segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14119: Contraponto (Alberto Branquinho) (53): "A Malta das Trincheiras" de André Brun

1. Em mensagem do dia 2 de Janeiro de 2015, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais um dos seus Contraponto(s).

Boa noite Carlos
Aqui estou, em pleno Ano Novo, ressuscitado, a desejar-te um optimíssimo 2015 e a enviar mais um Contraponto.
Aconselho-te vivamente a leitura do livro de que falo no texto.

Abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO

53 - "A MALTA DAS TRINCHEIRAS"

Porque no transacto ano de 2014 se completaram 100 anos sobre o início da I Grande Guerra, a Sociedade Portuguesa de Autores reeditou, em colaboração com a editora “Guerra & Paz”, o livro “A MALTA DAS TRINCHEIRAS” de André Brun, que tem como subtítulo “Migalhas da Grande Guerra”.

Ora, como o subtítulo indica, são textos curtos, com quatro, cinco páginas e sem qualquer sequência narrativa, nos quais o autor transmite variadíssimos aspectos da realidade nua e crua da guerra em que esteve envolvido: as cidades da retaguarda, mais ou menos destruídas, abandonadas pelas populações e ocupadas pelos militares, o avanço das tropas para a 3.ª e 2.ª linhas das trincheiras e, depois, o dia-a-dia e os combates na trincheira da linha da frente.

São pequenas histórias, apontamentos, comentários, análises donde ressaltam, com uma clareza e comunicação incríveis, o sofrimento, a tragédia, o humor, as situações pícaras, a rotina das trincheiras (a abissal diferença entre a noite e o dia, o tempo de sol e o de chuva e neve, com os seus lamaçais), a crítica à retaguarda e às suas burocracias inúteis, que nunca tinham em conta a situação real de quem tinha que sobreviver naquelas condições e conviver com o boche que estava nas trincheiras mesmo em frente.

Através destes pequenos textos André Brun transmite vivamente a realidade das trincheiras, que eu não tinha conseguido apreender desta maneira através da leitura de livros tipo romance, com uma história encadeada (com princípio, meio e fim). É, assim, mais um exemplo (talvez o primeiro em situação de guerra) de como se pode descrever, pintar, ilustrar, transmitir uma realidade de um dado espaço/tempo ou circunstância (acentuando o trágico, surrealista, humano, cómico, pícaro, sarcástico, burlesco), através de pequenas histórias com gente dentro – os militares, mas, também, o drama das populações desalojadas.

Num texto intitulado “O mosqueiro da batalha” há referências sofridas ao 9 de Abril de 1918, dia da batalha de La Lys.

Noutro texto, “O pintor das trincheiras”, fala-nos do famoso pintor Sousa Lopes, que, voluntário e graduado em capitão, foi para as trinchas desenhar, tomar apontamentos, fazer croquis da vida real nas mesmas, dizendo que foi “imediatamente baptizado” pelos soldados como: “Aquele nosso capitão que tira fotografias com um lápis”.

A terminar, transcrevo uma passagem irónica (página 73) que, pelo seu conteúdo, nos diz muito: “À tarde, em três macas rodadas, vamos levá-los ao cemitério, a um daqueles cemitérios de guerra postos à beira das estradas, para que o nosso espírito se não esqueça de que é mais fácil nestas paragens ganhar uma cruz de pau do que uma cruz de guerra”.

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Notas finais:

1 – André Brun escreveu, também, entre outros, “A maluquinha de Arroios” e “A vizinha do lado”, ambos adaptados ao cinema.
2 - A todos aqueles que, aqui neste blogue, falam, por vezes, em “linha da frente” ou em “trincheiras” na Guiné, mais uma vez digo que em qualquer guerra de guerrilha não se combate para conquistar território. Na Guiné não tínhamos, portanto, “linhas da frente” nem “trincheiras”.

Valas não são trincheiras. Estas tinham quilómetros e quilómetros, eram mais altas que um homem, sempre ziguezagueando e, dentro delas, havia tudo aquilo que um quartel necessitava – secretaria, comunicações, dormitórios, algum paiol, etc.. .O texto “A terra de ninguém” começa assim: «Passou-se a segunda linha, B.line, e vai-se descendo pela trincheira de comunicação. Por fim, um entrincheiramento perpendicular. É a primeira linha, aquela para onde nos conduzem as várias setas das tabuletas:”To the front line”». (Convirá referir que o batalhão português de André Brun estava integrado nas tropas inglesas.

Alberto Branquinho
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7286: Notas de leitura (171): A Malta das Trincheiras, de André Brun (Arménio Estorninho)

Último poste da série de 13 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13135: Contraponto (Alberto Branquinho) (52): A Guerra (Colonial) no Feminino

6 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Alberto: nunca é demais lembrar a mosntruosidade da guerra... Não sei que lhe chamaram a Primeira... Obriagdo pelas tuas notas de leitura. Concordo contigo, nenhum historiador ou historiógrafo se pdoe substituir ao discurso direto, ou ao testemunho em primeira mão...

Boas entradas e melhoras saídas em 2015...

Antº Rosinha disse...

Ainda há políticos portugueses octogenários que defendem que deviamos ter entrado também na 2ª Grande Guerra.

E dão explicações explicadinhas para explicar o inexplicável.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Como se pode ver, agora, a um século de distância, estamos a 'conhecer melhor' o conflito que chamávamos de Grande Guerra (morei numa Av. dos Combatentes da Guerra Guerra, em Vila Franca) e que depois, por causa de outro conflito se passou a designar de 1ª Grande Guerra Mundial.

Não será de estranhar que se venha a falar mais da nossa "experiência africana" quando passarem mais anos.
Daí a suprema importância de deixar registo das nossa vivências para que se possa cotejar (os historiadores) as várias fontes de modo a, com o distanciamento temporal e certamente ideológico que nessa altura haverá, as gerações vindouras terem uma visão séria dessa "experiência".

Quanto às observações sobre "trincheiras" e "linha da frente", sendo justas para que se seja rigoroso na sua correcta utilização, será talvez de considerar que o seu uso linguístico é mais por "indução" que por rigor factual. Tal como a imagem do "cercados" utilizada em circunstâncias conhecidas para transmitir a sensação vivida e percepcionada e que os puristas procuraram 'levar à letra' para ridicularizar e diabolizar os camaradas que a entendiam assim.

Hélder S

Anónimo disse...

Caros Camaradas

- "Trincheiras" e "linha da frente" não houve na Guiné, e uma qualquer linguagem, porventura, induzida, pode ela mesma induzir em erro um qualquer leitor nosso contemporâneo ou num futuro próximo ou longínquo;
- "Cercados" estiveram militares portugueses em Guidage (1973). Basta ler "Capitão de Abril" de Salgueiro Maia. Quanto A Gadamael (1973) só quem lá esteve poderá dizer se sentiam "cercados" ou empurrados para o Rio.
Alberto Branquinho

alma disse...

Confesso que que quando li o livro, há mais de cinquenta anos, não lhe prestei muita atenção. Já havia lido a obra principal do autor- Lisboa em Camisa, divertida comédia de costumes. Porém assumo, que para nós agora, a leitura de uma outra guerra, possa ter interesse. ABRAÇO. J.Cabral

alma disse...

A IDADE NÃO PERDOA... LISBOA EM CAMISA FOI ESCRITA POR GERVÁSIO LOBATO. AS MINHAS DESCULPAS, TAMBÉM AO NOSSO MAJOR ANDRÉ...ABRAÇO!

J.Cabral