Guiné > Região de Tombali > Catió > CART 1689 (1967/69) > O Silva com o Darei, um dos "pilha-galinhas" desta história. em Catió, onde ele ficou. O outro, o Una, faleceu em Gandembel no dia 19 de Abril de 1968 durante a Op Bola de Fogo.
Foto: © José Ferreira da Silva (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O José Ferreira da Silva, escritor, retornado de Cabinda, beirão de Santa Maria da Feira, tripeiro e "bandalho" de opção, crestumense de coração, desportista e sobretudo dirigente desportivo de reconmhecido mérito, ex-fur mil op esp / ranger, CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), é sobretudo uma mestre... da arte de contar histórias pícaras.
"Histórias Boas da Minha Guerra", em 3 volumes (publicadas sob a chancela da Chiado Editora), são já de leitura obrigatória para os senhores professores que vão amanhã explicar aos nossos netos e bisnetos o milagre da longevidade de 5 séculos do império português. Afinal, os últimos soldados do império, os que fecharam o "ciclo" da nossa "transumância" transoceânica, não eram propriamente meninos de coro, mas talvez mais prosaicamente "pilha-galinhas"... Com uma guerra tão longe de casa, em três palcos diferentes, a muitos milhares de quilómetros, é natural que houvesse, de tempos a tempos, falhas logísticas, e nomeamente dos comes & bebes da Intendência.
O valente soldado da guerra do ultramar, de África ou colonial (conforme o leitor queira, de acordo com a sua "cartilha" político-ideológica) bateu-se galhardamente, e um em cada cem morreu (em combate, de acidente ou de doença). Mas, graças a Deus, nenhum morreu de fom (de sede terão morrido alguns...).
Há uma herói desconhecido na nossa história bélica mais recente: o "pilha-galinhas". O Silva da CART 1689", o nosso mestre do pícaro, faz-lhe justiça neste microconto que merece ir para a nossa série "Humor de caserna"... LG
Humor de caserna > Os "pilha-galinhas"
por José Ferreira
De 29 de novembro a 13 de dezembro de 1967, a nossa CART 1689 esteve envolvida na implantação e construção do destacamento de Gubia, na zona de intervenção de Empada. Depois de um desembarque em LDP ao amanhecer, “à maneira da Normandia”, e após a ocupação do local apropriado, iniciaram-se os trabalhos das construções defensivas.
Para assegurar esses trabalhos e não só, os pelotões saíam para patrulhar e emboscar, rendendo-se uns aos outros.
Quando ocupámos aquele local, apanhámos vários cabritos e muitas galinhas, que eram da população, e que fugira ao ouvir o barulho dos motores das lanchas. Desde logo, sempre que determinado pelotão saía, as suas galinhas estavam à mercê dos outros militares que ficavam no acampamento.
E os “pilha-galinhas” só pararam quando, dos respectivos pelotões “proprietários”, passaram a ficar um ou dois militares (“dispensados por doença”), para guardarem o “galinheiro”.
Os soldados milícias Darei e Una, que eram do meu pelotão, quase não falavam entre si, pois, sendo de etnias diferentes, sentiam dificuldades em comunicar. Porém, entendiam-se lindamente.
Estávamos sentados no chão, ao redor de uma fogueira, de lume brando e muito braseiro, enterrada num rego apropriado para se poisarem os espetos dos assados nas beiras de cada lado. Enquanto o Darei, de faca afiadíssima, se entretinha a dar os últimos retoques num espeto de vara verde, o Una saiu sem dar cavaco, aparentando não querer mostrar o seu apetite, provocado pelas “insinuações” do Darei. No entanto, pouco depois, ouve-se:
– Ladrões, filhos da puta!... Eu fodo-vos!!! – gritava alguém lá ao fundo.
Ouvia-se também um restolho enorme de quem vinha a corta-mato e em fuga. Surge a uns 70 metros o Una a correr, com uma galinha encostada ao peito, ao mesmo tempo que a depenava a uma velocidade incrível.
Logo de seguida, surge o Flausino, sempre a gritar:
– Filhos da puta, ladrões!... Já vos apanho!!!
Ao passar junto de nós, o Una deixa cair a galhinha para as mãos do Darei que logo lhe enfia o espeto, do cu até ao pescoço, e o coloca imediatamente nas brasas.
O Flausino aproximou-se em modos ameaçadores. Olhando para os militares, que estavam em silêncio, a observar a galinha que esgravatava as brasas com as patas, pergunta, meio cansado e embasbacado:
- A galinha?... ga..ga..linha?...ga...aali ..li...li....?
Como ficou estarrecido a olhar também para o "assado” que mexia nas brasas, o Darei, imperturbável, respondeu:
– Galinhiiii.. nh’cá tem! ...Ess’é galo!!!
Dedicatória do autor ao nosso editor Luís Graça, com data de outubro de 2016
Fonte: Adapt de "Galinha ? Cá tem". In: José Ferreira da Silva - Memórias Boas da Minha Guerra, vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 75/77. (Este microconto foi publicado muito antes no nosso blogue, no pposte P8199, de 2 de maio de 2011.)
(Seleção, fixação / revisão de texto, negritos, título : LG)
____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série > 12 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25936: Humor de caserna (74): " O "Biró-lista", atirador de... morteiro (Alberto, Branquinho, "Cambança final", 2013, pp. 105-107)