quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14127: Notas de leitura (666): Do livro "O Corredor da Morte", de Mário Vitorino Gaspar, "As Minas, as armadilhas, os fornilhos e outros"

 


1. Em mensagem do dia 31 de Dezembro de 2014, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos, do seu livro "O Corredor da Morte", o capítulo 14, intitulado As Minas, as armadilhas, os fornilhos e outros.




____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

2 comentários:

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Amigo Mário Gaspar:
Foi-me doloroso ler esta descrição da detecção e levantamento de uma mina na Guiné, porém não consegui parar enquanto a minha tenção crescia até ao momento da decisão;
Levanto ou neutralizo?
Revivi uma cena passada há 50 anos, em 1965 na zona de Catió.
Comandava eu o grupo de combate que montou a segurança na estrada de Catió para Cufar, para que o saudoso furriel Silva da CCS do Batalhão 619, especialista em minas e armadilhas, neutralizasse uma mina anti-carro, antes referida por um informador nativo.
Naquele momento fatídico, à semelhança do que já anteriormente, havia feito e porque as chefias militares ao mais alto nível, consideravam de grande rronco apresentar material capturado ao IN, tomou a decisão errada e fatal.
Foi na altura uma dor tão grande que ainda hoje a sinto.

Mário Vitorino Gaspar disse...

Camaradas e Amigos
Andei com outros camaradas, amigos e até pessoas bem conhecidas do mundo do futebol, no XX e tremendo Curso de Minas e Armadilhas, em Tancos. Tudo sucedeu naquele Curso, desde “levantamento de rancho” na Messe de Sargentos, porque nunca cheguei a saber se ao Oficiais não contestaram a dádiva de uma “carde de porco à alentejana”, com ameijoas mas estragadas. Depois rebentou-se um petardo de 125 gramas na parada à noite. Os Cabos Milicianos ficaram sem o pré escandaloso de 90$00, e nem sequer pagaram o que deviam atrasado. O que sucedeu de anormal foi isto – o rebentamento do petardo foi uma brincadeira – fomos acusados de tudo. Todos sabiam que tinha chefiado aquela brincadeira – mas todos calados.
Com um Livro de quase mil páginas, e por muita boa que tivessem os instrutores era totalmente impossível, darem toda a matéria. De todas as Lições, as aulas penso eram de duas horas cada. No fim da Comissão fiz um relatório que me foi solicitado do BACAÇ 2834, com Sede em Buba, embora a minha Companhia fosse Independente éramos em termos operacionais dependíamos de Buba.
Íamos com os olhos vendados, e tenho perguntado muita vez quantos Especialistas de Minas e Armadilhas sobreviveram. Tenho muitos amigos de Minas e Armadilhas que estão mesmo com os olhos vendados, cegos.
Encontrada a mina, fica ela de gatilho apontado e o potencial especialista que a vai enganar. Sim, porque ele tem de ir sem medo. Eu olhava o “eu” e colocava-o no bolso. Herói? Fixava-a bem, nada disto tinha aprendido em Tancos, tornando-me um outro ser, tratava-a com bondade, amor, apalpava-a como fosse o nosso grande amor, tudo em silêncio, eu e ela. Após a tomada decisão: “vou levantar”, tendo consciência que tinha condições para o fazer. O meu cuidado maior era saber se ela estava armadilhada. Ela bem podia estar sobre uma amiga, ou estar apetrechada com um disparador de descompressão. Tudo isso fazia com uma simples palha de capim. Nas casas de botões do camuflado clips, para as silenciar. Aprendera eu. Também não me haviam ensinado. Escapei. Rebentou uma, e alguém falava dentro de mim, cuidado. A pica cai na mina, escapei eu e 7 feridos e não sei quantos evacuados.
Fui cá Lapidador de Diamantes, tratava-os com carinho, quer fossem de elevado valor, que valessem uns contos. Acidentes muito poucos, e o curioso que os poucos não foram por culpa minha, mas por entenderem, e até nada percebiam de diamantes ordenarem trabalharem de modo diferente.
O medo existe, existe mesmo, mas cado um reage de modo diferente do outro. Nas situações de tiroteio o coração acelerava-me e, num rasgo entrava num outro mundo, parece de fantasia, mas não é. Ficava pronto a responder a todos os problemas do mundo. Noutros o medo entranha-se e estagna. Mas vi muitos heróis com a cabeça entre as mãos. O Heroísmo é uma autêntica mentira, este é filho do medo. Herói existe a palavra, e se a escrevermos não fica sublinhada com um traço. Nunca comprei um dicionário, nem para os meus filhos que não contemplassem o termo merda.
Mário Vitorino Gaspar