ser educado em Lisboa, com destinado à Universidade de Coimbra, mas em 1829, por morte do pai, foi obrigado a regressar a Cacheu para assumir a direção da casa comercial que herdara. Assim se inicia a biografia “Honório Pereira Barreto”, escrita pelo médico Jaime Walter, e editada em 1947 pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Regressa à Guiné, “e foi grande a desilusão que sentiu, quando verificou o estado em que se encontrava Cacheu e toda a Guiné”. Em 1832, teve lugar uma nova organização administrativa do território português, que passou a ser dividida em províncias, subdivididas em comarcas e estas em conselhos, governadas por prefeitos, subprefeitos e provedores. A comarca da Guiné, que pertencia à província de Cabo Verde, passara a possuir uma subprefeitura em Bissau e uma provedoria em Cacheu. Em 1834, com vinte e um anos de idade, Barreto foi nomeado provedor de Cacheu. Derrotou os indígenas sublevados e estabeleceu acordos de paz. Assiste às primeiras tentativas francesas de usurpação do Casamansa. Calculando que as ambições francesas incidissem sobre o território de Bolor, ratificou em nome da Rainha a cedência do território a Portugal. Vai alertando as autoridades mas parece que ninguém o quer ouvir, e um dia vai escrever um dolorido desabafo: “Quer por ser rapaz, como me disse o antigo governador de Cacheu, quer por eu ser negro, e não merecer consideração, quer por outra coisa que não posso apreciar, nunca obtive resposta”. Os franceses pretendiam abocanhar um ponto denominado Gomé, e Barreto atua comprando o terreno e arvorando a bandeira nacional. Em 1836, é nomeado pela primeira vez governador da Guiné, lugar que não chegou a tomar posse por ter sido demitido o governador-geral que o nomeara. É depois nomeado encarregado do governo e inicia diligências diplomáticas junto das autoridades inglesas para travar as ambições francesas no Casamansa. Os franceses não desarmam e em Março de 1837 sobem o rio de Casamansa e estabelecem em Selho uma feitoria. Barreto protesta junto do governador francês do Senegal, sem resultados. Em Abril seguinte Barreto é nomeado Governador de Bissau e Cacheu bem como Tenente-Coronel Comandante do Batalhão de Voluntários Caçadores Africanos de Cacheu e Ziguinchor. Em Dezembro desse ano, vemo-lo em Bolama a ratificar a posse da ilha. Em 1838, compra o Ilhéu do Rei e uma parte do rio Geba, compra feita em nome da nação portuguesa mas paga pelo seu bolso.

Em Dezembro de 1838, vai começar a questão de Bolama, quando o comandante Arthur Kellet, do brigue de guerra Brisk aí desembarcou cometendo atropelos de toda a natureza. No ano seguinte, Barreto deixa de exercer funções governativas, volta aos seus negócios. É neste período que ele vê com desgosto que na Câmara dos Senadores terem feito comentários insanos sobre a Guiné, irá reagir escrevendo a Memória sobre o Estado Atual da Senegâmbia Portuguesa. Escreve Jaime Walter acerca do documento: “É um modelo de verdade e patriotismo. Marca a forte personalidade de Honório Barreto, o desassombro da sua linguagem e das suas atitudes, diz-nos o que pode numa alma viril o culto da verdade ao serviço de uma causa essencialmente patriótica”.

Honório Barreto, vendo apertar-se o cerco estrangeiro ao que resta de Senegâmbia portuguesa, faz convenções com chefes indígenas e oferece os contratos à Coroa. E a Coroa agradece, condecorando-o com a Comenda da Ordem de Cristo. Em 1846, perante a revolta dos grumetes de Farim, ele organiza uma expedição e desbarata os insurretos. É agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada.

Em 1853, celebrou uma convenção com os régulos de Bolor e quando estala uma rebelião no presídio de Geba é ele quem vai pacificá-la. Os navios franceses e ingleses estão cada vez mais presentes nos Bijagós, os franceses perturbavam a vida de Ziguinchor e os ingleses cercavam Bolama. É desse tempo que vem uma anedota descrita por vários autores, passada entre Barreto e o comandante de um vapor inglês:
“O comandante do vapor inglês mandou pedir ao governador uma audiência, que prontamente lha concedeu. Preparava-se o governador para receber tão alto personagem, pega do binóculo, assesta-o no bote que trazia para terra a comitiva inglesa, mas vendo que no lugar de honra vinha um inglês vestido de chambre muito repimpado, que naturalmente seria o comandante, fez o nosso governador, que não era homem para meias medidas, recorrer a um expediente que ficou para a história.
Mandou retirar as sentinelas, pôs-se muito à vontade e de camisa por fora das calças, esperou ao cimo da escada o recém-chegado.
- Desejava falar com o Senhor Governador. 
- Mas quem é o Senhor? 
- Eu sou o comandante inglês que lhe mandei pedir audiência. 
- Queira entrar, eu sou o governador. 
- Mas nesse trajo? 
- Para um comandante vestido de chambre, um governador vestido assim. 
Escusado é dizer que o comandante entupiu e foi vestir-se de grande uniforme”.

Barreto nunca perde a iniciativa política, domina revoltas, funda colónias, oferece territórios ao país. Mas o seu estado de saúde agrava-se de dia para dia, faleceu no dia 26 de Abril de 1859. Na sessão de abertura da Junta Geral do Distrito da Província de Cabo Verde, a 15 de Maio de 1859, o governador fez o elogio de Honório, usou sentidas palavras:
“A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa, a grande distância, instruído, e sempre pronto no serviço do seu país, é uma perda irreparável”.


O estudo de Jaime Walter é enriquecido por documentos alusivos, destaco a carta que enviou em 5 de Junho de 1839 ao Governador-Geral em Cabo Verde, a propósito dos desmandos do tenente Arthur Kellet, comandante do Brisk, em Bolama:
“Se eles se julgavam com direito a ela, deviam requerer ao Governador de Bissau, e mostrar-lhe que era sua, para este me dar parte; porém, mandar um tenente da marinha em estado embriaguez vergonhosa assolar e roubar a ilha de Bolama, pressionar soldados portugueses, quebrar-lhe as armas; cortar o pau da bandeira, rasgar a bandeira nacional portuguesa, cuspi-la e calcá-la aos pés, é só próprio de um gentio bárbaro; estou certo que nenhum outro militar de qualquer outra nação da Europa, da América, África ou Ásia é capaz de tanta infâmia e tanta insolência como a que praticou este tenente inglês com aqueles mesmos a quem pediu vinho para se embriagar.
É um insulto feito não só por estar toda a guarnição daquele brigue em indigna embriaguez, mas muito de propósito para nos desacreditarem com as nações gentílicas da Guiné: se esta nação é nossa aliada, eu não sei que mais possa fazer os nossos inimigos”.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14130: Notas de leitura (667): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (2): Portugal é uma monarquia sem monárquicos

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